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Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito

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05/04/2004 às 00:00
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A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, não se ligando instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita "principal". É de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito.

SUMÁRIO: 1 Tutela inibitória: 1.1 Introdução; 1.2 Fundamentos da tutela inibitória; 1.3 Pressupostos da tutela inibitória; 1.4 Modalidades; 1.5 Ação ilícita continuada; 1.6 Tutela inibitória mediante imposição de não-fazer e de fazer – 2 Tutela de remoção do ilícito: 2.1 Introdução; 2.2 Fundamentos da tutela de remoção do ilícito; 2.3 Ilícito de eficácia continuada; 2.4 a ação de remoção é voltada ao ilícito passado e ao dano futuro; 2.5 Tutela de remoção do ilícito e tutela ressarcitória na forma específica – 3 Aspectos comuns às tutelas inibitória e de remoção do ilícito: 3.1 A impossibilidade de cognição do dano como pressuposto de efetividade das ações inibitória e de remoção do ilícito; 3.2 As ações inibitória e de remoção do ilícito diante i) da inexistência de regra de proibição, ii) da observância de normas técnicas e iii) do licenciamento da administração pública; 3.3 A prova; 3.4 A tutela antecipatória; 3.5 A ação individual e a ação coletiva (arts. 461 do CPC e 84 do CDC); 3.6 O direito à tutela jurisdicional efetiva e o poder do juiz; 3.7 As sentenças (técnicas) mandamental e executiva; 3.8 A prisão como meio de coerção indireta; 3.9 A quebra da regra da adstrição do juiz ao pedido; 3.10 A possibilidade de o juiz, na fase de execução, alterar de ofício a medida executiva; 3.11 Critérios para o controle do poder executivo do juiz; 3.12 Distinção entre as ações de remoção do ilícito e inibitória em face da ação cautelar; 3.13 Cumulação das ações inibitória, de remoção do ilícito e ressarcitória


1. Tutela inibitória

1.1 Introdução

A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita "principal". Trata-se de "ação de conhecimento" de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito [1].

A sua importância deriva do fato de que constitui ação de conhecimento que efetivamente pode inibir o ilícito. Dessa forma, distancia-se, em primeiro lugar, da ação cautelar, a qual é caracterizada por sua ligação com uma ação principal, e, depois, da ação declaratória, a qual já foi pensada como "preventiva", ainda que destituída de mecanismos de execução realmente capazes de impedir o ilícito.

A inexistência de uma ação de conhecimento dotada de meios executivos idôneos à prevenção, além de relacionada à idéia de que os direitos não necessitariam desse tipo de tutela, encontrava apoio no temor de se dar poder ao juiz, especialmente "poderes executivos" para atuar antes da violação do direito. Supunha-se que a atuação do juiz, antes da violação da norma, poderia comprimir os direitos de liberdade. Tanto é verdade que a doutrina italiana, ainda que recente, chegou a afirmar expressamente que a tutela inibitória antecedente a qualquer ilícito – denominada de "tutela puramente preventiva" – seria "certamente la più energica", mas também "la più preoccupante, come è di tutte le prevenzioni che possono eccessivamente limitare l’umana autonomia" [2].

A ação inibitória é conseqüência necessária do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial. Ou seja, a sua estruturação, ainda que dependente de teorização adequada, tem relação com as novas regras jurídicas, de conteúdo preventivo, bem como com a necessidade de se conferir verdadeira tutela preventiva aos direitos, especialmente aos de conteúdo não-patrimonial.

Frise-se que a estrutura do CPC brasileiro, nos moldes estabelecidos em 1973, é no mínimo curiosa, pois ao mesmo tempo em que não permite a elaboração dogmática de uma ação de conhecimento preventiva atípica, renegando a função preventiva à ação cautelar, institui dois procedimentos especiais que conferem toda a força necessária para o juiz conceder tutela preventiva à posse e à propriedade, quais sejam, a nunciação de obra nova (art. 934, CPC) e o interdito proibitório (art. 932, CPC). Isso, ao mesmo tempo em que revela a ideologia que inspirou o CPC de 1973, dá sustentação à tese de que a ação de conhecimento atípica não podia exercer efetiva função preventiva.

