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Limitação da busca e apreensão no Processo Penal

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Inegável a importância da busca e da apreensão no âmbito da persecução penal, sendo, muitas vezes, as principais formas de coleta de provas, alicerces da decisão que recairá sobre o indivíduo suspeito.

Sumário: 1. Introdução. 2. Busca e apreensão - definições legais. 3. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

Iniciada em 2013, a Operação Lava Jato levanta polêmicas acerca do uso, praticamente diário, de medidas cautelares, e provoca discussões generalizadas, que vão desde mesas de bar ao púlpito dos Tribunais Superiores. Aqui, destacamos a busca e apreensão, a qual, segundo Luciano Dutra, é a pesquisa, a investigação ou a procura efetuada pela autoridade competente de elemento que possam interessar à persecução penal.[1]


2. BUSCA E APREENSÃO - DEFINIÇÕES LEGAIS

O instituto da busca e apreensão está diretamente ligado à descoberta e/ou retenção de material útil à elucidação de investigação em curso perante o juízo criminal, e sua finalidade está taxativamente descrita no artigo 240, §1º, do Código de Processo Penal:

“Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o  Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;g) apreender pessoas vítimas de crimes;h) colher qualquer elemento de convicção.”.

Embora sejam tratadas em conjunto no Código de Processo Penal e tenham a mesma natureza no que tange a cautelaridade e instrumentalidade, a busca e a apreensão não se confundem:

“A distinção entre busca e apreensão parece ser uma evidência. A apreensão da coisa ou da pessoa vítima, prisão de acusados ou coleta de indícios, entretanto, é a própria ratio da busca. Embora subjacente à busca uma intenção de apreensão ou prisão da coisa ou pessoa investigada ou apropriação de indícios do fato investigado, a busca e a apreensão são noções que não se confundem, pois guardam um certa autonomia e, às vezes, caracterizam-se como medidas absolutamente independentes.”.[2]

Quanto ao seu tratamento constitucional, inicialmente cabe destacar que a busca e apreensão relaciona-se diretamente com os princípios da inviolabilidade de domicílio, intimidade, incolumidade física e moral do indivíduo, dentre outros, pelo que é possível concluir que tal instituto tem natureza cautelar, cuja finalidade é a sua própria instrumentalidade: como meio de formação de prova, deve atender a persecução penal na medida em que busca e apreende elementos interligados direta ou indiretamente com o fato considerado ilícito.

O caput do artigo 240 destaca que haverá busca domiciliar apenas “quando fundadas razões a autorizarem”, ou seja, é imprescindível decisão judicial permitindo sua realização. Disso, entende-se que não será realizada busca sem mandado judicial expedido mediante autorização judicial fundamentada. Isto porque se trata de medida restritiva de direitos fundamentais a ser utilizada, portanto, como ultima ratio, pelo que o mínimo que tamanha invasão deve possuir é uma justificativa adequada como tal, sob pena de nulidade. E é da própria Constituição Federal que se extrai tal requisito:

“Art. 93. IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

Não é outro o entendimento pacificado pela doutrina:

“Além de ser imposta expressamente por lei, é uma exigência da própria função jurisdicional, o que a legitima e distingue do poder arbitrário. (...) É para obviar ao possível arbitrium judicis que as legislações modernas exigem a fundamenta­ção da decisão, possibilitando a sua sindicabilidade externa e obrigando à racionaliza­ção das operações de determinação da pena concreta”.[3]

Sobre a necessidade de fundamentação, dizem ainda os Tribunais Superiores:

“O Supremo Tribunal Federal e esta Corte, em remansosa jurisprudência, dizem, ainda, que ‘será anulada a decisão judicial que não atacar e que não analisar qualquer dos fundamentos apresentados pela defesa’.

Dessa forma, entendo que o juiz teria que analisar o que foi arguido pela defesa, pois tem o dever de externar algum julgamento. Mesmo porque, também por força da Constituição, toda e qualquer decisão judicial tem que ser fundamentada. Com maior razão no caso dos autos, porque o legislador assim o exigiu expressamente”.[4]

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. DECRETAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA, QUEBRA DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E BUSCA E APREENSÃO. PREVENÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.[5]

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. OCORRÊNCIA. SIMPLES DETERMINAÇÃO DE EXPEDIÇÃO DOS MANDADOS. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. RECONHECIMENTO. 2. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. REFERÊNCIA EXPRESSA AOS MOTIVOS EXPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E AUTORIDADE POLICIAL. SUFICIÊNCIA. 3. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ULTRAPASSAGEM DO PRAZO LEGALMENTE PREVISTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. PROVA ILÍCITA. INOCORRÊNCIA. 4. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.

Ausente qualquer fundamentação na decisão que decretou a busca e a apreensão, determinando-se simplesmente a "expedição do mandado solicitado", é de reconhecer a ilicitude da prova produzida com a medida.[6]

Diante da imprescindibilidade da fundamentação da decisão que defere a busca e apreensão e do princípio da especialidade, entende-se também que o mandado decorrente deve ser específico, delimitando expressamente o objeto da medida:

“RECURSO ORDINÁRIO EM "HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - BUSCA E APREENSÃO VÁLIDA - NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO- ILEGALIDADE DA QUEBRA DO SIGILO FISCAL - ANULAÇÃO – NULIDADE VERIFICADA - NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 24, DO COL. STF- RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O mandado de busca e apreensão deve conter a indicação mais precisa possível do local da busca, os motivos e fins da diligência e ser emanado de autoridade competente”.[7]

Feitas tais considerações, é essencial salientar que existem exceções à necessidade de autorização judicial para realização de busca e apreensão, como o caso de flagrante delito, sobre o qual já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"A Constituição Federal autoriza a prisão em flagrante como exceção à inviolabilidade domiciliar, prescindindo de mandado judicial, qualquer que seja sua natureza.”[8]

