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As sociedades simples no novo Código Civil

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01/02/2003 às 00:00
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DA RESOLUÇÃO DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO A UM SÓCIO

Em se tratando de sociedade simples, o ato constitutivo tem natureza de contrato plurilateral, o qual é um contrato sui generis, que dentre outras peculiaridades permite distinguir o que diz respeito ao contrato como um todo, e o que diz respeito à adesão de uma parte [45]. Diante disso, é possível que diante de problemas relativos a um único sócio, se dissolva apenas o seu vínculo, mantendo-se a sociedade.

Assim, a construção do contrato plurilateral permite que se atenda também ao princípio da preservação da empresa, pelo qual, sempre que possível há que se manter a empresa como organismo econômico produtor de riquezas, tendo em vista os inúmeros interesses envolvidos, como dos trabalhadores, do fisco e dos consumidores [46]. Ademais, há que se atentar para a função social que a sociedade desempenha, equacionando os interesses da sociedade, dos sócios que saem da sociedade, ou seus herdeiros, e dos sócios que permanecem [47].

Em face disso, doutrina e jurisprudência consagraram a figura da dissolução parcial, na qual a sociedade se resolve apenas em relação a um sócio, continuando a existir normalmente, mesmo que isso acarrete uma unipessoalidade temporário, que é admitida por 180 dias pelo novo Código Civil. A terminologia adotada é um contra-senso, pois ou a sociedade se dissolve e se extingue, ou não se dissolve [48]. Por isso, é digna de aplauso a terminologia adotada pelo novo Código Civil, pois afasta a idéia de dissolução nesse fenômeno, porquanto a sociedade continua a existir normalmente. Todavia, por uma precisão terminológica, é oportuno afirmar que o fenômeno regido pelo novo Código sob o título de resolução abrange tanto hipóteses de resolução decorrente do inadimplemento, como hipóteses de resilição decorrente da vontade de um sócio [49].

A resolução do contrato societário relativamente a um sócio pode ter lugar, nos casos de morte, exclusão, e exercício do direito de retirada.

7.1 – A MORTE DE UM SÓCIO

No regime do Código Comercial de 1850, em uma interpretação literal do artigo 335, podia-se afirmar que a morte de um dos sócios acarretava a dissolução da sociedade. Todavia, doutrina e jurisprudência, atentos ao princípio da preservação da empresa e à função social da sociedade, construíram a figura da dissolução parcial da sociedade, pela qual nesses casos se dissolveria apenas o vínculo do sócio falecido, mantendo-se a sociedade [50].

A orientação do Código Comercial estava ligada ao extremo individualismo que inspirou o código Napoleônico, que por sua vez inspirou o nosso diploma legal. Entendia-se que a natureza personalista da relação entre os sócios impedia a continuação da relação, se um dos sócios faltasse. Era tutelado o interesse do sócio em detrimento do interesse da sociedade [51].

Todavia, tal concepção não podia prevalecer, sobretudo com o reconhecimento da personalidade jurídica da sociedade, e da natureza plurilateral do contrato que une os sócios. A sorte da sociedade independe da sorte dos sócios, de modo que causas pessoais ligadas a um sócio, não podem de pleno direito influir na vida da sociedade, ainda que não haja cláusula contratual nesse sentido [52].

Com o advento do Novo Código Civil, há de vez a consagração da idéia da resolução da sociedade em relação a apenas um sócio, reconhecendo-se a função social da sociedade e o princípio da preservação da empresa.

De acordo com o novo Código, no caso de morte de um sócio deve, a princípio, ocorrer a resolução da sociedade apenas no que tange ao vínculo daquele sócio, liquidando-se suas quotas, apurando-se seus haveres, e entregando-os aos seus herdeiros (art. 1.028). A sociedade, a princípio, não deve ser extinta. Deve-se apenas apurar o que seria devido ao sócio, caso a sociedade fosse extinta, e transferir os valores aos herdeiros, em virtude do direito de crédito inerente à qualidade de sócio, que lhes é transferido.

A natureza personalista da relação entre os sócios impede que haja de pleno direito à transmissão da condição de sócio aos herdeiros do sócio falecido [53], pois não é indiferente para a vida da sociedade quem adquire a qualidade de sócio. Todavia, havendo acordo dos sócios remanescentes com os herdeiros, pode haver a substituição do sócio falecido, não havendo sequer a dissolução parcial da sociedade, mas apenas a entrada de um novo sócio.

