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Litigância de má-fé no âmbito dos tribunais de contas:

comparativo entre o atual e o novo CPC e análise de precedentes

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07/11/2015 às 14:21
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No âmbito dos tribunais de contas, é plenamente possível se coibir, com aplicação de multa, a conduta caracterizadora de litigância de má-fé.

RESUMO:O presente artigo tem como objetivo demonstrar que no âmbito dos tribunais de contas é plenamente possível se coibir, com aplicação de multa, a conduta caracterizadora de litigância de má-fé, bem como evidenciar que referida sanção se fundamenta utilizando subsidiariamente o Código de Processo Civil (CPC). Reforçando o núcleo do trabalho, apresentar-se-á estudo comparativo do CPC, inclusive do novo, que entra em vigor em 2016. Também serão colacionados precedentes oriundos dessas cortes de contas, por meio dos quais se apenaram responsáveis, interessados ou procuradores por litigância de má-fé. 

Palavras-chave: Tribunais de contas – Litigância de má-fé – Novo CPC – Precedentes. 

SUMÁRIO: Introdução. 1. Dos deveres das partes e dos procuradores e boa-fé processual: o atual e o novo CPC. 2. Litigância de má-fé e sua origem. 3. Litigância de má-fé: conceitos doutrinários e aspectos do novo CPC. 4. Fundamentos para aplicabilidade subsidiária do CPC nas cortes de contas. 5. Litigância de má-fé: precedentes do TCU e de tribunais de contas. Conclusão. Referências. 


INTRODUÇÃO 

Notadamente o instituto litigância de má-fé tornou-se lugar comum no âmbito do Poder Judiciário, principalmente à vista do volume de ocorrências de sua prática. Assim, exigiu-se de estudiosos, operadores do direto e daqueles favoráveis à plenitude da lealdade processual, que se reprimisse essa prática desrespeitosa com maior intensidade.

Como resultado, atualmente, existem importantes obras abordando a temática, diversas correntes de pesquisa são contempladas e sedimentou-se legislação nesse sentido. Essas condições permitem aos juízos e membros de órgãos que prolatam decisões de caráter administrativo (como exemplo os tribunais de contas, cerne deste estudo) que reprimam aqueles que se utilizam de ardis e elementos reprováveis, fazendo com que o processo se apresente amalgamado por características que têm o objetivo único de desestabilizar a adequada e leal marcha processual.

É sabido que as normas são estatuídas com alargada margem de correção, mas não são estanques, daí por que constantemente sofrem mudanças. Conceitos que foram fundamentos – princípios – para que o legislador extraísse o espírito e assim estabelecesse regras, com o decorrer do tempo, necessitam de nova avaliação, reclamando, dessa forma, que as normas sejam atualizadas e aperfeiçoadas.

Nesse sentido, tendo em vista que o processo se apresenta como mecanismo de pacificação social, é inconcebível se tolerar qualquer abuso de direito ou outro meio tendente a configurar litigância de má-fé.

Conforme já mencionado incialmente, a repressão à litigância de má-fé é frequente no Poder Judiciário, à proporção que no âmbito dos tribunais de contas referido desrespeito processual ainda é coibido de forma incipiente.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo apresentar estudo sobre a litigância de má-fé, com enfoque na sua aplicabilidade e coibição no âmbito dos tribunais de contas, cujos órgãos, talvez por emitirem decisões de caráter administrativo, encontram-se em fase inaugural quanto à penalização, com sanção, diante de comprovado exercício de ato nocivo à lealdade processual.

 Visa ainda a apresentar aspectos históricos desse instituto, a partir de sua origem no Brasil, sua tipificação prevista no Código de Processo Civil (CPC), em contraponto às alterações trazidas pela Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, que sancionou o Código de Processo Civil, cujos efeitos entrarão em vigor no início de 2016.

