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A eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais

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Esta pesquisa busca identificar a eficácia das normas constitucionais e sua aplicabilidade. Analisa os tipos de eficácia catalogados pela doutrina majoritária e identifica as espécies que se extraem do texto constitucional.

Resumo:Esta pesquisa busca identificar a eficácia das normas constitucionais e sua aplicabilidade. Analisa os tipos de eficácia catalogados pela doutrina majoritária. Identifica as espécies que se extraem do texto constitucional. Diferencia as classificações diversas de autores consagrados e identifica seus pontos em comum. Busca compreender a aplicabilidade das normas constitucionais a partir de sua eficácia. Procura relacionar exemplos do texto constitucional. Examina a distinção entre eficácia social e jurídica. Verifica a divisão basilar em normas de eficácia plena, contida, limitada, exaurida. Identifica as diferenças e semelhanças da categorização das normas constitucionais nesses quatro grupos principais e sua aplicação prática. Busca relacionar decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a classificação das normas constitucionais que exemplifiquem a teoria. Pesquisa a eficácia normativa do art. 5º, §1º, da CRFB/88, que pode contradizer a classificação da eficácia das normas num primeiro momento. Analisa o gradualismo presente na classificação da eficácia das normas constitucionais. Busca avaliar a crítica à programaticidade da doutrina com relação à concretude das normas de eficácia limitada por princípio programático. Em relação ao método, foi utilizado o indutivo, na etapa de tratamento de dados o método cartesiano e no relatório do trabalho o método indutivo, novamente.

Palavras-chave: Eficácia. Aplicabilidade. Normas. Constitucionais. Concretude.


INTRODUÇÃO

A eficácia é inerente a todas as normas constitucionais, ou seja, todas elas produzem efeitos quando da sua entrada em vigor. Todavia, tais efeitos não são semelhantes em todas as normas, isso porque a Constituição, ao albergar os mais variados anseios, não esgota o disciplinamento dos múltiplos interesses. Diante disso, além das normas que possuem plena eficácia, existirão normas constitucionais que dependerão de posterior atividade legiferante para serem aplicadas e, consequentemente, produzirem pleno efeito.  Daí a existência de certo gradualismo eficacial das normas constitucionais, que fez surgir na doutrina uma série de classificações sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.

No presente artigo, sem a pretensão de esgotar o assunto, serão apresentadas algumas das classificações doutrinárias que tratam da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais. Porém, antes disso, faz-se necessário abordar os conceitos de aplicabilidade e eficácia constitucional, temas objeto do tópico inicial da pesquisa.


1 APLICABILIDADE E EFICÁCIA CONSTITUCIONAL

Diz-se que uma norma constitucional tem aplicabilidade quando a sua incidência é possível no caso concreto, ou seja, quando a norma constitucional, além de válida e vigente, é eficaz juridicamente.[1]

A eficácia constitucional diz respeito à capacidade de a norma constitucional produzir efeitos jurídicos.[2]

Portanto, conforme explica José Afonso da Silva[3],

[...] eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade. Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim, como possibilidade de aplicação. Para que haja esta possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos.

Tratando sobre a aplicabilidade da norma constitucional, Michel Temer[4] afirma que a eficácia é ínsita a todas as normas constitucionais, que poderão apresentar eficácia jurídica e social ou somente eficácia jurídica.

Eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam. [...]. Isto é: retira a eficácia da normatividade anterior. É eficaz juridicamente, embora não tenha sido aplicada concretamente.[5]

A distinção entre eficácia social e jurídica consiste no fato de que a primeira se constata com a aplicação da norma que está em vigência, já exigível, a casos reais, concretos. Por outro lado, a eficácia jurídica se caracteriza pela produção de efeitos aos fatos jurídicos e também porque a norma já produz efeitos quando da sua entrada em vigor, uma vez que revoga e retira a eficácia das leis precedentes que sejam incompatíveis.

Dessa forma, pode-se afirmar que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, ou seja, produzem efeitos. Contudo, tais efeitos variam em grau, profundidade e extensão, ou seja, “existem diversos enquadramentos eficaciais para as normas supremas do estado” [6], o que originou na doutrina uma série de classificações acerca da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.


