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Teoria do etiquetamento e fundada suspeita.

Análise a partir do curso de formação de sargentos da Polícia Militar de Santa Catarina

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Existe nexo causal entre fundada suspeita e teoria do etiquetamento, pois não raras vezes o estigma do possível delinquente é estabelecido base nos conhecimentos empíricos e experiências profissionais.

Resumo: O presente artigo pretende analisar se a Teoria do Etiquetamento (labbeling approach) aplica-se em certos casos de fundada suspeita na Polícia Militar de Santa Catarina. Reveste-se de essencial importância às Ciências Humanas e Policiais retirar o paradigma repetido pelo empirismo e sobrepor assim o acordo científico. Para tanto, resta imperioso identificar, descrever e analisar conceitos referentes à política de segurança pública, como estruturação e competências constitucionais da Polícia Militar, tais como preservação da ordem pública e polícia ostensiva. Em decorrência dessa interjeição inicial, num segundo momento realizará a fusão conceitual entre as aspirações alusivas a Teoria criminológica da Reação Social, ou Etiquetamento (labbeling approach). Após essas exposições iniciais será realizado as conjecturas afirmadas em questionário (amostra de pesquisa) com alunos do Curso de Formação de Sargentos da Polícia Militar de Santa Catarina em 2016, abordando temas como busca pessoal, fundada suspeita e tomada de decisão. Posteriormente a coleta das informações será traduzida em campos científicos as proporções alçadas para assim, definir se a corporação reflete o manto da rotulação nas decisões empíricas sobre fundada suspeita e, por conseguinte influenciando nos arredores da seletividade penal.

Palavras-chave: 1. Teoria do Etiquetamento; 2. Fundada Suspeita; 3. Seletividade Penal


1. INTRODUÇÃO

Diante da proposta, o presente trabalho tem como objeto e problema investigar os descampados da criminologia crítica, precisamente se a Teoria do Etiquetamento (labbeling approach) aplica-se em certos casos de fundada suspeita na Polícia Militar de Santa Catarina. Nesse prisma, o objetivo geral do texto compreende em sinalizar se decisões durante a atividade policial permitem identificar fragmentos da teoria criminológica da reação social.

As fontes e métodos utilizados para confecção do texto cingem ao exame documental e bibliográfico sobre o assunto, além da realização de amostra de pesquisa sob a modalidade questionário (virtual) com duzentos e três policiais de várias regiões de Santa Catarina, para ilustrar com ênfase os possíveis resultados e variáveis.

Conforme Gil (2008) o questionário como técnica investigativa objetiva traduzir informações, valores, expectativas e sentimentos acerca dos comportamentos e conhecimentos, para descrever as características da população pesquisada, no caso, os alunos do Curso de Formação de Sargentos. Para demonstrar os dados obtidos utilizou-se do método indutivo, ou seja, dos indícios percebidos a realidades pelos sujeitos assim reveladas. No mesmo prisma, as informações coletadas são frutos de observações em casos concretos, generalizadas à corporação, pois a natureza geográfica dos entrevistados permite conjecturar tal premissa.

O artigo reveste-se de essencial importância para a atividade policial e criminológica, pois questões factuais tratadas com empirismo serão manifestadas ao conhecimento científico. Para tanto, por fins didáticos subdividiu-se a finalidade da pesquisa em três capítulos, os quais compreendem os objetivos específicos do trabalho.

Diante disso, inicialmente será dedicada a identificação imperiosa à atividade policial, dentre conceitos necessários destacam-se a competência constitucional da Polícia Militar, atividades de preservação da ordem pública e ostensividade, num enlace imprescindível à seletividade penal. No mesmo capítulo será pormenorizado para compreender as considerações referentes à modalidade de busca pessoal e fundada suspeita, suas similitudes e particularidades. Entrementes, posteriormente será descrito o aparato da Teoria da Reação Social (labbeling approach), suas particularidades e devaneios necessários ao esclarecimento teórico do texto. Por fim será analisada a possível fusão conceitual entre a fundada suspeita e a teoria da criminológica da rotulação.

De modo final, a compressão conceitual dos capítulos permitirá expor as premissas consideradas no estudo, num esforço hercúleo para superação do empirismo e aterrissagem ainda superficial nos quadros das Ciências Policiais.


