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O Ministério Público e a tutela da probidade administrativa

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Segunda parte

Da Probidade Administrativa

intróito

             A Administração Pública encontra-se erigida a status constitucional. O texto da Lei Maior dedica um capítulo inteiro a ela (Cap. VII, do Título III), onde são tratadas as diretrizes básicas de seu funcionamento.

             As duas primeiras seções do Capítulo específico são destinadas ao delineamento dos princípios norteadores da Administração Pública e seu funcionalismo.

             E é no inicio que encontramos o cerne de todo o presente trabalho. Nos princípios constitucionais da Administração Pública. Clássica é a especificação dos cinco princípios que regem a Administração Pública, a saber. Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

             Ocorre, todavia, que anteriormente à legislação, ainda que em sede de direito constitucional desses princípios, os mesmos já se encontravam vinculados à Administração Pública. Isso se verifica principalmente pela determinação dos princípios implícitos que a própria doutrina coloca.

             Probo significa moral, honrado de caráter íntegro, e assim deve ser a conduta do administrador público ao cuidar da coisa pública, pois não são bens seus, mas de toda a sociedade.

             Daí a edição da lei de improbidade administrativa, que tipifica e pune formas de conduta que firam o dever de probidade, vale dizer, dever de ser íntegro, correto, honrado no trato da coisa pública, lei que passaremos a analisar sucintamente em momento oportuno.

Princípios jurídicos

             Estudar os princípios jurídicos é de salutar importância, não só para o presente trabalho, mas para todo aquele que pretenda uma visão orgânica do arcabouço legislativo de um dado país.

             Uma das espécies de atos de improbidade administrativa é a inobservância dos princípios da Administração Pública. E quanto a esta, estabelece a lei os atos de inobservância dos referidos princípios.

             Ademais, o estudo se faz mister justamente pelo fato de que probidade significa, em ultima análise, moralidade, sendo também esta um princípio da Administração Pública, de observância compulsória.

             Desse modo vejamos as peculiaridades atinentes aos princípios jurídicos.Não nos aprofundarmos demasiadamente no tema, na medida em que não se trata do escopo do trabalho, porém faremos uma explanação no que entendemos necessária.

             Assim dissecaremos o tema desde uma visão do que sejam princípios, os princípios constitucionais e enfim os princípios constitucionais expressos e implícitos da Administração Pública até sua natureza jurídica, extensão, eficácia e dever de observância.

             Conceito de princípio jurídico

             A terminologia princípio é de grande conteúdo semântico, estendendo-se, podemos dizer, por todos os ramos das ciências em geral. Não é diferente na ciência do direito, que tem nos princípios um norte para uma plena eficácia e constante evolução.

             Salutar é a lição do professor Paulo Bonavides que tece comentários acerca do presente tema desde a sua concepção mais elementar:

             "A idéia de princípio, segundo Luis Diez Picazo, deriva da linguagem da geometria, ‘onde designa as verdades primeiras’. Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são ‘princípios’, ou seja, ‘porque esta ao princípio’, sendo ‘as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico’.

             Declara, a seguir, invocando o pensamento do jurista espanhol F. de Castro, que os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.

             Como princípios de um determinado Direito Positivo, prossegue Picazo, têm os princípios, dum lado, ‘servido de critério de inspiração às leis ou normas concretas desse Direito Positivo’ e, doutro, de normas obtidas ‘mediante um processo de generalização e decantação dessas leis’.

             Na época em que os princípios ainda se achavam embebidos numa concepção civilista, a saber, em meados da segunda década desse século, por volta de 1916, F. de clemente fazia essa ponderação elementar: assim como quem nasce na vida física, esteja ou não inscrito no Registro Civil, também os princípios ‘gozam de vida própria e valor substantivo pelo mero fato de serem princípios’, figurem ou não nos códigos; afirmação feita na mesma linha de inspiração anipositivista daquela de Mucius Scaevola, por ele referido, ao asseverar que o princípio exprime ‘uma verdade jurídica universal’.

             Depois de tecer considerações expositivas em que assinala a equivalência essencial dos princípios à equidade dos romanos como ‘a razão intrínseca do Direiro’, F. de Clemente chega, inspirado em vários juristas, entre os quais Unger, a essa formulação: ‘Princípio de direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formulação das disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo’.

             Outro conceito de princípio é aquele formulado pela Corte Constitucional italiana, numa de suas primeiras sentenças, de 1956, vazada nos seguintes termos: ‘Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico’.".

             Também Karl Larenz, em vários momentos pontua a respeito dos princípios:

             "(...) o «princípio», ao invés do «conceito», deve ser entendido como uma pauta «aberta», carecida de concretização – e só plenamente apreensível nas suas concretizações. Enquanto que o conceito (jurídico) contém valoração só de modo indirecto, como que «em cifra», «o princípio torna a valoração explícita» e é por isso «mais apropriado para reflectir a unidade de valoração do Direito.

             (...)

             Os princípios éticos-jurídicos são pautas orientadoras da normação jurídica que, em virtude da sua própria força de convicção, podem «justificar» decisões jurídicas. Distinguem-se dos princípios técnico-jurídicos, que se fundam em razoes de oportunidade, pelo seu conteúdo material de justiça; por esse motivo, podem ser entendidos como manifestações e especificações especiais da idéia de Direito, tal como esta se revela na «consciência jurídica geral», neste estádio de evolução histórica. Enquanto «princípios» não são regras imediatamente aplicáveis aos casos concretos, mas ideias directrizes, cuja transformação em regras que possibilitem uma resolução tem lugar em parte da legislação, em parte pela jurisprudência, segundo o processo anteriormente descrito da concretização e do aperfeiçoamento dos princípios mais especiais mediante a formação de grupos de casos. Alguns deles têm, como vimos, o escalão de normas constitucionais; outros, como o princípio da «boa-fé», estão expressos na lei ou inferem-se delas, recorrendo à ratio legis, o fundamento justificante de uma regulação legal".

             Herbert L. A. Hart traz importante contribuição para a ciência do direito ao asseverar:

             "Dworkin tem sustentado que os princípios jurídicos não podem identificar-se por critérios atribuídos por uma regra de conhecimento manifestada na prática dos tribunais e que, uma vez que os princípios são elementos essenciais do direito, deve abandonar-se a doutrina da regra de conhecimento. Segundo ele, os princípios jurídicos só podem identificar-se através de uma interpretação construtiva, como membros de um conjunto único de princípios que não só se ajusta melhor a toda história institucional do direito estabelecido de um sistema jurídico, como também melhor a justifica. Claro que nenhum tribunal inglês ou americano jamais adoptou explicitamente um critério holístico, extensivo a todo o sistema, para identificar o direito, e Dworkin concede que nenhum juiz humano real, distinto de «Hércules», o seu mítico juiz ideal, podia praticar o feito de construir uma interpretação de todo o direito de seu país, de forma imediata. Não obstante, os tribunais são, do seu ponto de vista, compreendidos de forma mais cristalina enquanto tentam «imitar Hércules»de um modo limitado, e encarar os seus julgamentos dessa forma serve, segundo pensa, para trazer à luz «a estrutura escondida».

             O mais famoso exemplo, familiar aos juristas ingleses, de identificação dos princípios através de uma forma limitada de interpretação construtiva é constituído pela formulação de Lorde Atkin, no caso Donoghue vs. Stevenson, do «princípio do vizinho», princípio anteriormente não formulado, o qual subjaz a várias regras diferentes que estabelecem um dever de diligencia em situações diferentes. Não acho plausível o ponto de vista de que, em tais exercícios limitados de interpretação construtiva, os juízes sejam susceptíveis de ser mais bem compreendidos como estando a tentar imitar a aproximação holística do tipo de Hércules, extensiva a todo o sistema. Mas a minha crítica presente reside em que a preocupação com a interpretação construtiva tem levado Dworkin a ignorar o fato de que muitos princípios jurídicos devem o seu estatuto não ao conteúdo que serve como interpretação do direito estabelecido, mas antes àquilo a que ele chama seu pedigree; tal é o modo da sua criação ou adopção por uma fonte dotada de autoridade reconhecida. Esta preocupação levou-o, de facto, segundo penso, a um duplo erro: em primeiro lugar, à crença de que os princípios jurídicos não podem identificar-se pelo seu pedigree, e, em segundo lugar, à crença de que a regra de conhecimento só pode fornecer critérios de pedigree. Ambas estas crenças são erradas: a primeira é-o porque não há nada no carácter não-conclusivo dos princípios, nem nos seus outros aspectos, que impeça sua identificação por critérios de pedigree. Isto, simplesmente, porque uma disposição de uma constituição escrita ou de um aditamento constitucional ou de um acto legislativo pode ser considerada enquanto pretende actuar pelo modo não conclusivo característico dos princípios, conferindo razões para a decisão, as quais podem ser superadas nos casos em que qualquer outra regra ou princípio apresente razões mais fortes para uma decisão alternativa. O próprio Dworkin admitiu que o Primeiro Aditamento à Constituição dos Estados Unidos, que estatui que o Congresso não restringirá a liberdade de palavra, deve interpretar-se precisamente desse modo. Também certos princípios jurídicos, incluindo alguns ptincípios básicos da Common Law, por exemplo o de que ninguém pode aproveitar-se do seu próprio acto ilícito, são identificados como direito pelo teste do pedigree, na medida em que têm sido invocados de forma coerente pelos tribunais, em séries de casos diferentes, como conferindo razoes para decisão, as quais devem ser levadas em conta, embora susceptíveis de ser afastadas em alguns casos por razoes que apontem em sentido oposto. Perante tais exemplos de princípios jurídicos identificados por critérios de pedigree, não poderá ter êxito qualquer argumento geral no sentido de que a inclusão dos princípios como parte do direito acarreta o abandono da doutrina de uma regra de conhecimento. De facto, como mostrarei abaixo, a sua inclusão não só é coerente com tal doutrina, como realmente exige a aceitação dessa doutrina.

             Se se conceder, como seguramente se deve fazer, que há, pelo menos, alguns princípios jurídicos que podem ser «capturados» ou identificados como direito por critérios de pedigree que uma regra de conhecimento lhes confere então a crítica de Dworkin deve reduzir-se à pretensão mais modesta de que há muitos princípios jurídicos que não podem ser capturados assim, porque são demasiado numerosos, demasiado fugazes, ou demasiado susceptíveis de alteração ou modificação, ou não têm uma característica que permita a sua identificação como princípios de direito por referencia a qualquer outro teste diverso do de pertencerem a esse esquema coerente de princípios que não só melhor se ajusta à história institucional e às práticas do sistema, como também melhor as justifica. À primeira vista, este teste interpretativista parece não constituir uma alternativa a um critério fornecido por uma regra de conhecimento, mas apenas, como certos críticos advertiram, uma forma complexa positivista moderada, de um tal critério que identifica os princípios pelo seu conteúdo e não pelo seu pedigree.

             É verdade que uma regra de conhecimento contendo tal critério interpretativo não podia assegurar, pelas razões discutidas a págs. 312 e segs. Supra, o grau de certeza na identificação do direito que, segundo Dworkin, seria desejado por um positivista. Não obstante, a demonstração de que o critério do teste interpretativo fazia parte de uma característica convencional de reconhecimento do direito ainda será uma boa explanação teórica do seu estatuto jurídico. Por isso, não há, com certeza, incompatibilidade, tal como Dworkin pretende, entre a admissão de princípios enquanto fazendo parte do direito, e a doutrina da regra de conhecimento.

             O argumento dos dois últimos parágrafos é suficiente para mostrar que, contrariamente à posição de Dworkin, a aceitação dos princípios como parte do direito é coerente com a doutrina de uma regra de conhecimento, ainda que o teste interpretativo de Dworkin fosse, como ele pretende, o único critério para os identificar. Mas, de facto, justifica-se uma conclusão mais forte: a saber, que é necessária uma regra de conhecimento, se os princípios jurídicos tiverem d ser identificados por um tal critério. Isto é assim, porque o ponto de partida para a identificação de qualquer princípio jurídico, que seja trazido à luz pelo teste interpretativo de Dworkin, radica-se em alguma área específica do direito constituído a que o princípio se ajusta e que ajuda a justificar. O uso desse critério pressupõe, por isso, a identificação do direito constituído, e, para tal ser possível, é necessária uma regra de conhecimento que especifique as fontes de direito e das relações de superioridade e de subordinação que se estabelecem entre elas. Na terminologia de Law’s Empire, as regras e práticas jurídicas que constituem os pontos de partida para a tarefa interpretativa de identificação de princípios subjacentes ou juridicamente implícitos constituem «direito pré-interpretativo» e muito do que Dworkin diz acerca dessa matéria parece apoiar o ponto de vista de que, para a sua identificação, é necessário algo muito semelhante a uma regra de conhecimento que identifique as fontes de direito de forma autorizada, como se descreveu nesse livro. A principal diferença, nesta matéria, entre o meu ponto de vista e o de Dworkin reside em que, enquanto eu atribuo o acordo geral existente entre os juízes quanto aos critérios de identificação das fontes do direito à sua aceitação partilhada das regras que atribuem tais critérios, Dworkin prefere falar, não de regras, mas de «consensos», de «paradigmas» e de «pré-compreensões» que os membros da mesma comunidade interpretativa partilham. É claro que, como Dworkin tornou nítido, há uma importante distinção entre um consenso de convicções independentes, em que o concurso de outros não faz parte da razão que cada parte do consenso tem para nele convergir, e um consenso de convenção, em que a pessoa participa desse concurso. É certo que a regra de conhecimento é tratada no meu livro como estando baseada numa forma de consenso judicial. Que nela se baseia efectivamente nessa forma parece bastante claro, pelo menos no direito inglês e no americano, porque, seguramente, a razão de um juiz inglês para tratar a legislação do Parlamento (ou a razão de um juiz americano para tratar a Constituição) como fonte de direito que detém spremacia sobre outras fontes inclui o facto de os seus colegas de judicatura convergirem nesse entendimento, como o fizeram os seus predecessores. Na verdade, o próprio Dworkin fala da doutrina da supremacia legislativa como um facto em um estado bruto da história jurídica, que limita o papel que a convicção do juiz pode desempenhar e afirma que «a atitude interpretativa não pode sbreviver, a menos que os membros dessa mesma comunidade interpretativa partilhem, pelo menos de modo aproximado, das mesmas pré-compreensões» acerca «daquilo que vale como parte da prática». Concluo, por isso, que, sejam quais forem as diferenças que permaneçam entre as regras e as «pré-compreensões», «consensos» e «paradigmas» de que fala Dworkin, a sua explicação da identificação judicial das fontes do direito é substancialmente a mesma que a minha.

             Todavia, continuam a existir grandes diferenças teóricas entre o meu ponto de vista e o de Dworkin. Porque Dworkin rejeitaria, seguramente, o meu tratamento de seu teste interpretativo para os princípios jurídicos como, simplesmente, uma forma específica tomada, em alguns sistemas jurídicos, por uma regra de conhecimento convencional, cuja existência e autoridade dependem da sua aceitação pelos tribunais. Isso desvirtua completamente, do seu ponto de vista, e aviltaria o projecto de uma interpretação «construtiva», destinado a mostrar o direito sob uma melhor iluminação moral, a qual está envolvida, do ponto de vista de Dworkin, na identificação do direito. Porque este estilo de interpretação não é concebido por ele como um método de reconhecimento de direito exigido por uma mera regra convencional aceite por juízes e juristas de sistemas jurídicos concretos. Em vez disso, ele apresenta-o como uma característica central de muito pensamento e prática sociais para além do direito, enquanto demonstra «uma profunda conexão entre todas as formas de interpretação», incluindo a interpretação tal como é entendida na crítica literária e mesmo e mesmo das ciências naturais. Contudo, mesmo que esse critério interpretativo não seja apenas um esquema de reconhecimento do direito exigido por uma regra convencional, e tenha afinidades e conexões com a interpretação, tal como é entendida noutras disciplinas, permanece o facto de que, se houver quaisquer sistemas jurídicos em que o critério interpretativo holístico de Dworkin seja efectivamente usado para identificar princípios jurídicos, poderá perfeitamente suceder que, em tais sistemas, o critério seja conferido por uma regra convencional de reconhecimento. Mas uma vez que não há sistemas jurídicos reais em que seja usado esse critério plenamente holístico, mas apenas sistemas, como o direito inglês e o direito americano, em que são levados a cabo exercícios mais modestos de interpretação construtiva, em casos como o de Donoghue vs. Stevenson, para identificar princípios jurídicos latentes, a única questão a considerar é a de saber se tais exercícios devem ser entendidos como a aplicação de u critério fornecido por qualquer regra convencional de reconhecimento ou de outra qualquer forma, e, se tal assim suceder, qual o seu estatuto jurídico".

