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A presunção de dano em casos de uso indevido de marca

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01/11/2002 às 00:00
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4 -EXCEÇÃO À TEORIA DA PRESUNÇÃO DE DANO

Para a concretização e aplicação da presunção de dano, não deve o julgador se afastar – de plano – de certos elementos fáticos que circunscrevem o caso concreto, simplesmente considerando o dano, pelo simples uso indevido de marca, como presumido e ponto final.

Não se defende aqui, portanto, o radical entendimento de que, sempre, em casos de uso indevido e desautorizado de marca, se deve aplicar a teoria do dano presumível, sendo assim inevitável àquele que fez uso da marca sem autorização ser compelido a ressarcir o titular da marca violada, pois caso isto ocorra (i.e., aplicação ditatorial e indiscriminada desta teoria pelos Tribunais), tendo em vista que a maioria das pessoas titulares de marca são pessoas jurídicas (que são as que majoritariamente litigam sobre a matéria, as que podem contratar excelentes profissionais especializados na área, as que têm "fôlego" para suportar em todas as instâncias a demanda, etc.), se correria o risco de "admitir que os grupos sociais mais poderosos dominem a vida social, adaptando-a às suas necessidades. Assim, as variações axiológicas que provocam mudanças nas normas teriam por finalidade preservar a situação social dos indivíduos e grupos mais aptos para engendrar os valores no processo de manipulação ideológica. (...).

Obviamente, os grupos mais poderosos, chamados por muitos de ‘formadores de opinião’, influenciam mais nos modelos jurídicos que o resto da população, fenômeno que sempre ocorreu" [37].

A teoria presunção de dano (esta em abstrato) deve ser o comando genérico que norteie a matéria concernente às indenizações em casos de uso indevido de marca (e, conseqüentemente, em todo Direito da Propriedade Industrial), não deixando de lado as circunstâncias observadas no caso concreto.

A crescente tendência à aplicação da teria do dano presumido, confirmar-se-á nos próximos anos; entretanto, este crescimento deve vir acompanhado de uma visão adequada à realidade brasileira (falta de informação e cultura empresarial sobre marcas, sobretudo entre os pequenos e médios comerciantes, imensidão territorial do Brasil...).

A priori, quando se verificar a possibilidade de se aplicar esta teoria, deve o magistrado levar em conta se não há uma onerosidade excessiva e/ou uma utilidade duvidosa dela em casos com repercussões comprovadamente ínfimas, desprezíveis, para a titular da marca, e, em contrapartida, de grandes repercussões para o pretenso infrator (situação econômica deste ou da sua "empresa", seu faturamento, se é legalizada, famílias que dependem da sobrevivência desta...), observando-se, pois, o princípio da proporcionalidade, buscando a melhor solução para o caso concreto, quando mais em se verificando ter agido o suposto infrator com boa-fé. Outrossim, não se pode ignorar que o direito tem nos fatos sociais a sua fonte mais direta.

Como exemplo, da inaplicabilidade da tese do dano presumido fundamentado no simples uso da marca, temos o seguinte caso hipotético:

Uma sociedade "A", do Rio de Janeiro, fabricante de água sanitária, atuando somente no eixo Rio – Minas, possui, no INPI, a marca registrada "LIMPATUDO" para o respectivo produto desde 1998, sendo portanto seu uso exclusivo, para todo o território nacional, conferida à sociedade "A". Porém, um pequeno empresário "B", de uma cidade interiorana de São Paulo, começa a fabricar e comercializar, em 1999, água sanitária assinalada com a designação "LIMPATUDO" em sua embalagem, sendo um sucesso de vendas em sua cidade, único local em que o produto é vendido;

Em decorrência deste sucesso, um jornal de São Paulo publica uma matéria sobre o repentino sucesso deste empresário, que posteriormente se torna alvo de uma reportagem em um telejornal de âmbito nacional. A sociedade "A" toma ciência, em virtude das duas citadas reportagens, da existência do empresário "B" e de que este vem usando designação idêntica a sua marca que é registrada e possuidora, por conseguinte, de exclusividade de uso em todo território nacional; assim, resolve a sociedade "A" intentar uma ação para abstenção de uso de marca cumulada com perdas e danos em face do empresário "B";