2 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À EFICÁCIA E APLICABILIDADE

Para que o objetivo da norma e a consecução de efeitos sejam produzidos, são necessárias sua eficácia e aplicabilidade, que dependem, outrossim, do tipo de comando constitucional exarado. Dessa forma, surge na doutrina classificações que buscam aclarar o significado da norma e viabilizar a produção de seus efeitos e sua exigibilidade, como exposto a seguir.

2.1 Primeiras classificações

As primeiras classificações das normas constitucionais brasileiras decorreram da jurisprudência e doutrina norte-americana, que dividiam as normas constitucionais em self-executing provisions e not self-executing provisions.[7]

Ruy Barbosa[8], fazendo uso dos ensinamentos de Cooley, lecionava que:

[...] a disposição constitucional é denominada auto-executável  (self-executing), quando nos fornece uma regra, mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou executar o dever imposto; [...] e não é auto-aplicável (not self-executing), quando meramente indica princípios, sem estabelecer normas, por cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei.

Essa classificação foi divulgada aqui no Brasil por Ruy Barbosa sob a denominação de normas constitucionais autoaplicáveis e normas constitucionais não autoaplicáveis. Contudo, conforme expõe Luís Roberto Barroso[9], o próprio Ruy Barbosa se sentia incomodado com tal classificação, visto que para ele não havia como se conceber que normas constitucionais não tivessem força imperativa e fossem apenas “cláusulas de conselhos, avisos”.

De igual modo, Meirelles Teixeira, apontou críticas a essa classificação inspirada na doutrina norte americana, sob o entendimento de que ela “não contemplava a ingerência do legislador no cumprimento das normas ditas autoexecutáveis e não permitia o reconhecimento de efeitos às normas ditas não autoexecutáveis”[10]. E diante disso, propôs que as normas constitucionais fossem classificadas em normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada ou reduzida, sendo estas últimas divididas “em normas programáticas e normas de legislação”[11], a seguir explicadas:

[...] as normas de eficácia plena são aquelas que produzem, desde o momento de sua promulgação, todos os seus efeitos essenciais, isto é, todos os objetivos especialmente visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. As de eficácia limitada ou reduzida são as normas que não produzem logo ao serem promulgadas, todos seus efeitos essenciais, porque não se estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso suficiente, deixando total ou parcialmente essa tarefa ao legislador ordinário. Quanto às normas programáticas e de legislação: as primeiras [...] constituem, verdadeiramente, programas de ação social (econômica, religiosa e cultural), assinalados ao legislador ordinário. Já as normas de legislação [...] inserem-se na parte de organização da Constituição e, excepcionalmente, na relativa aos direitos e garantias (liberdades).[12]

Analisando a classificação feita por Teixeira a partir da lição de Crisafulli, José Afonso da Silva ressaltou a necessidade de se fazer uma classificação tricotômica das normas constitucionais, “a fim de fazer-se uma separação de certas normas que preveem uma legislação futura, mas não podem ser enquadradas entre as de eficácia limitada”.[13]

Propôs, assim, a classificação das normas constitucionais em três categorias: normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida; e normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida[14], que serão estudadas no tópico a seguir.

2.2 Classificação de José Afonso da Silva

Conforme Bulos[15], essa classificação é adotada pelo Supremo Tribunal Federal com algumas variações terminológicas, visto que em algumas vezes menciona-se a expressão norma não autoaplicável ou dependente de lei formal, em substituição à expressão norma de eficácia limitada.

2.2.1 Normas constitucionais de eficácia plena

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que quando da entrada em vigor da Constituição:

[...] produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto.[16]

Trata-se, portanto, de normas cuja “aplicabilidade é direta, imediata e integral sobre os interesses objeto de sua regulamentação jurídica”[17], visto que prescindem de legislação infraconstitucional para a produção de efeitos, pois já “possuem os elementos necessários à sua executoriedade direta e integral”[18].