             Ainda discorrendo sobre a amplitude da expressão princípios gerais do direito colacionamos entendimento de Paulo Nader:

             "A expressão princípios gerais de Direito, por ser demasiadamente ampla, não oferece ao aplicador do direito uma orientação segura quanto aos critérios a serem admitidos na sua aplicação. Para Lino Rodriguez-Arias Bustamante, ‘o importante é que os princípios gerais de Direito sejam concebidos dentro do âmbito de critérios objetivos...’. Na opinião de Del Vecchio, que os identifica com os princípios do Direito Natural, ‘se bem se observa, o Direito só estabelece um requisito, quanto ao que deve ser existir entre os princípios gerais e as normas particulares do Direito: que entre uns e outros não haja nenhuma desarmonia ou incoerência...’.

             Pelo que se observa, ao escolher uma fórmula tão abstrata e indefinida, o legislador, já ciente das divergências doutrinárias que a expressão apresentava, pretendeu oferecer ao aplicador do Direito um critério bem amplo, para a busca dos princípios aplicáveis aos casos concretos. A expressão adotada, atualmente, já constava no art. 7º da Lei Preliminar que, em 1916, acompanhou o nosso Código Civil.

             Mans Puigarnau, com o objetivo de clarear o entendimento da expressão, submeteu-a à interpretação semântica destacando, como notas dominantes, a principialidade, generalidade e juridicidade:

             Princípios: idéia de fundamento, origem, começo, razão, condição e causa;

             Gerais: a idéia de distinção entre o gênero e a espécie e a oposição entre a pluralidade e a singularidade;

             Direito: caráter de juridicidade; o que está conforme a reta; o que dá a cada um o que lhe pertence.

             No vasto campo do Direito há uma gradação de amplitude entre os princípios, que varia desde os mais específicos aos absolutamente gerais, inspirados em toda a árvore jurídica. Entendemos que, não obstante a fórmula indique princípios gerais, a expressão abrange tanto os efetivamente gerais quanto os específicos, destinados apenas a um ramo do Direito. De acordo com a classificação que a doutrina apresenta quanto às categorias dos princípios, os de Direito são monovalentes, porque se aplicam apenas à Ciência do Direito; os princípios plurivalentes aplicam-se a vários campos do conhecimento e os onivalentes são válidos em todas as áreas científicas, como o princípio de casusa eficiente".

             Para José Cretella Júnior: "Denomina-se princípio toda proposição, pressuposto de um sistema, que lhe garante a validade, legitimando-o".

             Como se pode observar, quando tratamos da expressão princípios em sede de ciência jurídica – o que nos leva à expressão princípios jurídicos ou princípios do direito – grande é a gama de informações e entendimentos trazidos pela mais variada doutrina.

             Isto torna extremamente difícil uma conceituação de princípios jurídicos. Tal dificuldade leva a doutrina a preferir estudar outras peculiaridades dos princípios a ater-se à conceituação dos mesmos.

             As peculiaridades variam de autor para autor, que analisam diferentes pontos dos princípios, cada um sob o prisma que entende ser mais proveitoso.

             Seguindo essa linha de raciocínio, passaremos, a partir de agora, a analisar aspectos dos princípios jurídicos que mais são relevantes para o presente trabalho.

             Assim veremos sucintamente a diferença entre princípios constitucionais e infraconstitucionais.

             Nos princípios constitucionais, trataremos dos princípios da Administração Pública, passando pelos expressos e implícitos.

             Também serão analisadas as questões atinentes à necessidade ou não de positividade dos princípios, sua normatividade, dever de observância, natureza jurídica, extensão e eficácia.

             Em que pese não se tratar do escopo precípuo do presente trabalho, será trata de forma sucinta a questão do chamado conflito de princípios.

             Natureza jurídica dos princípios

             Estudar a natureza jurídica dos princípios do direito importa uma tarefa quase que tão difícil ou mais do que sua conceituação.

             Primeiramente há que se estabelecer se os princípios jurídicos são ou não normas jurídicas.

             Ao depois, em sendo ou não normas, há que se identificar qual a extensão da incidência que irradia sobre o ordenamento jurídico.

             Em um primeiro momento parece fácil a solução, mas ao se adentrar no tema percebe-se desde logo a dificuldade na solução, na medida em que há que se saber o que é norma e o que é princípio dentre outras peculiaridades.

             Vejamos como se procede tal solução.

             Na doutrina nacional, Paulo Bonavides, um dos maiores expoentes do Direito Constitucional, trata a quaestio:

             "A normatividade dos princípios, afirmada categórica e precursoramente, nós vamos encontrá-la já nessa excelente e sólida conceituação formulada em 1952 por Crisafulli: ‘Princípio é, como efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, seja, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém’.

             Deveras útil é a investigação doutrinária feita por Ricardo Guastini, que recolheu da jurisprudência e de juristas diversos seis distintos conceitos de ‘princípios’, todos vinculados a disposições normativas e assim enunciados:

             Em primeiro lugar, o vocábulo ‘princípio’, diz textualmente aquele jurista, se refere a normas (ou disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de generalidade.

             Em segundo lugar, prossegue Guastini, os juristas usam o vocábulo ‘princípio’ para referir-se a normas (ou a disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem a qual no seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos.

             Em terceiro lugar, afirma ainda o mesmo autor, os juristas empregam a palavra ‘princípio’ para referir-se a normas (ou disposições normativas) de caráter ‘programático’.

             Em quarto lugar, continua aquele pensador, o uso que os juristas às vezes fazem do termo ‘princípio’ é para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas) cuja posição na hierarquia das fontes do Direito é muito elevada.

             Em quinto lugar – novamente Guastini – ‘os juristas usam o vocábulo princípio para designar normas (ou disposições normativas) que desempenham uma função ‘importante’ e ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político unitariamente considerado, o num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigações)’.

             Em sexto lugar, finalmente, elucida Guastini, os juristas se valem da expressão ‘princípio’ para designar normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas aos órgãos de aplicação cuja específica função é fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos.

             O texto acima, extraído, conforme se assinalou, da exposição de Ricargo Guastini, compreende todas aquelas variantes do conceito de princípio, considerado à luz de sólidas reflexões feitas ultimamente acerca desse tema. A importância do assunto é fundamental, ocupando cada vez mais a atenção e o interesse dos juristas. Sem aprofundar a investigação acerca da função dos princípios nos ordenamentos jurídicos não é possível compreender a natureza, a essência e s rumos do constitucionalismo contemporâneo.

             A normatividade dos princípios representa, conforme vimos, o traço comum a todas aquelas acepções, sendo, por conseguinte, o vínculo unificador das seis formulações enunciadas.

             Caminhada teórica dos princípios gerais, até a conversão em princípios constitucionais, constitui a matéria das inquirições subseqüentes. Os princípios, uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo".

             J. J. Gomes Canotilho estuda profundamente o problema:

             "A distinção estrutural e material entre princípios e normas constitucionais (Norm-Prinzip, Verfassungsgrundsätzen-Verfassungssätzen, Principles-Rules) tem oscilado entre a diferença entre grau de abstração («tese moderada» da separação entre as duas categorias), a necessidade ou não de concretização (grau de determinabilidade de aplicação), a diversidade de conteúdo de informação (princípios «abertos» ou «informativos» e «princípios-norma» ou «normativos»), e a diversidade radical de estrutura lógica ou de intencionalidade normativa (tese da separação radical). No plano constitucional, interessa sobretudo saber: (1) de que princípios se trata; (2) quais as conseqüências metódicas da diversidade estrutural ou material entre normas e princípios; (3) qual a relação dos princípios com as normas-fim e normas-tarefa.

             Relativamente ao primeiro problema, e como vai ver-se em seguida, englobam-se aqui vários princípios doutrinalmente «tipificados»: (1) os princípios político-constitucionais; (2) os princípios jurídicos gerais e constitucionais.

             Quanto ao segundo problema, embora se possa discutir a diversidade de estrutura lógica entre normas e princípios ou a separação qualitativa das duas categorias (os princípios como «justo superior» em relação às normas), a posição que vai fundamentalmente ser adoptada é a de que, sob o ponto de vista da metódica constitucional, há muitos problemas comuns a normas e princípios. Assim, desde logo, formulam-se reticências quando, sem qualificações ulteriores, se insiste na diferenciação entre normas e princípios com base no facto de as primeiras conterem uma directiva imediata para determinado círculo de questões, e os segundos exigem uma «concretização normativa» para serem susceptíveis de aplicação. A distinção, sem quaisquer outras precisões, é inconseqüente em numerosas questões constitucionais, pois muitas normas, (normas programáticas, normas-fim), carecem também de «concretização», sendo precisamente esse u dos problemas fundamentais da Constituição dirigente. Em segundo lugar, a distinção entre princípios e normas, claramente estabelecida como reflexo de uma posição metodológica antipositivista, acaba, segundo nos parece, por poder reconduzir a aplicação das «normas» aos esquemas subsuntivos, típicos do positivismo. Ao atribuir-se-lhes um caráter de «programa condicional» ou ao insistir-se nu modo de aplicação «tudo ou nada», insiste-se num esquema inadequado ao direito, em geral, e manifestamente impróprio no que respeita as normas constitucionais, em especial. Acresce que, considerando-se os princípios como simples fundamentos de uma decisão, mesmo nos casos em que são inequívocos os pressupostos do Tatbestand e os respectivos resultados jurídicos, esvazia-se, em muitos deles, o carácter de determinante heterónoma, vinculativa da função legislativa (ex: princípio da proibição do excesso, princípio da igualdade, princípio da legalidade, etc.). em toda a sua extensão, esta tese equivaleria, pr fim, a negar a densidade de norma jurídica aos princípios-garantia (ex: nullum crimen sine lege). Por isso de compreende que LARENZ tenha tido necessidade de distinguir entre princípios abertos e princípios normativos. Sendo uma diferenciação tendencial e gradativa, ela põe em destaque que, se em alguns casos, a mediação semântica é intensa, noutros já a densidade sémica dos princípios é suficiente para os considerar estruturados em «forma de norma jurídica»".

             Karl Larenz há pouco citado por Canotilho, também tece seus comentários acerca dos princípios jurídicos.

             "Ocupámo-nos dos «princípios éticos-jurídicos» como critérios teleológico-objectivos da interpretação e em conexão com o desenvolvimento do Direito, atendendo a um tal princípio. Qualificámo-los de «pautas directivas de normação jurídica que, em virtude de sua própria força de convicção, podem justificar resoluções jurídicas». Enquanto «ideias jurídicas materiais» são manifestações especiais da ideia de Direito, tal como esta se apresenta no seu grau de evolução histórica. Alguns deles estão expressamente declarados na Constituição ou noutras leis; outros podem ser deduzidos da regulação legal, da sua cadeia de sentido, por via de uma «analogia geral» ou do retorno à ratio legis; alguns foram «descobertos» e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela jurisprudência, as mais das vezes atendendo a casos determinados, não solucionáveis de outro modo, e que logo se impuseram na «consciência jurídica geral», graças à força de convicção a eles inerente. Decisiva permanece a sua referência de sentido à ideia de Direito. Tudo isto discutimo-lo na sede indicada. Trata-se agora da idoneidade de tais princípios para a formação do sistema.

             Os princípios jurídicos não têm o carácter de regras concebidas de forma muito geral, às quais se pudessem subsumir situações de facto, igualmente de índole muito geral. Carecem antes, sem excepção, de ser concretizadas. Mas cabe a esse respeito distinguir vários graus de concretização. No grau mais elevado, o princípio ainda não contém ainda nenhuma especificação de previsão e conseqüência jurídica, mas só uma «ideia jurídica geral», pela qual se orienta a concretização ulterior como por um fio condutor. Dessa espécie são, por exemplo, o princípio do Estado de Direito, o princípio do Estado Social, o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, da autodeterminação e da responsabilidade pessoal. Os primeiros indícios de uma especificação de previsão e conseqüência jurídica e, portanto, do começo da formação de regras, mostra-nos princípios tais como o preceito de igual tratamento jurídico de situações de facto idênticas, o princípio da confiança, nas suas diversas vertentes, como, por exemplo, enquanto proibição de retroactividade de leis desvantajosas ou como base de uma «responsabilidade por confiança» no Direito privado, o preceito da salvaguarda da «boa-fé» em todas as relações jurídicas especiais, op princípio da culpa, o princípio da responsabilidade pelo risco e o de uma imputação daqueles riscos que alguém há-de suoprtar «mais directamente» que outrem, enquanto critérios de uma responsabilidade por danos. Mas tais «subprincípios» estão também ainda longe, todavia, de representar regras de que pudesse resultar directamente a resolução de um caso particular. Ao invés disso, são aqui precisas concretizações ulteriores, que, em primeiro lugar, já o legislador levou a cabo".

             Emerson Garcia procura estabelecer parâmetros para a solução da questão da normatividade dos princípios:

             "Em sua gênese, conforme a doutrina tradicional, as normas se confundem com as regras de condutas que veiculavam, sendo os princípios utilizados, primordialmente, como instrumentos de interpretação e integração daqueles.

             Hodiernamente, tem-se um período pós-positivista, em que os princípios deixaram de ser meros complementos das regras, passando a ser vistos como formas de expressão da própria norma, a qual é subdividida em regras e princípios. Na lição de Jorge Miranda, ‘os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles – numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão-somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições’.

             Aqueles que se opõem ao caráter normativo dos princípios normalmente acenam com sua maior abstração e com a ausência de pressupostos fáticos que delimitarão sua aplicação, o que denotaria uma diferença substancial em relação às normas, as quais veiculam prescrições dotadas de maior determinabilidade, permitindo a imediata identificação das situações, fáticas ou jurídicas, por ela reguladas.

             Em nosso entender, tais elementos não são aptos a estabelecer uma distinção profunda o suficiente para dissolver a relação de continência existente entre normas e princípios, figurando estes como espécies daquelas. Inicialmente, deve-se dizer que o maior ou menor grau de generalidade existente em duas normas, a exemplo do maior ou menor campo de aplicação, é parâmetro incapaz de diferenças de ordem ontológica entre elas.

             Os princípios, a exemplo das regras, carregam consigo acentuado grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota seu caráter normativo (dever ser). Sendo cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe será inválido, conseqüência esta que representa a sanção para a inobservância de um padrão normativo cuja reverência é obrigatória.

             Em razão de seu maior grau de generalidade, os princípios veiculam diretivas comportamentais que devem ser aplicadas em conjunto com as regras sempre que for identificada uma hipótese que o exija, o que, a um só tempo, acarreta um dever positivo para o agente – o qual deve ter seu atuar direcionado à consecução dos valores que integram o princípio – e um dever negativo, consistente na interdição da prática de qualquer ato que se afaste de tais valores. Constatada a inexistência de regra específica, maior importância assumirão os princípios, os quais servirão de norte à resolução do caso apreciado.

             Discorrendo sobre o tema, Norberto Bobbio afirma que ‘os princípios são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta também é a tese sustentada Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê porque não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidades são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que se devem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas’.".

             A par dos ensinamentos trazidos à colação, nos parece que a primeira indagação cuja resposta se faz mister é acerca de se os princípios são ou não normas jurídicas.

