Entre concepções teóricas, ninguém está certo totalmente: o Caso Verônica

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Os direitos humanos são invocados, sem serem universalistas, e passam a ser individualizados: cada qual se acha dono dos direitos humanos.

Primeiramente, não usarei pronome de tratamento para deputado. Isso tem que acabar. É um cidadão como qualquer outro. Na Suécia, por exemplo, país cuja democracia é consolidada, o deputado tem que mostrar “serviço” – e não tem as mordomias que têm os “Luís XIV” [parlamentares], do “Palácio de Versales” [Congresso Nacional].

Verônica Bolina, uma cidadã brasileira - por que não tratar, logo, como mulher, já que quer ser mulher - virou um símbolo nacional de defesa aos grupos perseguidos pelos heterofóbicos.

O deputado Jean Wyllys, defensor do grupo LGBT e dos direitos humanos - mas se recusou a permanecer sentado ao lado do seu "colega" deputado Bolsonaro, na ocasião os dois estavam no mesmo avião - repudiou as agressões e o vexame que sofrera Verônica:

“Verônica Bolino, torturada, humilhada e exposta pela Polícia Civil de São Paulo, a mesma que deveria proteger os seus direitos e a sua vida. Quando duas discriminações se chocam, como é o caso de Piu [travesti morta] e de Verônica, ambas transexuais e negras, esse grupo é colocado numa das mais vulneráveis situações da nossa pirâmide social"!

Jean também disse:

“Toda violência nos atinge. Nossa indignação pela violação de direitos tão básicos deve abranger a humanidade. Mas temos que prestar especial atenção às pessoas que, pela misoginia social e pela violência institucional, são relegadas a um lugar de abjeção e desumanização”.

Cada grupo humano é formado pelas suas “concepções teóricas” que os mantêm unidos. Há, também, o instinto de sobrevivência a formar grupos humanos. De um lado, temos os heterossexuais, com suas concepções teóricas e o instinto de sobrevivência, de outro, os homoafetivos, para alguns, ainda, homossexuais, também com suas concepções e o instinto de sobrevivência.

Verônica:

1. Verônica fora presa no dia 10 deste mês sob suspeita de tentativa de homicídio contra uma vizinha de 73 anos;

2. Ela arrancara parte da orelha do carcereiro;

3. Masturbou-se na frente de outros detentos, o que causou a revolta destes;

4. "Eu estava possuída pelo demônio!”, palavras dela.

Os agentes públicos estão sendo investigados por suspeita de agressões, sem ser em legítima defesa.

A Constituição de papel

Cada cidadão, dentro dos direitos humanos consagrados na Carta Política de 1988, tem o dever – só direito fica no papel - de denunciar às autoridades públicas quaisquer violações a seus direitos [art. 5º, XXXV]. Por sua vez, cada cidadão, independentemente de etnia, condição social, se agente público ou não, deve se ater a norma contida no artigo 3º da mesma Carta Política, dos quais “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”.

Sendo os objetivos da República Federativa brasileira, ou melhor, sendo a vontade de todos os brasileiros, pois qualquer Constituição representa o âmago de um povo, mesmo que não seja maioria – não há como consubstanciar todas as vontades de um povo, sendo, assim, a Constituição é um documento parcial das vontades de todos os cidadãos; os que divergem, então, até certo momento, se submetem aos ditames Constitucionais, até que uma revolução venha a construir uma nova Constituição – não há que encobrir erros cometidos, muito menos endeusar fatos.

Nas divergências de concepções teóricas presentes no Brasil, o artigo 3º, da Carta Política de 1988, é norma esdrúxula. A própria Constituição é como livro esquecido na estante, ou simplesmente como um livro decorativo. Porém, lembrado quando há violações de direitos pessoais. Não há comportamento universalista de defesa de direitos, isto é, a consagração dos direitos humanos é invocada para defesas unilaterais, grupos específicos.

Muito deverá ser investigado sobre as agressões, ou violações de direitos humanos, tanto dos agentes públicos, dos demais encarcerados e da própria Verônica. Se constatado que todos tiveram ações agressivas, não há de endeusando grupos sexuais, se agente público ou não. O Brasil deve convergir para o preceito contido das normas contidas no artigo 3º da CF/1988.

O Brasil possui, atualmente, várias bandeiras tremulando em defesa de direitos, todavia, as mesmas bandeiras preconizam o ódio, a exclusão, a condenação medieval. Sem a sapata bem estrutura, a edificação se mostra comprometida. Não são os pilares [direitos e suas defesas] que irão garantir uma construção humanística da sociedade brasileira, mas as sapatas contidas no próprio art. 3º, da CF/1988.

Enquanto isso, grupos se digladiam em defesa de seus direitos, mas nenhum, ou pouquíssimos, se atrevem a dizer que o membro de um grupo errou. E temos que parar de encobrir os erros, para se defender direitos [unilaterais]. Infelizmente, diante do caos, pela escassez de humanização em nosso país - dos brasileiros “hospitaleiros”, “caridosos”, assim dizem os estrangeiros -, arenas são construídas, gladiadores são formados. A bestialidade, então, toma ares de mega show, as câmeras acompanham as ações grotescas em câmera lenta, fotos focam o horripilante, o sensacionalismo ganha público, o público vocifera, os direitos humanos caem ao solo encharcado de sangue e pedações de ossos partidos.

Muito mais que defender direitos, o Brasil precisa, urgentemente, investir na educação humanitária. Sem ela, o futuro brasileiro será palco de atrocidades inconcebívelis, o dano moral, então, soará como oportunidade de lucro a mais, as ações contra violações aos direitos humanos tornar-se-ão oportunidades grandiosas para operadores de direitos e para as vítimas. O Estado, então, fará de tudo ao seu alcance para coibir violações aos direitos humanos. Os gastos a Segurança Pública sextuplicarão, a vida brasileira será vigiada 24 horas por dia, 365 dias. Cada cidadão, então, se deslocará nas vias públicas com medo de outro concidadão: medo de ser agredido, ou medo de ser processado, até por simples espirro.

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Quanto mais leis forem necessárias, mais se verá que os brasileiros não estarão capacitados para a liberdade. Pois, numa democracia, a base da vida grupal não é o medo da punição, mas o respeito à vida humana, em toda a sua dimensão. A liberdade, então, será o comportamento universalista, o pensar antes de agir, o respeito ao próximo, a solidariedade. Enfim, civilidade.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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