São elencados pela doutrina como dispositivos que revelam normas constitucionais de eficácia plena o artigo 2º que trata da harmonia e independência entre os poderes; o artigos 14, §2º, a respeito da proibição de alistamento como eleitor dos estrangeiros e conscritos durante o período do serviço militar obrigatório; o artigo 17, §4º acerca da vedação de utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar; bem como a matéria tratada pelos artigos 19; 20; 21; 22; 24; 28, caput; 30; 37, III; 44, parágrafo único; 45, caput; 46, §1º; 51; 52; 60; 156 etc. todos da CRFB/88.[19]

A inclusão do último artigo mencionado no rol das normas de eficácia plena foi inclusive ratificada pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal[20], quando do julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento nº 396695-4, cuja ementa é a seguir colacionada:

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO: CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 201, § 5º e § 6º: AUTO-APLICABILIDADE. AUXÍLIO-SUPLEMENTAR. OFENSA REFLEXA. I. - As normas inscritas nos § 5º e § 6º, do art. 201, da Constituição Federal, são de eficácia plena e aplicabilidade imediata. O disposto no § 5º do art. 195 da Lei Maior e nos artigos 58 e 59, ADCT, não lhes retira a auto-aplicabilidade. II. - O exame da natureza jurídica do benefício previdenciário auxílio-suplementar não prescinde do exame da Lei 6.367 /76, que o instituiu. Ofensa reflexa ao texto constitucional. III. - Agravo não provido.

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Portanto, conclui-se que as normas constitucionais de eficácia plena se caracterizam por produzir efeitos desde logo, sem a necessidade de regulamentação mediante lei, o que pode ocorrer na hipótese de norma constitucional de eficácia contida, analisada a seguir.

2.2.2 Normas constitucionais de eficácia contida

De igual modo, as normas constitucionais de eficácia contida incidem e são capazes de produzir efeitos imediatamente. Porém, essas vêm acompanhadas de disposições que preveem a possibilidade de limitação de sua eficácia, ou seja, norma infraconstitucional poderá reduzir sua abrangência, “manter sua eficácia em certos limites, dadas certas circunstâncias” [21].

Essa restrição da eficácia das normas pertencentes ao referido grupo poderá se concretizar também pela incidência das normas da própria Constituição, que pode restringir ou suspender a eficácia de alguns direitos, independentemente da existência de leis dispondo sobre eles.  Como exemplo, a doutrina cita a possibilidade de restrição ou suspensão do direito de liberdade de reunião, quando da decretação do estado de defesa ou de sítio, (artigo 136, §1º e 139, da CRFB/88). De igual forma, conforme texto constitucional, o alcance de alguns direitos poderá ser reduzido por motivo de ordem pública, bons costumes, perigo público iminente e paz social.[22]

José Afonso da Silva[23], em conceito que engloba todas essas características, afirma que as normas de eficácia contida são aquelas:

[...] em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados.

São elencadas como normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata os “artigos 5º, VII, VIII, XII, XV, XXIV, XXV, XXVII, XXIX, XXXIII; 15, IV; 37; 84, XXVI; 139; 170, parágrafo único; 184, caput etc”.[24]

Vale enfatizar que as normas constitucionais de eficácia contida apresentarão, enquanto não materializada a restrição, eficácia plena e aplicabilidade imediata. Exemplo disso é o artigo 5º, XV, da CRFB/88, que, enquanto não disciplinado por lei, será aplicado imediatamente e de forma plena.[25] Por tal característica, Michel Temer[26] prefere nomear tais normas como normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível.

2.2.3 Normas constitucionais de eficácia limitada

Já as normas carentes de uma normatividade que garanta a plena produção de seus efeitos essenciais quando de sua entrada em vigor e dependentes, portanto, de lei para regulamentá-las, encontram-se no grupo das normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida.[27]

Tais normas apresentam eficácia jurídica no momento em que são promulgadas. Porém, diante da dependência de lei para regulamentá-las, não possuem efetividade, visto que sua aplicabilidade é diferida e, consequentemente, reduzida, pois enquanto não formulada lei que viabilize o direito nela consagrado, esse permanece inaplicável.[28] Nesse sentido, José Afonso da Silva[29] discorre que “Isso indica que os interesses por elas protegidos o são com intensidade diminuta, mas isso não quer dizer que não criem situações jurídicas subjetivas”.