             Como já visto, grandes são os argumentos nos mais variados sentidos. Para que não haja desvio da finalidade do presente texto, tentaremos estabelecer da maneira mais sucinta possível o nosso entendimento.

             A resposta à indagação a respeito de serem os princípios jurídicos, normas jurídicas nos parece estar atrelada a questões de abstração, generalidade e falta de cominação expressa de sanção por parte daqueles.

             Como visto, uma das características dos princípios é a abstração e generalidade, impossíveis de serem retiradas dos mesmos dada a sua finalidade no ordenamento jurídico.

             Argumenta-se que uma conseqüência dessa abstração e generalidade seria a impossibilidade de aplicação in casu.

             De fato, concordamos que a abstração e generalidade são inseparáveis da principiologia jurídica o que não os desabona, na medida em que, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos: "Pode-se afirmar que os princípios, embora percam em concretitude, ganham em abrangência".

             Raúl Canosa Usera já falava: "todo principio por su propria naturaleza pretende abarcar um número, cuanto más alto mejor, de cuestiones de hecho".

             Isso não quer dizer, todavia, que não se possa aplicar princípios jurídicos a casos em concreto.

             Dois são os argumentos que fundamentam esse entendimento.

             Em primeiro lugar, como já salientado por Norberto Bobbio, na lição acima transcrita, em caso de lacuna de lei aplicar-se-ão os princípios de direito, que ao regularem o caso desempenham nada mais do que a função de norma jurídica.

             E em segundo lugar, ainda que não se trate de um processo de aplicação principiológica em conseqüência de lacuna de lei, haverá sua incidência direta nos casos de nulidade gerada pela inobservância de algum princípio do direito.

             Outra questão também ligada à normatividade dos princípios jurídicos é a falta de cominação expressa de sanções. Tal argumento não deve prosperar. Ao contrário, merece ser rejeitado de pronto, vez que a nulidade de ato que atente contra princípio do direito é – notadamente no Direito Administrativo e Processual – sem sombra de dúvidas, sanção.

             Ademais, como será visto a diante, a própria lei de improbidade administrativa prevê expressamente a possibilidade de sanção aos agentes públicos que atentarem contra os princípios da Administração Pública.

             O que se pode argumentar é a ausência de sanção pessoal ou direta, ou ainda que gere conseqüências mais diretas e palpáveis no caso concreto. Esta sim ficaria a cargo da especificação e determinação, típicas da legislação. Mas em nenhum momento tais argumentos poderiam retirar dos princípios jurídicos o seu caráter normativo.

             Como se não bastasse, pelo próprio exame da terminologia "norma", já poderíamos concluir que princípio jurídico é norma, pois esta nada mais é do que "Regra; modelo; preceito".

             Princípios constitucionais e infraconstitucionais

             Pacífico que princípios jurídicos são normas, vejamos as diferenças, atinentes a serem esses princípios oriundos da Constituição ou da legislação infraconstitucional.

             Topograficamente podemos citar dois exemplos onde encontramos na legislação pátria a aplicação de princípios de direito.

             O primeiro deles, não poderia deixar de ser a própria Constituição Federal, que é extremamente carregada de princípios de direito. Isto se pode inferir da obrigatoriedade de observância inerente à Constituição para com o ordenamento jurídico e aqueles que dele fazem uso, vale dizer, toda a sociedade.

             São os chamados princípios constitucionais, que encontram especial menção em se tratando de Direito Administrativo, qual seja, a previsão expressa de cinco princípios que regem a Administração Pública, a saber: legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade e eficiência.

             Outro ponto em que se encontra presente expressamente a aplicação dos princípios jurídicos é a Lei de Introdução ao Código Civil que em seu art. 4.º expõe textualmente: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". (grifo nosso).

             Com isso temos os princípios constitucionais – que derivam diretamente da Constituição. E os infraconstitucionais – decorrentes da legislação infraconstitucional.

             Em um primeiro momento salientamos que a expressão princípios gerais de direito deve ser entendida como gênero do qual são espécies os princípios constitucionais e os infraconstitucionais.

             Isso se deduz pela possibilidade de o burgomestre poder aplicar perfeitamente os princípios constitucionais pela faculdade que lhe é conferida pelo art. 4.º da LICC.

             Assim, apenas mencionamos como exemplo as legislações acima pelo fato de que a Constituição só impõe a observância de seus princípios, enquanto a LICC permite o uso de quaisquer princípios de direito, sejam eles constitucionais ou não.

             Celso Ribeiro Bastos ensina que "(...) os princípios gerais de Direito se identificam e se diferenciam dos demais princípios constitucionais pelo fato de apresentarem como nota característica a generalidade absoluta de sua incidência".

             A Constituição é o mais alto grau em se tratando de ordenamento jurídico em um Estado, assim já ensinava Hans Kelsen:

             "A estrutura hierárquica da ordem jurídica de um Estado é, grosso modo, a seguinte: pressupondo-se a norma fundamental, a constituição é o nível mais alto dentro do Direito nacional. A constituição é aqui compreendida não num sentido formal, mas material. A constituição num sentido formal é certo documento solene, um conjunto de normas jurídicas que pode ser modificado apenas com a observância de prescrições especiais, cujo propósito é tornar mais difícil a modificação dessas normas. A constituição no sentido material consiste nas regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, em particular a criação de estatutos".

             Ainda nesse sentido Kelsen:

             "Já nas páginas precedentes por várias vezes se fez notar a particularidade que possui o Direito de regular a sua própria criação. Isso pode operar-se de forma a que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é produzida. Mas também é possível que seja determinado ainda – em certa medida – o conteúdo da norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade dessa interconexão criadora.

             Se começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado. A Constituição é aqui entendida num sentido material, quer dizer: com esta palavra significa-se a norma positiva ou as normas positivas através das quais é regulada a produção das normas jurídicas gerais. Esta Constituição pode ser produzida por via consuetudinária ou através de um ato de um ou vários indivíduos a tal fim dirigido, isto é, através de um ato legislativo. Como, nesse segundo caso, ela é sempre condensada num documento, fala-se de uma Constituição ‘escrita’ para a distinguir de uma Constituição não escrita, criada por via consuetudinária. A Constituição material pode consistir, em parte, de normas escritas, noutra parte, de normas não escritas, de Direito criado consuetudinariamente. As normas não escritas da Constituição, cridas consuetudinariamente, podem ser codificadas; e, então, quando esta codificação é realizada por um órgão legislativo e, portanto, tem caráter vinculante, elas transformam-se em Constituição escrita.

             Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a Constituição em sentido formal, isto é, um documento designado como ‘Constituição’ que – como Constituição escrita – não só contém normas que regulam a produção de normas gerais, isto é, a legislação, mas também normas que se referem a outros assuntos politicamente importantes e, além disso, preceitos por força dos quais as normas contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas o alteradas pela mesma forma que as leis simples,mas somente através de processo especial submetido a requisitos mais severos. Estas determinações representam a forma da Constituição que, como forma, pode assumir qualquer conteúdo que, em primeira linha, serve para a estabilização das normas que aqui são designadas como Constituição material e que soa o fundamento de Direito positivo de qualquer ordem jurídica estadual.

             A produção de normas jurídicas gerais, regulada pela Constituição em sentido material, tem, dentro da ordem jurídica estadual moderna, o caráter de legislação. A sua regulamentação pela Constituição compreende a determinação do órgão ou dos órgãos que são dotados de competência para a produção de normas jurídicas gerais – leis e decretos. Quando os tribunais também são considerados competentes para aplicar Direito consuetudinário, eles têm de receber da Constituição poder para isso – tal como o recebem para a aplicação das leis. Quer dizer: é preciso que a Constituição institua o costume, que é constituído pela conduta habitual dos indivíduos submetidos à ordem jurídica estadual – os súditos do Estado –, como fato gerador de Direito. Se a aplicação do Direito consuetudinário pelos tribunais é considerada como legal, embora na Constituição escrita não exista uma tal atribuição de poder ou autorização, essa autorização não pode – como mais tarde veremos – ser dada numa norma da Constituição não escrita, produzida consuetudinariamente, mas tem de ser pressuposta, como tem de ser pressuposto que a Constituição escrita tem o caráter de norma objetivamente vinculante sempre que se consideram como normas jurídicas vinculativas as leis e os decretos de conformidade com ela editados. Nesse caso, a norma fundamental – como Constituição em sentido lógico-jurídico – institui como fato produtor de Direito não apenas o ato do autor da Constituição, mas também o costume constituído pela conduta dos indivíduos sujeitos à ordem jurídica constitucionalmente criada.

             A Constituição estadual pode – como Constituição escrita – aparecer na específica forma constitucional, isto é, em normas que não podem ser revogadas ou alteradas como as leis normais mas somente sob condições mais rigorosas. Mas não tem de ser necessariamente assim; e não é assim quando sequer existia Constituição escrita, quando a Constituição surgiu por via da consuetudinária, quer dizer: através da conduta costumeira dos indivíduos submetidos à ordem jurídica estadual, e não foi codificada. Nesse caso, também as normas que t^m o caráter de Constituição material podem ser revogadas ou alteradas por leis simples ou pelo Direito consuetudinário.

             É possível que o órgão que é competente para estabelecer, revogar e modificar leis constitucionais no sentido formal específico, seja diferente do órgão que é competente para estabelecer, revogar ou modificar as leis normais. Para a primeira função pode ser chamado, por exemplo, um órgão especial, diferente do órgão competente para a segunda função, quanto à sua composição e quanto ao processo de eleição: v. g., um parlamento constituinte (melhor: um parlamento legislador da Constituição). No entanto, geralmente as duas funções são desempenhadas pelo mesmo órgão.

             A Constituição, que regula a produção de normas gerais, pode também determinar conteúdo das futuras leis. E as Constituições positivas não raramente assim procedem ao prescrever ou excluir determinados conteúdos. No primeiro caso, geralmente apenas existe uma promessa de leis a fixar e não qualquer obrigação de estabelecer tais leis, pois, já mesmo por razoes de técnica jurídica, não pode facilmente ligar-se uma sanção ao não-estabelecimento de leis com o conteúdo prescrito. Com mais eficácia, porém, podem ser excluídas pela Constituição leis de determinado conteúdo. O catálogo de direitos e liberdades fundamentais, que forma uma parte substancial das modernas constituições, não é, na sua essência, outra coisa senão uma tentativa de impedir que tais leis venham a existir. É eficaz quando pelo estabelecimento de tais leis – v. g., leis que violem a chamada liberdade da pessoa ou de consciência, ou a igualdade – se responsabiliza pessoalmente determinado órgão que participa da criação dessas leis – chefe do Estado, ministros – ou existe a possibilidade as atacar e anular. Tudo isto sobre o pressuposto de que a simples lei não tenha força para derrogar a lei constitucional que determina sua produção e o seu conteúdo, de que esta lei somente possa ser modificada ou revogada sob condições mais rigorosas, como sejam uma maioria qualificada ou um quorum mais amplo. Isto quer dizer que a Constituição prescreve para sua modificação ou supressão um processo mais exigente, diferente do processo legislativo usual; que, além da forma legislativa, existe uma específica forma constitucional".

             Sobre a importância da Constituição ensina Konrad Hesse:

             "Nem de um Estado determinado, independente de atividade humana, nem de um direito encontrado pode, por conseguinte, ser partido, senão somente das tarefas expostas. Para poder satisfazê-las, é necessária uma ordem constituinte: a Constituição.

             A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se unidade política e tarefas estatais ser exercidas. Ela regula procedimentos de vencimento de conflitos no interior da coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria bases e normaliza traços fundamentais da ordem total jurídica. Em tudo, ela é ‘o plano estrutural fundamental, orientado por determinados princípios de sentido, para a configuração jurídica de uma coletividade’. Como ordem fundamental jurídica da coletividade, a Constituição não está restringida a uma ordem da vida estatal. Suas regulações compreendem – especialmente claro em garantias como aquelas do matrimonio e da família, da propriedade, da formação e da atividade de grupos sociais ou da liberdade de arte e ciência – também bases da ordem da vida não-estatal. Por causa disso por um lado, Direito ‘Constitucional’ estende-se mais que Direito ‘Estatal’ que, conforme o significado da palavra em objeto, indica somente direito do estado; por outro lado, ele está limitado mais estreitamente, pelo fato que o Direito Estatal também pode compreender o direito do estado, que não deve ser incluído na ordem fundamental da coletividade. Os conceitos são, portanto, idênticos somente em uma parte. Como a Constituição produz os pressupostos da criação, validez e realização das normas da ordem jurídica restante e determina, em grande parte, seu conteúdo, ela converte-se em um elemento de unidade da ordem jurídica total da coletividade, no interior da qual ela exclui um isolamento entre Direito Constitucional e outros setores jurídicos, em especial, do direito privado, do mesmo modo como uma coexistência não-unida daqueles setores jurídicos mesmos".

             Não se pode negar a supremacia da Constituição enquanto ordenamento jurídico vigente.

             Sobre a supremacia e imperatividade das disposições constitucionais Agustín Gordillo tece os seguintes comentários:

             "Esa supremacía que la Constitución comparte con normas superiores no es por supueno moral o ética: se trata de una supremacía jurídica, lo que explica por qué una ley o un acto administrativo, que son expresiones de la voluntad coactiva del Estado, puedan perder validez e imperatividad en algún caso.

             Decir que una ley o un acto administrativo puedan perder juricidad e imperatividad en algún caso, importa a su vez afirmar que aquello que destruye dicha juricidad, es forzosamente algo de más imperatividad que la ley o el acto administrativo: de otra manera la hipótesis resultaría absurda.

             Y bien, a pesar de que ela supremacía jurídica va enlazada a la suprema imperatividad o fuerza coactiva, no siempre se admite con seguridad lo segundo. Que la Constitución o los tratados de derechos humanos o derecho comunitario sean supremos, nadie lo discute; pero que sean imperativos, es decir, normas vigentes y obligatoriamente aplicables en todo momento, a toda circunstancia, y por todo tribunal del país, es objeto de frecuentes dudas expresas o implícitas.

             Sin embargo, el razonamiento básico es elemental: si la Constitución y normas superiores de rango supranacional tienen la virtud de dejar sin fuerza coactiva a una ley o a un acto administrativo – expresiones ambas de la potestad pública – ello tiene que ser debidom inexorablemente, a que ellas mismas tiene la suficiente imperatividad para inhibir la que a su vez tienen aquéllos.

             Si la Constitución y el orden jurídico internacional son un conjunto de reglas imperativas de conducta humana, y si son supremos, constituyen un orden jurídico rudimentario, pero orden al fin, y carente de lagunas: lo que conceden con su imperatividad suprema (derechos individuales, poderes públicos) se tiene el derecho de hacerlo, haya o no ley al respecto: en ausencia de ley, corresponde al juez hacer la aplicación directa de la Constitución o de las normas jurídicas supranacionales.

             Del mismo modo, todo lo que ese orden supremo exige, se tiene el deber de cumplirlo; es así un sistema normativo completo, con valor autónomo propio, inmediato y directo.

             Algunos sostuvieron que las disposiciones constitucionales no eran normas jurídicas porque carecen de sanción. Ello es inexacto: las sanciones no son siempre penas (privación de la liberdad, la vida o la propriedad, a título no de reparación sino de castigo), puesto que pueden consistir en el establecimiento de una relación jurídica nueva, la extinción de una relación jurídica preexistente, o la ejecución coactiva del deber jurídico violado.

             Si se quiere, en todos estos hay un aliquid de castigo, pero debe apreciarse que salvo en el caso del derecho penal, lo más importante en la sanción o "específica reacción del derecho ante la violación de un deber jurídico", no es el castigo, sino la a aplicación forzada del objeto del derecho, es decir, el cumplimiento o ejecución coactiva del deber no cumplido.