De outro lado, a natureza personalista da sociedade simples pode impedir o prosseguimento da empresa, diante da importância que o sócio falecido possuía na vida da sociedade. Nesse caso, os sócios podem deliberar a dissolução total da sociedade, que agora não é consagrada como a regra, mas como uma exceção que depende da manifestação dos sócios em assembléia, ou no próprio contrato social.

Em síntese: no caso de morte de um sócio deve ocorrer a resolução do contrato em relação apenas ao vínculo do mesmo, salvo no caso de se decidir a dissolução total da sociedade, ou a substituição do sócio falecido por acordo com os herdeiros do mesmo.

7.2 – RECESSO

Outra forma de resolução da sociedade relativamente a apenas um sócio é a saída deste por iniciativa própria, vale dizer, ele se retira da sociedade, apurando os seus haveres. A retirada do sócio, também denominada recesso, pode ocorrer em diversas situações, variando de acordo com a duração da sociedade.

Tratando-se de sociedade por prazo indeterminado, assiste ao sócio o direito de a qualquer tempo se retirar apurando os seus haveres [54], não implicando tal fato em dissolução da sociedade. Essa possibilidade de retirada é um corolário da natureza contratual de tais sociedades, vigendo o princípio de que ninguém é obrigado a ficar preso a um contrato por toda a sua vida, podendo denunciá-lo a qualquer momento, retirando-se do mesmo [55].

Nas sociedades simples, exige-se apenas a notificação dos demais sócios com antecedência mínima de 60 dias, a fim de lhes possibilitar analisar os efeitos de tal retirada sobre a sociedade. Reconhecendo a natureza personalista, e a possível influência determinante do sócio que se retira, admite-se que os demais sócios deliberem a dissolução total da sociedade até 30 dias após a notificação (art. 1.029 parágrafo único do novo Código Civil).

Nas sociedades por prazo determinado não se admite a denúncia imotivada do contrato, exigindo-se para o recesso do sócio, o reconhecimento judicial de uma justa causa para tanto. Neste particular, o novo código foi um tanto quanto lacônico, na medida em que não define a justa causa para a retirada dos sócios nas sociedades por prazo determinado [56].

Pier Giusto Jaeger e Francesco Denozza afirmam que tal justa causa se identifica com eventos que não permitem a continuação da sociedade [57]. Francesco Messineo fala que há justa causa quando não mais existe a confiança nos outros sócios [58]. A decisão da existência ou não de justa deverá ser apreciada caso a caso pelo juiz, podendo-se ter como uma idéia geral a quebra da relação de confiança entre os sócios, e da "affectio societatis" [59].

7.3 – EXCLUSÃO DO SÓCIO

Por derradeiro, também configura uma das hipóteses de resolução da sociedade relativamente a um sócio, a sua exclusão por iniciativa da sociedade, ou de pleno direito [60].

7.3.1– EXCLUSÃO DE PLENO DIREITO

A exclusão de pleno direito ocorre nos casos em que a quota do sócio é liquidada em virtude da sua falência pessoal, ou da iniciativa de seus credores pessoais (art. 1.030 parágrafo único combinado com o artigo 1.026, ambos do novo Código Civil). Nessas hipóteses, deixa de existir a quota do sócio, isto é, deixa de existir a sua contribuição para o capital social, não mais se justificando a atribuição da condição de sócio ao mesmo [61]. Nesses casos, se fala em dissolução de pleno direito, pois a mesma independe de decisão judicial ou deliberação dos outros sócios.

7.3.2 – EXCLUSÃO PELA SOCIEDADE

A par da exclusão de pleno direito, existe a exclusão por iniciativa da sociedade.

Tal exclusão se justifica pelo princípio da preservação da atividade exercida pela sociedade, isto é, por razões de ordem econômica que impõem a manutenção da atividade produtora de riquezas, em virtude dos interesses de trabalhadores, do fisco e da comunidade. O ordenamento jurídico deve assegurar os meios capazes de expurgar todos os elementos perturbadores da vida da sociedade, uma vez que a sua extinção pode afetar os interesses sociais na manutenção da atividade produtiva [62].

A exclusão do sócio é um direito da própria sociedade de se defender contra aqueles que põem em risco sua existência e sua atividade. É um direito inerente à finalidade comum do contrato de sociedade, independentemente de previsão contratual ou legal [63].

E não se diga que se trata de uma medida drástica contra os sócios, que teriam interesses que devem ser respeitados. Conforme se verá, a exclusão não é imotivada, e o motivo dela faz com que prevaleça o interesse da sociedade em detrimento do interesse individual do sócio, ainda que majoritário, "cuja presença é elemento pernicioso para o seu normal funcionamento e para a prosperidade da sua empresa" [64].

