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A ECT e a questão da imunidade fiscal

05/12/2014 às 07:29
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O serviço prestado pela ECT não representa uma concorrência real, colocando-se em cidades afastadas, nas quais as empresas privadas não têm interesse em investir.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, em sede de repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo 643.686, que foi reaultuado como RE 773.992, decidiu, por maioria, que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) não recolhe o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incidente sobre seus imóveis, uma vez que eles estão abrangidos pelo princípio da imunidade tributária recíproca.

No recurso, o Município de Salvador questionava acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que reconheceu a aplicação, ao caso, do princípio da imunidade recíproca entre os entes federativos, previsto no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal, afastando a cobrança do IPTU.

Alegou o Município que o serviço público prestado pela ECT não justifica a imunidade, que deve ser aplicada somente às autarquias e fundações públicas. Sustentou, outrossim, que a Constituição Federal veda a imunidade relativamente às empresas e que a ECT exerce suas atividades em regime concorrencial. Por sua vez, a ECT alegou que não explora atividade econômica, mas desempenha serviço público de caráter obrigatório e exclusivo do Estado.

Em seu voto, o Ministro Relator, Dias Toffoli, votou pelo desprovimento do recurso, trazendo à colação o entendimento do Supremo Tribunal Federal na matéria, segundo o qual a imunidade deve ser estendida às empresas públicas e sociedades de economia mista prestadores de serviços públicos. Ambas, segundo elas, “fazem parte da administração pública indireta e, por diversas vezes, figuram como instrumentalidades administrativas das pessoas públicas, ocupando-se dos serviços públicos incumbidos aos entes federativos”. Teriam assim o tratamento que é próprio das autarquias e das fundações públicas.

Foi realçado pelo Ministro Relator que a ECT é empresa prestadora de serviço público obrigatório e exclusivo do Estado e não exploradora de atividade econômica, embora também ofereça um serviço dessa natureza.

A imunidade recíproca está incluída entre as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Na Constituição Federal de 1988 o  artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, é vedado, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns  dos outros.  

Esse princípio, sem exceções, entrou no direito constitucional brasileiro com o artigo 10 da Constituição de 1891, que proibia “os Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente”.

Estudando a matéria, à luz do artigo 19, III, c, da Emenda nº 1, de 1969, Aliomar Baleeiro (Limitações Constitucionais ao poder de tributar, 6ª edição, pág. 95) acentuava que a imunidade não cobria só o patrimônio, considerado como a universalidade dos bens da pessoa de Direito Público ou entidade. Protegia ainda qualquer dos bens que o integram.

Por sua vez, ensinava Aliomar Baleeiro que rendas não são apenas os tributos, mas também os “preços públicos” que possam provir do exercício de suas atribuições, da venda de seus bens e utilização de seus serviços. Lembrou ainda o Ministro Baleeiro, que “não é admissível, em qualquer caso, o significado que Ruy Barbosa defendeu para rendas, equiparando-as às rentes, na linguagem francesa, os juros do título público. Tal interpretação não era compatível ao texto da Constituição de 1891 e era incompatível ao texto da Constituição de 1969, que, no artigo 20, II, subordinava, de forma expressa, a imposto federal, a renda das ap

Serviços são os públicos, segundo se vê da definição que lhes é dada pelo Direito Administrativo.

No que concerne às autarquias, entendeu ainda Aliomar Baleeiro que vigorava a imunidade para tudo quanto for de caráter instrumental ou funcional, isto é, dos bens, rendas, serviços que a entidade emprega como meios de desempenho de serviços públicos ou atividades de competência específica do Governo que a instituiu. Os edifícios da direção e agências, os hospitais, ambulatórios, ambulâncias etc, desde que utilizados exclusivamente na assistência dos indivíduos para os quais foi criado o serviço público, estão imunes.

Ainda para Aliomar Baleeiro, esse critério, quando da Constituição Federal de 1969, não se aplica à sociedade de economia mista, pois esta, como já estava consagrado pela Constituição de 1946, embora alvo de profundas reservas da doutrina, pode ser considerada agência ou instrumentalidade do governo, se lhe foi cometido o desempenho de um serviço público. Mas o artigo 19, § 1º, da Emenda Constitucional n. 1/1969, a contrario sensu, a excluiu da imunidade recíproca. Ficaria a critério do Congresso, por meio de Lei Complementar, beneficiá-la com isenções de impostos estaduais ou municipais, atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional.

