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Poluição sonora como crime ambiental

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30/05/2004 às 00:00
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5 A POLUIÇÃO SONORA ENQUANTO CONTRAVENÇÃO PENAL

Há muito tempo se preocupa com a poluição sonora, prova disso é o disposto no artigo 42, do Decreto-lei 3.688/41, que institui a Lei das Contravenções Penais: [29]

Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda.

Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa.

Esta figura consiste em causar perturbação à tranqüilidade das pessoas mediante gritaria ou algazarra, exercício de profissão ruidosa, abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos e provocação de barulho por intermédio de animais.

Importante ressaltar que aludida contravenção não penaliza todo e qualquer ruído pequeno, de leve rumor, que em indivíduos mais irritadiços podem causar incômodos.

Desse modo, excluem-se rumores usuais de uma casa, como o arrastar de móveis, as festinhas normais de aniversário, que são manifestações expansivas da alegria e nas quais não se nota a intenção de querer molestar ou ofender. [30]

O seu objetivo é assegurar a tranqüilidade do cidadão perturbado pelo ruído.

Para os fins da Lei, algazarra pode ser conceituada como o barulho produzido por vozes, enquanto gritaria, por sua vez, é a sucessão de gritos fortes, de uma ou várias pessoas.

Por profissão incômoda, tem-se aquela que é capaz de provocar distúrbios ao próximo. Outrossim, a profissão ruidosa é aquela que o seu exercício importa na produção de ruídos. Nestes casos, é necessário que a profissão esteja em desacordo com as normas legais. Caso não exista regulamentação a respeito, o fato não será punível.

De outra parte, instrumentos sonoros são aqueles destinados à produção de sons.

No tocante a pena prevista para a conduta descrita no artigo 42 da Lei das Contravenções Penais, qual seja poluição sonora, esta não é capaz de coibir o abuso dos agentes poluentes. Nem ao menos de evitar a reincidência.

O elemento subjetivo que caracteriza a poluição sonora como contravenção penal, consiste na voluntariedade da ação ou omissão que perturbe o trabalho ou o sossego alheios.

Em que pese o aludido artigo descrever a conduta causadora da perturbação, nada se menciona acerca de um possível prejuízo à saúde humana. Ou seja, a Lei de Contravenções Penais se preocupou apenas com a perturbação do trabalho ou do sossego alheios, em nada ressaltando sobre a possibilidade de dano à saúde humana que, como enfatizado anteriormente, são inúmeros.

Em função dos freqüentes estudos acerca das conseqüências maléficas da poluição sonora sobre o organismo humano e da enorme quantidade de fontes causadoras de poluição sonora, esta vem sendo interpretada como crime de acordo com o artigo 54 da Lei 9.605/98 que trata dos Crimes Ambientais.


6 O ENQUADRAMENTO DA POLUIÇÃO SONORA COMO CRIME AMBIENTAL

No aspecto penal, a poluição sonora também foi recepcionada pela Lei de Crimes Ambientais, tipificada no artigo 54.

Inicialmente, o Anteprojeto da Lei 9.605/98, no seu artigo 59, tratava expressamente do crime de poluição sonora, que compreendia a seguinte conduta:

Art. 59. Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão ou imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades.

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, fundamentando para tanto que: [31]

O bem juridicamente tutelado é a qualidade ambiental, que não poderá ser perturbada por poluição sonora, assim compreendida a produção de sons, ruídos e vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades. (...)

Tendo em vista que a redação do dispositivo tipifica penalmente a produção de sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as normas legais ou regulamentares, não a perturbação da tranqüilidade ambiental provocada por poluição sonora, além de prever penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, torna-se necessário o veto do art. 59 da norma projetada.

Por outro lado, de acordo com Carlos Ernani Constantino [32], o veto ocorreu porque o Excelentíssimo Senhor Presidente da República atendeu aos anseios da comunidade evangélica e da denominada bancada evangélica no Congresso Nacional, que viam no sobredito artigo, caso fosse sancionado, um óbice para o exercício da liberdade dos cultos religiosos em geral, pois os mesmos, comumente, envolvem atividades sonoras, como cânticos e toque de instrumentos musicais.

Em que pese o veto presidencial, a poluição sonora ainda subsiste como crime a teor do disposto no artigo 54 da Lei 9.605/98.