1.2 Fundamentos da tutela inibitória

A ação inibitória se funda no próprio direito material. Se várias situações de direito substancial, diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de se admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivam proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano.

Como o direito material depende - quando pensado na perspectiva da efetividade - do processo, é fácil concluir que a ação preventiva é conseqüência lógica das necessidades do direito material. Basta pensar, por exemplo, na norma que proíbe algum ato com o objetivo de proteger determinado direito, ou em direito que possui natureza absolutamente inviolável, como o direito à honra ou o direito ao meio ambiente. Lembre-se, aliás, que várias normas constitucionais afirmam a inviolabilidade de direitos, exigindo, portanto, a correspondente tutela jurisdicional, que somente pode ser aquela capaz de evitar a violação.

Não obstante tudo isso, a Constituição Federal de 1988 fez questão de deixar claro que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5.º, XXXV, CF). Ora, se a própria Constituição afirma a inviolabilidade de determinados direitos e, ao mesmo tempo, diz que nenhuma lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário "ameaça a direito", não pode restar qualquer dúvida de que o direito de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, CF) tem como corolário o direito à tutela efetivamente capaz de impedir a violação do direito.

Na verdade, há direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e, assim, direito fundamental à tutela preventiva, o qual incide sobre o legislador - obrigando-o a instituir as técnicas processuais capazes de permitir a tutela preventiva - e sobre o juiz - obrigando-o a interpretar as normas processuais de modo a delas retirar instrumentos processuais que realmente viabilizem a concessão de tutela de prevenção.

Lembre-se que a ação declaratória não é capaz de conceder tutela de inibição do ilícito, uma vez que somente pode declarar a respeito de uma relação jurídica ou, excepcionalmente, de um fato (art. 4º, CPC). A sentença declaratória, como é sabido, é a sentença típica do estado liberal clássico, uma vez que, além de incapaz de permitir ao juiz interferir sobre a vontade do demandado, tem seu fim restrito a regular uma relação jurídica já determinada pela autonomia de vontade.

A ação cautelar, por outro lado, pelo fato de exigir uma ação principal, também não é adequada para proteger os direitos que dependem da inibição de um ilícito. O direito à inibição do ilícito não pode ser considerado como direito que objetiva uma tutela que seria mero instrumento de outra. Imaginar que a ação inibitória é instrumental exige a resposta acerca de que tutela ela estaria servindo. Ora, tendo em vista que não há como aceitar que o direito à prevenção conduz a uma tutela que pode ser vista como instrumento de outra, é impossível admitir uma ação inibitória rotulada de cautelar, ou mesmo uma ação cautelar "satisfativa" ou "autônoma", como era chamada antes da reforma de 1994.

1.3 Pressupostos da tutela inibitória

A ação inibitória se volta contra a possibilidade do ilícito, ainda que se trate de repetição ou continuação. Assim, é voltada para o futuro, e não para o passado. De modo que nada tem a ver com o ressarcimento do dano e, por conseqüência, com os elementos para a imputação ressarcitória – os chamados elementos subjetivos, culpa ou dolo [3].

Além disso, essa ação não requer nem mesmo a probabilidade do dano, contentando-se com a simples probabilidade de ilícito (ato contrário ao direito). Isso por uma razão simples: imaginar que a ação inibitória se destina a inibir o dano implica na suposição de que nada existe antes dele que possa ser qualificado de ilícito civil. Acontece que o dano é uma conseqüência eventual do ato contrário ao direito [4], os quais, assim, podem e devem ser destacados para que os direitos sejam mais adequadamente protegidos.

Assim, por exemplo, se há um direito que exclui um fazer, ou uma norma definindo que algo não pode ser feito, a mera probabilidade de ato contrário ao direito – e não de dano – é suficiente para a tutela jurisdicional inibitória. Ou seja, o titular de uma marca comercial tem o direito de inibir alguém de usar a sua marca, pouco importando se tal uso vai produzir dano. Do mesmo modo, se uma norma impede a venda de determinado produto, a associação dos consumidores (por exemplo) pode pedir a inibição da venda, sem se preocupar com dano.

