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O objeto do pedido de reconsideração

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Uma situação prática nos motivou a escrever sobre o pedido de reconsideração que, a nosso ver vem se tornando em sucedâneo recursal.

O mencionado caso aconteceu da seguinte forma: durante um plantão judicial foi interposta uma ação cautelar inominada, em que foi indeferida uma medida liminar. Insatisfeita, a parte que teve o seu pleito negado interpôs um pedido de reconsideração no mesmo juízo.

Há de ser ressaltado que o objeto do pedido de reconsideração, não se tratava de matéria de ordem pública.

No entanto, o requerimento endereçou-se ao outro Magistrado, o verdadeiro titular da vara a quem a ação foi distribuída durante o plantão. Assim, apreciando a pretensão, o juiz titular da mencionada vara reconsiderou a decisão prolatada pelo Juiz que oficiou no plantão.

Pergunta-se o ato é legítimo? Quais são as matérias que podem ser analisadas na reconsideração? É possível o pedido de reconsideração, após a "mini" reforma processual que instituiu o novo regime do agravo? Houve preclusão na atividade judicante do magistrado? Qual é o alcance do artigo 471 do Código de Processo Civil?

Para podermos responder estas questões, é preciso desenvolver um raciocínio concatenado sobre o assunto. Por isso, nos reservamos o direito de responder as indagações no final deste pequeno ensaio.

É fato corriqueiro no meio forense, a utilização do instituto da reconsideração de maneira indiscriminada, apesar de inexistir previsão no nosso código de ritos sobre o assunto. Contrariamente ao defendido pela doutrina majoritária, entendemos que salvo os casos expressos na Lei, tais como: o pedido de reconsideração no indeferimento liminar da petição inicial, ou, o juízo de retratação após a juntada da cópia do agravo na instância originária, a prática indiscriminada do instituto da reconsideração é ilegítima.

Entrementes, comprovadamente, o expediente forense é utilizado, no dia a dia, sem que haja regulamentação expressa sobre o assunto.

Contudo, qualquer espécie de instituto jurídico merece um toque de cientificidade, sob pena de negarmos a existência do processo civil com uma ciência autônoma, como também infirmarmos toda a construção dogmática do processo civil e sua natureza cogente.

A respeito do assunto, o Código de Processo Civil estatui o seguinte:

Art. 471. nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas á mesma lide, salvo:

I- se, tratando-se de relação jurídica continuada, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença

II- nos demais casos prescritos em lei.

Assim, partindo-se do embasamento legal supra mencionado, as matérias que podem ser alegadas por intermédio de reconsideração são, tão somente, as matérias de ordem pública. Apesar da estranheza da afirmação, posto que, vivenciamos a utilização do instituto ao puro alvedrio das partes, entendemos que a melhor solução é o exclusivo manejo da matéria de ordem pública.

O primeiro motivo da afirmação acima mencionada reside no princípio da taxatividade recursal, que não admite a criação de qualquer espécie recursal se a mesma não for criada, por força de Lei federal. Sendo assim, possibilitar a reforma de uma decisão pelo próprio órgão julgador quando não houver previsão expressa em lei é criar um recurso não previsto no ordenamento jurídico.

O segundo fundamento diz respeito à repugnância da doutrina e jurisprudência, após a reforma processual de 1994, quanto à utilização de sucedâneos recursais. Nesse sentido, vale a pena transcrever as seguintes decisões que afastaram o manejo do mandado de segurança como sucedâneo recursal, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JUDICIAL PASSÍVEL DE RECURSO PRÓPRIO.DESCABIMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 267/STF.

I - O mandado de segurança não se presta como sucedâneo recursal, não podendo ser ele utilizado como via subsidiária para manifestar igual pretensão já formulada em recurso próprio. Incidência do enunciado da Súmula 267 do Pretório Excelso.