O Supremo Tribunal Federal[30], no julgamento do agravo regimental no recurso extraordinário nº 544.655, adotou essa classificação, afirmando que o artigo 37, I, da CRFB/88, por depender de norma regulamentadora para produção plena de efeitos, é uma norma de eficácia limitada e, portanto, não autoaplicável.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. ESTRANGEIRO. ART. 37, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (COM A ALTERAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 19/98): NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA. JULGADO RECORRIDO EM DESARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PROVIDO.

Bulos[31] afirma que essas normas são também denominadas de:

[...] normas de esquemas gerais de estruturação, normas declaratórias de princípios instituidores, normas de princípios organizativos, normas de princípios organizatórios, normas de princípios orgânicos, ou, ainda, disposições constitucionais de princípio.

Vale destacar que a doutrina classifica as normas limitadas em normas limitadas por princípio institutivo e normas limitadas por princípio programático[32].

As normas limitadas por princípio institutivo são aquelas que necessitam de lei posterior para “dar corpo a institutos, instituições, pessoas, órgãos ou entidades constitucionais”[33].

Como exemplo de normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo, a doutrina cita os artigos “18, §2º; 22, parágrafo único; 25, §3º; 33; 37, IX; 88; 90, §2º; 91, §2º; 102, §1º; 107, §1º; 109, VI, §3º; 113; 121; 125, §3º; 128, §5º; 131; 146; 161, I e 224, da CRFB/88”[34], que tratam, dentre outros assuntos, da criação, transformação ou reintegração do Território ao Estado de origem; da delegação da competência privativa da União para legislar aos Estados com relação a questões específicas; bem como da instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, dentre outros exemplos, pois tais normas dependerão de lei, nesses casos complementares, para terem eficácia plena.

Cumpre ressaltar que as normas instituidoras poderão ser consideradas impositivas; ou facultativas (permissivas). Sendo as primeiras aquelas que determinam, de forma peremptória, a formulação de legislação integrativa. Já as facultativas, “não impõem uma obrigação; limitam-se a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineada” [35].

Lado outro, as normas de eficácia limitada por princípio programático são as que “em vez de regular, desde o dia em que nascem, certos assuntos, apenas transferem para o legislador tal encargo, estipulando o que ele poderá, ou não, fazer”. São normas que, ao visarem “a consecução dos fins sociais pelo Estado, desempenham a função eficacial de programas” [36].

Tais normas, embora limitadas, produzem efeitos jurídicos, tendo aplicabilidade nos limites de sua eficácia, sendo um grande equívoco a sua inaplicação, sob o fundamento de falta de legislação.[37] Isso porque “não é a lei que cria as situações jurídicas subjetivas, pois estas encontram seu fundamento na própria norma constitucional que as estabelece”[38].

José Afonso da Silva as subdivide em três categorias: normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, manifestada, por exemplo, no artigo 7º, XX, da CRFB/88, que estabelece a proteção da mulher, mediante incentivos específicos, na forma da lei; normas programáticas referidas aos Poderes públicos, como o artigo 21, XI, do texto constitucional, que fixa que compete à União a elaboração de planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e social; e normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social, em geral evidenciada no artigo 170, da CRFB/88.[39]

Segundo o mesmo doutrinador, “essa divisão guarda validade puramente genérica, porque, como normas jurídicas, as programáticas devem ser observadas, nos limites de sua eficácia, por todos” [40].

Os artigos “7º, XX, XXVII; 21, IX; 23; 170; 173, §4º; 196; 205; 211; 215; 216, §3º; 218, caput; 226, §2º; 227”, são exemplos de normas constitucionais de eficácia limitada por princípio programático pois versam sobre temas como a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da valorização do trabalho e a livre iniciativa como fundamentos da ordem econômica a fim de assegurar a existência digna e outros princípios na exploração da atividade econômica, como também a garantia da saúde como direito de todos e dever do Estado, exercido por meio de políticas sociais e econômicas com o objetivo de redução do risco de doenças e do acesso da população aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, entre outros temas.[41]

Outro dispositivo constitucional que pode ser mencionado como exemplo é o art. 245 da CRFB/88, que dispõe sobre a assistência aos herdeiros e dependentes carentes da vítima de crime doloso, prestada pelo Poder Público, pois é objeto de projeto de lei de iniciativa popular atual, que tenta promover a regulamentação da norma constitucional para que seja proporcionada assistência aos herdeiros, dependentes e à própria vítima de crime doloso, que se encontrem em situação de fragilidade e carência econômica, de modo que não consigam por seus próprios meios realizar tratamento médico e psicológico ou outros necessários em decorrência do crime sofrido.[42]

Feitas essas considerações, passa-se ao estudo da classificação apresentada por outros doutrinadores, dentre eles, Uadi Lammêgo Bulos, que exibe em sua obra mais uma categoria de normas constitucionais, que será exposta a seguir.