             En el ejemplo de la norma "si no pagas, entonces debe ser embargo y remate", ¿qué es el embargo y remate sino la ejecución forzada del deber de pagar? Por eso, y precisamente porque no nos hallamos en el campo del derecho penal, es evidente que si una norma constitucional establece en forma imperativa un deber jurídico, no es extraño a ella interpretar que ante el incumplimiento de éste debe realizarse su ejecución forzada; como la norma imperativa establece con esa particularidad un deber jurídico determinado, la existencia y la medida de la sanción para la violación del mismo no necesitan ser declarados especialmente por otro artículo, desde que dicha existencia y dicha medida están comprendidas en la existencia y medida del deber mismo. Al aplicar como sanción la ejecución forzada del objetivo del derecho (el deber jurídico violado), nada se está realizando que la primera norma no haya previsto; que existía el deber jurídico de realizar tal o cual acción u omisión. Como ya la norma jurídica que establece el primer deber jurídico tiene por su contenido imperativo la característica de latente coactividad, no es extraño a ella el que ese deber jurídico se realice por la fuerza: esa es una sanción de la norma jurídica, y todas las normas jurídicas constitucionales la tienen".

             Ocorre, todavia, que quando falamos em princípios jurídicos, estamos falando em algo acima do próprio ordenamento jurídico no qual se insere a Constituição, como texto normativo que é.

             Deste modo, entendemos não haver hierarquia entre princípios constitucionais e demais princípios de direito, até porque, a Constituição é a consagração legislativa de muitos princípios de direito que se forjaram durante a história.

             Sobre esse aspecto vislumbramos apenas uma hipótese na qual se poderia falar em superioridade hierárquica de princípios constitucionais. Estamos falando das hipóteses de princípios presentes no ordenamento jurídico infraconstitucional, que pela própria hierarquia das leis, não poderiam ir contra a Lei Maior.

             Ainda assim, em ultima análise, não se encontrariam na exceção mencionada, aqueles princípios presentes na legislação infraconstitucional em conseqüência de processo legislativo, mas que derivam de diretivas principiológicas supralegais, como exemplo os deveres de honestidade e imparcialidade presentes no art. 11 da lei de improbidade administrativa.

             Esses princípios não se encontram hierarquicamente abaixo dos princípios constitucionais, justamente pelo fato de o corroborarem.

             O entendimento segundo o qual não há hierarquia entre princípios constitucionais e infraconstitucionais é justamente a supralegalidade dos princípios de direito. O que se poderá verificar a seguir, quando tratamos da questão da desnecessidade de positivação dos princípios.

             Desnecessidade de positivação dos princípios jurídicos

             Há uma discussão acerca da necessidade ou não da positivação, vale dizer, consagração legislativa dos princípios jurídicos.

             A esse respeito, em conclusão da linha de raciocínio que traçamos até o presente momento, bem como do próprio título que demos ao presente tópico, já se depreende nossa inclinação à desnecessidade de positivação dos princípios jurídicos.

             O professor Wallace Paiva Martins Júnior consegue, em sintética análise, realizar ampla explanação da questão:

             "Considerada a natureza prescritiva derivada da sua condição de valor jurídico da comunidade, os princípios não necessitam de posterior consagração legislativa (normalização) para adquirir eficácia, pois a obrigatoriedade deles tem explicação em sua integração com a consciência coletiva. Sendo fonte do direito e derivando sua condição jurídica da própria existência independente de positivação, o problema de sua natureza jurídica não se finca em torno do caráter prescritivo e da correlata força de obrigar, averba Margarita Beladiez Rojo.

             Karl Larenz demonstra a diferença entre positivação (ou consagração legislativa) e regulamentação de princípios jurídicos. Estes não passam a integrar o ordenamento jurídico a ser vigentes, com força jurídica pela positivação. Positivação e regulamentação são diferentes, pois na regulamentação jurídica o princípio adquire concretização, é inflado de pressuposto de fato do qual é deficiente ou carente, mas isso é apenas o exercício de sua função positiva. O princípio jurídico é, mesmo sem regulamentação, integrante do direito positivo. A conexão das indicações do pensamento diretor como uma explicação da regulamentação em que o princípio se encontra, concretizado no direito positivo demonstra que ele penetrou neste, assevera Larenz, e, portanto, não é uma fórmula vazia. Entretanto, nessa parte, o próprio autor confunde a positivação (isto é, o ato de pertencer ou integrar o direito positivo) com a regulamentação (a adoção pelo direito positivo através de norma jurídica, dos valores consagrados pelo princípio, ou seja, o incremento da sua função positiva), certamente porque dá mais importância aos princípios do direito justo (causas de justificação de todas as regulamentações jurídicas, ligadas ao fim último do direito, traduzidas na expressão de um ideal de direito) em contraposição aos do direito positivo.

             Segundo Esser, citado por Karl Lrenz, existem princípios subjacentes à regulação legal e reconhecidos na jurisprudência (boa-fé, confiança, proporcionalidade, responsabilidade etc.), mas distingue princípio e norma, porque princípio não é mandamento, mas base, critério ou justificação do mandamento jurídico. Positivado o princípio, é direito positivo não como mandamento independente ou separado e sim como condição imanente da função do particular. Dessa maneira, é a autonomia da vontade no direito privado e a divisão dos Poderes no direito público, sem abdicar de seu caráter de princípio e sem se converter em mandamento. Na regulamentação jurídica, o princípio adquire concretização, anota Larenz.

             Jesus Gonzalez Perez ressalta que o fato de o art. 7º do Código Civil espanhol prever a boa-fé como norma jurídica não minimiza a importância a natureza jurídica do princípio, pois ‘el hecho de su consacración em una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido su carácter. Pues si los principios generales del Derecho, por su propria naturaleza, existen con independencia de su consagración em una norma jurídica positiva, como tales subsistirán cuando en un Ordenamiento jurídico se recogen en un precepto positivo, con objeto de que no queda duda su pleno reconocimiento’, observando que a consagração legislativa rende bons frutos, de modo que, se o princípio não perde seu caráter como tal (notadamente como informador do ordenamento jurídico), no entanto, adquire aplicabilidade imediata.

             Assim, como sucedido com a Constituição brasileira de 1988, a Carta Espanhola incorporou diversos princípios jurídicos, consagrando-os legislativamente. E na Espanha essa consagração legislativa irradiou-se para a legislação infraconstitucional e, com menos freqüência, para os regulamentos. Porém, observa Jesus Gonzalez Perez, o princípio jurídico não perde a principal característica de informador de um ordenamento jurídico com sua consagração legislativa, senão é solenemente submetido a uma confirmação. Não perde, portanto, posição de destaque no ordenamento jurídico e tampouco sua função informadora, embora exista e tenha eficácia, independentemente de sua consagração legislativa.

             Desse modo, conclui Jesus Gonzalez Perez que ‘los principios jurídicos constituen la base del Ordenamiento jurídico, ‘la parte permanente y eterna del Derechoy también l cambiante y mudable que determina la evolución jurídica’; son las ideas fundamentales e informadoras de la organización jurídica de la Nación’, de tal sorte integrantes do ordenamento jurídico que sua violação é sancionada com a mesma energia reservada às normas jurídicas. A consagração legislativa dos princípios jurídicos não cessa sua característica principal e ‘no se produce una transformación de esencia normativa que transforma un principio general en parte de la Ley; seguirá siendo pincipio general del Derecho y también norma jurídica de aplicación inmediata’. Por fim, sua revogação (como norma jurídica) não implicará na caducidade do princípio jurídico, que continuará existindo (independência do princípio) com força suficiente (como se fosse norma juridica superior) para invalidar norma jurídica superveniente ou não recepcionar alguma precedente.

             Explica Guido Falzone que, na Itália, a boa administração, tida como diretiva do poder discricionário, é um princípio jurídico elementar ao ordenamento jurídico, pouco importando se formulado legislativamente ou implícito, porque sempre constituirá norma aplicável, e sua consagração em norma jurídica constitucional tem o efeito de eliminar qualquer eventual questionamento sobre sua existência ou validade jurídica.

             Os princípios de direito são positivos, e tanto faz serem explícitos ou implícitos, pois, em verdade, são eles enunciados basilares de um ordenamento jurídico que age, reage e interage, inclusive com suas normas, pela perfeita compreensão de seus alicerces fundamentais (os princípios jurídicos). No necessitam, por isso, consagração legislativa, como alguns textos constitucionais fizeram. Nesse passo, a Constituição de 1988 foi pródiga, positivando alguns (não todos, frise-se) princípios, especialmente os que orientam as atividades da Administração Pública. Essa consagração legislativa, que pode conduzir à banalização dos princípios jurídicos, tem explicação na tímida postura da jurisprudência, fortemente influenciada por um positivismo exagerado – o que é um erro porque os princípios (explícitos ou implícitos) são positivados elementarmente por sustentarem a própria ordenação jurídica positiva. Porém. Essa característica do direito brasileiro, muito assemelhado ao português, gera uma conseqüência, bem observada por Carmem Lúcia Antunes que adota a postura de J. J. Gomes Canotilho, salientando que, sendo a Constituição uma lei, não se pode deixar de concluir que todos os princípios que nela se incluem, expressa ou implicitamente, são leis, normas jurídicas postas à observância insuperável e incontornável à atividade estatal".

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             A questão da positivação dos princípios resta superada pela doutrina contemporânea, mais ainda pela jurisprudência, que tem aplicado cotidianamente tais normas que nada mais fazem senão permitir uma adequação do ordenamento jurídico ao fenômeno social.

             Conflito de Princípios. A ponderação de bens

             Ainda que não se trate do escopo principal do presente trabalho, entendemos importante a ressalva de uma questão atinente aos princípios constitucionais que se levanta na doutrina contemporânea.

             Dada a incidentalidade, o tema não será abordado em profundidade. Será destarte, tratado sob um prisma de sujeição à discussão, levantando o tema para possíveis e frutíferos debates.

             A questão aqui mencionada diz respeito aos princípios fundamentais consagrados na Lei Maior.

             Contudo não deixa de incidir sobre o presente tema, na medida em que a lei de improbidade administrativa dá salutar importância aos princípios de direito, mormente os da Administração Pública.

             Nos referimos à questão de otimização dos princípios constitucionais, o que por vezes gera conflitos de princípios, solucionáveis através da teoria da ponderação de bens no caso concreto.

             Prevê a Constituição em seu art. 5º uma série de princípios fundamentais da pessoa humana. Ocorre que, às vezes, em casos concretos tais princípios possam colidir entre si.

             Melhor dizendo, não se trata exatamente de colisão de princípios, mas sim de situações em que haja pessoas com garantias fundamentais de um lado e de outro, outra pessoa ou ainda a sociedade com seus princípios norteadores.

             Diante de tal celeuma, qual princípio deveria preponderar? O correto seria a aplicação de um em detrimento do outro?

             Nos parece que dois pontos dão a melhor solução para a indagação.

             Em primeiro lugar deve-se ter em mente que não há princípios mais importantes que outros. Nesse sentido, há que se buscar uma maneira pela qual todos os princípios tenham uma eficácia maior possível sem interferir no âmbito de incidência do outro.

             Em segundo lugar, mister se faz que seja analisado, de maneira concentrada, caso a caso, na medida em que somente assim se poderá definir qual seria o mais correto âmbito de eficácia de cada princípio naquele caso.

             E essas duas linhas que culminam numa pacífica solução são encontradas na teoria da ponderação de bens no caso concreto. Trata-se de método de otimização constitucional, ou seja, um meio pelo qual a Constituição logrará regular todas as matérias da maneira mais completa possível.

             Em se tratando dessa linha de raciocínio não há como não mencionar a doutrina alemã e portuguesa, ambas muito avançadas nesses estudos.

             Karl Larenz,um dos maiores expoentes do direito alemão pondera que para que se possa fazer uma correta ponderação de bens mister se faz elucidar a possibilidade de, segundo a ordem de valores dos bens constitucionalmente protegidos, estabelecer uma ordem de valores, entre os bens no caso concreto.

             Para tal estabelece um critério segundo o qual "haverá que se dizer, sem vacilar, que à vida humana e, do mesmo modo, à dignidade humana, corresponde um escalão superior ao de outros bens, em especial os bens materiais", pondera ainda:

             "Finalmente, têm validade os princípios da proporcionalidade, do meio mais idôneo, ou da menor restrição possível. Nestes termos, a lesão de um bem não deve ir além do que é necessário, ou, pelo menos, é «defensável», em virtude de outro bem ou de um objectivo jurídico material, que se converte em fio condutor metodológico da concretização judicial da norma. É evidente que, mesmo observando esses princípios, fica ainda uma margem livre muito ampla para uma valoração judicial pessoal (...). Mas, por outro lado, também se torna manifesto que a «ponderação de bens» não é simplesmente matéria do sentimento jurídico, é um processo racional que não há-de fazer-se, em absoluto, unilateralmente, mas que, pelo menos até um certo grau, segue princípios identificáveis e, nessa medida, é também comprovável.

             (...)

             "A «ponderação de bens no caso concreto» é um método de desenvolvimento do Direito, pois que serve para solucionar colisões de normas – para as quais falta uma regra expressa na lei –, para delimitar umas das outras as esferas de aplicação das normas que se entrecruzam e, com isso, concretizar os direitos cujo âmbito, como o direito geral de personalidade, ficou em aberto. Do mesmo modo que a concretização paulatina pela jurisprudência de pautas de valoração carecem de ser preenchidas de conteúdo, também aqui é de se esperar que, com o acréscimo de sentenças de tribunais superiores, se hão-de criar possibilidades de comparação, mediante as quais serão tornadas mais estreitas as margens residuais da livre apreciação. Mas, posto que cada vez se requererá a consideração de todas as circunstancias do caso concreto, que nunca são iguais em tudo, não se deve esperar que, com o tempo, se venham a formar regras fixas que possibilitem uma subsunção simples do caso concreto. A comparação de casos possibilita analogias e porventura uma certa tipificação dos casos; a «ponderação » de bens será desse modo aliviada, mas não se tornará supérflua".

             Em sentido diverso, Konrad Hesse, não concorda com a aplicação da ponderação de bens, tecendo os seguintes comentários:

             "Onde nascem colizões (sic) não deve, em ‘ponderação de bens’ precipitada ou até ‘ponderação de valor’ abstrata, um ser realizado à custa do outro. Antes, o princípio da unidade da Constituição põe a tarefa de uma otimização: a ambos os bens devem ser traçados limites, para que ambos possam chegar a eficácia ótima. Os traçamentos dos limites devem, por conseguinte, no respectivo caso concreto ser proporcionais; eles não devem ir mais além do que é necessário para produzir a concordância de ambos os bens jurídicos. ‘Proporcionalidade’ expressa, nessa conexão, uma relação de duas grandezas variáveis e precisamente esta que satizfaz (sic) o melhor aquela tarefa de otimização, não uma relação entre uma ‘finalidade’ constante e um ‘meio’ variável ou vários. Ela fica clara, por exemplo, na ‘ação recíproca’ (equivocadamente assim indicada) entre liberdade de opinião e lei geral limitadora no artigo 5º da Lei Fundamental: trata-se de concordância prática pela coordenação ‘proporcional’ na liberdade de opinião por um lado, dos bens jurídicos protegidos por ‘leis gerais’, por outro. Sobre isto, que é proporcional em cada caso particular o princípio não diz nada; ele indica, todavia, como diretiva contida na Constituição e, por causa disso, obrigatória, a direção e ele determina o procedimento no qual uma resolução constitucional somente deve ser procurada. – ‘Ponderação de bens’ carece, para suas valorações, de uma tal diretiva; a ela falta não só o apoio sustentador, mas ela cai também sempre no perigo de abandonar a unidade da Constituição. O mesmo vale, quando a relação entre concessões e restrições de liberdade jurídico-constitucionais é determinada no sentido de uma presunção inicial a favor da liberdade (in dubio pro libertate), motivo pelo qual não é possível ver nessa presunção um princípio de interpretação constitucional." (negritamos)

             J. J. Gomes Canotilho também não concorda com o modelo da ponderação de bens, fundamentando seu entendimento da seguinte maneira:

             "Muitas das conseqüências que pretendem extrair da separação lógica entre normas e princípios, com base na ideia de «peso» ou «espessura» dos princípios (especialmente relevante em caso de colisão de princípios) também ficam, dentro da posição metódico-metodológica deste trabalho, substancialmente esbatidas. A dimension of weight, que permitiria gradação valorativa e a solução de conflitos sem afectar a validade de princípios eventualmente colidentes, aponta para o conhecido modelo de ponderação de bens, que não é acolhido aqui por várias razões. A primeira é a de que, ao utilizar-se o modelo de ponderação de bens constitucionais na tarefa de interpretação dos princípios e normas, o sentido que se lhe dá não é o de medida e comparação do «peso» dos princípios (com os conhecidos resquícios da «hierarquia de valores» e da «ordem de valores») mas o de discussão das valorações de bens constitucionais igualmente valiosos. É um problema de meios e fins, de ponderação de resultados, de necessidade da adequabilidade de soluções, de garantia de posições constitucionais. Em segundo lugar, não se acolhe a ideia dos «princípios» como um «justo superior» que, em caso de necessidade, justificará a invalidade de normas constitucionais em conflito irremediável com os princípios axiológico-normativos superiores («normas constitucionais inconstitucionais»). A eventual tarefa de optimização constitucional alicerça-se mais racionalmente num princípio da concordância prática do que numa escala ordinal ou cardinal de «valores» constitucionais".