Também contempla este raciocínio Édis Milaré [33], ao afirmar que o aludido artigo "ao falar em poluição de qualquer natureza que resulte ou possa resultar em danos à saúde humana, contempla a poluição sonora, restando inócuo o veto ao art. 54 da Lei, que tinha por missão cuidar da matéria".

O enquadramento da poluição sonora como crime ambiental, está à mercê da intensidade do nível de ruído, de forma que estes devem resultar ou ter a possibilidade de resultar em danos à saúde humana.

Prevê o citado artigo:

Art. 54. causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

O Objeto jurídico do delito em estudo é a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que propicie boas condições de desenvolvimento à vida e à saúde humanas, bem como recursos adequados à subsistência da fauna e da flora, para as gerações presentes e futuras. [34]

Os objetos materiais do delito são o ser humano que pode ter sua vida ou saúde prejudicada ou ameaçada pelo delito, e os demais seres integrantes da fauna e da flora que podem sofrer mortandade ou destruição significativa, em razão da conduta ilícita. [35]

Possui como sujeito ativo, qualquer pessoa, física ou jurídica, e como sujeito passivo a coletividade.

O tipo penal em tela prevê como criminosa a conduta de causar poluição de qualquer natureza. Como já foi visto anteriormente, a natureza jurídica do ruído é de agente poluente. Assim, satisfeitos os elementos normativos do tipo, quais sejam os de "causar poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora", a conduta da poluição sonora poderá subsumir-se ao tipo penal descrito no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais.

Poderia se questionar se a contravenção penal do artigo 42 não estaria então revogada pela norma do artigo 54 da Lei 9.605/98, porquanto ostenta o caráter de norma posterior e disciplinadora da mesma matéria.

Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo [36], a resposta a esta indagação é negativa, porque o objeto jurídico tutelado pela norma prevista na Lei das Contravenções Penais (art. 42) e pelo tipo penal (art. 54) são distintos.

Com efeito, a norma penal prevista na Lei das Contravenções Penais, no seu artigo 42, diz respeito a perturbar o trabalho ou o sossego de alguém.

Observa-se na contravenção, como assim deveria ser, um menor potencial ofensivo, não reclamando o dispositivo que essa ofensa tenha um caráter difuso.

De outra parte, ao analisar-se o tipo penal descrito no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais, o bem jurídico tutelado possui caráter de difusibilidade, e não poderia ser de outra forma, porquanto, como crime ambiental que é, a natureza do bem jurídico tutelado é de bem difuso.

Além disso, a poluição sonora deverá resultar ou, ao menos, ter potencialidade de resultar danos à saúde humana.

Como se depreende da contravenção penal, aquilo que significa perturbar pode não ter necessariamente o caráter de poluição sonora. De qualquer forma, ainda que o tenha, a contravenção sempre identificará uma vítima determinada, uma vez que o tipo previsto na Lei das Contravenções Penais reclama como elementar perturbar o trabalho ou o sossego de alguém.

O tipo penal descrito no artigo 54 da Lei 9.605/98 trata-se de tipo anormal, o que significa dizer que não é composto somente de elementos descritivos, mas também normativos. Como sabem-se, estes exigem do magistrado um juízo de valor acerca da interpretação de termos jurídicos ou extrajurídicos.

Ao ser descrita a conduta de causar lesão ou ameaça ao meio ambiente, a expressão poluição constitui um termo jurídico que reclama do intérprete a valoração do seu conteúdo.

Como já visto, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) descreve no seu artigo 3º, inciso III, seu conceito, de modo que se faz imprescindível ao aplicador da norma o preenchimento do tipo penal através do substrato trazido por esta Lei. [37]

O delito em tela é um crime de perigo concreto, o que significa dizer que o legislador não presumiu o perigo, exigindo do acusador a sua prova. A adoção de crimes de perigo encontra-se em perfeita consonância com o direito ambiental, privilegiando-se o princípio da prevenção. Assim, a conduta criminosa já estará caracterizada com a potencialidade de dano, sendo desnecessária para a tipificação a realização do resultado naturalístico danoso. [38]

Portanto, para que a poluição sonora como conduta poluidora seja penalmente relevante, isto é, para que seja considerada típica perante este artigo, é necessário que a mesma se exteriorize em níveis tais, que provoque ou possa provocar danos à saúde humana, ou que cause a mortandade de animais ou a destruição significativa (de grande monta) de espécimes da flora.