2.3 Normas constitucionais de eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada

Bulos[43], ampliando a classificação formulada por José Afonso da Silva, defende que o texto constitucional contempla as normas por ele denominadas de eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada, que “são aquelas que já atingiram a produção de seus efeitos e, portanto, encontram-se desvanecidas, com a aplicabilidade esgotada”. Como exemplo de normas de eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada o doutrinador menciona os artigos 1º; 2º; 14; 20; 25 e 48, do ADCT.[44]

2.4 Classificação de Pinto Luiz Ferreira e de Maria Helena Diniz

No que tange à eficácia das normas constitucionais, Ferreira[45] propõe que essas sejam classificadas como:

Normas constitucionais de eficácia absoluta não emendáveis, com força paralisante total sobre as normas que lhe conflitarem; normas constitucionais de eficácia plena, constitucionalmente emendáveis; normas constitucionais de eficácia contida; e normas constitucionais de eficácia limitada.

O tema da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais também foi objeto de estudo de Maria Helena Diniz que, analisando as reflexões que tratavam dessa matéria, propôs, tendo em vista a intangibilidade e a produção dos efeitos concretos, que as normas constitucionais fossem classificadas em: normas com eficácia absoluta; normas com eficácia plena; normas com eficácia relativa restringível; e normas com eficácia relativa complementável ou dependentes de complementação.[46]

Para a doutrinadora, as normas constitucionais com eficácia absoluta ou supereficazes são aquelas intangíveis, detentoras de força paralisante total de qualquer legislação que venha contrariá-la, não podendo ser emendadas ou reformadas, “sob pena de destruírem, ou suprimirem, a própria Constituição” [47].

Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar posterior, são emendáveis. Por exemplo, os textos constitucionais que amparam a federação (art. 1º), o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14), a separação dos poderes (art. 2º) e os direitos e garantias individuais (art. 5º, I a LXXXVII), por serem insuscetíveis de emenda, são intangíveis, por força dos artigos 60, §4º, e 34, VII, a e b.[48]

As normas com eficácia plena são aquelas que, embora suscetíveis à emenda, podem ser aplicadas imediatamente, desde a sua entrada em vigor, isso porque possuem todos os elementos ensejadores da produção imediata de efeitos, ou seja, “não requerem normação subconstitucional subsequente”. Pode-se citar como exemplo, 1º, parágrafo único, 14, § 2º, 21, 22, 37, III, dentre outros da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.[49]

As normas com eficácia relativa restringível são aquelas que possuem aplicabilidade imediata ou plena, mas que poderão ter a sua eficácia reduzida pela atividade legislativa.[50]

São preceitos constitucionais que receberam do constituinte normatividade capaz de reger os interesses, mas contêm, em seu bojo, a prescrição de meios normativos ou de conceitos que restringem a produção de seus efeitos. São normas passíveis de restrição. Independem para sua aplicabilidade de interferência do legislador, pois não requerem normação futura, visto serem de aplicação imediata, mas preveem meios destinados a restringi-las.[51]

O artigo 5º, VIII; XI; XII; XIII; XIV; XVI; XXIV; LXI; LXVII, bem como os artigos 15; 84, XXVI; 139, da CRFB/88 são elencados como exemplo de normas constitucionais com eficácia relativa restringível.[52]

As normas com eficácia relativa complementável ou dependentes de complementação são aquelas que apresentam possibilidade mediata de produção de efeitos, visto que necessitam de ulterior produção legislativa para a produção plena de efeitos.[53]

Conforme explica a doutrinadora, cuja classificação se analisa, nas normas com eficácia relativa complementável a:

[...] possibilidade de produzir efeitos é mediata, pois, enquanto não for promulgada aquela lei complementar ou ordinária, não produzirão efeitos positivos, mas terão eficácia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatíveis e impeditiva de qualquer conduta contrária ao que estabelecerem.[54]

Esse grupo de normas poderá ser de princípio institutivo ou normas programáticas, sendo as normas de princípio institutivo as que requerem a atuação do legislador para que se “estabeleça, mediante leis complementares ou ordinárias, esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, para que tenham aplicabilidade plena ou imediata”. Os artigos 17, IV; 25, §3º; 148, I e II; 165, §9º, I, da CRFB/88 são elencados como exemplo.[55]

Já as normas programáticas são aquelas que estabelecem programas a serem desenvolvidos por meio de lei infraconstitucional, isso porque “o constituinte não regulou diretamente os interesses ou direitos nelas consagrados, limitando-se a traçar princípios a serem cumpridos pelos poderes públicos”. Como exemplo, podem ser citados os artigos 21, IX; 23; 170; 205; 211; 215; 218; 226, §2º, da CRFB/88.[56] Dessa forma, passa-se à análise e classificação do artigo 5º, §1º, da CRFB/88.

2.5 Enquadramento eficacial do artigo 5º, §1º, da CRFB/88

O supracitado dispositivo constitucional estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, contendo uma regra que abrange direitos individuais, sociais, coletivos, políticos. A diversidade de direitos compreende diversidade de eficácia das normas de acordo com o disposto no texto constitucional, de forma que algumas possuem eficácia contida, plena, limitada.[57]

José Afonso da Silva[58] defende que ao determinar que todas as normas, abrangendo as descritas acima, possuem aplicação imediata, o art. 5º, §1º, da CRFB/88, estabelece que elas produzirão efeitos até o seu limite previsto constitucionalmente, ou seja, “[...] são aplicáveis até onde possam”. Tal constatação implica no fato de que ao Poder Judiciário não é permitido escusar-se de aplicar as normas que já possuam eficácia plena, que garantam um direito ao postulante.[59]

Da leitura do dispositivo, tem-se a impressão de que as normas consagradoras de direitos e garantias fundamentais são autoexecutáveis, o que para Bulos, é uma conclusão equivocada, visto que “o estudo das normas de eficácia contida demostra que nem todas as liberdades públicas descritas no artigo 5º, da CRFB/88 produzem plenos efeitos”[60].

Portanto, “o parágrafo único acima transcrito deve ser visto cum granun salis, porque as liberdades públicas têm aplicação imediata se, e somente se, a Carta Suprema não exigir a feitura de leis para implementá-las”[61].

Segundo o doutrinador, apesar do termo aplicação imediata, as normas de que trata o §1º, do art. 5º, da CRFB/88, serão autoaplicáveis somente quando não estiverem condicionadas à posterior atividade legislativa.[62]

Analisando as classificações doutrinárias referentes à aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais, Sarlet conclui que há convergência entre os doutrinadores a respeito da existência de normas que reclamam uma concretização legislativa, mas que, mesmo diante da necessidade de complementação, são dotadas de um mínimo de eficácia. Além disso, esclarece o autor que essas classificações revelam que o conteúdo do dispositivo é de suma importância para a determinação da sua normatividade, visto que “a completude da norma assume feições de verdadeiro pressuposto para a sua aplicabilidade e eficácia” [63].

Diante disso, expõe Sarlet que pode-se falar em normas constitucionais de alta densidade normativa, que são as que possuem normatividade suficiente, estando aptas a produzir efeitos essenciais; e normas de baixa densidade normativa, não dotadas de normatividade suficiente para produzir seus principais efeitos. Tal “terminologia [...] ressalta [...] o critério da densidade normativa [...] para a graduação da eficácia das normas constitucionais”[64] e ao mesmo tempo tenta “[...] contornar as pertinentes críticas tecidas em relação às concepções clássicas (normas auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis)”[65].