             Já em outro momento Canotilho acaba pr concordar com a teoria que dá valores aos bens constitucionalmente protegidos. Nesse sentido pontua o eminente constitucionalista lusitano:

             "As ideias de ponderação (Abwägung) ou de balanceamento (Balancing) surge em todo o lado onde haja necessidade de ‘encontrar o direito’ para resolver ‘casos de tensão’ (Ossenbühl) entre bens juridicamente protegidos. O método da ponderação de interesses é conhecido há muito tempo pela ciência jurídica. Nos últimos tempos, porém, a sua relevância tem sido sobretudo reconhecida no direito constitucional e no direito do planejamento urbanístico.

             O relevo da ponderação do direito constitucional

             A agitação metódica e teórica em torno do método de balanceamento ou ponderação do direito constitucional não é uma ‘moda’ ou um capricho dos cultores de direito constitucional. Várias razões existem para esta viragem metodológica: (1) inexistência de uma ordenação abstracta de bens constitucionais o que torna indispensável uma operação de balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão situativa, isto é, uma norma de decisão adoptada às circunstâncias do caso; (2) formatação principal de muitas das normas do direito constitucional (sobretudo das normas consagradoras de direitos fundamentais) o que implica, em caso de colisão, tarefas de ‘concordância’, ‘balanceamento’, ‘pesagem’, ‘ponderação’ típicas dos modos de solução de conflitos entre princípios (que não se reconduzem, como já se frisou, a alternativas radicais de ‘tudo ou nada’); (3) fractura da unidade de valores de uma comunidade que obriga a leituras várias dos conflitos de bens, impondo uma cuidadosa análise dos bens em presença e uma fundamentação rigorosa do balanceamento efectuado para a solução dos conflitos.

             Interpretação e ponderação

             Em muitas propostas metodológicas a ponderação é apenas um elemento do procedimento da interpretação/aplicação de normas conducente à atribuição de um significado normativo e à elaboração de uma norma de decisão. Aqui o balancing process vai recortar-se em termos autónomos para dar relevo à ideia de que no momento de ponderação está em causa não tanto atribuir um significado normativo ao texto da norma, mas sim equilibrar e ordenar bens conflituantes (ou, pelo menos, em relação de tensão) num determinado caso. Neste sentido, o balanceamento de bens situa-se a jusante da interpretação. A actividade interpretativa começa por uma reconstrução e qualificação dos interesses ou bens conflituantes procurando, em seguida, atribuir um sentido aos textos normativos e aplicar. Por sua vez, a ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens.

             A topografia do conflito ou da relação de tensão entre bens constitucionais

             A ponderação é um modelo de verificação e tipicização da ordenação de bens em concreto. Não é, de modo algum, um modelo de abertura para uma justiça ‘casuística’, ‘impressionística’ ou de ‘sentimentos’. Precisamente por isso, é que o método de balancing não dispensa uma cuidadosa topografia do conflito nem uma justificação da solução do conflito através da ponderação.

             Em termos tendenciais, designa-se por topografia de conflitos a descrição das modalidades segundo as quais a norma que regula um determinado direito ou interesse incide, num caso específico, no âmbito (área, esfera) de direitos ou bens conflituantes. A análise de topografia do conflito exige, assim, que se esclareçam dois pontos: (1) se e em que medida a área ou esfera de um direito (âmbito normativo) se sobrepõe à esfera de um outro direito também normativamente protegido; (2) qual o espaço que ‘resta’ aos dois bens conflituantes para além da zona de sobreposição.

             A ponderação dos bens

             Quando é que, afinal, se impõe a ponderação ou o balanceamento ad hoc para obter uma solução dos conflitos de bens constitucionais? Os pressupostos metódicos básicos são os seguintes. Em primeiro lugar, a existência, pelo menos, de dois bens ou direitos reentrantes no âmbito de protecção de duas normas jurídicas que, tendo em conta as circunstancias do caso, não podem ser ‘realizadas’ ou ‘optimizadas’ em todas as suas potencialidades. Concomitantemente, pressupõe a inexistência de regras abstractas de prevalência, pois neste caso o conflito deve ser resolvido segundo o balanceamento abstracto feito pela norma constitucional (ex.: art. 38.º/2/a da CRP que faz prevalecer os direitos dos jornalistas sobre o poder de orientação da direcção da empresa jornalística). Excluem-se, por conseguinte, relações de preferência prima facie, pois nenhum bem é, prima facie, que excluído porque se afigura excessivamente débil, quer privilegiado porque, prima facie, se afigura com valor ‘reforçado’ ou até absoluto. Isto implica a verificação e ordenação, em cada caso ou grupos de casos específicos, de esquemas de prevalência parciais ou relativos, porque, nuns casos, a prevalência pode pender para um lado e noutros para outro segundo as ponderações ou balanceamentos efectuados ad hoc. Finalmente, é indispensável a justificação e motivação da regra de prevalência parcial assente na ponderação, devendo ter-se em conta sobretudo os princípios constitucionais da igualdade, da justiça, da segurança jurídica. Registre-se ainda a observância das regras constitucionais de competência, pois o método de balancing não pode dissolver os esquemas de competência constitucionalmente definidos.

             As ‘ponderações’ subjacentes ao balanceamento ad hoc estão já presentes noutros esquemas hermenêuticos anteriormente referidos. É o caso, por exemplo, da concordância prática e da observância do princípio da proporcionalidade em sentido estrito. A importância que ultimamente é atribuída à ponderação de bens constitucionais radica, como se disse, na natureza tendencialmente principal de muitas normas jurídico-constitucionais. O apelo à metódica de ponderação é, afinal, uma exigência de solução justa de conflitos entre princípios. Neste sentido se pôde afirmar recentemente que a ponderação ou o balancing ad hoc é a forma característica de aplicação do direito sempre que estejam em causa normas que revistam a natureza de princípios. A dimensão de ponderabilidade dos princípios justifica a ponderação como método de solução de conflito de princípios".

             Como visto muitas são as teorias que pretendem uma otimização das normas constitucionais, principalmente no que respeita os princípios fundamentais. A nós cabe, no presente momento, procurar demonstrar as variadas correntes. Consignamos apenas a opinião de que, em se tratando de direito constitucional, não há que se medir esforços para que suas disposições tenham a maior eficácia possível.

             Assim, entendemos proveitosas quaisquer das teorias de otimização e plenitude de eficácia das normas constitucionais.

             Ainda que o sistema de ponderação de bens, sob o aspecto da sujeição à subjetividade do burgomestre, não seja o mais indicado, não vislumbramos a impossibilidade de uso desse sistema, vez que, haverá momentos em que terá que se decidir entre duas partes em que ambas estejam amparadas por direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

Princípios reguladores da Administração Pública

             A Administração Pública tem sua principal regulação na Constituição Federal, que logo no caput do primeiro artigo a tratar dessa matéria estabelece os cinco princípios norteadores de toda a sua atividade.

             Cuida-se dos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Eficiência. Ocorre, todavia, que a doutrina acabou por verificar que além desses, haveria a existência de outros, não expressos, mas implícitos.

             Como retro tratado, a não ocorrência expressa desses princípios ditos implícitos não lhes retira a validade, nem tampouco o dever de observância, na medida em que não há a necessidade de que um princípio de direito esteja positivado para que haja dever de observância.

             Assim temos os seguintes princípios: supremacia do interesse público, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, e motivação.

             Vejamos agora cada um desses princípios.

             Princípios constitucionais expressos

             Como o presente trabalho tem como norte as normas constitucionais reguladoras da Administração Pública trataremos, no presente tópico, daqueles princípios expressamente previstos como reguladores da Administração Pública, previstos no caput do art. 37 da Constituição, a saber, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

             Legalidade

             Trata-se do primeiro princípio elencado para a Administração Pública. Ainda que não se diga que por isso é o mais importante, certamente por outros fatores o será.

             Enquanto qualquer pessoa pode fazer tudo que a lei não lhe proíbe, para o administrador a regra é interpretada a contrario sensu, na medida em que este somente pode fazer o que a lei autorizar.

             Daí dizer-se que o Poder Executivo executa as leis.

             Rafael Munhoz de Melo traz importante lição acerca da importância do princípio da legalidade:

             "Como foi acima afirmado, ínsita à idéia de Estado de Direito é a de submissão dos entes estatais à lei. Com efeito, o Estado de Direito surge justamente no momento em que a observância da ordem jurídica torna-se obrigatória ao próprio Estado. Daí afirmarem os doutrinadores que o princípio da legalidade é a mais importante característica do Estado de Direito, ‘que o qualifica e que lhe dá identidade própria’. Trata-se, nas palavras de Brewer-Carías, da ‘construcción jurídica más importante Del Estado de derecho’.

             Sendo assim, a importância do princípio da legalidade para o direito administrativo é imensurável, pois tal ramo jurídico é, também, conseqüência do advento do Estado de Direito. De fato, antes da submissão do ente estatal à legalidade não havia que se falar em direito administrativo, ao menos no modo como a expressão é hoje entendida. Pode-se afirmar, assim, que o direito administrativo é fruto da Revolução Francesa, marco histórico que identifica o surgimento do Estado de Direito. Bem por isso anota o mestre português Sérvulo Correia. ‘Nos Estados cuja matriz emerge das idéias e instituições consagradas pela Revolução Francesa, a limitação do poder inspira, como categoria filosófica-juridica, os poderes constituintes, determinando a afirmação – expressa ou implícita – da legalidade nos textos constitucionais, como princípio regulador da conduta dos órgãos do mando’.

             Reza o princípio da legalidade que todos os órgãos estatais estão subordinados ao ordenamento jurídico. Legalidade não se confunde com lei, devendo ser entendida em sentido amplo, como ordem jurídica. De fato, há atividades estatais que se sujeitam tão-somente à Constituição, como a de governo; por outro lado, os órgãos administrativos devem observar também as normas infralegais, vedada que é a revogação singular dos regulamentos.

             No âmbito do direito administrativo o princípio da legalidade tem um sentido especial. De fato, significa não só que Administração Pública está submetida ao ordenamento jurídico, mas também que toda atividade administrativa deve estar autorizada por lei. Vale dizer, a atividade dos órgãos administrativos é infralegal, como já ensinava Otto Mayer no final do século XIX: ‘La Administración, desde su comienzo, ha sido contemplada como una actividad del Estado que se ejerce bajo la autoridad del orden jurídico que él debe establecer’.

             O princípio da legalidade impede que a Administração Pública atue sem que haja expressa permissão legal. Ou seja, não podem os órgãos administrativos agir sem lei prévia que autorize tal atuação; ‘administrar [é] aplicar a lei de ofício’, como bem sintetizou Seabra Fagundes em célebre passagem de sua obra.

             A atividade administrativa é marcada, portanto, pela submissão à lei. Destarte, a função administrativa é subordinada à função legislativa, como muito bem notou Renato Alessi, cuja lição merece transcrição: ‘l’ amministrazione, particolarmente perquanto concerne l’ attività di carattere giuridico, può fare soltando ciò che la legge consente’. No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello: ‘Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpli-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modestos dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro’.

             Enfim, a Administração Pública somente pode fazer aquilo que a lei permitir, ao contrário dos particulares, que podem fazer tudo que não lhes seja proibido por lei. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, ‘enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza’".

             Canotilho tece os seguintes comentários acerca do princípio da legalidade da Administração Pública:

             "A idéia da subordinação à lei dos titulares de órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais pessoas colectivas públicas soa de um modo familiar ao cidadão comum. O sentido desta subordinação parece estar presente em fórmulas da linguagem corrente, tais como «o nosso governo é um governo de leis e não de homens», «ninguém está acima da lei», os «funcionários devem obedecer e executar a lei», as «leis fazem-se para se cumprirem». Estes enunciados nem sempre exprimem com rigor o significado da proeminência da lei no Estado de direito. Impõe-se, por isso, um breve aceno ao princípio da legalidade como princípio básico do Estado de direito.

             Comecemos por uma advertência. Não faremos uma digressão aprofundada em torno deste princípio, limitando-nos a salientar as dimensões básicas que ainda hoje se nos afiguram importantes. Por outro lado, também aqui o princípio da legalidade já não é o que era. A lei perdeu prestígio e importância. As razões são várias. Como atrás se salientou, as leis transportaram, por vezes, elas próprias os lenhos da injustiça e do não direito. Noutros casos, as leis enredaram-se na solução de casos concretos, perdendo as dimensões mágicas da generalidade e da abstracção. Acresce que, perante as derivas do legalismo estatal, as modernas constituições reivindicam o seu carácter de lei superior, vinculativo de todos os poderes do Estado, inclusivamente dos poderes que fazem as leis. A lei perde ainda proeminência no contexto de comunidades supranacionais e de fórmulas de organização jurídica assentes no princípio da auto-regulação. Numa palavra: a lei deixou de ser o princípio e o fim da ordem jurídica. Sendo assim, pergunta-se: terá sentido hoje falar do princípio da legalidade como um princípio básico do Estado de direito? A resposta é inequivocamente afirmativa. Vejamos porquê.

             A lei ocupa ainda um lugar privilegiado na estrutura do Estado de direito porque ela permanece como expressão da vontade comunitária veiculada através de órgãos representativos dotados de legitimação democrática directa. Por outras palavras: a lei emanada dos órgãos da sociedade – os parlamentos – converte-se ela própria em esquema político revelador das propostas de conformação jurídico-política aprovadas democraticamente por assembleias representativas democráticas. Quem não entender este significado da prevalência da lei pode fazer glosas sobre o Estado de direito, mas não sabe que é um Estado de direito democrático.

             A lei serve de fundamento ao exercício de outros poderes do Estado: «a administração deve obedecer à lei», «os tribunais estão sujeitos à lei». Neste sentido se afirma que o «poder vem da lei» e que não há exercício legítimo do poder público sem fundamento na lei. A refracção desta ideia no que respeita à administração do Estado e dos poderes regionais e locais consubstancia-se vulgarmente no princípio da legalidade da administração. Em termos meramente aproximativos, diz-se que toda a administração deve obedecer à lei, proibindo-se qualquer actividade «livre» ou juridicamente desvinculada. Conseqüentemente quaisquer actividades administrativas contra a lei violam o princípio da legalidade inerente a qualquer Estado de direito. Mas mais do que isso: a lei dá fundamento aos chamados poderes administrativos. Ilustremos esta ideia através do recorte de três poderes administrativos fundamentais: o poder regulamentar, o poder de polícia e o poder expropriatório. Não é qualquer autoridade que tem o poder de fazer regulamentos. Dos regulamentos urbanísticos aos regulamentos de serviço, passando pelos regulamentos de polícia, todo o poder regulamentar tem de estar baseado directamente na lei fundamental (a constituição) ou numa lei editada nos termos constitucionais. Do mesmo modo, não é qualquer órgão da administração que, a pretexto da salvaguarda da ordem e da tranqüilidade públicas, pode arrogar-se o poder de polícia. Este vem da lei que define quem tem poderes de polícia e individualiza as medidas de polícia. Finalmente, o poder de expropriar bens ou requisitar bens ou serviços perfilar-se-á como poder abusivo se não existir uma ou várias leis a regular o poder, a forma e os requisitos da expropriação ou da requisição".