2.TEORIA DO ETIQUETAMENTO E FUNDADA SUSPEITA: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA

2.1 Segurança Pública em questão: escorço conceitual

Inicialmente, cumpre destacar e partir da premissa que a Segurança Pública deve ser compreendida com instância formal no controle do delito, por meio do desempenho do aparelhamento político do Estado.

Diante disso, a evolução dos termos e competências da Segurança Pública e Polícia são nítidas no decorrer do tempo. Entrementes, diante da análise histórica e legislativa das Policias Militares no Brasil foi possível determinar a solidez desta instituição ao longo dos tempos, bem como sua verdadeira função a serviço da sociedade.

Destarte, a missão constitucional da Polícia Militar permeia a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, esta última atua em diversos caudilhos. A preservação a ordem (antiga manutenção da ordem pública) como competência da Polícia Militar foi instaurada após assembleia constituinte. A sobreposição de conceitos (manutenção para preservação) dilatou as esferas de atribuição da Polícia Militar, sendo a preservação compreendida e ramificada em prevenção (manutenção), restauração (repressão imediata), competência residual e missão subsidiária. (LAZZARINI, 1999).

Denota-se a amplitude da expressão advinda do constituinte originário, o termo preservação da ordem pública após a promulgação da Constituição de 1988 engloba operacionalmente as classes possíveis de atuação, sejam missões preventivas (manter o estado de normalidade e convivência pacífica), missões repressivas (por meio da repressão imediata e por vezes mediata, além da restauração da ordem), missões relativas à falência ou inoperância de outros órgãos, ou até mesmo episódios provenientes de pequenas desordens (ambiente extrajurídico) que afete a ordem pública mas não constituem infração penal.

Igualmente, os desafios à prevenção do delito superam o contencioso do senso comum. Ou seja, a partir de pontos de vista morais o policial estará diante de situações não corriqueiras em sua alçada, o que denota perspectivas e diferentes atuações num universo diante cada vez mais sob a perspectiva “humanista”. (ROLIM, 2009).

Outrossim, dentre o vasto “universo” da preservação da ordem pública as ações policias previnem e/ou reprimem as condutas ilegais (crimes ou desordens), sendo a Polícia Militar o primeiro órgão público a motivar o encaminhamento inicial dos fatos. (LIMA; NASSARO, 2011).

Deste modo, para materializar as competências constitucionais, a polícia (controle formal do delito) atua de forma paradoxal. De um lado é a instituição que deve garantir os direitos fundamentais e doutra reveste-se no braço armado e legítimo do Estado para restringir alguns direitos tangentes à preservação da ordem pública.

Neste sentido, a polícia compreendida como instância formal situa-se como agência social, mas que atua no âmago da justiça penal. Nota-se, contudo, que mesmo pertencendo a sistemas “opostos”, a polícia sempre deve manter certa simbiose com as comunidades envolventes. (DIAS; ANDRADE, 1997).

Portanto, estimular a comunicação entre os subsistemas e instâncias inseridas permite identificar às diferenças e mensurar as possíveis linhas de ação, no tocante as diversas frentes da segurança pública.

Com efeito, manter a ordem e garantir a segurança são funções precípuas da Polícia Militar. Desta feita, prevenir o crime subentende-se em duas vertentes: a) presença policial nas ruas (ostensividade); b) as tarefas de prevenção devem ser pensadas além da mera presença física. Com base nesse sincronismo até mesmo sobreposto, o trabalho da polícia deve-se a construção cultural no qual se percebe manifestação de mecanismos seletivos no combate a criminalidade. (ROLIM, 2009).

Conforme o autor supracitado, a prevenção do delito compreende aspectos exteriores a simples ostensividade pela instituição policial. Outrossim, as atividades policiais preventivas envolvem maximizar os instrumentos de segurança pública e tão logo dedicar a sociedade.

2.1.1 Fundada Suspeita: criminologia da rotulação ou análise objetiva do criminoso?

Inicialmente cumpre destacar que para efeito deste trabalho as expressões “busca pessoal” e “revista pessoal” são sinônimas. Entrementes, forçoso esboçar que ilações referentes à fundada suspeita são pouco teorizadas pela doutrina e jurisprudência. Portanto, no presente subtópico a fundada suspeita permite será tratado de formas.

