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Novo Código de Processo Civil e o controle de constitucionalidade.

Ampliação objetiva da coisa julgada e sua consequência eficacial no controle de constitucionalidade

Leia nesta página:

Considerando que a processualística civil é uma ciência base e transversal, impende o cotejo das inovações do CPC/15 com os demais ramos do Direito. No caso, estuda-se a ampliação objetiva da coisa julgada e suas nuances no controle de constitucionalidade.

RESUMO: Os efeitos das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade representam, indubitavelmente, o epicentro das maiores digressões pertinentes ao tema. Com o advento do novo Código Processual Civil e as consequentes inovações por si trazidas, com ênfase, neste estudo, na ampliação objetiva dos efeitos da coisa julgada, ressurgem questionamentos acerca da teoria da transcendência dos motivos determinantes e da prática difusa de controle de constitucionalidade. 


1. O NOVO CÓDIGO DE PROCESSSO CIVIL E A AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA COISA JULGADA

Em seus arts. 502 e seguintes, o novel diploma da Lei Adjetiva Civil dispõe que a condição de imutabilidade endo e exoprocessual que recobre uma dada decisão não mais passível de recurso, a coisa julgada, passará a abarcar, igualmente, as demais questões (pontos de divergência entre as partes) dirimidas no processo. Neste sentir, vide a literalidade legal:

Art. 502.  Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Art. 503.  A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1o O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2o A hipótese do § 1o não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Art. 504.  Não fazem coisa julgada:

I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

Art. 505.  Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei.

Art. 506.  A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

Art. 507.  É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

Art. 508.  Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.

A robustez jurídica da referida evolução legislativa, com consideráveis consequências processuais, fundamenta uma reanálise de pontos já assentados relativos ao controle de constitucionalidade à luz desta nova baliza interpretativa. 

1.1. RETOMADA DA TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES?           

A teoria da transcendência dos motivos determinantes, de recente aplicabilidade refutada pelo Supremo Tribunal Federal (STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 -Info 808)[1] assenta-se no raciocínio de que, diante do controle abstrato de constitucionalidade de um determinado ato normativo, a razão de decidir esposada pela Excelsa Corte, per si, seria hábil a fundamentar a inconstitucionalidade de outros dispositivos em idênticas condições jurídicas, porém não atacados em sede daquela específica demanda.

A propósito, a docência de DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR[2]:

“Essa visão do fenômeno da transcendência consistia no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só dizia respeito à parte dispositiva da decisão, mas referia-se, também, aos próprios fundamentos determinantes do julgado nas ações de controle abstrato, especialmente quando consubstanciava declaração de inconstitucionalidade.

Com base nessa teoria, se o Supremo declarasse a inconstitucionalidade de uma lei de determinado Estado, a fundamentação utilizada nessa ação como razão de decidir (ratio decidendi) teria eficácia vinculante erga omnes(contra todos) e atingiria todas as leis materialmente iguais de outros Estados, sem a necessidade de se propor novas ações diretas.”

Para os defensores do sobredito raciocínio, sua aplicabilidade lograria conferir segurança e um reforço axiológico às decisões proferidas pelos órgãos imbuídos do controle abstrato de constitucionalidade nas esferas estadual e federal.

A Excelsa Corte, todavia, nas oportunidades em que se deparara com o tema, rechaçara tal teoria com base precipuamente nos então vigentes limites objetivos da coisa julgada, quais sejam, o dispositivo do julgado, bem como, excepcionalmente, as questões prejudiciais deliberadas em especifíca Ação Declaratória Incidental.

Posto tal contexto, indaga-se: estaria abolido o fundamento retórico de superação da teoria da transcendência dos motivos determinantes?

Entendo que não.

Ao revés do que parece denotar uma leitura açodada dos parágrafos acima, os motivos que embasam uma declaração de inconstitucionalidade em sede de controle abstrato, palco da teoria da transcendência dos motivos determinantes, não constituem questão prejudicial ao mérito do processo objetivo de constitucionalidade, mas a própria abordagem deste, com conclusão sintetizada no dispositivo do julgado.