             Impessoalidade

             Deve também o administrador público ser impessoal. Essa impessoalidade deve verificar-se em dois planos, em primeira e terceira pessoas.

             Significa dizer que o administrador, ao cuidar da coisa pública não deve atender aos seus interesses (impessoalidade em primeira pessoa). Também não deve fazer os negócio da máquina administrativa em favor de determinadas pessoas (impessoalidade em terceira pessoa).

             No dizer de Celso Antonio Bandeira de Melo, o princípio da impessoalidade "se traduz na idéia de que a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentos".Aduz ainda que "o princípio em causa não é senão o próprio princípio da isonomia".

             Moralidade

             No que respeita à improbidade administrativa o princípio da moralidade da Administração Pública tem salutar importância, vez que, como já mencionado, probidade, em última análise significa moralidade.

             Grandes são as digressões acerca desse princípio, vejamos alguns pontos de vista.

             É sabido que ao Judiciário é vedado imiscuir-se no mérito do ato administrativo. Ocorre que a moralidade é principio expresso na Constituição, destarte norma jurídica, cuja não observância dá ao Judiciário o poder de conhecer da questão.

             Nesse sentido, o ato administrativo discricionário que viole a moralidade pode ser objeto de ação do Judiciário, desde, é claro, que provocado para tal. Assim ensina José Augusto Delgado:

             "O controle da moralidade administrativa permite que o Poder Judiciário avalie e julgue o mérito do ato administrativo, com a finalidade de vedar ao administrador o abuso ou o desvio de poder, sob o estudo da discricionariedade e da não obrigação de motivar. É atividade que se identifica com a obrigação constitucional de controlar os limites da edição do ato administrativo. Este deve se apresentar para o administrado, expungido de abuso ou desvio, convergindo para a realização do interesse público. A transparência, a boa motivação, a definição clara, a coerência e a confiabilidade são requisitos indispensáveis com que devem se apresentar os atos administrativos. A não obediência a qualquer um desses requisitos submete-se ao controle da própria administração e ao Poder Judiciário. Este, utilizando-se de critérios que ostentam realidade com as necessidades dos administrados e que se apresentem razoáveis, pode corrigir qualquer fuga a tais requisitos que o agente público tenha cometido. O desempenho dessa tarefa é um poder-dever do Poder Judiciário. Exerce, em toda a sua plenitude, o controle da legalidade e da moralidade do atuar administrativo, extirpando do mérito do ato administrativo o que está o exorbitando ilegal e eticamente.

             Em suma, o Judiciário tem competência constitucional, do que se extrai do atua texto da Carta Magna, especialmente do art. 37, de anular atos administrativos mesmo discricionários, desde que se apresentem viciados por terem sido fundados em objeto desconforme, impossível ou ineficiente no tocante à sua eficácia e efetividade, em relação à finalidade pública. Igual tarefa lhe é exigida quando se deparar com atos administrativos que se sustentem em motivo inexistente, insuficiente, desproporcional, incompatível ou inadequado, se comparado com o conteúdo idôneo que deve possuir para que sejam atendidos os fins que a lei elegeu para a produção dos seus efeitos".

             Ubergue Ribeiro Júnior nos traz um amplo conceito do que seja moralidade administrativa:

             "Por todas essas razões, entendo que moralidade administrativa é o princípio que orienta, dentro de um Estado de Direito, o agente a dirigir suas decisões administrativas de forma legítima ao interesse público, fundando-se impreterivelmente na Lei e na Ética Administrativa, esta sim, extraída dos próprios quadros da administração, sem, contudo, olvidar os valores que estendem da Moral dos homens e tornam-se comuns à Moral Universal e ao Direito Natural, como forma de reconhecer, dentro do serviço público, e como um fator cultural preponderante, o fim maior a ser perseguido de tudo o que é bom e justo".

             Marçal Justen Filho nos traz a seguinte lição sobre o conteúdo jurídico do princípio da moralidade administrativa:

             "O princípio da moralidade pública, como se passa com todos os demais princípios, não tem existência autônoma e desvinculada do todo da Constituição. Mas há peculiaridade que diferencia o princípio da moralidade pública frente à quase totalidade dos demais princípios jurídicos. Trata-se da referência às vivências éticas predominantes na sociedade. O princípio da moralidade pública é, por assim dizer, um princípio jurídico ‘em branco’, o que significa que seu conteúdo não se exaure em comandos concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no direito legislado. O princípio da moralidade pública contempla a determinação jurídica da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis segundo as circunstâncias de cada caso.

             O princípio da moralidade pública não possui conteúdo normativo perfeito e acabado. Porém, isso não caracteriza defeito. Alias, muito pelo contrário. Como todos os princípios jurídicos, a moralidade pública se destina a disciplinar uma série indeterminada de situações, o que seria inviabilizado por uma construção fechada e exaustiva. A apuração do conteúdo jurídico do princípio da moralidade pública envolve, por isso, uma aproximação e uma dinâmica. Há um núcleo axiológico que produz desdobramentos mais ou menos indefinidos.

             A essência do princípio da moralidade pública consiste na invalidade de todos os atos praticados pelo Estado incompatíveis com a interpretação ética do sistema e das normas jurídicas (constitucionais ou não). Ou seja, as normas jurídicas (especialmente aquelas de hierarquia superior) apresentam abstração e generalidade que propicia incerteza quanto a seu conteúdo. Daí deriva a famosa consideração kelseniana, no sentido de que a norma jurídica é uma moldura a ser preenchida no momento de sua aplicação. Essa pluralidade de significados potenciais da norma jurídica encontra limites no sistema jurídico. Entre nós, o sistema jurídico-constitucional incorporou o princípio jurídico da moralidade pública. Por decorrência, o aplicador do Direito está obrigado a considerar também o fator ético – a moralidade pública – ao definir a interpretação cabível para determinado dispositivo normativo. Entre diversas interpretações possíveis – ou, mais precisamente, entre diversas condutas possíveis de ser validadas frente à Constituição –, o aplicador deverá optar por aquela conforme aos princípios jurídicos (inclusive ao princípio da moralidade pública). Enfim, não se conhece, frente à CF/88, uma solução eticamente reprovável, cuja adoção se fundasse em argumentos de técnica jurídica.

             O conteúdo jurídico do princípio da moralidade pública resulta da conjugação de dois conceitos básicos, que são a supremacia do interesse público e a boa-fé. A partir desse núcleo, agregam-se outras vivências consagradas eticamente".

             Sergio de Andréa Ferreira faz uma correlação entre o princípio da moralidade e as questões da improbidade administrativa:

             "No que toca, especificamente, aos agentes do Poder Público, destacam-se: (a) a afirmação do princípio da moralidade, a que está, segundo o art. 37, caput, submetida a Administração Pública; (b) a inserção, da moralidade administrativa, como bem jurídico tutelado através da ação popular, que nos termos do inciso LXXIII do art. 5º, cabe para anulação de ato a ela lesivo; (c) o estabelecimento da probidade na administração, de igual, como bem juridicamente, protegido, caracterizado o ato que atente contra a mesma como crime de responsabilidade do Presidente da República, no art. 85, V; (d) a cominação, no inciso V do art, 15 e no § 4º do art. 37, de sanções políticas, administrativas, civis e penais, para a prática de ‘atos de improbidade administrativa’, (e) a previsão, no art. 14, § 9º, do estabelecimento de casos e prazos de inelegibilidade, ‘a fim de proteger a probidade administrativa’ e ‘a moralidade para o exercício do mandato’; (f) a impugnabilidade, perante a Justiça Eleitoral, nos termos do disposto no § 10 do art. 14, do mesmo mandato eletivo, mediante comprovação de corrupção ou fraude; (g) a enumeração do decoro parlamentar, como valor com o qual o procedimento de Deputados e Senadores não deve, sob pena, segundo o art. 55, III, e § 1º, de perda do mandato, ser incompatível, incompatibilidade essa identificada em casos definidos no Regimento Interno Parlamentar, no abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional; ou na percepção de vantagens indevidas.".

             Para Caio Tácito a moralidade administrativa "tem como diretrizes o dever de boa administração, a preservação dos bons costumes e a noção de eqüidade no confronto entre o interesse público e o dos administrados".

             José Guilherme Giacomuzzi ensina que "a moralidade administrativa veiculada pelo art. 37 significa principalmente, pois, a boa-fé, ou a proteção da confiança, no Direito Público".

             Luiz Manoel Gomes Junior traça os parâmetros do princípio da moralidade:

             "Pelo Princípio da Moralidade Administrativa, deve o administrador guiar-se pela noção de moral, buscando na finalidade do ato administrativo o interesse público, de modo que o seu agir seja sempre guiado pelos parâmetros legais, almejando um resultado o mais satisfatório possível para a coletividade. Toda vez que tal finalidade – interesse público – não estiver sendo objetivada, não se pode ter como respeitado o Princípio da Moralidade Administrativa".

             Não é de hoje que a preocupação com o dever de honestidade permeia o universo jurídico. Já nos idos da década de sessenta tal preocupação se demonstrava nas palavras de Ovídio Bernardi ao salientar que: "A tutela jurídica é estabelecida (...) em prol da honestidade administrativa, e ainda da lícita aplicação dos dinheiros do povo".

             Poder-se-ia divagar por centenas de páginas acerca do princípio da moralidade administrativa, todavia, para que não nos estendamos demasiadamente, cabe apenas ratificar que ao administrador público impõe-se o dever de atuar dentro dos parâmetros da mais alta moralidade entendida esta dentro do conceito mais popular, vale dizer, administrando a res publica como se sua fosse.

             Publicidade

             Mais que um princípio da Administração Pública, a publicidade é um dever que se impõe a todos aqueles que atuam no Poder Público, na medida em que se faz mister o conhecimento dos atos administrativos por parte dos administrados, estes, em última análise, proprietários do patrimônio administrado.

             Seria uma utopia, mas nem deveria ser um dever imposto aos administradores, vez que, aquele que administra com presteza se orgulha do bom trabalho que faz, de maneira que se sentiria honrado em que todos soubessem do bom trabalho que desempenha.

             Mas infelizmente assim não o é. Ao contrário, a publicidade no direito administrativo se apresenta como mais uma das medidas com as quais se busca uma aferição da atuação do administrador para que não pratique atos atentatórios contra o interesse público.

             No dizer de Hely Lopes Meireles "Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos internos". Ressalta-se que tal obrigação não pode ser revertida para fins de promoção do agente público, como continua a ensinar Hely Lopes Meireles: "Como já mencionado, sob pena de lesar os princípios da finalidade e da moralidade, a publicidade não poderá caracterizar a promoção do agente público (CF, art. 37, § 1º)".

             Eficiência

             O princípio da eficiência foi o último a figurar dentre os princípios informadores da Administração Pública, constantes do caput do art. 37 da Constituição, passando a integrar o texto constitucional através da Emenda Constitucional n.º 19 de 4 de abril de 1998.

             Uma das mais importantes conseqüências da inclusão desse princípio foi a possibilidade de dispensa do servidor que negar-lhe observância, na medida em que anteriormente à sua existência, uma vez estável, não poderia ser dispensado a não ser que violasse um dever funcional.

             Isso, com o passar dos anos trouxe um péssimo estigma para o funcionalismo público, que passou a ser sinônimo de ineficiência e má vontade no atendimento do público, pois tais vícios não ensejavam dispensa.

             Com a inclusão do princípio da eficiência no texto constitucional duas conseqüências operaram de imediato na Administração Pública.

             Primeiro a possibilidade de o servidor estável ser dispensado quando não observar o dever de eficiência, ainda que não incorra em falta cominável com tal sanção consoante os ditames do estatuto que reja sua função.

             Ademais, criou-se mais um requisito para a aquisição da estabilidade, qual seja, o dever de eficiência durante o estágio probatório, aferível através de um parecer de comissão própria para tal finalidade. Essa comissão analisará o tempo de serviço do funcionário, que poderá não adquirir a estabilidade em caso de parecer negativo podendo então ser dispensado.

             Paulo Modesto nos traz o seguinte conceito do que seja o princípio da eficiência na Administração Pública, ressaltando que não só os agentes públicos estão sujeitos à sua eficácia:

             "Diante do que vem de ser dito, pode-se definir o princípio da eficiência como a exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhe fazem, as vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público".

             Interessantes são os comentários feitos por Joel de Menezes Niebuhr acerca do princípio da eficiência na Administração Pública, os quais passamos a transcrever:

             "A eficiência é uma exigência social intrínseca a tudo o que se faça ou se pretenda fazer. A própria idéia de boa-fé refuta a construção ou a prática de atos concebidos para serem ineficientes.

             E assim o é com referência à atividade administrativa. Como visto, a razão de sua existência é a efetivação do bem comum, respaldando o interesse público. Não se erigiu todo o complexo arcabouço administrativo, com os vultosos ônus que lhe são inerentes, por efeito de capricho político ou para agasalhar vaidades pessoais.

             O que há de se frisar, e este constitui o papel fundamental do princípio da eficiência, é o caráter instrumental da Administração Pública. Ela não é um fim em si mesmo. Toda a sua ação é voltada e imprescindível à realização dos valores sociais que traduzem o bem comum, prestando serviços vinculados ao interesse público.

             O aparato administrativo foi criado como instrumento da coletividade e, para esse propósito, há de ser eficiente. É inaceitável que interesses corporativos se sobreponham ao interesse público. A Administração deve procurar excelência no interesse da Sociedade, que é a sua cliente-mor.

             Hely Lopes Meirelles, em atenção à eficiência, ‘exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional’. Por isso, Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que o princípio ‘impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabe ao Estado alcançar’.

             Se a eficiência impõe que se produzam os fins esperados da atividade administrativa, impõe, como corolário, também a criação de meios para obtê-los. Aí reside a grande discussão concernente ao princípio. De nada adianta dizer que a Administração deve cumprir suas finalidades, constituindo-se em instrumento da Sociedade para lograr o bem comum, mas manter-se uma série de obstáculos ao seu bom desempenho. Objetivando alcançar a eficiência, inarredavelmente deve haver o aporte instrumental que propicie ao administrador exercer sua função de forma rápida e com mérito.

             Ademais, a demanda é agrava com a complexidade social contemporânea. São novos atores, novas tecnologias e novos conflitos de interesses que se erguem dia-a-dia em face da Administração. Para ser eficiente, portanto, é forçoso estar em interrupto processo de aperfeiçoamento, renovando-se e atuando com agilidade.

             Em virtude disso, à primeira vista, dessume-se que o princípio da eficiência exige da Administração Pública o abandono de garantias conferidas e conquistadas pelos entes privados e de formalidades delas decorrentes, que regem o manejo da coisa pública. O argumento é que elas (garantias e formalidades) vinculam a atividade administrativa de tal forma, que torna impossível ou inviável obter os resultados práticos que lhes são esperados.

             É claro que, com isso, há tendência a flexibilizar as normas administrativas, alargando o espectro da discricionariedade de seus agentes. Maximizam-se as prerrogativas da Administração, com o propósito de satisfazer os reclames da coletividade.

             No entanto, como acima delineado, os princípios não podem ser aplicados de maneira isolada e incontrastável. Sempre é necessário ponderá-los, tomando-os em conjunto mediante a razoabilidade. E esse método, antes de tudo, deve visualizá-los dentro das peculiaridades do ramo científico em que se enxertam.

             Desta sorte, percebendo a eficiência na dimensão administrativa, transparece que, junto à produção de resultados práticos, deve a Administração tratar todas as pessoas com eqüidade. Eis a própria garantia decorrente da indisponibilidade do interesse público, o que denota variada gama de princípios, como, verbi gratia, a isonomia, a legalidade, a moralidade e tantos outros.