No caso em tela, não se vislumbra qualquer possibilidade, diante dos elementos fáticos constatados, de ser acolhido o pleito da sociedade "A" no tocante às perdas e danos, sendo inegável, contudo, o direito dela em exigir abstenção de uso da marca ao empresário "B". A esta conclusão se chega por ser pouco provável que tivesse o empresário "B" conhecimento da sociedade "A" e de sua marca de ter a primeira usurpado clientela, ou mesmo lucro, da segunda; de ser o consumidor induzido a erro, vez que, apesar de atuarem no mesmo segmento mercadológico (produtos de limpeza), os territórios geográficos de atuação não se confudem e/ou se interligam, etc.;

A luz destes fatos, é incabível e, sobretudo, injusta a aplicação da teoria do dano presumido pelo simples uso indevido de marca. Também é irrazoável crer, ou melhor presumir diante das situações expostas, que tal situação tenha gerado um dano moral à imagem da sociedade "A".

Outro exemplo de inaplicabilidade do dano presumido seria o caso de uma padaria na cidade de São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro, estar usando uma marca já registrada de outra padaria, esta localizada na cidade de Sapucaia, Estado do Rio de Janeiro, considerando-se que ambas as padarias são microempresas, é incabível que a de São Francisco de Itabapoana pelo simples uso indevido da marca da segunda seja compelida a indenizar a de Sapucaia. Não é razoável que lhe seja exigido que tivesse conhecimento das normas de proteção de marcas, realizando com isto antes de expor sua marca em sua padaria uma busca por anterioridades no INPI, quando utilizou de boa-fé a marca. Tampouco, pelas circunstâncias do caso (cidades diferentes, pequenas empresas,...) não há que se cogitar em desvio de clientela da padaria de Sapucaia, locupletando-se assim indevidamente.

Em contrapartida, por exemplo, um laboratório farmacêutico "B" que, mesmo que sem culpa ou dolo, lance um produto com uma marca que já é objeto de registro no INPI, para o mesmo produto ou afim, de titularidade de um laboratório farmacêutico "A", age no mínimo imprudente e descuidadamente, haja vista sua condição industrial-empresarial (aqui incluídos os profissionais que lá trabalham e gerenciam a sociedade), podendo-se, destarte, exigir que o laboratório tivesse adotado uma conduta diversa, cautelosa, verificando a viabilidade junto ao INPI do registro da marca pretendida, antes de colocá-la no mercado. Assim sendo, é perfeitamente aplicável a teoria da presunção de dano em casos como este imaginado.

Ora, conclui-se que, se em toda decisão judicial a análise de todos os elementos fáticos da lide (como, por exemplo, mercado de atuação, localização geográfica deste, público-alvo, grau de conhecimento e fama da marca ou de sua titular, se a marca é formada por palavras de uso comum – marca fraca ou evocativa, confundibilidade evidente entre as marcas, condição social e comercial das partes, entre outros tantos) são importantes para convicção do juízo, mais ainda, em casos de Propriedade Industrial, em que se tratam de propriedades imateriais. É curial a observação cautelosa de todos os aspectos do caso concreto, a fim de se evitar (diminuir a possibilidade pelo menos) que decisões injustas possam ser proferidas.

Cumpre-se destacar as palavras do Professor João Baptista Herkenhoff, que são bastante apropriadas a este capítulo, in verbis:

"Caberá ao juiz, como cientista do Direito, como sociológo, no desempenho de um poder político, fazer a justiça do caso individual, vencendo, quer a insensibilidade da lei para acudir situações particulares imprevistas, quer seu atraso para adaptar-se à emergência dos fatos novos. 76

(...)