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Como de sabença, o exercício cognitivo do magistrado (seus motivos) acerca de uma questão, prejudicial ou principal, não é abrangido pela coisa julgada, postura mantida pelo novo Código de Processo Civil, senão vejamos:

Art. 504.  Não fazem coisa julgada:

I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

A grande inovação da Lei 13.105/15 reside no fato de que, agora, não apenas a conclusão final atinente ao pedido principal como também a conclusão referente à questão prejudicial deverá, em regra, ser envolvida pela coisa julgada.

Neste sentir, considerando que no controle abstrato de constitucionalidade a verificação das pertinências formal e material de um determinado ato normativo com a Constituição configura o desiderato principal e único deste acesso à Justiça, a abordagem desta compatibilidade não caracteriza questão prejudicial, mas o próprio mérito da suposta inconstitucionalidade.

Logo, apartada qualquer digressão pertinente à juridicidade da teoria dos motivos determinantes, alheia à esfera de cognição do presente estudo, pode-se inferir que, salvo melhor juízo, a nova codificação processual não infirma os fundamentos técnico-processuais refratários à sobredita teoria. 

1.2. O CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE E A COISA JULGADA À LUZ DO NOVO CÓDIGO PROCESSUAL CIVIL

Questão igualmente interessante que exsurge desta contextualização entre a ampliação objetiva da coisa julgada e o controle de constitucionalidade refere-se às declarações incidentais de inconstitucionalidade.

Como cediço, o controle por via difusa, fruto do direito norte-americano (caso Madison versus Marbury, 1803, julgado pelo juiz Marshall da Suprema Corte norte-americana), caracteriza-se pelo exame de compatibilidade constitucional, incidentalmente, no bojo de um processo tipicamente subjetivo.

Tal mecanismo de controle, conforme se depreende da própria terminologia adotada (difuso), pode ser realizado por qualquer órgão jurisdicional, prescindivelmente de competência originária para conhecimento, em tese, da questão constitucional.

Diante de tais premissas, surge o seguinte questionamento: a resolução desta questão prejudicial, pertinente à constitucionalidade, seria passível de produzir coisa julgada?           

A resposta para tal indagação possui literal tratamento normativo, orientando-se, a teor da ressalva expressamente constante no art. 503, §1º, III, do Código Processual Civil, pelo órgão julgador responsável pela valoração da constitucionalidade.

Neste sentido, vide novamente o traslado legal:

Art. 503.  A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1o O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

(...)

III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

Desta feita, tem-se que apenas as questões dirimidas incidentalmente pelo STF, tendo por parâmetro a Constituição da República, e pelos Tribunais de Justiça, considerando as respectivas Constituições Estaduais, serão tecnicamente hábeis a conformar coisa julgada.


CONCLUSÃO

A processualística civil, base instrumental de acesso à Justiça de uma grande parcela material de direitos consagrados pelo ordenamento jurídico, constitui, inexoravelmente, um ramo científico de cunho transversal.

Neste viés, a edição de um novo código e as consequentes inovações que lhe são oriundas ensejam o cotejo do tema com todas as demais pastas do Direito.

Este o mister do presente estudo, visando sempre o enriquecimento, a solidez e a unidade do conhecimento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. Saraiva, 2010.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

BULLOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Saraiva, 2011.

BRASIL. Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Juspodvum, 2012.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Curso de Direito Constitucional. 37ª ed. Saraiva, 2011.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14 ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Saraiva, 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed. Atlas, 2011.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. Malheiros, 2011.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 26 de julho de 2016.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 


Notas

[1] No mesmo sentido: Rcl 11477 AgR/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 29.5.2012; Rcl 3294 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2011; Rcl 9778 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2011; Rcl 3014, Relator  Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2010)

[2] Disponível em: http://dirleydacunhajunior.jusbrasil.com.br/artigos/206655274/o-que-e-a-teoria-da-transcendencia-dos-motivos-determinantes

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Sobre o autor
Maria da Graça Giulietta Cardoso de Carvalho

Analista Judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Maria Graça Giulietta Cardoso. Novo Código de Processo Civil e o controle de constitucionalidade.: Ampliação objetiva da coisa julgada e sua consequência eficacial no controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4817, 8 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51021. Acesso em: 28 mar. 2024.

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