Buscar-se-á outrossim verificar se os tribunais de contas preveem em suas leis orgânicas, regimentos internos e legislações congêneres, dispositivos responsáveis por aplicar sanção ante as incursões processuais reveladoras de litigância de má-fé.

Nessa perspectiva, tenciona-se demonstrar se essas cortes de contas, conforme atua o Poder Judiciário, procuram estacar lides temerárias, ainda que não prevejam em seus ordenamentos a previsão de reprimenda à litigância de má-fé, diante da possibilidade de as leis orgânicas e regimentos internos permitirem a possibilidade de os tribunais de contas, ante omissões legislativas, socorrerem-se, suplementarmente, do CPC.

Ressalta-se que, para o desenvolvimento do presente estudo foram utilizadas técnicas científicas gerais de pesquisa, norteadas pela análise de documentação, bibliográfica, com lastros em pensadores e doutrinadores nacionais e estrangeiros, inclusive com a consulta direta a textos legais.

De igual forma, efetivou-se também consultas diretamente aos tribunais de contas, por meio da emissão de comunicação identificada. Essas consultas foram encaminhadas às ouvidorias com o escopo de identificar se essas cortes de contas disciplinaram em seus respectivos ordenamentos a previsão de sanção em caso de litigância de má-fé e se já apenaram responsáveis, interessados ou mesmo procuradores diante dessa prática deliberada.

Ainda que não se pretenda exaurir o assunto, os aspectos trazidos a lume visam a enriquecer o debate sobre a possibilidade de também se reprimir a litigância de má-fé perante as cortes de contas. Isso porque, a despeito de quase não existirem bibliografias a esse respeito no âmbito dos tribunais de contas, colacionar-se-ão julgados oriundos dessas cortes, em que se aplicou multa àqueles que laçam mão de instrumentos processuais que têm como fim único obstruir a natural marcha processual, contrária à postura ética, leal, caracteriza pela boa-fé, que se determina em um estado de direito.


1 DOS DEVERES DAS PARTES E DOS PROCURADORES E BOA-FÉ PROCESSUAL: O ATUAL E O NOVO CPC

Impende ressaltar que anteriormente ao aprofundamento no estudo especificamente perante os tribunais de contas, necessário se faz, primeiro, ainda que rapidamente, tecer algumas considerações sobre os deveres das partes e de seus procuradores, com foco no novo CPC. Assim, caso se vislumbre evidência da litigância de má-fé, restará desrespeitado o princípio do dever de lealdade processual.

Para Márcio Louzada Carpena, a lealdade processual compreende postura ética, honesta e franca, de boa-fé, proba que se exige em um estado de direito; ser leal é ser digno, proceder de forma correta, lisa, sem se valer de artimanhas, embustes ou artifícios[2].

Sob a ótima de Nery e Nery, a lealdade processual trata-se, na realidade, de um dever a ser observado pelo jurisdicionado. Está intimamente ligado ao princípio da probidade processual, segundo o qual cabe às partes sustentarem suas razões dentro da ética e da moral, não se utilizando de chicana e fraude processual. Divide-se probidade no dever de agir de acordo com a verdade; dever de agir com lealdade e boa-fé; e dever de praticar somente atos necessários à sua defesa[3].

Nesse sentido, em uma análise gramatical, constata-se que legislador que elaborou o novo Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)[4], quanto aos deveres das partes e dos seus procuradores, promoveu importantes alterações, posto que o CPC (BRASIL, 1973)[5] atualmente em vigor tem a seguinte redação:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II - proceder com lealdade e boa-fé;

III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;

IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.

V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Já o CPC que entra em vigor no ano vindouro, estabelece o seguinte:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;

III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;

VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

Em um pano rápido, constata-se que em comparação ao inciso I, ambos códigos possuem idêntica redação. Enquanto o inciso II do novo CPC suprimiu a redação antiga (II – proceder com lealdade e boa-fé), mantendo-se, em seu lugar, praticamente a redação do inciso III do antigo código (III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento), apenas sofrendo sutis alterações gramaticais, com fim de melhor adequar o referido inciso. Essas mudanças também se aplicaram ao inciso IV do CPC que entra em vigor em 2016, vez que praticamente manteve a íntegra do inciso V, do atual código. De modo que os incisos V e VI, do CPC recém-sancionado, trouxeram inovações.