Diante disso, dentre as modalidades de busca destaca-se a busca domiciliar e a busca pessoal. Esta última, (objeto da pesquisa) traduz-se num meio para a preservação da ordem pública (conceito constitucional genérico), uma vez que a rotina operacional das polícias militares enseja frequente ação.

A busca pessoal preconizada no diploma processual penal (art. 240, § 2º c/c art. 244, CPP) adverte que independe de mandado judicial e se legitima diante de uma prisão ou fundada suspeita que a pessoa detenha arma proibida ou objetos (coisas, instrumentos) que materializem o corpo de delito, até quando a medida for necessária diante da busca domiciliar, ou ainda realizar a busca pessoal com a fundada suspeita para colher qualquer elemento de convicção. (BRASIL, 1941).

Diante da intelecção legislativa, a busca pessoal incide sobre a pessoa com fundada suspeita. Contudo, a crítica se perfaz na vagueza conceitual do que seja “fundada suspeita”, a qual permite identificar cláusula vaga e imprecisa que remete a ampla subjetividade e por vezes arbitrariedade policial. Desta forma, as atitudes referentes à fundada suspeita não são lineares, inscrevendo os agentes policiais numa ampla e irrestrita liberdade para fundamentar as decisões em efetuar, ou não, buscas pessoais. Assim, nota-se que as elementares, são pessoas preferenciais do sistema, numa tangível reação que fora revelada sob o manto da seletividade penal. (LOPES JUNIOR, 2012).

Ocorre que as possibilidades da legislação permite interpretação por vezes desvirtuada e passível de arbitrariedades. Diante disso os direitos e garantias fundamentais devem sobrepor ao livre alvedrio dos agentes policias e desarrazoada suspeita, imotivada ou mesmo ilegal. (DUTRA, 2007).

Todavia as razões contrárias, nesse diapasão, os efeitos criminológicos da tomada de decisão sobre abordagens e fundada suspeita permitem ao pesquisador identificar escalas lineares da eficiência policial. Contudo, adverte Rolim (2009), deve-se ter em mente os resultados posteriores e por ventura inalcançáveis, com cada programa ou política de segurança, independente dos rótulos que possam acompanhar cada abordagem.

Nesse sentido as pesquisas criminológicas aprumam-se. Todavia, os indicadores criminais são fornecidos pelos órgãos formais de controle por meio da ilusão e dimensionamento matemático das condenações criminais. (ROLIM, 2009).

Entretanto, para confirmar ou desmistificar a seletividade penal pelos agentes faz-se necessário confrontar ou até mesmo fundir as causas que suscitam as ações policiais nas abordagens e consequentes prisões.

Noutro prisma, elucidar os fatores que desencadeiam a fundada suspeita iniciada pelos agentes policiais permite discutir com propriedade científica os números e amostras. Portanto, ilustrar as características pertencentes a grupo específico nos aspectos referentes às abordagens e fundada suspeita permite avaliar como se dá a seletividade dos instrumentos do Estado.

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2.2 Teoria do Etiquetamento (Labbeling Approach)

A proposta deste capítulo é descrever e esmiuçar as similitudes e pormenores da Teoria do Etiquetamento, reconhecida pela nova criminologia como Labbeling Approachou Teoria da Reação Social.

A teoria do labbeling approach desloca o problema criminológico do plano da ação para reação (porque também denominada Teoria da Reação Social), fazendo que as características do delinquente seja a resposta das audiências de controle. De toda forma, os autores fazem menção à teoria do etiquetamento sugerindo nomes como Howard Becker (autor da obra Outsiders) e as deflagrações sobre os desviantes, ou os portugueses Jorge Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade (autores da obra Criminologia: O homem delinquente e a sociedade criminógena). Todavia, a teoria do etiquetamento abandona a pergunta do porquê os criminosos cometem crimes, mas por que algumas pessoas são consideradas criminosas? (SCHECAIRA, 2012).

Ao tratar sobre o tema proposto, evidencia-se que a criminologia crítica não é um assunto vindouro com a existência do direito. Esta, cujo início atrela-se às ideias de Alessandro Baratta, aborda principalmente assuntos relacionados à rotulação de indivíduos (labelling approach), não possuindo como objetivo a depreciação de determinado grupo social ou étnico, mas sim a demonstração da fraqueza do sistema penal que utiliza tais parâmetros em sua rotina.