Durante todo o estudo, pôde-se perceber um constante caminhar do pensamento legislativo no sentido de proteger o meio ambiente, com a concepção de criação de mecanismos de defesa.

Frente a Lei 9.605/98, que trata da Lei de Crimes Ambientais, tornou-se possível o enquadramento da poluição sonora como crime ambiental.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proporção gigantesca atingida pela devastação ambiental, aliada aos problemas ambientais causados pela ação humana vem provocando uma conscientização planetária no sentido de se preservar o meio ambiente. Parece que, finalmente, se deu conta que o homem é parte integrante do meio ambiente e que depende deste para viver.

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A Lei 9.605/98 tornou-se uma aliada no combate aos crimes ambientais, dando efetividade ao ideário constitucional de apenar as condutas desconformes ao meio ambiente, prevendo para tanto sanções mais severas e, incentivando os Estados a formularem leis direcionadas à efetiva responsabilidade por danos ao ambiente e para a compensação às vítimas da poluição.

A poluição sonora constitui-se em ruído capaz de produzir incômodo ao bem-estar, ao sossego ou malefícios à saúde humana. Por ruído entende-se o som ou conjunto de sons indesejáveis, desagradáveis e perturbadores.

Estudos mais acurados revelam que um indivíduo submetido diariamente à poluição sonora, pode apresentar sérios problemas de saúde como distúrbios neurológicos, cardíacos e até mesmo impotência sexual.

A preocupação com o malefício causado pela poluição sonora foi tema de uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde, na qual foi tratada como uma das três prioridades ecológicas para a próxima década.

A poluição sonora enquadra-se como crime ambiental, com base no disposto do artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais. Para tanto, é necessário que a poluição ocorra em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou que provoque a mortandade de animais.

A grande inovação da Lei de Crimes Ambientais no que diz respeito à poluição sonora, está na pena prevista para os agentes poluidores (pessoa física ou jurídica), reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Assim, a sociedade deve utilizar-se deste novo instrumento jurídico em seu favor buscando de forma preventiva ou, até mesmo, repressiva melhorar a qualidade de vida das presentes e futuras gerações.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BRASIL, Lei 6.803/80. Dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 out. 2003.

- BRASIL, Decreto-lei 3.688/41, de 03 de outubro de 1941. Institui a Lei das Contravenções Penais. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/index.cfm. Acesso em: 09 out. 2003.

- BRASIL. CONAMA. Resolução 001/90, de 08 de março de 1990. Dispõe sobre critérios e padrões de emissão de ruídos, das atividades industriais. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/index.cfm. Acesso em: 08 out. 2003.

- BRASIL, CONAMA. Resolução 002/90, de 08 de março de 1990. Dispõe sobre o Programa Nacional de Educação e Controle da Poluição Sonora – SILÊNCIO. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/index.cfm. Acesso em: 08 out. 2003.

- BRASIL. CONAMA. Resolução 008/93, de 31 de agosto de 1993. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/index.cfm. Acesso em: 08 out. 2003.

- BRASIL. CONAMA. Resolução 20/94, de 07 de dezembro de 1994. Institui o Selo Ruído, como forma de indicação do nível de potência sonora, de uso obrigatório para aparelhos eletrodomésticos. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/index.cfm. Acesso em: 08 out. 2003.

- CARNEIRO, Waldir de Arruda Miranda. Perturbações sonoras nas edificações urbanas: doutrina, jurisprudência e legislação. 2. ed. ver., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

- CONSTANTINO, Carlos Ernani. Delitos ecológicos: a lei ambiental comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

- FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

- FLORIANÓPOLIS. Lei 4831/96. Dispõe sobre o controle e a fiscalização das atividades que gerem poluição sonora, impõe penalidades e dá outras providencias. Disponível em: http://www.cmf.sc.gov.br/lei_96.htm. Acesso em: 06 out. 2003.

- MAGRINI, Rosana Jane. Poluição sonora e lei do silencio. RJ nº 216. Out/1995.

- MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

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Sobre a autora
Anaxágora Alves Machado

Pós-graduanda em Direito e Gestão ambiental pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina- CESUSC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Anaxágora Alves. Poluição sonora como crime ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 327, 30 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5261. Acesso em: 28 mar. 2024.

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