Alguém, mais apressado, poderia supor que a distinção entre probabilidade de dano e probabilidade de ilícito não tem repercussão prática. Ora, a possibilidade do uso da ação inibitória, nos casos exemplificados no parágrafo anterior, já seria suficiente para desfazer o equívoco. Contudo, quando se percebe que a matéria da ação inibitória se restringe ao ilícito, verifica-se que o autor não precisa alegar dano e o que réu está impedido de discuti-lo. Bem por isso, o juiz, em tal caso, não pode cogitar sobre o dano e, dessa forma, determinar a produção de prova em relação a ele.

É certo, porém, que em alguns casos há uma identidade cronológica entre o ato contrário ao direito e o dano, pois ambos podem acontecer no mesmo instante. Nessas hipóteses, a probabilidade do dano constituirá o objeto da cognição do juiz e, assim, o autor deverá aludir a ele e o réu poderá obviamente discuti-lo. Por isso mesmo, a prova não poderá ignorá-lo. Porém, fora daí, vale a restrição da cognição ao ato contrário ao direito, não apenas pela razão de que essa é a única forma de realizar o desejo da norma - que estabelece uma proibição exatamente para evitar o dano -como também porque, em determinados casos, são proibidas ações contrárias ao direito, independentemente de provocarem efeitos danosos.

1.4 Modalidades

A ação inibitória pode atuar de três maneiras distintas. Em primeiro lugar para impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu. Essa espécie de ação inibitória foi a que encontrou maior resistência na doutrina italiana [5]. Isso é explicável em razão de que essa modalidade de ação inibitória, por atuar antes de qualquer ilícito ter sido praticado pelo réu, torna mais árdua a tarefa do juiz, uma vez que é muito mais difícil constatar a probabilidade do ilícito sem poder considerar qualquer ato anterior do que verificar a probabilidade da sua repetição ou da continuação da ação ilícita [6].

Como se vê, o problema das três formas de ação inibitória é ligado diretamente à prova da ameaça. Enquanto que duas delas – a que visa inibir a repetição e a que objetiva inibir a continuação –, ao se voltarem para o futuro, e assim para a probabilidade da repetição ou da continuação, podem considerar o passado, ou seja, o ilícito já ocorrido, a outra não pode enxergar ilícito nenhum no passado, mas apenas atentar para eventuais fatos que constituam indícios de que o ilícito será praticado.

No caso de ilícito já praticado, torna-se muito mais fácil demonstrar que outro ilícito poderá ser praticado, ou mesmo que a ação ilícita poderá prosseguir. Nesses casos, levando-se em conta a natureza da atividade ou do ato ilícito, não é difícil concluir a respeito da probabilidade da sua continuação ou da sua repetição. [7]

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Note-se que as três ações se diferenciam na medida em que se distingue o que nelas deve ser provado. Isso não quer dizer, como é óbvio, que a necessidade de ação inibitória possa ser vista de forma diferenciada diante das três hipóteses elencadas. A necessidade de ação inibitória não tem nada a ver com a questão da prova. A dificuldade da prova não pode constituir obstáculo à ação inibitória, seja ela qual for.

Lembre-se que a modalidade mais pura de ação inibitória, que é aquela que interfere na esfera jurídica do réu antes da prática de qualquer ilícito, vem sendo aceita em vários países preocupados com a efetividade da tutela dos direitos. Assim, por exemplo, no direito alemão, não obstante o teor da letra do §1.004 do BGB, que se refere expressamente a "prejuízos ulteriores" [8], e no direito anglo-americano, em que é admitida a chamada quia timet injunction, que nada mais é do que espécie de tutela inibitória anterior ao ilícito [9].

Na Itália, a Lei sobre Direito do Autor admite expressamente o uso da ação inibitória em suas três modalidades, não se limitando a prever a tutela destinada a impedir "la continuazione o la ripetizione di una violazione già avvenuta", mas frisando que "chi ha ragione di temere la violazione di un diritto..." "può agire in giudizio per ottenere che il suo diritto sia accertato e sia interdetta la violazione" (art. 156 da Lei sobre Direito do Autor - Lei 633/1941) [10].