"A segurança jurídica é invocada, quando se fala em alargar a missão criativa do juiz. A lei traduziria essa segurança. 82 O afastamento da lei poria em perigo tal valor. Sem dúvida, uma das funções do Direito é preservar a segurança. Contudo, a Justiça é um valor superior a este. Jamais se poderá, em nome da segurança, consagrar a injustiça ou justificar a sentença contrária ao bem comum. 83

Não se nega que as relações jurídicas precisam de gozar de um teor de segurança. Sobretudo as relações comerciais, nas hipóteses em que os contratantes sejam de igual poder econômico.

Contudo, a segurança não pode ser elevada à categoria de valor supremo, em detrimento da Justiça, valor maior.

Com razão, no ensino bíblico, a segurança não é um valor autônomo, mas tem uma base axiológica: ‘O produto da justiça será a paz, o fruto da eqüidade, perpétua segurança’ (Isaías 32,17).

A segurança que a lei, fundamentalmente, garante é a segurança das classes que fizeram a lei, ou tiveram papel preponderantemente na sua feitura.

Se, num caso de despejo, o juiz dá guarida ao proprietário do imóvel, estará dando segurança aos que investiram em imóveis, por causa das leis de proteção à propriedade. Mas onde fica a segurança do inquilino, a segurança da família, instituição social que goza de proteção constitucional com muito maior amplitude do que a propriedade ?

(...)

A aplicação sociológica-política pode estabelecer uma maior aproximação entre o Direito e o fato social. Pode minimizar a tensão entre o Direito estatal e o Direito social, reduzir o abismo entre os símbolos do legislador e os do povo, contemplar a multiplicidade de culturas, dentro do Brasil. Tudo isso contribuirá para a segurança do Direito, segurança, contudo, em favor de todos, e não apenas em favor de alguns." [38]

Pelo aqui exposto, verifica-se que a Resolução da Associação Brasileira da Propriedade Industrial (ABPI), aprovada em 27 de janeiro de 2000 [39], referente às indenizações pelas infrações aos direitos da Propriedade Intelectual, que será convertida em projeto de lei a ser enviado ao Congresso para, ao final do processo legislativo, ser transformado em lei [40], é bastante rígida e inflexível em seus artigos 2.2 e 3, que prevêem:

"2.2 – Caso o infrator prove que a violação ao direito de propriedade intelectual não decorreu de culpa ou dolo, o titular do direito ou segredo deve receber ao menos uma remuneração pelo uso não autorizado do bem imaterial, cujo valor não deve ser inferior a 5% do lucro líquido auferido com a venda do(s) produto(s) ou serviço(s) relacionado(s) com o ilícito praticado.

3 – O titular de direito autoral, marca ou patente ou o detentor do segredo de indústria ou comércio deve ter sempre o direito a uma remuneração razoável pelo uso não autorizado de seu direito ou segredo, de não menos do que 5% do lucro líquido auferido com a venda do(s) produto(s) ou serviço(s) relacionado(s) com o ilícito praticado."

Com relação ao item 3.3 que, inclusive, já se fez menção no capítulo 2 (item 2.3) deste trabalho, seria de bom alvitre, por exemplo, inserir os seguintes trechos em destaque:

"3.3 – O dano moral, a princípio, resulta da própria violação ao direito, devendo, diante das circunstâncias observadas no caso concreto, ser indenizado sem qualquer necessidade de prova de prejuízo material."

Foi muito bem observado por Luis Recaséns, ao citar o Professor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes [41], que "a lógica dedutiva é imprópria para a solução de problemas jurídicos e humano. A lógica do razoável realiza operações que a lógica formal não comporta, especialmente operações de valorização e adaptação à realidade concreta".

Deste pensamento conclui o Professor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, parafraseando Luis Recaséns, que "a razoabilidade está limitada, condicionada e influenciada pela realidade concreta do mundo no qual opera o Direito; está circunscrita, condicionada e influenciada pela realidade do mundo social, histórico e particular no qual e para o qual são produzidas as regras jurídicas; está, ainda, impregnada por valoração, critérios axiológicos, que devem levar em conta todas as possibilidades e todas as limitações reais." [42]

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Ante o exposto, não é possível concordar com a redação dada aos itens 2.2, 3 e 3.3 da proposta da ABPI, vez que a presunção de dano, apesar de dever ser regra em casos de violação de marca, não convém ser aplicada em todos os casos indiscriminadamente, desprezando-se as circunstâncias fáticas que cada situação possui.