São possíveis motivos da exclusão: a) grave inadimplência das obrigações sociais; b) incapacidade superveniente; c) impossibilidade do pagamento de suas quotas.

Ao subscrever uma quota do capital social, os sócios adquirem direitos, mas também assumem obrigações diversas além daquela de contribuir para o capital social. Para a exclusão do sócio deve haver o descumprimento das de tais obrigações. Todavia, não se trata de qualquer inadimplemento, mas daquele que impede ou dificulta extremamente a continuação da sociedade, o que se depreende do adjetivo grave. Para a exclusão, "A conduta do sócio faltoso prejudica de tal modo a empresa que a sua exclusão se torna a única forma de proteger a organização econômica de que a sociedade é titular" [65].

Neste particular, em relação às sociedades de pessoas, assume especial relevo o chamado dever de colaboração [66], que consiste na cooperação do sócio para se alcançar o fim comum objetivado pela sociedade. Caso haja a violação desse dever, a presença do sócio é inútil para a sociedade, e por vezes até prejudicial [67], justificando, por conseguinte a sua exclusão. A título exemplificativo, imagine-se o sócio que vota em sentido contrário a determinadas decisões, por mero capricho e não para defender os interesses sociais, ou que atrapalha os atos dos administradores, travando a agilização da vida da sociedade.

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Outro caso de exclusão do sócio que tem o mesmo fundamento é a incapacidade superveniente, entendida como a perda da capacidade de agir por si só. Neste caso, o sócio não pode cooperar para o fim social, não se justificando sua presença em uma sociedade de pessoas. Ademais, em tal tipo de sociedade não se admite a intromissão de um terceiro estranho, tutor ou curador do sócio incapaz, pelo que se justifica a exclusão do mesmo [68].

Por fim, admite-se a exclusão do sócio remisso constituído em mora pela notificação da sociedade para pagamento de sua parte no prazo de 30 dias. Em tal caso, também há uma violação grave ao dever primordial do sócio que é contribuir para o capital social, e conseqüentemente para a formação de uma base material para o exercício da atividade.

Ressalvada a hipótese do sócio remisso [69] que pode ser excluído extrajudicialmente, a exclusão deve ser decretada judicialmente (art. 1.029), o que protege os sócios minoritários de eventuais desmandos dos sócios majoritários. Neste particular, acreditamos que a melhor orientação seria aquela do direito italiano, que assegura aos demais sócios o direito de deliberar a exclusão, assegurando ao excluído o recurso ao poder judiciário [70]. Isto porque a quebra do dever de colaboração pode prejudicar de tal maneira a consecução do fim social, que a demora do trâmite de uma ação judicial poderia conduzir a resultados desastrosos para a própria preservação da sociedade.

Consagrando-se como regra a exclusão judicial de um sócio, é imprescindível o ajuizamento de uma ação, tendo em vista o princípio dispositivo que rege o processo civil. Tal ação tramitará pelo rito ordinário, e terá como autora a própria sociedade, e como réu o sócio cuja exclusão é pretendida.

O direito de excluir o sócio faltoso é da sociedade e não dos demais sócios [71], por isso esta é a autora da ação de exclusão. Em função dessa titularidade do direito à exclusão, é necessário que a sociedade delibere o ajuizamento da ação. Para se decidir pelo ajuizamento da ação é necessária a concordância da maioria absoluta dos sócios, computados por cabeça e não pela participação no capital social, não sendo incluído na votação o sócio a ser excluído [72]. Assim, numa sociedade de 11 sócios, seria necessária a concordância de 6 deles para o ajuizamento da ação, para excluir o sócio faltoso, mesmo que tal sócio detenha a maioria do capital social.

Conquanto o teor do artigo 1.030 do novo Código Civil não seja tão claro a respeito da matéria, acreditamos que essa é a melhor interpretação. Não se computa o sócio a ser excluído, pois se fala que a exclusão depende da iniciativa dos "demais" sócios, além do que o sócio a ser excluído seria suspeito para participar da votação. Além disso, a votação é tomada pelo número de sócios e não pela participação no capital social, porquanto é usada a expressão "maioria dos sócios" e não dos "votos", como consta do artigo 1.010 do mesmo diploma, quando a votação é feita de acordo com a participação no capital social, e não por cabeça.