Diante disso, a Teoria do Etiquetamento sob viés sociológico é sobrepujado por duas correntes[1] da sociologia americana: a) ligada a psicologia social denominada “interacionismo simbólico” (George H. Mead); b) inspirada na fenomenologia chamada “etnometodologia” (Alfred Schutz). Em tempo, para compreender os azimutes científicos do sistema penal devese concatenar as pesquisas desde a essência do delito, ou seja, o estado inicial de delinquência às análises contínuas sobre ações das instâncias oficiais de controle social. (BARATTA, 2002).

Destarte, a Teoria do Etiquetamento seleciona os agentes e suas rotinas em detrimento dos abordados, por dois momentos básicos: a um, quando estigmatiza e rotula o conhecimento empírico dos agentes do Estado; a dois, quando exclui parcela e fatia pertencente à cifra invisível do crime.

Todavia, as projeções e inteligências não chegaram ao status quo de forma repentina ou sorrateira. Por sua vez, as correntes criminológicas tradicionais (principalmente a biologicista) influenciaram consideravelmente a área jurídica por muito tempo, onde o entendimento relacionado a condutas criminosas baseadas em raças propensas, traços fisionômicos ou aparentemente características físicas, bem como diretamente relacionadas à condição de pobreza não mais se consideram absolutas como seleção natural. Entretanto, ainda percorrem remotos caminhos alguns cientistas modernos-tradicionais. (BARATTA, 2002).

Diante das intelecções históricas, as escolas criminológicas (res)surgem e (re)modelam as maneiras de controle social do delito e aperfeiçoamento do crime sob diversas égides (de acordo com o momento histórico), desde a escola tradicional à criminologia crítica. A partir do entendimento de que o crime não é mais um status atrelado à natureza do indivíduo, Baratta (2002) afirma que a Teoria da Reação Social tende a se preocupar em mensurar os descampados antes obtusos e reações das instâncias formais de controle (polícia, juízes, órgãos de acusação, instituições penitenciárias...), pois são considerados elementos constitutivos das faces da criminalidade, sob enfoque do efeito estigmatizante da atividade de polícia.

Nota-se, em tese, que por essa teoria a polícia é responsável em definir quem pertence ao grupo seleto dos “malfeitores”, tendo como base predisposições e conhecimentos empíricos do grupo. Assim, a linguagem interativa entre polícia e sociedade reflete a seletividade com base no comportamento, valores e desvios dos rotulados.

No mesmo sentido, Pablos de Molina (2013) sugere que essa teoria contempla o crime como mero subproduto do controle social, o qual acopla a transmutação do indivíduo em delinquente não porque realizou comportamentos inaceitáveis aos padrões normais de conduta, mas porque determinadas instituições o etiquetaram, de forma seletiva e discriminatória.

Os teóricos supra consideram que a sociedade, notadamente o indivíduo, sofre influência do mundo exterior (v.g. agências policiais) para delinquir, quando classificados e rotulados ao status de desviante. Num rasante sobrevoo, a sociologia do desvio não percorre a qualidade do ato, mas as implicações da aplicação de reprimendas ao suposto “infrator”. Desta forma, quem detém o estigma do desvio, em tese, aceita o rótulo sobreposto. Desta forma, a pessoa selecionada como desviante aceita/acata e estratifica tal estigmatização. (BECKER, 2008).

Nesse desiderato, tangenciar as projeções de Howard Becker elencadas na obra Outsiders sobre comportamento desviante e confrontar com as dimensões institucionais das instâncias formais de controle social (Polícia Militar), além de fundir nas bases teóricas do labelling approach (para tornar uma pessoa criminosa é tratar ela como tal), pode influenciar notadamente nos processos de seleção e criminalização.

A policia tem papel preponderante na seletividade penal por dois aspectos: i) por ser a mais visualizada no controle do delito; ii) as condições que atua permite maior discricionariedade no cenário e tomada de decisão. Assim, o papel da polícia no controle da criminalidade decorre de concepções ideológicas e investigações empíricas. Por ser o braço armado e legítimo do Estado, nada mais adequado que a polícia seja determinante nas cifras da criminalidade. Suas ações discricionárias podem superar margens legais (princípio da reserva legal), ilegais, ou sedimentadas numa zona cinzenta entre ações oficias e não oficiais. Desta forma, o delinquente é produto de um processo social discricionário e relativo dos interventores (policiais e políticos). (DIAS; ANDRADE, 1997).