Já no que concerne às empresas públicas, sempre se entendeu que a empresa privada não poderá sobreviver sujeita à competição com aqueles entes, que sejam isentas ou imunes. A regra que se trazia da Emenda n. 1, de 1969, artigo 170, § 3º, era clara: “A empresa pública que explorar atividade econômica não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas”.

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Ficou assentado, no julgamento da ADPF 46, no voto do Ministro Eros Grau, repetindo a lição já trazida em seu livro, “ A ordem econômica na Constituição de 1988”, 9ª edição, pág. 9, que o serviço postal é serviço público.

Assim o serviço postal não se consubstancia atividade econômica em sentido estrito, a ser explorada pela empresa privada.

Trata-se de serviço a ser prestado exclusivamente pela União.

É, por demais citada, a lição de José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 13ª edição, pág.471) quando disse: “Além da exploração e execução de serviços públicos decorrentes de sua natureza de entidade estatal, a Constituição conferiu à União, em caráter exclusivo, a competência para explorar determinados serviços que reputou públicos, tais como: a) manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; (...)”.

Veja-se a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição brasileira de 1988, volume I, 2ª edição, pág. 156) quando ensinou: “A Constituição reserva à União o transporte de cartas e encomendas e elas equiparadas, por conta de terceiros, de modo habitual”, lembrando-se que o artigo 42 da Lei n. 6538/78 define crime de violação de privilégio da União.

Há, portanto, na atividade da ECT, um privilégio na prestação de serviços públicos, na exclusividade da prestação de serviços públicos.

No Brasil, o serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo Decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1969, que foi recepcionado pela Constituição de 1988.

Atua, assim, a ECT em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem, em situação de privilégio (privilégio postal).

Ruy Barbosa (Privilégios exclusivos na jurisprudência constitucional dos Estados Unidos, in Obras Completas, volume XXXV, tomo II, Ministério da Educação e Cultura, Rio , 1963, pág. 13 e 14) afirmou a necessidade de distinguir entre o monopólio de atividade econômica (em sentido estrito) e a situação, “absolutamente diversa, nos seus elementos assim materiais como legais, de outros privilégios, que não desfalcando por modo algum o território do direito individual, confiam a indivíduos ou corporações especiais o exercício exclusivo de certas faculdades, reservadas, de seu natural, ao uso da Administração, no País, no Estado ou no Município, e por ela delegados, em troco de certas compensações, a esses concessionários privativos”. Completou Ruy Barbosa a sua lição ao dizer: “Num ou noutro caso, pois, todos esses serviços hão de ser, necessariamente, objeto de privilégios exclusivos, quer os retenha em si o governo local, quer os confie a executores por ele autorizados. De modo que são privilégios exclusivos, mas não monopólios na significação má e funesta da palavra”.

Há, portanto, algo distinto da atividade econômica em sentido estrito de modo que os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos, como disse o Ministro Eros Grau, importam que sua prestação seja desenvolvida sob privilégios, inclusive, a exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que corresponde a sua prestação.

Em sendo assim, natural o reconhecimento de que se está diante de uma limitação constitucional ao poder de tributar, não podendo se cobrar o IPTU da ECT.

Da mesma forma, no julgamento do RE 601.392, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) não precisa pagar Imposto sobre Serviços (ISS) em atividades alheias à prestação de serviço postal.

Naquele julgamento foi questionada decisão do Tribunal Regional da 4ª Região  que reconheceu o direito do Município de Curitiba de tributar a ECT com o ISS nos serviços elencados no item 95 da Lista anexa ao Decreto-lei 56/187. Esses serviços abrangem cobranças e recebimentos por pessoa de protestos; devolução de títulos pagos; manutenção de títulos vencidos; fornecimento de posição de cobrança ou recebimento e outros serviços correlatos da cobrança ou recebimento.

Ora, o serviço prestado pela ECT não representa uma concorrência real, colocando-se em cidades afastadas, nas quais as empresas privadas não têm interesse em investir.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A ECT e a questão da imunidade fiscal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4174, 5 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32915. Acesso em: 28 mar. 2024.

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