A doutrina italiana mais moderna [11] não só sustenta que a melhor definição legislativa de ação inibitória está presente na norma que acaba de ser referida, como também admite que essa ação, diante de sua evidente necessidade para a efetividade da tutela dos direitos, é garantida pelo art. 24 da Constituição [12], que funda o princípio da efetividade, garantindo a todos uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva [13]. Com isso, como é óbvio, a doutrina italiana reconhece a imprescindibilidade da ação inibitória anterior a qualquer ilícito [14].

1.5 Ação ilícita continuada

Quando se pensa em repetição do ilícito, supõe-se um intervalo entre um ato e outro, e assim na possibilidade de se impedir a prática de um novo ilícito, independente do primeiro. Porém, a questão se complica quando a atenção se volta para o ilícito continuado. Isso porque é possível supor uma ação com eficácia ilícita continuada e uma ação continuada ilícita.

Na primeira hipótese há apenas uma ação, cujo efeito ilícito perdura no tempo, enquanto que, no segundo caso, há uma ação continuada (ou uma atividade) ilícita. Nessa última situação, a ilicitude continua na medida do prosseguimento da ação ou da atividade, ao passo que na primeira a ilicitude não é relacionada com a ação, mas sim com o efeito que dela decorre e se propaga no tempo.

Se é correto inibir a continuação de uma ação ou de uma atividade, o ilícito, cujos efeitos são continuados, deve ser removido. Quando o ilícito se relaciona com os efeitos da ação que se exauriu, basta remover o ato que ainda produz efeitos, pois não se teme uma ação futura.

A ação inibitória diz respeito à ação ilícita continuada, e não ao ilícito cujos efeitos perduram no tempo. Isso por uma razão lógica: o autor somente tem interesse em inibir algo que pode ser feito e não o que já foi realizado. No caso em que o ilícito já foi cometido, não há temor a respeito do que pode ocorrer, uma vez que o ato já foi praticado. Como esse ato tem eficácia continuada, sabe-se de antemão que os seus efeitos prosseguirão no tempo. Portanto, no caso de ato com eficácia ilícita continuada, o autor deve apontar para o que já aconteceu, pedindo a remoção do ato que ainda produz efeitos.

Exemplificando: a produção de fumaça poluente constitui agir ilícito continuado. Isto é, a ilicitude pode ser medida pelo tempo em que a ação se desenvolve. Nessa hipótese, há como usar a ação inibitória, pois o juiz pode impedir a continuação do agir. Porém, no caso de despejo de lixo tóxico em local proibido, há ato ilícito - que depende apenas de uma ação – de eficácia continuada. Nesse caso, basta a remoção do ilícito, ou melhor, que a tutela jurisdicional remova o ato já praticado para que, por conseqüência, cessem os seus efeitos ilícitos.

Portanto, a ação inibitória deve atuar quando se teme a continuação de ação ilícita, enquanto que a ação de remoção de ilícito deve se preocupar com o ilícito de eficácia continuada.

1.6 Tutela inibitória mediante imposição de não-fazer e de fazer

Considerando-se as antigas normas, que apenas distribuíam direitos, o medo de violação de um direito nada mais podia ser do que o temor de uma ação positiva, ou seja, de um fazer.

Porém, quando se percebeu o dever do Estado editar normas para proteger os direitos fundamentais – por exemplo, o dever de proteger o consumidor e o meio ambiente -, as normas jurídicas "civis" também assumiram função preventiva [15], que até então era reservada às normas penais. Essa função preventiva passou a ser exercida através de normas proibitivas e impositivas de condutas. Na verdade, com a evolução da sociedade, cada vez mais surgiram direitos dependentes de algo que deveria ser feito, não mais bastando a simples abstenção (ou não-violação). Ou seja, o próprio direito material passou a depender de ações positivas. Essas últimas passaram a ser imprescindíveis para a prevenção dos direitos.

Isso significa que a prevenção deixou de se contentar apenas com a abstenção, passando a exigir um fazer. Nessa perspectiva, ficou fácil perceber que o ilícito poderia ser, além de comissivo, também omissivo. Se alguém possui dever de fazer para que um direito não seja violado, é evidente que o não-fazer implica em ato contrário ao direito, o qual pode ser qualificado de ilícito omissivo.

Dessa forma, torna-se fácil compreender que a ação inibitória não visa somente impor uma abstenção, contentando-se, assim, com um não-fazer. O seu objetivo é evitar o ilícito, seja ele comissivo ou omissivo, razão pela qual pode exigir um não-fazer ou um fazer, conforme o caso [16].