II - Admitia-se, excepcionalmente, a sua impetração para emprestar efeito suspensivo a recurso que não o tivesse. Isto, desde que o ato judicial atacado fosse manifestamente ilegal ou teratológico, e que resultasse prejuízo irreparável ou de difícil reparação à parte.

III - No entanto, tal construção doutrinária e jurisprudencial foi modificada após a edição da Lei nº 9.139/95 que, alterando o art. 558 do CPC, possibilitou ao relator dar efeito suspensivo ao agravo de instrumento e à apelação, nos casos em que possa haver lesão grave ou de difícil reparação. Precedentes. Recurso desprovido.

STJ, Min. FELIX FISCHER (1109) DJ DATA:28/04/2003 PG:00210

MANDADO DE SEGURANÇA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO. RECURSO. AUSÊNCIA. FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA. DECISÃO TERATOLÓGICA. SÚMULA 267/STF.

1. A jurisprudência pretoriana não admite a impetração de mandado de segurança como sucedâneo recursal, vale dizer, quando existir recurso próprio para atacar o ato judicial, exceto em situações excepcionais de teratologia e flagrante ilegalidade da decisão ou em face da existência de periculum in mora e fumus boni juris, hipóteses não caracterizadas na espécie, incidindo o verbete da súmula 267/STF. Precedentes.

2. Recurso ordinário improvido.

STJ, 19/11/2002 Min. FERNANDO GONÇALVES (1107)

Como se vê, até mesmo o mandado de segurança considerado por muitos como a panacéia dos males no mundo jurídico, sofreu limitação quanto ao seu manejo quando se fizer uso dele, como espécie de sucedâneo recursal. A razão encontra-se, justamente, na sistematização do legislador quanto ao tipo de recurso a ser empregado quando quisermos impugnar uma decisão judicial e, contrariamente, na negativa de se poder utilizar qualquer remédio jurídico que seja, como sucedâneo recursal.

Nos restar falar, ainda, sobre a preclusão e seus efeitos quanto ao instituto em exame. Com relação à parte, o referido instituto se apresenta de três formas: a preclusão temporal, a lógica e a consumativa.

A preclusão temporal incide quando o CPC institui um prazo à prática de um ato, e a parte queda-se inerte sem cumprir o seu ônus processual. Por sua vez, a lógica aperfeiçoa-se quando a parte pratica ato incompatível com o que deveria ser realizado. Por fim, na preclusão consumativa nos encontramos com a perda da faculdade processual, em razão da parte já ter realizado o ato e querer complementar o mesmo.

No que diz respeito ao Magistrado, a denominada preclusão pro judicato, segundo a doutrina majoritária, só incide a preclusão consumativa. Justamente, a que impede o juiz de atuar no feito, vez que já prestou seu ofício jurisdicional. Assim, levando-se a doutrina acima para o caso em tela, permitir o reexame pelo mesmo juiz de uma decisão por si proferida sem que haja permissão legal, seria o mesmo que admitir a resposta jurisdicional, por duas vezes sobre o mesmo assunto afrontando o princípio da segurança jurídica.

A ressalva feita quanto ao instituto da reconsideração no que diz respeito às matérias de ordem pública, reside na impossibilidade de preclusão, pois é do conhecimento de todos que as referidas matérias poderão ser alegadas a qualquer instante enquanto não houver o transito em julgado, independente de provocação das partes, salvo no caso da matéria não ter sido alegada nos recursos extraordinários e especiais, em razão da ausência de pré-questionamento. Ou seja, melhor explicitando nos recursos especiais e extraordinários as matérias só poderão se conhecidas quando houver provocação das partes.

Por fim, considerando que todo o processo civil também carrega sua conotação política, é preciso que seja dito que o que queremos na realidade é uma prestação jurisdicional efetiva como o mínimo de recurso possíveis. Admitir mais um sucedâneo recursal é um retrocesso, pois estaremos prolongando a marcha processual, em nome da economia processual tanto propalada por decisões que na maioria das vezes não primam por cientificidade, abrindo-se à possibilidade de se criar um recurso não previsto no nosso ordenamento jurídico.

