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Análise crítica da exigibilidade de garantia prévia do juízo nos embargos à execução fiscal sob a ótica dos direitos e garantias individuais

20/03/2017 às 12:45
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Os embargos à execução fiscal, como ação de cognição incidental, tem a finalidade de discutir vícios ou nulidades constantes nas execuções fiscais. Este artigo faz uma análise crítica da exigência de garantia prévia do juízo sob uma perspectiva constitucional.

Com previsão legal no art. 16 da Lei nº 6.830/80, denominada Lei de Execução Fiscal, os embargos à execução representam o instrumento processual de maior abrangência no que se refere à defesa do contribuinte em ações judiciais dessa natureza, conforme expressa disposição legal.

Art. 16. (...) 

§2º No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite.

Logo, verifica-se que é por meio dos embargos que o executado poderá expor em juízo todos os meios admitidos em direito que são úteis à sua defesa. Ainda, a interpretação literal do citado dispositivo não deixa dúvidas acerca da extensão do direito de defesa do contribuinte. Não obstante, para o exercício desse direito subjetivo à defesa, o legislador condicionou a oposição dos embargos à execução fiscal a uma garantia prévia do crédito exigido em juízo, acrescido de multa, juros e encargo de 20% (vinte por cento) no caso de débitos federais, o que torna ainda mais oneroso e inviável para o contribuinte que tem a justa pretensão de discutir essa cobrança em juízo. Essa exigência está prevista no art. 16, §1º, veja-se:

§1º Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

Contudo, cabe ressaltar que o contribuinte (sujeito passivo) possui outros meios de defesa processual, não sendo somente os embargos a única via elegível, por exemplo, a ação anulatória e a exceção de pré-executividade. Quanto a esta última, não há, até então, previsão legal, sendo produto da doutrina e admitido pela jurisprudência. Em síntese, o instituto da exceção de pré-executividade permite ao executado discutir matérias de ordem pública e que não demandem a necessidade de dilação probatória.

Nota-se que, com a criação da exceção de pré-executividade, mesmo que de forma indireta, a jurisprudência reconheceu a condição de hipossuficiência do executado no processo execução fiscal, pois se passou a admitir outro meio processual que visa à implementação do direito de defesa, mesmo sem previsão legal e sendo limitadas às matérias possíveis de alegação. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO.  EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTES. EMBARGOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

1. É possível que em exceção de pré-executividade seja alegada a ocorrência da prescrição dos créditos excutidos, desde que a matéria tenha sido aventada pela parte, e que não haja a necessidade de dilação probatória.  

2. Consoante informa a jurisprudência da Corte essa autorização se evidencia de justiça e de direito, porquanto a adoção de juízo diverso, de não cabimento do exame de prescrição em sede de exceção pré-executividade, resulta em desnecessário e indevido ônus ao contribuinte, que será compelido ao exercício dos embargos do devedor e ao oferecimento da garantia, que muitas vezes não possui.3. Embargos de divergências conhecidos e desprovidos.

(EREsp 388000/RS. Embargos de Divergência em Recurso Especial 2002/0121272-1. Rel. Ministro Ari Pargendler. Data do julgamento: 16/06/2015).

Contudo, é importante demonstrar que os embargos são o meio processual apto à plena efetivação do direito de defesa no processo de execução fiscal.

Posto isso, a imposição da lei de execução fiscal, ao tornar obrigatória a garantia do juízo como condição de admissibilidade dos embargos, tem sido pauta de discussão na doutrina, tendo em vista as alterações legislativas posteriores que causaram divergências quanto às implicações ou não na Lei nº 6.830/80, bem como se a Constituição Federal recepcionou ou não certos dispositivos da lei de execução fiscal, editada em uma realidade em que vigorava o regime ditatorial, no qual o  Estado colocava em xeque os direitos e garantias individuais do cidadão.

Frise-se que na execução comum, regulada Código de Processo Civil, não há, desde a edição da Lei nº 11.382/06 (que promoveu a reforma no processo de execução), a exigência do executado garantir o juízo. E, mesmo com o advento do Novo Código de Processo Civil, este quadro não foi alterado, ou seja, a regra geral determina que, para a oposição dos embargos, não é necessária penhora, nem qualquer outra forma de garantir o débito. Entretanto, como o art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/80, não foi revogado, permanece produzindo efeitos, na contramão da regra geral e da máxima efetividade das normas constitucionais.