8. APURAÇÃO DE HAVERES

Operada a resolução da sociedade em relação a um sócio, pode ser exercido por este um dos direitos patrimoniais inerentes à condição de sócio, qual seja, a apuração dos seus haveres, vale dizer, o recebimento de sua parte no patrimônio da sociedade. Ao contribuir para o capital social, e adquirir a qualidade de sócio, este passa a ser titular de um direito potencial de crédito, consistente na divisão do patrimônio social, o qual se concretiza no caso de resolução em relação a um sócio.

Tal direito também pode ser exercido nos casos de dissolução total da sociedade, daí a confusão terminológica, e a utilização da expressão dissolução parcial para os casos que geram a apuração de haveres [73]. Essa confusão é justificável na medida em que para o sócio, ou para os seus herdeiros não há nenhuma diferença concreta. Todavia, há uma grande diferença, na apuração de haveres a sociedade deve continuar a existir ao passo que na dissolução, a finalidade é extinguir a sociedade. Além disso, na dissolução surge um novo órgão o liquidante, enquanto na apuração de haveres a relação se desenvolve entre o sócio e a sociedade [74].

Para a apuração de haveres, é necessária a dissolução do vínculo de um sócio em relação à sociedade, e a manutenção da sociedade. Diante de tal situação, o sócio faz jus a liquidação da sua quota, isto é, faz jus a uma parte do patrimônio da sociedade. Para este mister, são necessários dois procedimentos, a determinação do patrimônio da sociedade e a definição do quinhão que toca a cada um dos sócios, e conseqüentemente do quinhão do sócio que se afastou da sociedade, ou de seus herdeiros.

A determinação do patrimônio de uma sociedade é feita por meio do levantamento de um balanço patrimonial, que é um processo técnico contábil pelo qual se define a situação patrimonial da sociedade num dado momento, e segundo a finalidade que presidiu o seu levantamento [75]. Para a apuração de haveres exige-se um balanço especial (art. 1.031 do novo Código Civil) que defina a situação patrimonial da sociedade na data da resolução, levando-se em consideração os valores prováveis de liquidação dos bens componentes do patrimônio da sociedade. A princípio, não se pode utilizar o balanço do exercício, na medida em que este se destina a finalidade restrita de apuração dos resultados da gestão social naquele exercício [76]. Todavia, a autonomia da vontade permite que os próprios sócios convencionem a utilização do balanço do exercício [77], haja vista que a livre manifestação da vontade das partes é válida, e nesse particular não está eivada de qualquer vício.

Apurado o valor patrimonial da sociedade, há que se determinar a parte em dinheiro que caberia a cada sócio se a sociedade fosse extinta. Neste particular, andou muito bem o novo Código Civil ao determinar que tal divisão leve em conta o capital efetivamente realizado (art. 1.031). Ora, se foi o capital efetivamente realizado que permitiu que a sociedade se desenvolvesse, e alcançasse o patrimônio que possui, e nessa medida que esse patrimônio deve ser dividido. Ressalte-se a divisão levará em conta o capital realizado por todos os sócios, e não apenas pelo que faz jus à apuração de haveres.

A título exemplificativo, imagine-se uma sociedade simples de três sócios – Romário, Edmundo e Ronaldo – com um patrimônio de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Em tal sociedade, cada sócio subscreveu uma quota de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tendo sido integralizados R$ 5.000,00 (Cinco mil reais) por Romário, R$ 3.000,00 (três mil reais) por Edmundo e R$ 2.000,00 (dois mil reais) por Ronaldo. Caso Romário se retire da sociedade ele fará jus a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a título de apuração de haveres, levando-se em conta o valor realizado do capital social. Caso se levasse em consideração a participação no capital subscrito, ele receberia apenas R$ 33.333,33 (trinta e três mil, trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos) o que não refletiria sua participação no sucesso da sociedade.

Definido o valor a ser recebido a título de apuração dos haveres, o mesmo deve ser pago no prazo de 90 dias contados da liquidação da quota, salvo disposição em contrário do contrato social. Este pode e normalmente fixa o procedimento para o pagamento dos haveres do sócio falecido, que se retira ou é excluído, prevendo o tempo e a forma de pagamento.

Feito o pagamento do sócio que não mais faz parte da sociedade, a princípio deve ser operada a redução do capital social na proporção das quotas que ele possuía, pois não mais existe a contribuição que justificava a existência das quotas. Entretanto, admite-se que os demais sócios supram o valor da quota, mantendo íntegro o capital social.

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Sobre o autor
Marlon Tomazette

procurador do Distrito Federal, advogado em Brasília (DF), professor de Direito do UniCEUB e da Escola Superior de Advocacia do Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMAZETTE, Marlon. As sociedades simples no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3691. Acesso em: 28 mar. 2024.

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