O direito brasileiro possui normas processuais (arts. 84, CDC, e 461, CPC) que autorizam ao juiz não apenas impor um fazer ou um não-fazer, como também impor um fazer quando houver sido pedido um não-fazer, desde que o fazer seja mais adequado à proteção do direito no caso concreto.

De modo que, se o direito material exige um não fazer, nada impede que o juiz ordene um fazer para que o direito seja efetivamente tutelado. Assim, por exemplo, se alguém está proibido de perturbar a vizinhança, nada impede que o juiz, ao invés de ordenar a paralisação da atividade, ordene a instalação de determinado equipamento. Nesse caso, partindo-se da premissa de que não há regra de direito material que obrigue a instalação do equipamento, a imposição do fazer decorre do poder conferido ao juiz, pela legislação processual (arts. 84, CDC, e 461, CPC), de se valer – evidentemente mediante fundamentação – da medida executiva mais adequada ao caso concreto.

Porém, quando é o próprio direito material, com o objetivo de assegurar a prevenção, que estabelece um dever de fazer, a violação da norma já configura violação de dever positivo. Assim, a diferença é que, na hipótese do parágrafo anterior, estabelece-se dever negativo e, nesta última, dever positivo. Entretanto, se o dever negativo pode levar a uma ordem de fazer (em razão da legislação processual), e nesse caso há prestação de tutela inibitória positiva, é pouco mais do que óbvio que a ordem judicial de fazer, que objetiva impor a observância do dever positivo, constitui tutela inibitória positiva.

Supor que a ordem para o cumprimento de dever de fazer não constitui tutela inibitória, seria o mesmo que aceitar que a inibitória positiva somente existe quando o direito material não prevê dever positivo, mas apenas dever negativo. É esquecer que o próprio direito material, em alguns casos, possui função preventiva, e que a tutela jurisdicional destinada à atuação deste direito não tem como perder o caráter inibitório da norma não observada.

A dificuldade de se compreender a ação inibitória positiva deriva da confusão entre os planos do direito material e do direito processual. É preciso esclarecer que a tutela do direito pode ser prestada pela norma de direito material, pela "atividade administrativa" e pelo processo jurisdicional. Ou melhor, a tutela jurisdicional é somente uma das espécies de tutela dos direitos. No plano do direito material há exigências de simples abstenção e de condutas positivas e, por esse motivo, desenvolve-se a noção de ilícito comissivo e omissivo. Assim, ninguém pode negar, em uma perspectiva apenas processual, a inexistência dessas modalidades de ilícito. No plano exclusivamente processual, considerando-se as normas dos arts. 461, CPC e 84, CDC, verifica-se que foi conferido ao juiz o poder de adequar a medida executiva ao caso concreto e, assim, de conferir uma ordem de fazer, ainda que o direito material preveja somente a abstenção. Contudo, quando é o próprio direito material que exige um dever positivo para proteger um direito, a violação da regra deixa ver que um ilícito omissivo foi produzido, e assim, que um fazer, necessário para a prevenção, deixou de ser praticado. Nesse caso, quando se requer, com base na legislação processual, a observância do fazer, exige-se o cumprimento do dever, imposto pela norma, para a prevenção do direito. Melhor explicando: nessa última hipótese, como a função preventiva da norma depende do fazer, a sua imposição (do fazer) pelo juiz nada mais é do que a realização do desejo preventivo do direito material, e assim significa tutela jurisdicional preventiva, e, portanto, tutela jurisdicional inibitória (contra o ilícito comissivo contrário à função preventiva da norma).

Imaginar que a tutela inibitória somente pode impor um não-fazer é esquecer que o próprio direito processual (arts. 461, CPC e 84, CDC ) dá ao juiz o poder de impor um fazer quando foi pedido um não fazer com o objetivo de viabilizar uma tutela jurisdicional mais efetiva, e, mais do que isso, que existem normas de direito de material que, com o objetivo de prevenção, impõem condutas positivas. Ora, se a norma de direito material impõe uma conduta positiva com o fim de proteger um direito, é evidente que a ordem judicial de fazer, no caso em que o dever positivo foi violado, presta tutela jurisdicional inibitória.