             Em conseqüência, no altiplano da dimensão jurídica, deve a eficiência, na qualidade de princípio, ser ponderada em face de todos os seus pares, cujo conteúdo, salienta-se, expressa a eqüilidade.

             E essa ponderação tão-só será razoável se repelir a sobreposição de um princípio a outro. Em todas as hipóteses, o agente jurídico-administrativo deve equilibrar o conteúdo intelectivo e axiológico da eficiência e das proposições decorrentes da eqüilidade, para que, unidas, forneçam a resposta adequada aos anseios do interesse público. Esta conjunção não é contraditória e revela a pluralidade de valores que legitimam a Administração Pública.

             A verdadeira razão (princípio da razoabilidade) por meio da qual se deve pautar o agente jurídico-administrativo é aferida pela proporção (princípio da proporcionalidade) entre esses dois pólos. Ou seja, em tributo à eficiência, não se autoriza o desrespeito às garantias privadas e o desprezo às formalidades. No mesmo plano, por obséquio à isonomia, à legalidade e à moralidade, não se justificam formalismos despiciendos, que não guardem correlação lógica com o objetivo do ato a ser praticado.

             Inserido nesse contexto, o princípio da eficiência só pode ser conhecido em relação a todos os outros princípios imprescindíveis à configuração do interesse público. Ambos se limitam reciprocamente, ensejando moderação na administração daquilo que a todos pertence.

             Exigem-se resultados, mas que eles se façam acompanhar de uma conduta imparcial, que trate todos os entes privados com igualdade, que obedeça à lei e aos ditames da moral. Na hipótese contrária, a eficiência, em termos práticos, daria azo ao autoritarismo e à corrupção, atirando às calendas o bem comum.

             A percepção isolada e absoluta do princípio da eficiência é extremamente perigosa. Precisa-se reconhecer a variedade de discursos que espraiam pelo debate político e jurídico, cuja remissão à eficiência não passa de um recurso a flexibilizar e enfraquecer o regime jurídico-administrativo".

             Rosimeire Ventura Leite nos traz uma boa idéia dos fundamentos do princípio em cotejo:

             "A questão da eficiência parte da idéia de que há uma relação jurídica entre o Estado e os indivíduos, gerando direitos e obrigações recíprocas, de modo que à Administração cabe o cumprimento de seus deveres da forma mais eficiente possível, afim de atender aos interesses da sociedade e, em última análise, aos fins que justificam a existência do Estado, enquanto modalidade específica de organização social".

             Em síntese pode-se dizer que o princípio da eficiência é aquele segundo o qual o Poder Público tem a obrigação de prestar com máxima eficiência os serviços para os quais foi criado.

             Dessa maneira, não o fazendo estaremos diante de um ato de improbidade administrativa, é certo que somente em havendo outras peculiaridades como vontade em não ser eficiente, o que será tratado em momento oportuno.

             Princípios constitucionais implícitos

             A par dos princípios constantes no caput do art. 37 da Constituição encontram-se os chamados princípios constitucionais implícitos da Administração Pública.

             Se disséssemos que são criação doutrinária estaríamos negando-lhes sua anterior vigência, pelo que podemos dizer que foram elucidados pela doutrina ao estudar as regras constitucionais da Administração Pública como um todo.

             Supremacia do interesse público

             Eis um princípio de salutar importância. Em todos os atos do administrador público deverá ser buscado o interesse público.

             O Estado não é um fim e si mesmo, mas um instrumento para a consecução do bem estar social. Nesse sentido, no momento em que o administrador público retirar do seu norte de atuação o interesse público ele estará indo contra a finalidade para a qual o Estado é concebido.

             Ademais, consoante o princípio da supremacia do interesse público haverá situações em que, princípios serão mitigados em face do interesse público.

             Exemplo claro é a possibilidade de o direito à propriedade, consagrado pelo art. 5º, XXII, ser tolhido mediante interesse público, o que se verifica nos casos de desapropriação.

             De tal entendimento é paritário José Carlos Delgado, cuja lição transcrevemos:

             "A sua substância está na visão de que há de sempre preponderar o interesse público. Toda ação do agente público há de se voltar para a assegurar a ordem pública. Esta deve ser o principal fator de segurança das instituições, mesmo que o Estado tenha, para assegurá-la, de intervir na propriedade privada". (grifo nosso).

             Em síntese o princípio da supremacia do interesse público determina: toda vez que a Administração Pública estiver atuando nenhum interesse deverá se sobrepor ao bem social.

             Finalidade

             Basicamente pode-se dizer que o princípio da finalidade é aquele segundo o qual o administrador tem o dever de conduzir a máquina administrativa para que atinja o fim determinado em lei.

             Daí dizer-se que quando o administrador desvia da finalidade ele foge da legalidade.

             Salutar e sempre tranqüila é a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, cujo trecho transcrevemos:

             "Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais do que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí porque os atos incursos neste vício – denominado ‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’ – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei".

             No mesmo sentido entende Adílson Abreu Dallari, que assim ensina:

             "Toda atividade administrativa tem caráter instrumental. O administrador público nunca age gratuitamente, mas, sim, sempre em função de um objetivo, qualificado pela lei como de interesse público, que deve ser atingido. O fim, e não a vontade, impulsiona a atividade administrativa pública.

             Não basta, portanto, demonstrar o fiel cumprimento da lei, no sentido da correção meramente formal do ato praticado. É imperioso demonstrar a aptidão do ato praticado para a realização concreta do valor contido no mandamento legal.

             Quando a autoridade age de maneira aparentemente lícita, exercendo uma competência da qual efetivamente é titular, mas para atingir finalidade diversa daquela apontada pelo sistema normativo, ocorre o que se denomina abuso ou desvio de poder.

             Tais figuras são as formas mais graves de ilegalidade, dado que, além da violação da lei (que poderia decorrer de simples erro de interpretação do texto), existe o embuste, o disfarce, o ânimo de burla, o propósito de cometer fraude".

             Por derradeiro pode-se afirmar que a importância do princípio da finalidade está no fato de que é este o princípio segundo o qual administrador tem de fazer com que o Estado desempenhe o fim para o qual foi criado, qual seja, o bem estar social.

             E isto se atrela à legalidade pelo fato de que é através da lei que o povo determina o que lhe é melhor.

             Razoabilidade

             É um princípio de extrema importância dada a discricionariedade conferida ao administrador público.

             Quando o agente público tem uma margem de decisão deve sempre pautar suas decisões segundo os critérios da razão. Não se trata de qualquer razão, ou de uma razão que se demonstre demasiadamente subjetiva, mas aquele conceito comum do que é racional e razoável.

             É certo que o Judiciário não está dentro da máquina administrativa, de modo que nem sempre poderá saber o que é razoável e racional para o caso concreto.

             Todavia haverá casos de tão patente inobservância do princípio da razoabilidade que poderá o ato ser invalidado com base no princípio sem se estar adentrando no mérito do ato administrativo.

             Sábias são as palavras de Afonso Rodrigues Queiró, citadas por Celso Antônio Bandeira de Melo em lição cujo trecho transcrevemos:

             "Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese. Ainda aqui cabe tirar dos magistrais escritos do mestre português Afonso Rodrigues Queiro a seguinte lição: ‘O fato de não se poder saber que uma coisa é não significa que não se possa saber o que ela não é’. Examinando o tema da discrição administrativa, o insigne administrativista observou que há casos em que ‘só se pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas não o que ele compreenda’".

             Proporcionalidade

             O princípio da proporcionalidade impõe ao agente público que sua decisão seja proporcional ao fato ensejador da mesma.

             Hely Lopes Meireles, ao traçar um paralelo com o princípio da razoabilidade assevera:

             "A Lei 9.784/99 também prevê os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, determina nos processos administrativos a observância do critério de ‘adequação entre os meios e fins’, cerne da razoabilidade, e veda a ‘imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público’, traduzindo aí o núcleo da noção de proporcionalidade (cf. art. 2º, parágrafo único, VI)".

             Motivação

             Consoante o princípio da motivação, todo e qualquer ato administrativo deverá ser motivado, sob pena de nulidade, e, por tratar-se de desrespeito a princípio da Administração Pública, caracterizar-se ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da lei 8.429/92.

             Maria Sylvia Zanella Di Pietro traz sintética lição sobre o princípio da motivação:

             "O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os discricionários, ou se estavam presentes em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos".

             Os atos administrativos devem sempre ser motivados. Tal assertiva que se consubstancia em um princípio não é nada mais do que esperado daquele que administra a máquina (Estado) concebida com a finalidade precípua do bem comum.

             Nesse sentido, sempre que se tome uma decisão há a necessidade de que seja motivado, motivação esta com base no bem estar social.

Análise da Lei Federal n.º 8.429/92

             A Lei Federal n.º 8.429/92, denominada lei da improbidade administrativa é, em verdade, a coluna dorsal do presente trabalho. É graças a ela que o Ministério Público pode, nos dias de hoje, perseguir aqueles que atentam contra a coisa pública.

             Vejamos os traços dessa arma para a busca de um Estado justo e honesto.

             Antecedentes legislativos

             A preocupação com a probidade administrativa vem de séculos no ordenamento jurídico pátrio. Várias foram as tentativas de perseguir aqueles que lesam o patrimônio público.

             Uma das primeiras previsões de sanção àquele que praticasse ato que podemos conceituar domo de improbidade administrativa, foi o Decreto-Lei n.º 3.240/41 que previa o seqüestro de bens daquele que fosse condenado por crime do qual resultasse prejuízo à Fazenda Pública,.

             Em 1º de julho de 1957 surgiu a lei Pitombo-Godói Ilha (Lei n.º 3.164/57), que previa a possibilidade de o Ministério Público ou qualquer do povo ajuizar medidas cabíveis contra qualquer servidor público que tenha enriquecido ilicitamente; instituiu o registro público obrigatório de bens e valores dos servidores.

             Aos 21 de dezembro de 1958 surge Lei Bilac Pinto (Lei n.º 3.502/58) que previu o seqüestro e perdimento de bens daquele que tenha enriquecido ilicitamente por abuso do cargo, emprego ou função pública.

             O Lamentável AI-5 (Ato institucional n.º 5), editado em 13 de dezembro de 1968 deu poderes soberanos ao Presidente da República para suspender direitos políticos, cassar mandatos, e confiscar bens daqueles que tivessem enriquecido ilicitamente, o que, em 17 de dezembro do mesmo ano passou a ser embasado por uma investigação sumária efetuada por uma comissão no âmbito do Ministério da Justiça conforme o Dereto-Lei 359/68.

             O confisco previsto pelo AI-5 foi ampliado pelo Ato Complementar n.º 42 de 27 de janeiro de 1969, que passou a tipificar as atos de enriquecimento ilícito.

             O AI-14 (Ato Institucional n.º 14), de 5 de setembro de 1969 alterou o art. 150, § 11 da Constituição de 1967, passando a prever que o confisco e perdimento de bens somente ocorreriam nos casos previstos em lei, mantendo todas as demais normas estatuídas.

             Em 17 de outubro de 1969 foi editada a Emenda Constitucional n.º 1 que alterou novamente o art. 150, § 11 da Constituição de 1967 restringindo a possibilidade de confisco somente aos casos de guerra, não mais prevendo para a hipótese de enriquecimento ilícito.

             Finalmente em 13 de outubro de 1969 foram retirados do texto constitucional todas as previsões de confisco através da Emenda Constitucional n.º 11 que alterou novamente o art. 150, § 11 da Constituição de 1967.

             A lei da ação popular (Lei n.º 4.717/65) também prevê possibilidades de ação para a anulação ou declaração de nulidade de todos os atos atentatórios contra o patrimônio público.

             Por fim, em 2 de junho de 1992 surge a lei n.º 8.429, intitulada lei de improbidade administrativa, que passou a prever de forma sistemática os sujeitos dos atos de improbidade administrativa, as espécies de atos, respectivas sanções e procedimento, o que será analisado no decorrer do presente trabalho.

             Previsão constitucional

             Não há dúvidas que a principal previsão constitucional da lei 8.429/92 é o art. 37, § 4º, da Lei Maior, verbis.

             "Art. 37. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

             Todavia não é a única previsão constitucional, na medida em que o dever de probidade pode ser entendido como o dever de todos aqueles que mantêm contato com o patrimônio público, de respeitarem as normas e princípios atinentes à Administração Pública.

             Assim pode-se concluir que a previsão constitucional da persecução da improbidade administrativa deriva de toda e qualquer norma constitucional que imponha princípios – e assim, regras – àqueles que tratam com a coisa pública, sem embargo de ser o art. 37, § 4º, sua previsão nuclear.

             Espécies de improbidade administrativa

             A lei de improbidade administrativa estabelece os atos que se consideram improbidade.

             Para tanto, usa como elemento diferenciador as conseqüências de tais atos, variando assim, as sanções cominadas para cada espécie.

             Os atos de improbidade administrativa dividem-se em atos que importem em enriquecimento ilícito; que causem prejuízo ao erário; e que atentem contra os princípios da Administração Pública.

             Aspecto que ainda não se encontra pacífico na doutrina é a questão da taxatividade ou não das hipóteses de atos de improbidade administrativa mencionadas nos artigos que tratam da matéria.

             José Nilo de Castro entende ser taxativo o rol:

             "A meu sentir, por se tratar de apenação civil – e severa, rigorosa, como se viu –, deverá set taxativo o elenco de atos tidos de improbidade administrativa, até para se satisfazer ao princípio constitucional de que nenhuma punição haverá sem previamente estar definida e prevista na lei, aplicável ao Direito Penal (art. 5º, XXXIX, da CR), que, por analogia, é extensível na esfera civil, quanto político-administrativa e administrativa".

             Outras posições se colocam em sentido contrário, v.g. a do Juiz de Direito Cristiano Álvares Valladares do Lago, para quem em quaisquer das hipóteses de improbidade administrativa o rol previsto em lei é exemplificativo.

             Atos que importem em enriquecimento ilícito

             É sabido que o ordenamento jurídico não corrobora com nenhuma forma de enriquecimento ilícito.

             No tocante à Administração Pública a reprovação é ainda maior, na medida em que não estamos falando em bens da pessoa, mas de coisas públicas.

             O art. 9º da Lei 8.429/92 estabelece os atos de improbidade administrativa que importem enriquecimento ilícito.

             Primeiramente cabe menção à exemplificatividade desse rol, como menciona Cristiano Álvares Valladares Do Lago: "O caráter exemplificativo de mencionadas hipóteses, decorre da interpretação literal, teleológica e sistemática da expressão notadamente que antecede o rol descrito pelo legislador".

             Entendimento com o qual concordamos e defendemos por dois motivos, a saber.

             A de pronto, como mencionado, o próprio caput do art. 9º traz a expressão notadamente, com a qual se infere ser possíveis outros casos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito além daqueles mencionados na lei.

             Ao depois, a própria dicção do artigo mencionado nos leva a essa conclusão, pois menciona que se considera tal modalidade de improbidade administrativa toda conduta em que o agente público "auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida".

             Assim, sempre que houver recebimento de vantagem indevida por parte de qualquer que atue no Poder Público se estará diante de um ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito.

             Importante salientar que quatro elementos são essenciais para a configuração dessa modalidade de improbidade administrativa, quais sejam o enriquecimento do agente; que se trate de agente público nos termos do art. 1º da lei, ou terceiro que do ato se beneficie consoante arts. 3º e 6º; falta de causa que justifique recebimento da vantagem o recebimento de vantagem indevida; e a relação de causalidade entre a vantagem recebida e o exercício da função.

             Atos que causem prejuízo ao erário

             Não poderia ser diferente. Pode-se dizer que são os mais patentes casos de improbidade administrativa aqueles atos que causem prejuízo ao erário.

             Para essa finalidade pode-se entender erário como qualquer patrimônio, pecuniário ou não, pertencente ao Estado, encontrando-se em poder deste ou de terceiro, ou ainda aqueles valores repassados a terceiros sob qualquer forma de subvenção ou apoio Estatal.