Porém, no que tange à previsão contida no §1º, do artigo 5º, da CRFB/88, Sarlet afirma que o entendimento que defende que o dispositivo citado não tem o condão de “transformar uma norma incompleta e carente de concretização em direito imediatamente aplicável e plenamente eficaz”, é equivocado, visto que ao não distinguir os direitos fundamentais dos demais dispositivos constitucionais, torna o §1º, do art. 5º, da CRFB/88 inexistente, “um preceito inócuo e desnecessário”[66]. Diante disso, Sarlet[67] defende que:

[...] a melhor exegese da norma contida no art. 5º, §1º, da Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho inequivocadamente principiológico, considerando-a, portanto, uma espécie de mandado de otimização (ou maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais.

Assim sendo, se atribui ao preceito em exame o efeito de gerar uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais[68], diferenciando-as dos demais preceitos constitucionais e ressaltando sua aplicabilidade imediata e “independentemente de qualquer medida concretizadora”, visto que os direitos fundamentais “governam a ordem constitucional” e pensamento alheio a isso, em última análise, está a “negar a própria fundamentalidade de tais direitos” [69].

2.6 Da necessidade do estudo quanto à efetividade das normas constitucionais

Normalmente, a doutrina considera os atos jurídicos em três planos distintos: o da existência (vigência), o da validade e o da eficácia. Porém, além disso, é necessário analisar a efetividade das normas constitucionais.

A ideia de efetividade expressa o cumprimento da norma, o fato real de ela ser aplicada e observada, [...] significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.[70]

Barroso, enfatizando o grande valor das obras doutrinárias que versam sobre a classificação das normas constitucionais quanto a sua eficácia e aplicabilidade, afirma que esses trabalhos voltaram-se substancialmente ao estudo da eficácia jurídica, que permitiu concluir que todas as normas constitucionais possuem, em maior ou menor intensidade, eficácia jurídica.[71]

Porém, na visão do autor, esses estudos pecaram ao não buscarem “saber se os efeitos potenciais das normas se produzem de fato”, isso porque o “Direito existe para realizar-se e a verificação do cumprimento ou não de sua função social não pode ser estranha ao seu objeto de interesse e de estudo” [72].

Os direitos previstos na Constituição, inobstante a classificação a eles destinada, estão ali para serem cumpridos, não podendo, portanto, ficar sem concretude, tornando-se previsões inócuas.

Por todo o exposto, as diferenças de eficácia atribuída aos diversos tipos de normas elencadas pelo texto constitucional sinalizam um “gradualismo”[73] no que diz respeito à produção de efeitos e nos objetivos dessas normas. Consequentemente, a diversidade de tipos de efeitos e normas, como as de eficácia limitada, exaurida, plena, contribuem para uma disposição organizada de implicações, efeitos, ao contrário do que ocorre nas constituições cujas normas possuem apenas uma forma de eficácia, como a plena, que permite sua aplicação imediata e não condiciona sua aplicabilidade a confecção de uma lei.[74]

Logo, consagra-se na CRFB/88 um “[...] escalonamento na intangibilidade e nos efeitos dos preceitos constitucionais [...]”[75], que decorre das classificações analisadas, da finalidade bem como da aplicabilidade das normas instituídas pelo constituinte originário e derivado.[76]

As normas programáticas possuem uma característica própria que, por vezes, é empregada como pretexto para o poder público não efetivar os direitos nelas previstos. Destarte, parte da doutrina, em especial Paulo Bonavides[77], faz uma crítica à programaticidade dessas normas, pois sugere a utilização da natureza da eficácia da norma programática como desculpa para a inobservância dos preceitos constitucionais, uma vez que “[...] comodamente se atribui a escusa evasiva da programaticidade como expediente fácil para justificar o descumprimento da vontade constitucional”[78].

Dessa forma, há necessidade de continuidade do estudo da matéria quanto aos seus aspectos práticos que influem na efetividade dos direitos assegurados constitucionalmente e criam embaraços de maneira perspicaz.

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Sobre os autores
Cecília Geier

Acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Campus Balneário Camboriú.

Michele Cristiane Alves

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GEIER, Cecília ; ALVES, Michele Cristiane. A eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4464, 21 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33391. Acesso em: 28 mar. 2024.

Mais informações

Pesquisa realizada sob a orientação da Professora MSc Alice Francisco da Cruz Salles.

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