Nesse viés Bissoli Filho (2002) assevera quando elenca fatores ambíguos da sociedade, bons e maus, criminosos e não-criminosos, um maniqueísmo constituído referendado pelo autor como “ideologia da separação ou do apartheid social”. Entrementes, a expressão apartheid social remete aos ideais da estigmatização e rotulação pelos órgãos de controle. Desta feita, a separação seletiva nos processos de criminalização sugere que determinadas condutas são mais favoráveis à condição suspeita e tratamentos diferenciados no sistema penal.

No mesmo norte, os indivíduos que carregam o estereótipo criminal pelas instâncias formais são facilmente identificados pelo sistema, demonstrando que esta rotulação elenca-se mais frágil à seletividade penal. (BUSSOLI, 1998).

Diante do exposto ocorre uma cisão entre a sociedade provocada pelas instâncias formais de controle criminal, pela rotulação dos desviantes operando assim a chamada criminologia da seleção.

2.3 Teoria do Etiquetamento e Fundada Suspeita: uma fusão a partir do Curso de Formação de Sargentos da Polícia Militar de Santa Catarina

Tendo como elementos nodais a descrição e identificação conceitual dos capítulos retromencionados, o presente tópico será dedicado à análise dos resultados obtidos a partir de amostra de pesquisa sob a modalidade de questionário interativo, com cerca de duas centenas de alunos-sargentos provenientes do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da Polícia Militar de Santa Catarina (CFAP), representando assim 2% do efetivo total em atividade na corporação.

Cumpre destacar que o método dedicado nessa partitura do texto é o indutivo, ou seja, partimos da premissa particular e generalizamos, em tese, por dois motivos: a um, porque os alunos em formação derivam da geografia ampla do território catarinense, abrangendo assim todas as Regiões Militares; a dois, pois a média de serviço exclusivo em atividade operacional (leia-se atividade fim) pelos entrevistados circunda dezesseis anos de serviço.

Como dito, o trabalho consistiu na realização de questionário virtual com os referidos alunos em formação, sendo os resultados obtidos acerca da fundada suspeita e sobrepostos a Teoria do Etiquetamento para consequentes considerações finais. Dentre os resultados obtidos foi verificado que o universo dos entrevistados tratava-se na sua ampla maioria homens, com em média dezenove anos de serviço na Polícia Militar, sendo destes dezesseis anos na atividade e finalidade operacional. Diante das atuais premissas, a partir das informações conceituais acerca da busca pessoal, fundada suspeita, prisões e Teoria da Reação Social (labelling approach) foram observados os seguintes resultados dos entrevistados:

  • Sobre a influência com base na cor da pele do abordado: ao analisar a abordagem policial, os entrevistados afirmam que a fundada suspeita no local, em sua grande maioria em a nada influência na tomada de decisão (81%). Por sua vez, alguns acreditam que a fundada suspeita recai sobre pessoas com a cútis negra (11%), sendo a minoria indicado pessoas com a cor da pele parda ou branca como suspeitos (8%).

  • A propósito da fundada suspeita em abordados com tatuagens: a maioria dos alunos assevera que a fundada suspeita em nada influência a pessoa possuir tatuagens (57%). Entretanto, muitos entrevistados consideram que pessoas com tatuagens possuem resquícios da “fundada suspeita” (42%), conforme demonstrativo abaixo.

  • Sobre abordagens em pessoas com acessórios na cabeça: a suspeita recai no local em sua grande maioria em pessoas com bonés, capuz ou gorros (63%). Todavia, parcela considerável acredita acessórios na cabeça em nada influenciam na tomada de decisão e abordagem policial (37%).

  • As finalidades das suspeitas sobre vestimentas largas: recaem em grande maioria em pessoas com jaquetas, blusas e calças largas (62%). Da mesma forma, certa parcela acredita que acessórios jaquetas, blusas e calças largas em nada influenciam na tomada de decisão e abordagem policial (37%).

  • Entre os meios de locomoção dos possíveis abordados: ao analisar a abordagem policial, a fundada suspeita não sofre influência do meio de locomoção do abordado (59%). Por sua vez, parcela acredita que pessoas em motocicletas influenciam na tomada de decisão (30%). A minoria dos entrevistados entende que pessoas em veículos representam esta suspeita (6%) algumas fazem referência a pessoas a pé (4%).