Nesse sentido, há quem defenda que a alteração promovida na execução civil deveria se estender também à execução fiscal, já que a lei de execução fiscal admite a aplicação subsidiária daquele código. Porém, essa corrente ainda é minoritária e tem sido aplicada por alguns juízes de primeira instância. Contudo, há uma incipiente relativização dessa obrigatoriedade, como nos casos em que o executado for representado por curador especial. É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 1.110.548-PB, na sistemática dos recursos repetitivos, transcreve-se:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTAIVO DA CONTROVÉRSIA.ART. 543-C DO CPC. PROCESUAL CIVL. EXECUÇÃO. REVELIA. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. DEFENSORIA PÚBLICA. GARANTIA DO JUÍZO, NOS TERMOS DO REVOGADO ART. 73, INCISO I, DO CPC. INEXIGIBILIDADE.

1. A teor da antiga redação do art. 73, inciso I, do Código de Processo Civil, "Não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro juízo: pela penhora, na execução por quantia certa;" (Revogado pela Lei n.º 11.382/06).

2. "Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos" (Súmula n.º196 do STJ).

3. É dispensado curador especial de oferecer garantia ao Juízo para opor embargos à execução. Com efeito, seria um contra senso admitir a legitimidade do curador especial para oposição de embargos, mas exigir que, por iniciativa própria, garantisse o juízo em nome do réu revel, mormente em se tratando de defensoria pública, na medida em que consubstanciaria desproporcional embaraço a exercício do que se constitui munus publico, com nítido propósito de se garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa.

4. Recurso especial provido. Observância do disposto no art. 543-C, §7.º, do Código de Processo Civil, c. os arts. 5º, inciso I, e 6.º, da Resolução 08/208.67

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Assim como no julgado transcrito, constata-se que a regra comporta exceções, e que é o papel do intérprete/julgador analisar as especificidades do caso concreto. É pertinente a indagação: é cabível essa relativização nos casos em que o executado for insolvente, for de baixa renda ou, sendo pessoa jurídica, estiver em dificuldades financeiras?

Além disso, a Constituição Federal confere eficácia imediata às normas que definem direitos e garantias individuais. Nesse sentindo, em obediência ao princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, não pode um dispositivo de lei ordinária impedir o exercício de um direito fundamental, no caso, o acesso à justiça e à ampla defesa. Logo, sob uma perspectiva constitucional, o dispositivo da Lei nº 6.830/80, que exige a garantia do juízo para oferecimento dos embargos à execução fiscal, não deveria ter sido recepcionado pela Constituição, em virtude de ser incompatível com disposições constitucionais vigentes, ao confrontar materialmente direitos e garantias individuais.

Portanto, embora parte majoritária dos tribunais interpretem de forma puramente literal a regra do art. 16 da Lei de Execução Fiscal, há uma crescente tendência de relativização dessa regra através de uma interpretação sistemática e teleológica, como citado, nos casos do curador especial ou beneficiário da justiça gratuita. Corroborando com a tese defendida nesse artigo, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao editar a súmula vinculante nº 28, orienta em sentido oposto à regra da obrigatoriedade da garantia do juízo ao determinar que “é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário”.

Nessa perspectiva a Constituição Federal inovou em muitos aspectos, principalmente ao tratar dos direitos e garantias individuais. Conforme destacado, foi assegurada pela Constituição o pleno exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório, com os meios e recursos a eles inerentes, bem como ao devido processo legal e o acesso à justiça. Em virtude disso, ainda sob o manto da teoria da recepção constitucional, verifica-se que a regra da garantia do juízo para o oferecimento dos embargos à execução fiscal, prevista na Lei nº 6.830/80, não merece melhor sorte no contexto jurídico encampado pelas diretrizes da Constituição Federal de 1988 e das alterações da legislação ordinária posteriores.

Em um cenário prático, é importante destacar que, no país em que há uma distribuição de renda excessivamente desigual, os contribuintes nem sempre têm condições de arcar com a carga tributária imposta pelo Estado. Dessa forma, submetê-lo a esta condição patrimonial para poder discutir e se defender em um processo de execução fiscal é um contrassenso com as garantias previstas no texto constitucional e um retrocesso da nova ordem jurídica democrática inaugurada pela Constituição Federal vigente.


REFERÊNCIAS

Supremo Tribunal Federal <www.stf.jus.br>

Superior Tribunal de Justiça <www.stj.jus.br>

Lei de Execução Fiscal <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6830.htm>

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Mateus. Análise crítica da exigibilidade de garantia prévia do juízo nos embargos à execução fiscal sob a ótica dos direitos e garantias individuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5010, 20 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53444. Acesso em: 28 mar. 2024.

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