Conforme destacado, o legislar houve por não mais manter no CPC há pouco aprovado, que se encontra no período de vacatio, o inciso sobre lealdade e boa-fé. A respeito da referida exclusão, sucessivas críticas emergiram, dentre as quais há de se destacar as feitas por Viana e Stolze[6], segundo os quais é a esta boa-fé, a boa-fé objetiva, que o legislador deve expressar, claramente, no novo CPC, a sua reverência. E tal reverência exige que o enunciado esteja inserido em um dos dispositivos topologicamente integrantes do conjunto dos enunciados que proclamam as bases em que o intérprete deve se ancorar quando se debruçar sobre uma norma processual.

Por oportuno, é salutar distinguir a boa-fé objetiva da subjetiva. Fredie Didier Júnior[7] assenta que não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos ilícitos processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permitir a antecipação dos efeitos da tutela prevista no inciso II do artigo 273 do CPC.

Sobre boa-fé objetiva e subjetiva, José Marcelo Barreto Pimenta[8] assim consigna:

A primeira diz respeito à norma, isto é, é a norma que impõe um comportamento leal, ético, de acordo com a boa-fé. Já a segunda diz respeito a fato, a um estado de consciência, opondo-se a má-fé. É no primeiro contexto que se insere o princípio da boa-fé processual, que, como visto, vem delineado pelo inciso II do art. 14 do CPC.

Tal dispositivo legal em nada se relaciona com a boa-fé subjetiva (a intenção do sujeito do processo). Ao revés, é norma impositiva de condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, sem se perquirir acerca das más ou boas intenções. Alcança não só as partes, mas todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, inclusive o próprio magistrado.

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Dessa forma, nos dizeres de Viana e Stolze[9], importante que o legislador repensasse a maneira de verter para o novo CPC a proclamação do princípio da boa-fé objetiva no processo civil. Isso porque, se bem pensada a situação, a boa-fé objetiva não é somente uma norma de conduta a ser seguida pelos diferentes sujeitos das distintas relações jurídicas, seja de direito material ou de direito processual, mas por todos os atores que, de alguma forma, se relacionam, juridicamente ou não, com outras pessoas. Assim, para que se possa dimensionar o alcance da exigência de que todos, no processo, atuem em consonância com a boa-fé objetiva, é de todo necessário distingui-la da boa-fé subjetiva. Nessa linha, vale, de logo, o alerta de que a valorização da boa-fé objetiva não significa, nem de longe, que a boa-fé subjetiva tenha sido proscrita. Muito pelo contrário. A boa-fé subjetiva continua exigível, e mais exigível do que antes, já que a cada dia é reduzida a tolerância, no campo das relações civilizadas, quaisquer que sejam elas, a comportamentos baseados na má intenção.

Por consectário lógico, na relação de dever processual, o princípio da boa-fé, cuja aplicação não mais comporta recuos, ao lado do princípio do devido processo legal e do princípio do contraditório adequadamente redimensionado, compõe o esqueleto de sustentação do processo cooperativo, modelo processual já em vigor e cujas características tendem a ser significativamente realçadas no novo CPC[10].

Portanto, tem-se que a manutenção da lealdade processual, como imperativo necessário, ultrapassa os postulados éticos constitucionalmente estabelecidos, de modo que emerge como consequência lógica do devido processo legal, caminhos suficientemente adequados ao cumprimento do acesso à justiça.