Se a tutela inibitória pode ser usada para impor um fazer quando a norma já foi violada, a sua oportunidade é ainda mais evidente nos casos em que se teme a violação ou a repetição da violação. Exemplificando: se uma norma obriga as indústrias de cigarro a informar o consumidor sobre os efeitos nocivos de seu produto, e determinada indústria já veiculou propaganda sem conter essa informação, é lógica a possibilidade de o legitimado à ação coletiva requerer, mediante ação inibitória coletiva (ver a seguir), que o juiz ordene, sob pena de multa, que a informação seja realizada quando da próxima propaganda, dando-se efetividade à norma que objetiva proteger a saúde dos cidadãos.

Nos casos em que a norma define um dever de prestação fática ao Estado, não é correto pensar que tal dever não possa ser pensado como uma atribuição para a proteção, imaginando-se que ao direito à proteção bastariam prestações direcionadas a exigir dos particulares a não violação dos direitos.

É certo que há direitos fundamentais que não podem ser vistos como direitos de defesa (direitos que se contentam em afastar a intromissão do Estado), mas como direitos a algo, ou seja, como direitos a prestações. Porém, dentro do gênero direitos a prestações, está incluído o direito à proteção.

Acontece que, quando se consideram as prestações de proteção, não é correto associá-las apenas a ações normativas ou fáticas dirigidas a proteger um particular diante do outro. Ora, se uma norma define um dever fático ao Estado, pouco importa se esse é um dever de fazer observar uma norma (por exemplo) ou um dever de realizar algo para proteger um direito. Em outras palavras, não é correto pensar que o dever do Estado fiscalizar a proibição de corte de árvores possui natureza distinta do dever do Estado tratar dos esgotos urbanos e industriais.

É certo que nem todo dever de prestação fática configura dever de prestar algo para a prevenção Para que se possa dizer que tal dever se destina à prevenção, deve-se considerar a finalidade do dever. Lembre-se que a Constituição Federal, no seu art. 225, "caput", afirma expressamente que incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Assim, por exemplo, quando se retira do art. 208 da Constituição do Estado de São Paulo o dever do Município tratar da higiene dos rios, para evitar a poluição do meio ambiente, não há como deixar de concluir que esse dever se destina a proteger um bem inviolável. Referindo-se exatamente a essa questão, anota Alvaro Luiz Valery Mirra que o Poder Público, nesse caso, "deve agir para alcançar o fim previsto na norma, ação essa precipuamente preventiva", pouco importando que essa atuação ocorra sem ou com a intermediação do Poder Judiciário, uma vez que "tal atividade não pode ser postergada por razões de oportunidade e conveniência nem mesmo sob a alegação de contingências de ordem financeira e orçamentária" [17].

Esse dever de realizar algo objetiva preservar ou proteger o meio ambiente, não importando que não seja um dever de atuar sobre os particulares (ação normativa ou, por exemplo, fiscalizadora), mas sim um dever de fazer algo que incida diretamente sobre o direito fundamental (tratamento de um rio). É evidente que o dever de tratar de um rio deve ser englobado no dever de proteção do Estado aos bens fundamentais.

Se o processo serve para permitir a obtenção da tutela do direito, e o direito material, visando à preservação do meio ambiente, confere ao Poder Público determinado dever de fazer, a ação processual, ao tomar em consideração esse dever, objetiva evitar que a omissão ilícita se perpetue como fonte de danos. A não-ação, quando o Estado possui dever de atuar para proteger um bem, configura "ação" que precisa ser suprimida para que a fonte dos danos não fique aberta. O ilícito, assim como a fonte dos danos que não foi secada em virtude da omissão, perpetua-se no tempo, constituindo um não agir continuado. Assim, a tutela jurisdicional que objetiva obrigar a Administração a praticar o ato necessário para que o ilícito não se perpetue, possui a mesma natureza do dever de fazer não observado. Não há dúvida que essa tutela jurisdicional determina o adimplemento de um dever. Mas, se o próprio dever possui o fim de evitar a violação do meio ambiente, a ação voltada a efetivá-lo logicamente presta tutela inibitória, ou melhor, a própria prevenção desejada pelo direito material [18].