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Contrariamente ao entendimento acima esposado, poder-se-ia argumentar que como os dispositivos que tratam da tutela antecipada e do poder geral da cautela permitem ao juízo rever o seu posicionamento a qualquer instante.

Contudo, o alcance destes dispositivos deve ser interpretado com o seu verdadeiro sentido, sob pena de permitirmos a modificação pelo juiz de primeira instância a qualquer instante e sobre qualquer matéria, negando a existência da aplicação da preclusão consumativa ao órgão judicante.

Na verdade, os referidos dispositivos que tratam da antecipação da tutela e do poder geral de cautela, mencionam que a decisão poderá ser modificada, quando surgirem fatos novos que não puderam ser alegados no primeiro instante em que a decisão foi proferida. Assim, só admitimos a revisão pelo próprio órgão que proferiu o decisium, quando se tratar de matéria de ordem pública, ou havendo previsão expressa no ordenamento jurídico que permita a retratação de maneira expressa, ou na hipótese de surgir fato novo, sob pena de se instalar a balburdia processual.

Nesse sentido, vale a pena trazer à baila a seguinte decisão colacionada no Código de Processo de Thetonio Negrão, verbis:

"471: 1b. O juiz pode alterar sua decisão se forem modificados os fatos, e não se modificada sua percepção a respeito dos fatos."

(Lex JTA 173/173, do acórdão) p. 487, 32ª edição.

Assim, apesar da pouca discussão sobe o assunto, nossa posição não é isolada, pois encontramos entendimento no mesmo sentido dos Professores Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery na sua obra conjunta Código de Processo Civil Comentado, verbis:

"Pedido de reconsideração. No caso de não haver preclusão pelo fato de a matéria objeto da decisão ser de ordem publica ou de direito indisponível, a decisão poderá ser revista pelo mesmo juiz ou tribunal superior, ex officio ou a requerimento da parte. Este requerimento poderá ser feito por petitio simplex ou por intermédio de recurso de agravo, se apresentado no primeiro grau de jurisdição. A petitio simplex poderá receber o nome de pedido de reconsideração. Somente nesta hipótese entendemos aceitável a utilização desse meio recursal para provocar o reexame da questão já decidida pelo juiz, sem que seja preciso interpor o recurso de agravo."(p. 809, edição de 2003)

Voltando ao caso proposto no início destas considerações, percebemos que a decisão tomada pelo magistrado titular da vara onde inicialmente foi indeferida a liminar, segundo o nosso ponto de vista foi equivocada. A uma, em razão da matéria não se tratar de matéria de ordem pública ou de direito indisponível, a duas, por não caber reconsideração de uma decisão que não foi proferida por si próprio.

Concluindo nosso raciocínio, entendemos que o verdadeiro pedido de reconsideração só poderá ser utilizado, quando se tratar de matéria de ordem pública, ou tratando-se de direito indisponível, vez que as referidas matéria na precluem, sob pena de criarmos uma nova espécie recursal no nosso ordenamento jurídico.


BIBLIOGRAFIA

AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil 19ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, v. 2

ARRUDA ALVIM WAMBIER, Tereza. O novo regime do agravo, 3ª ed., São Paulo RT, 2000

MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento, 1ª ed., Malheiros, 2002.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro, 11ª ed., Rio de Janeiro Forense 1998.

NERY JUNIOR, Nelson.- Teoria Geral dos Recursos, 5ª ed., RT São Paulo, 2000

NERY E NERY, Nelson e Rosa Maria Andrade - Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., RT São Paulo, 2003.

PINTO, Nelson Luiz - Manual dos Recursos Cíveis, 2ª Edição, Malheiros, São Paulo, 2000

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Sobre o autor
Fernando Pinheiro de Sá e Benevides

Assessor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BENEVIDES, Fernando Pinheiro Sá. O objeto do pedido de reconsideração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 322, 19 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5206. Acesso em: 28 mar. 2024.

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