Como bem mencionou Maurício Lopes de Oliveira, citando Marcel Planiol:

"Direitos raramente são absolutos; o âmbito é normalmente limitado e o exercício submete-se a condições diversas." [43]


5 -CONCLUSÃO

Em casos de uso indevido e desautorizado de marcas, provado o simples uso desta (seja pela sua exposição em qualquer veículo informativo, seja pelo assinalamento de produtos), instituído está o dever de indenizar, tanto patrimonialmente (este, principalmente, fulcrado nos lucros cessantes) como pelo dano moral; sendo, via de regra, forte e presente a presunção de dano, esta com relação ao dano patrimonial baseada mormente nos royalties não recebidos pelo titular da marca, e com relação ao dano moral (mormente pela diluição da marca, que afeta também o nome e o conceito do titular), nos novos preceitos e concepções que surgiram sobre este dano nos últimos anos.

Somente assim, adotando como regra a presunção de dano, ter-se-á uma lei realmente eficaz com relação à proteção aos direitos marcários, posto que inegavelmente esta nova orientação jurisprudencial contribuirá para a prevenção e repressão ao uso indevido e desautorizado, bem como imprudente (que pela condição social e comercial do agente este poderia prever que estava infringindo direitos de outrem), de marcas de terceiros, devidamente registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI); já que a condenação do agente ao pagamento de certa importância em dinheiro, pelo simples uso indevido da marca, além de puni-lo o desestimulará (e também a outros que fiquem sabedores desta nova direção jurisprudencial) da prática futura de atos semelhantes.

O fortalecimento da teoria da presunção de dano pelo simples uso indevido da marca (i.e., na obrigação de indenizar o titular do direito marcário violado independentemente da prova da concretização/materialização do dano; danum in re ipsa), e o crescimento de sua aplicação pelos julgadores terá ainda um fundamental caráter educativo dentro da sociedade nacional, principalmente, no que tange à importância em se registrar uma marca, verificar a viabilidade em usá-la antes de colocá-la no mercado, em respeitar a marca de terceiros, entre outros tanto fatores pertinentes ao registro de marca; o que seria, e será, extremamente benéfico para termos um desenvolvimento ainda maior da indústria e comércio, respaldada em uma Lei de Propriedade Industrial eficaz, conhecida e sobretudo respeitada.

E é com o recrudescimento da jurisprudência calcada na presunção de dano (sem se afastar obviamente dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade), em casos de violação de marcas, que os Tribunais contribuirão, de forma significativa, para a diminuição dos casos de pirataria e falsificação (diminuição sim, visto que existem outros pontos a serem também combatidos como a falta de fiscalização, a corrupção, etc.), que – infelizmente – continuam a crescer em virtude da certeza da impunidade e não-responsabilização, ou seja, não aplicação eficaz da lei marcária que coiba a prática de atos desta estirpe.

Portanto, a jurisprudência terá papel decisivo para a consolidação de uma atitude mais dirigente, cautelosa, prudente e honesta do empresariado, comerciantes e aqueles que não se encontram submetidos ao regime jurídico-empresarial, no que tange à proteção dos direitos marcários, já que estarão cientes da não condescendência dos Tribunais com atos que infrinjam marca registrada de outrem.

Felizmente, a teoria do dano presumido (seja a título de danos patrimoniais presumidos, ou como fundamento à reparação de dano moral ou, agora também, dano à imagem) já vem sendo bastante aceita e, o mais importante, aplicada pelos magistrados brasileiros, como se teve a oportunidade de verificar neste trabalho.

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Sobre o autor
Alberto da Silva Dantas

advogado no Rio de Janeiro (RJ), pós-graduado em Propriedade Intelectual pela FGV/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Alberto Silva. A presunção de dano em casos de uso indevido de marca. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3534. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da UFRJ, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito.

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