Quem não raciocina com a distinção entre dano e ilícito, realmente não tem condições de pensar em ilícito que se perpetua como fonte de danos. O não cumprimento de um dever legal por parte da Administração, necessário para evitar a degradação do meio ambiente, perpetua-se no tempo. A distinção entre ato contrário ao direito (ilícito) e fato danoso permite enxergar que a simples violação de um dever pode abrir ensejo a danos, na medida em que a omissão ilícita caminha no tempo. Em um caso como esse, a ação processual não se volta contra um ato ilícito ou fato danoso que já se exauriu, mas sim contra uma omissão ilícita que prossegue no tempo. Tanto é verdade que se, depois de violado o dever, a Administração realizar o ato, não haverá simples outorga de ressarcimento, mas evitar-se-á que danos sejam ocasionados.

A prática desse ato não configura simples observância de um dever, destituída de qualquer conteúdo, mas sim o cumprimento de um dever instituído com finalidade de prevenção [19]. O próprio direito material, ao impor dever ao Poder Público, objetiva conferir prevenção ao meio ambiente. Trata-se de observância de prestação material imprescindível para o Estado se desincumbir do seu dever de proteção ao direito fundamental.

Ao considerar a natureza desse dever, o juiz pode identificar a verdadeira situação concreta, que não só não pode perder de vista a inviolabilidade do direito, como também não pode permitir que o magistrado se deixe seduzir por teses que podem ter racionalidade em países como a Alemanha e os Estados Unidos, mas que não se importam, nem de longe, com a realidade brasileira. Perceba-se que, apenas quando se toma em conta a razão do dever imposto ao Estado e a sua imprescindibilidade para evitar a degradação do meio ambiente – que deve ser preservado para as presentes e futuras gerações -, é que se pode perceber a necessidade e a impostergabilidade da prestação, que não pode, então, ficar submetida a meras alegações de impossibilidade orçamentária.

Nesse caso, as costumeiras alegações de conveniência e oportunidade são mais do que descabidas, e a mera afirmação de indisponibilidade orçamentária não pode desonerar o Estado do seu dever, sob pena de se admitir que ele pode entender que não deve dispor de dinheiro para evitar a degradação de um direito afirmado inviolável pela própria Constituição Federal. É por isso que a ação coletiva - fundada no art. 84 do CDC – voltada à obtenção dessa prestação, objetiva evidente tutela preventiva ou inibitória do direito ambiental [20], que não pode ser vista como uma simples e neutra tutela de um dever legal.

Anote-se, aliás, que se o Estado realmente demonstrar (o ônus da prova é seu) sua impossibilidade orçamentária, a conclusão será a de que ilegalmente deixou de considerar tal necessidade. Portanto, o juiz deverá ordenar sob pena de multa que o Estado não só inclua, em seu próximo orçamento, dinheiro necessário para a realização da prestação, mas também que o use de modo a cumprir o seu dever constitucional.

A multa – em qualquer um dos casos acima - não poderá incidir em relação à pessoa jurídica de direito público, mas sim sobre a pessoa física da autoridade pública. Como essa multa possui fim coercitivo, não há como imaginar que ela possa incidir sobre um patrimônio, na hipótese o patrimônio da pessoa jurídica. Tal multa, diante de sua finalidade, somente pode visar uma vontade. Como a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, a multa coercitiva somente pode ser pensada se for imposta diretamente à autoridade capaz de dar atendimento à decisão judicial.

Não se diga, simplesmente, que não se pode impor multa em relação a quem não é parte no processo. É que essa multa não constitui pena, mas somente ameaça para que alguém, de quem depende o cumprimento da ordem judicial, atue em conformidade com a decisão. É claro que a multa somente pode ser direcionada à autoridade que tem capacidade para atender a decisão, e não outra. Perceba-se que a autoridade sempre terá a escolha entre obedecer ao juiz ou arcar com a multa. Não há nada de arbitrário aí, pois a autoridade, diante da decisão judicial, deve cumprir a ordem. O contrário seria admitir que a autoridade pode descumprir decisão jurisdicional que determina a observância de prestação que decorre de dever constitucional. Seria admitir, de uma só vez, que é possível desobedecer à lei e ao juiz.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5041. Acesso em: 28 mar. 2024.

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