Ainda, quanto ao crime permanente, no qual a possibilidade de flagrante prolonga-se no tempo, o Superior Tribunal de Justiça também permite a busca domiciliar sem mandado judicial:

“HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA NA MODALIDADE TER EM DEPÓSITO. ART. 180, § 1º. DO CPB. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE. ART. 303 DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. ART. 5O., XI DA CF. PRISÃO REALIZADA PELA POLÍCIA MILITAR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. ART. 301 DO CPP. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

1. Nos moldes da autorização concedida pelo art. 5o., XI da Constituição da República, é perfeitamente legal a prisão em flagrante por receptação qualificada na modalidade ter em depósito na residência dos pacientes sem mandado judicial, uma vez tratar-se de crime permanente, cuja consumação se estende no tempo, tal como previsto no art. 303 do CPP. Precedentes.

2. Não prospera a alegação de que cabia à Polícia Civil, e não à Polícia Militar, a realização das diligências que acarretaram a prisão dos pacientes, uma vez que, nos termos do art. 301 do CPP, qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

3. Parecer do MPF pela denegação do writ.

4. Ordem denegada”.[9]

A busca e apreensão sem autorização judicial é justificada, ainda, na hipótese de consentimento livre e expresso do morador e em caso de desastre ou necessidade de prestação de socorro imediato.

Especial atenção merece também a busca pessoal, conhecida popularmente como “enquadro”, isto é, a inspeção do próprio corpo e dos pertences de indivíduo considerado suspeito, de acordo com o artigo 244 do Código de Processo Penal:

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Importante salientar que, embora a lei não exija autorização judicial específica, ainda é necessária que a suspeita que recai sobre a pessoa seja “fundada”, baseada, por exemplo, em elementos visíveis e concretos, e não em elementos subjetivos e “achismos”, conforme já determinou o próprio STF:

“A ‘fundada suspeita’, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um ‘blusão’ suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo”.[10]

De fato, este tipo de diligência policial é importante para a preservação da integridade física da população e dos próprios policiais. Entretanto, a abordagem legal não pode ser maculada pelo despreparo do militar, o qual não pode utilizar tal ferramenta para depreciar a dignidade e os direitos individuais da pessoa humana. Vale lembrar que no conceito de “pessoa humana” inclui-se também o pobre, o preto, o marginal e o próprio suspeito. Eventuais excessos, como a humilhação, abusos e agressões, caracterizar-se-ão como abuso de autoridade, fazendo com que o ato se torne nulo, pois ilícito.

Ainda no contexto da busca pessoal, destaque-se o artigo 249 do Código de Processo Penal:

“Artigo 249 – “A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.”

O escritório de advocacia é, em regra, inviolável. Eventual realização de busca e apreensão em seu interior deverá ser acompanhada por representante da Ordem dos Advogados do Brasil, no termos do artigo 7º, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.906/94 – Estatuto da OAB. Sobre o tópico, explica o Ministro Gilmar Mendes:

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"O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia. O local de trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreensão, observando-se os limites impostos pela autoridade judicial. Tratando-se de local onde existem documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é indispensável a especificação do âmbito de abrangência da medida, que não poderá ser executada sobre a esfera de direitos de não investigados. Equívoco quanto à indicação do escritório profissional do paciente, como seu endereço residencial, deve ser prontamente comunicado ao magistrado para adequação da ordem em relação às cautelas necessárias, sob pena de tornar nulas as provas oriundas da medida e todas as outras exclusivamente delas decorrentes. Ordem concedida para declarar a nulidade das provas oriundas da busca e apreensão no escritório de advocacia do paciente, devendo o material colhido ser desentranhado dos autos do Inq 544 em curso no STJ e devolvido ao paciente, sem que tais provas, bem assim quaisquer das informações oriundas da execução da medida, possam ser usadas em relação ao paciente ou a qualquer outro investigado, nesta ou em outra investigação."[11]


3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, inegável a importância da busca e da apreensão no âmbito da persecução penal, sendo, muitas vezes, as principais formas de coleta de provas, que serão o alicerce da decisão que recairá sobre o indivíduo suspeito. Quanto ao tratamento legal, fez bem o legislador ao tratar do tema no Código de Processo Penal, sem deixar de limitar o uso da ferramenta probatória de acordo com os princípios previstos na Constituição Federal, de forma a permitir a busca pela verdade real sem que se atropelem as garantias personalíssimas inerentes ao indivíduo.


nOTAS

[1] DUTRA, Luciano. Busca e Apreensão Penal – Da legalidade às ilegalidades cotidianas. Florianópolis: Conceito. 2007.p. 58

[2] MISSAGGIA, Clademir. Da Busca e da Apreensão no Processo Penal Brasileiro. Revista da  AJURIS, Porto Alegre, n. 85. 2002. p. 82

[3]NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena, RT, São Paulo, 2ª ed., 2007, p. 345/346.

[4] STJ, HC nº 183.355/MG, Min. Rel. para Acórdão Des. Convocado Adilson Macabu, DJe 19.9.2012.

[5] STF, HC 60326/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 4.8.2008.

[6] STF, HC 51586/PE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 5.5.2008.

[7] STF, RHC 42618/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 28.3.2014.

[8] STF, RHC 91.189, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE 23.4.2010.

[9] STJ, HC 163.378/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 13.12.2010.

[10] STF, HC 81.305-4, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJe 22.02.2002.

[11] STF, HC 91.610, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 22.10.2010

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Fernanda Carolina Leonildo. Limitação da busca e apreensão no Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4430, 18 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41837. Acesso em: 28 mar. 2024.

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