  • Conforme os aspectos temporais (horários) e sua relação com abordagens e fundada suspeita: ao analisar a abordagem policial, recai no local em sua grande maioria em horários distintos (48%). Porém, 23% acredita que o horário das 24h às 3h ser o mais propício a abordagens e busca pessoal. No entanto, cerca de 21% entende ser o horário próprio para averiguação e fundada suspeita entre 21h e 24h. Os demais horários do dia são ínfimos as determinações temporais pré-estabelecidas.

  • Sobre hipóteses específicas aos entrevistados e possibilidades de assinalar mais alternativas, em ordem decrescente de escolhas: ao analisar a abordagem policial, a fundada suspeita recai sobre pessoas utilizando drogas para consumo próprio (147); em duas pessoas em uma motocicleta representam esta fundada suspeita (133); fundada suspeita em grupos de pessoas em terreno baldio (109); abordagens em pessoas com características diferentes da região (102); fundada suspeita em pessoas fazendo algazarra em via pública (92); abordagens em veículos com som alto no posto de combustível (57); pessoas bebendo em via pública (53); grupo de cinco masculinos em um ponto de ônibus (52); grupo consumindo bebida alcoólica em frente à residência (49); suspeita e abordagens a pessoas reunidas em pista de skate (41); busca pessoal em uma pessoa em uma motocicleta (21), suspeita de pessoa trafegando de madrugada com uniforme de empresa (07). Por fim, os demais números da pesquisa são índices com menos de 2% de afirmações.

  • Por fim, após responder questionamentos sobre a experiência profissional, os entrevistados foram indagados sobre o percentual de prisões (flagrante e/ou mandado de prisão ativo) que foram resultadas das abordagens e fundadas suspeitas realizadas pelos interlocutores: 10% a 30% das abordagens com fundada suspeita resultaram efetivamente prisão (74% dos entrevistados). Ao passo que entre 30% e 60% das abordagens gerou efetivamente prisão (19%). Contudo, o restante (cerca de 6%) assevera que as prisões são provenientes em mais de 60% das abordagens.

Nota-se pelos resultados demonstrados que existe nexo causal entre fundada suspeita e Teoria do Etiquetamento pelos alunos em formação. Pois não raras vezes induziram o estigma do possível delinquente com base nos conhecimentos empíricos e experiências profissionais.

Forçoso advertir que os dados serão considerados num primeiro momento quando os resultados forem superiores a 50% das respostas dos entrevistados, sendo no segundo momento dados superiores a 30% de afirmações. Isso posto, a fusão conceitual entre os objetivos do presente trabalho permite considerar, em tese, a premissa que a fundada suspeita e abordagens com posterior busca pessoal resulta em pessoas do sexo masculino, com bonés, capuz ou gorros na cabeça, além de pessoas com acessórios tipos jaquetas, blusas ou calças largas.

De sobremaneira, os agentes policiais consideram em fundada suspeita pessoas utilizando drogas, mais de uma pessoa em uma motocicleta ou grupos de pessoas em terreno baldio, além de pessoas com características diferentes da região.

Num segundo momento, além das hipóteses retro, entretanto, menciona-se que grande parcela (entre 30% e 50%) dos entrevistados considerou a busca pessoal e suspeita também em pessoas com tatuagens, pessoas conduzindo motocicleta ou fazendo algazarra em via pública.

Assim posto, a Teoria da Reação Social opera num sincronismo factual com a fundada suspeita e considerações objetivas dos alunos em formação. Dito isso, a criminologia seletiva organiza de forma acentuada pelo órgão policial avaliado quem pertence ao grupo desviado.

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Sobre os autores
Leandro Dirschnabel

Bacharel em Direito, atualmente Cadete do 2° período do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina – Bacharelado em Ciências Policiais. http://lattes.cnpq.br/2320105120151788

Rafael Forchesatto

Cadete PM do 2º Pel/CCAD - 2º CFO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIRSCHNABEL, Leandro ; FORCHESATTO, Rafael. Teoria do etiquetamento e fundada suspeita.: Análise a partir do curso de formação de sargentos da Polícia Militar de Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4789, 11 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51154. Acesso em: 28 mar. 2024.

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