Humberto Theodoro Júnior reforça o acima consignado, sustentando que no sistema democrático de processo, o resultado da prestação jurisdicional é gerado pelo esforço conjunto de todos os sujeitos processuais, inclusive, pois, do autor e do réu. Não basta que o juiz se comporte eticamente. O mesmo padrão de conduta há de ser observado pelas partes e seus advogados[11].


2 LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E SUA ORIGEM 

Antes de aprofundar o estudo do direito material sobre a litigância de má-fé, importante se fazer uma incursão, ainda que breve, acerca da origem e evolução histórica mundial desse instituto, com enfoque no seu nascimento no Brasil.

Kaethe Grosmann[12] constata que vem do início da formação dos mandamentos clássicos, como o direito grego, o direito romano e o direito canônico. Já na Grécia encontram-se referências sobre o dever de veracidade aplicável ao processo, por meio de um juramento prévio à ação, no sentido de as partes sustentarem a retenção e a defesa, convictas do respectivo direito, e manterem correção em todos os atos do processo. Não cumprindo o juramento, era imposta uma pena ao litigante faltoso.

Levando em consideração que o cerne deste estudo é comprovar que os tribunais de contas, embora de maneira tímida, vêm responsabilizando pela prática da litigância de má-fé, reserva-se a não apresentar, com toda a sua profundidade, quanto aos aspectos históricos desse instituto, pois se sabe que é de grandeza solar a sua extensão, motivo por que se resguarda a consignar apenas o seu marco inicial, conforme já assentado.

No Brasil, conforme descreve Leonel Maschietto[13], a litigância de má-fé principiou por ocasião da institucionalização das Ordenações Manuelinas e Filipinas, pois a exigência da verdade encontra-se disciplinada (Livro 3º, proêmio e parágrafo 1º) por intermédio de um juramento, semelhante ao de calúnia, pelo qual as partes comprometiam-se a litigar de boa-fé e abster-se de toda fraude. O juramento podia ser geral ou especial para cada ato processual.

Ressalta o autor[14] que, mesmo o Brasil se desvinculando politicamente de Portugal em 1822, as Ordenações Filipinas foram integradas à lei brasileira, por meio do Decreto de 20.10.1823, passando a reger o processo civil no Brasil. Tal situação perdurou até 20.11.1850, quando foi instituído o Código de Processo Comercial, denominado Regulamento 737.

Pois bem. Com o advento do primeiro Código de Processo Civil pátrio (Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939), que vigorou a partir de 1940, definitivamente a coibição à litigância de má-fé fora instituída no País, uma vez que teve previsão nos artigos 3º e 63[15] do mencionado código:

Art. 3º Responderá por perdas e danos a parte que intentar demanda por espírito de emulação, mero capricho, ou erro grosseiro.

Parágrafo único. O abuso de direito verificar-se-á, por igual, no exercício dos meios de defesa, quando o réu opuser, maliciosamente, resistência injustificada ao andamento do processo.

Art. 63. Sem prejuízo do disposto no art. 3º, a parte vencida, que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários do advogado.

§ 1º Quando, não obstante vencedora, a parte se tiver conduzido de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo, o juiz deverá condená-la a pagar à parte contrária as despesas a que houver dado causa.

§ 2º Quando a parte, vencedora ou vencida, tiver procedido com dolo, fraude, violência ou simulação, será condenada a pagar o décuplo das custas.

§ 3º Si a temeridade ou malícia for imputável ao procurador o juiz levará o caso ao conhecimento do Conselho local da Ordem dos Advogados do Brasil, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior.

Embora se apresentasse caracterizado por certo generalidade, o legislador do século pretérito demonstrou considerável amadurecimento ao disciplinar a vedação a tais condutas, que integram o conjunto de atividades contrárias às respeitáveis e regulares composições processuais, denominada litigância de má-fé, pois seguramente foi responsável por mais uma mudança de paradigma.

De uma leitura, principalmente do artigo 63, do mencionado Diploma, constata-se, em seus parágrafos, que o legislador disciplinou a previsão de condenação da parte vencedora que tivesse se conduzido de maneira temerária, em qualquer incidente do processo, de modo que teria de pagar as despesas causadas à parte contrária. Se se tratasse de temeridade ou ardil praticado por procurador, seria oficializado pelo juiz ao Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil.

Na sequência, quanto à previsão da disciplina visando a punir a prática de litigância de má-fé, os códigos estatuídos posteriormente no Brasil procuraram tipificar as condutas ensejadoras desse instituto, de tal sorte que a comportamento passou a ser punido com maior efetividade.


3 LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ: CONCEITOS DOUTRINÁRIOS E ASPECTOS DO NOVO CPC

Inicia-se a conceituação de litigância de má-fé tomando por base os pilares doutrinários de Norberto Bobbio[16], o qual entende que norma é eleita do ponto de vista a formar como proposição, e esta, por sua vez, é um conjunto de palavras que possui um significado em sua unidade.

Bobbio[17] acrescenta ainda que ao jurista é atribuída a tarefa de construir o sistema de conceitos jurídicos tal como se deduzem das leis positivas, tarefa puramente declarativa ou recognitiva, e não criativa – lê-se aqui não legislativa – e de extrair dedutivamente do sistema assim construído a solução de todos os possíveis casos controversos.

Nas linhas de Gelson Amaro de Sousa[18], a litigância de má-fé deve ser considerada como aquela atitude tomada por alguma das partes ou por terceiro interveniente (assistente, amicus curiae, etc.), que se posiciona contrariamente ao que seria a boa-fé.

Anota Dotti Doria[19] que a litigância de má-fé se caracteriza pelo agir em desconformidade com o dever jurídico de lealdade processual.

Já o professor Theodoro Junior[20] ressalta que a definição de litigância de má-fé encontra-se assentada em nosso sistema normativo, sobre conceitos e noções genéricas e vagas, como sói acontecer com preceitos éticos em geral. Noções como ‘lealdade e boa-fé’, ‘resistência injustificada’, ‘procedimento temerário’ etc. não correspondem a normas precisas, mas a regras principiológicas, que mais se apresentam como parâmetros do que como comandos normativos. 

Conforme sustenta Maicon de Souza e Souza[21], o julgador, nesse novo panorama processual, não pode se comportar como mero locutor da lei, posto que o direito processual civil necessita ser interpretado conforme a Constituição, evitando-se a frieza da legalidade estrita, uma vez que se prima pela legalidade substancial. Assim, o juiz, pautado nos princípios de cooperação e lealdade processual, que deve reger a atuação das partes litigantes e a sua, precisa compreender e interpretar os regramentos normativos contidos na sintaxe da causa que lhe é apresentada, mediante a subsunção do problema à força normativa da Constituição. Logo, o julgador passa a ser verdadeiro condutor moral do processo (destaquei).

Assim como a parte ou interveniente que, no processo, age de forma contrária, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo do processo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito[22].

Há de se utilizar tinta relevo para ressaltar a inteligência do artigo 80 do novo CPC, cujo dispositivo classifica os casos em que se individualiza a litigância de má-fé, de igual sorte o artigo 81 do mesmo Diploma, o qual disciplina a aplicação de multa e suas gradações, proveniente de má-fé. Veja-se:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

§ 1o Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 3o O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

Logo, o descumprimento à obrigação de lealdade processual representa, como derradeira compreensão, ato contrário à dignidade da justiça; por consequência, faz por merecer pronta desaprovação pelo Poder Judiciário e, em vista do escopo deste trabalho, também por parte dos juízes das Cortes de Contas (Ministros, Ministros-Substitutos e Conselheiros e Conselheiros-Substitutos).

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Pereira. Litigância de má-fé no âmbito dos tribunais de contas:: comparativo entre o atual e o novo CPC e análise de precedentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4511, 7 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44258. Acesso em: 28 mar. 2024.

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