             O caput do art. 10, que traz a previsão dessa modalidade de improbidade administrativa também traz a expressão notadamente pelo que entendemos aplicável todas as considerações retro aduzidas acerca da exemplificatividade do rol de condutas.

             Nesse sentido, toda vez que houver qualquer conduta de agente público causando lesão patrimonial ao Poder Público estaremos diante de um ato de improbidade administrativa.

             Podem ocorrer casos em que não haja efetiva perda patrimonial, mas, como pondera Marcelo Figueiredo, casos em que a conduta do agente "ocasione ‘malbaratamento’ dos haveres públicos, fruto de gestão ruim, agindo culposamente", casos em que haverá, lesão ao erário por conduta comissiva ou omissiva do agente, ainda que o nexo causal seja indireto.

             E segue o autor: "Exatamente por isso, é necessária a análise global do fato, e sua adequada punição, tendo sempre em mente a proporcionalidade das previsões e suas conseqüências".

             Em outro estudo, Marcelo Figueiredo lembra que existem "algumas condutas descritas na Lei de Improbidade que, por sua própria dicção normativa, poderiam ser invocadas na defesa dos valores protegidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal". Onde cita os incisos VI, VII, VIII, X e XI do art. 10 e incisos II e VI do art. 11 da lei 8.429/92.

             A doutrina também estabelece requisitos para a configuração dessa modalidade de ato de improbidade administrativa. Determina que há a necessidade de conduta ilegal do agente público; dano ao erário; conduta funcional dolosa ou culposa; e nexo causal entre o comportamento funcional e o dano patrimonial ao erário.

             Em que pese a lei fala em erário, há entendimentos segundo os quais a expressão não abarcaria toda a dimensão pretendida pelo legislador. Nesse sentido trazemos à colação salutar lição de Emerson Garcia:

             "Em rigor técnico, erário e patrimônio público não designam objetos idênticos, sendo este mais amplo do que aquele, abrangendo-o. Entende-se por erário o conjunto de bens e interesses de natureza econômico-financeira pertencentes ao Poder Público (rectius: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entidades da administração indireta e demais destinatários do dinheiro público previstos no art. 1º da Lei nº 8.429/92).

             Patrimônio público, por sua vez, é o conjunto de bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica, ambiental e turística pertencentes ao Poder Público, conceito este extraído do art. 1º da Lei nº 4.717/65 e da dogmática contemporânea, que identifica a existência de um patrimônio moral do Poder Público, concepção esta que será melhor analisada no capítulo relativo à reparabilidade do dano moral.

             Uma primeira leitura do art. 10 da Lei nº 8.429/92 poderia conduzir à conclusão de que somente os atos causadores de prejuízo econômico poderiam ser ali enquadrados, pois o dispositivo é claro ao se referir aos atos que causem ‘lesão ao erário’. No entanto, não obstante o aparente êxito da interpretação literal, deve ser ela preterida pela utilização de critérios teleológico-sistemáticos de integração da norma.

             Nesta linha, observa-se que os conceitos de erário e patrimônio público não foram aplicados com rigor técnico pelo legislador, o que exige que seja perquirida a mens legis em razão da utilização indiscriminada de conceitos distintos e que possuem uma relação de continência entre si.

             No art. 1º da Lei nº 8.429/92, o vocábulo ‘erário’ é utilizado como substantivo designador das pessoas jurídicas que compõem a administração direta e indireta, contribuindo para a identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, podendo ser enquadradas sob tal epígrafe as entidade para as quais o ‘erário’ haja concorrido para a formação do patrimônio ou da receita anual, no percentual ali previsto. Assim, o vocábulo é utilizado para estender a possibilidade da aplicação das sanções legai àquele que pratique atos de improbidade em detrimento de pessoas jurídicas que não integram a administração direta ou indireta; o que, longe de excluir a possibilidade de lesão ao ‘patrimônio público’, atua como forma de extensão da proteção legal a situações ordinariamente não abrangidas pela integridade do conceito, já que adstritas ao plano econômico, daí falar-se em ‘contribuição do erário’ (rectius: contribuição das entidades que integram a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios).

             O art. 5º, por sua vez, é expresso ao estatuir o dever de reparar o dano nas hipóteses de ‘lesão ao patrimônio público’, o que não pode ser restringido ao aspecto meramente econômico deste.

             O art. 7º estabelece o dever de a autoridade administrativa responsável pela condução do inquérito administrativo representar ao Ministério Público para a indisponibilidade dos bens do indiciado sempre que constate ‘lesão ao patrimônio público’.

             O art. 8º estatui a responsabilidade, até o limite do valor da herança, do sucessor ‘daquele que causar lesão ao patrimônio público’.

             O art. 10 fala em ‘lesão ao erário’ ‘que enseje perda patrimonial’, o que denota que não são noções excludentes, mas elementos designativos de noções diversas, versando a primeira sobre o sujeito passivo do ato de improbidade e a segunda a respeito do resultado deste. Não bastante isto, diversos incisos do art. 10 referem-se a patrimônio, noção eminentemente mais ampla do que erário.

             O art. 16 prevê a possibilidade de seqüestro dos bens do ímprobo ou do terceiro que tenha ‘causado dano ao patrimônio público’.

             O art. 17, § 2º, estabelece que a Fazenda Pública deve diligenciar no sentido de ajuizar ‘as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público’.

             Por derradeiro, de acordo com o art. 21, I, aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 independe ‘da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público’.

             Como se vê, o sistema instituído pela Lei nº 8.429/92 não visa unicamente a proteger a parcela de natureza econômico-financeira do patrimônio público, sendo ampla e irrestrita a abordagem deste, o que exige uma proteção igualmente ampla e irrestrita, sem exclusões dissonantes do sistema.

             Afora a interpretação sistemática, afigura-se igualmente acolhedor o resultado de uma exegese teleológica. Neste sentido, a ratio do art. 10 da Lei nº 8.429/92 é clara: proteger o patrimônio (de natureza econômica ou não) das entidades mencionadas no art. 1º, sujeitando o agente cuja conduta se subsuma à tipologia legal às sanções do art. 12, II.

             Conseqüentemente, podem ser assentadas as seguintes conclusões: a) ao vocábulo erário, constante do art. 10, caput, da Lei nº 8.429/92, deve-se atribuir a função de elemento designativo dos entes elencados no art. 1º, vale dizer, dos sujeitos passivos dos atos de improbidade; b) a expressão perda patrimonial, também constante do referido dispositivo, alcança qualquer lesão causada ao patrimônio público, concebido este em sua inteireza.

             À guisa de ilustração, poder ser mencionadas is seguintes atos de improbidade praticados em detrimento do patrimônio público e que não têm natureza exclusivamente financeira: a) guarda florestal que permite o ingresso de terceiros em reserva florestal e a captura de animais em extinção (art. 10, I, da Lei nº 8.429/92); b) fiscal do IBAMA que deixa de apreender pássaros silvestres raros mantidos em cativeiro por particular sem a necessária autorização do órgão competente (art. 10, II, da Lei nº 8.429/92); c) Presidente da República que, em viagem ao exterior, doa a Pontífice estátua incorporada ao patrimônio histórico e cultural brasileiro (art. 10, III, da Lei nº 8.429/92); d) agente público que realiza a alienação, para fins de loteamento, de área que abriga sítio detento de reminiscências históricas dos antigos quilombos, afrontado o art. 216, § 5º, da Constituição (art. 10, IV, da Lei nº 8.429/92); e) agente público que permite a deterioração de prédio que abriga repartição pública e que se encontra tombado e incorporado ao patrimônio histórico e cultural (art. 10, X, da Lei nº 8.429/92) etc.

             Nos exemplos formulados, a analise da questão transcende o aspecto meramente financeiro, exigindo a utilização de parâmetros que permitam a correta individualização do dano causado, o que pressupõe a adoção da concepção de proteção ao patrimônio público em sua integridade.

             Em prevalecendo a exegese restritiva do art. 10 da Lei nº 8.429/92, diversas condutas dotadas de grande potencial lesivo ao interesse público ficariam à margem da lei, não sendo possível sequer a aplicação da tipologia prevista no art. 11 da Lei nº 8.429/92. Diversamente daquele, este dispositivo pressupõe um elemento subjetivo de natureza dolosa, não encampando os atos meramente culposos.

             Assim, entendendo-se que o art. 10 da Lei de Improbidade tem sua aplicação restrita à proteção do erário, sempre que a lesão ao patrimônio público resultar de um ato culposo e não apresentar um prejuízo econômico imediato, ter-se-á a manifesta impossibilidade de se aplicar ao agente um dos feixes de sanções cominados no art. 12, restando unicamente a possibilidade de reparação dos danos causados, o que há muito fora albergado pelo art. 159 do Código Civil.

             Ante a incongruência dessa solução, que culminaria com a concessão de um bill of indemnity aos atos de improbidade culposos e que causassem graves danos de natureza estética, artística, histórica, ambiental e turística ao interesse público, entendemos que a tutela legal deve ser ampla, abrangendo o patrimônio público em sua integridade".

             Atos que atentem contra os princípios da Administração Pública

             Também se consideram atos de improbidade administrativa aqueles que atentem contra os princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11 da lei de improbidade administrativa.

             Saliente-se que se trata de regra subsidiária àquelas preceituadas nos artigos anteriores, os quais tipificam os atos de improbidade administrativa, na medida em que todos os atos que importem em enriquecimento ilícito e causem dano ao erário em última análise são atos que contrariam os princípios da Administração Pública, todavia serão punidos nos termos dos arts. 9º e 10 da lei 8.429/92 dada sua especialidade.

             Com isso, pode-se afirmar que se aplica o art. 11 da lei nas situações em que haja desrespeito a qualquer dos princípios da Administração Pública sem que ocorra dano ao erário ou enriquecimento ilícito.

             A doutrina é tranqüila em mencionar a exemplificatividade do rol determinado em lei. Primeiro pelo já estudado termo notadamente, que sugere incontestavelmente a exemplificatividade.

             Como se não bastasse, a exegese dos incisos do art. 11 leva ao entendimento de que se tratam de um resumo de todos os princípios informadores da Administração Pública.

             Ressalte-se que, como já salientado nesse trabalho, não há a menor necessidade de que os princípios de direito se encontrem positivados no ordenamento jurídico, pelo que se faz necessário o entendimento de que deverão ser tutelados pelo art. 11 da lei em comento, todos os atos que atentem contra os chamados princípios constitucionais implícitos da Administração Pública.

             Cabe aqui mencionar a questão da incidência do princípio da legalidade. Em que pese a prescrição do art. 11 da lei de improbidade administrativa, nem sempre, em caso de não observância da legalidade, será ensejador de improbidade administrativa, há a necessidade de que o agente público queira descumprir a lei, em que pese a determinação do art. 3º da LICC..

             Nesse sentido Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, cujo trecho de salutar lição transcrevemos:

             "Generalizar toda conduta ilegal como improbidade administrativa seria ampliar a hipótese prescrita na Carta Magna, o que é vedado pelas regras de interpretação constitucional.

             Ímproba é a conduta que atenta contra a moralidade.

             A própria Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, não conceituou de modo preciso quais atos podem sr qualificados de ímprobos. O diploma somente institui três classes diferentes de improbidade administrativa, sem, contudo, defini-las. O art. 9º cuidou dos atos administrativos que importam enriquecimento ilícito; o art. 10, dos atos que causam prejuízos ao erário: e, por fim, o art. 11, dos atos que atentem contra os princípios da Administração pública.

             Como, estão, deve proceder o aplicador do direito para identificação do ato ímprobo? Nessa situação, deve-se não só verificar se o ato alcançou os resultados indicados na lei (arts. 9º e 10 da lei nº 8.429/92), mas também se o agente deliberadamente pretendeu violar o direito e alcançar resultados proibidos (art. 37, § 4º, da CF; art. 11 da Lei 8.429/92).

             A Constituição Federal (bem como a legislação infraconstitucional) é clara ao exigir como elemento do tipo improbidade administrativa a intenção de praticar uma ilegalidade. Elemento subjetivo é, portanto, requisito inafastável para tipificação da conduta punível.

             Em outras palavras, a vontade específica de violar a lei é requisito fundamental da imposição das pesadas sanções previstas na lei ora comentada.

             E segue o autor:

             "A intenção de fraudar a lei é indispensável. Fosse diferente, o acolhimento de qualquer mandado de segurança impetrado por particular, que pressupõe a ilegalidade do ato atacado, importaria o automático reconhecimento de existência de ato de improbidade, com sujeição da autoridade responsável pelo ato às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

             Um exemplo mais radical: também seria ato de improbidade, na visão estreita contestada, a ato de servidor que, desrespeito normas de trânsito, colidisse com outro veiculo, causando danos ao erário; a simples inobservância das normas de trânsito, aliás, já representaria ilegalidade, e, portanto, ato de improbidade.

             Interpretação dessa ordem levaria a uma conclusão absurda: o administrador público que se utilizasse de sua competência para anular seus próprios atos, se verificado vício de legalidade, estaria também confessando sua conduta como ímproba.

             É claro que não é esse o objetivo perseguido pela lei de improbidade administrativa, nem dos preceitos constitucionais que disciplinam a matéria.

             O que se quer é evitar prática de atos que atendem contra a moralidade administrativa e punir os agentes que a violem.

             Em resumo, a vontade do agente, o fim por ele almejado, é fundamental para a caracterização de ato de improbidade".

             Outra característica dos atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública é a desnecessidade de conseqüência material, vale dizer, dano ou enriquecimento ilícito. Dois são os argumentos nesse sentido.

             O primeiro ponto é a já salientada subsidiariedade do dispositivo que em sendo interpretada a contrario sensu leva à conclusão de que somente se aplica quando não houver enriquecimento ilícito ou dano ao erário.

             Ademais, preceitua o art. 21, I que a aplicação das sanções "independe de dano", o que somente pode ser aplicado ao art. 11, vez que em havendo dano será punido na forma do art. 10.

             Sujeitos dos atos de improbidade administrativa

             Como toda conduta ilícita, a improbidade administrativa gera efeitos para dois pólos, quais sejam, os pólos ativo e passivo da conduta.

             Trata-se do estudo da sujeição do ato ilícito, que no caso em tela se faz estritamente necessário, pois, como se verá, várias peculiaridades gravitam em torno desse cerne.

             Uma exegese equivocada desses dispositivos poderia levar a um fim que não aquele buscado pela mens legis.

             Em um primeiro momento demonstra-se fácil a aferição dos sujeitos ativo e passivo dos atos de improbidade administrativa, como se poderia depreender da simples leitura dos arts. 1º a 3º da lei 8.429/92, todavia tal interpretação gramatical levaria a conclusões que certamente não atingiriam os fins colimados pelo legislador.

             No caso em tela, mister se faz uma interpretação sistêmica do conteúdo normativo, só assim se atingindo o objetivo buscado, como se verá.

             Sujeito passivo

             Estudar a sujeição passiva dos atos de improbidade administrativa importa saber quais os entes ou pessoas jurídicas, sejam de direito público ou privado, passíveis de sofrerem tais atos.

             A importância desse estudo se dá pelo fato de que somente estaremos diante de um ato de improbidade administrativa quando o sujeito passivo se encontrar no rol previsto em lei, é dizer, "a identificação do sujeito passivo deve preceder à própria análise da condição do agente, pois somente serão considerados atos de improbidade, para os fins da Lei n.º 8.429/92" aqueles praticados contra as pessoas nela previstas.

             Tal tarefa, por mais que possa parecer simples, não o é, porquanto a lei abre possibilidades que em uma primeira leitura podem passar despercebidas, de modo a estar sendo lesada a probidade administrativa sem que se tenha a cominação de sanções, ou ainda sem o efetivo processamento dos agentes.

             Administração Pública

             O primeiro sujeito passivo que se pode observar não poderia deixar de ser a Administração Pública, direta ou indireta, como preceitua o art. 1º da Lei em comento.

             Aqui cabe uma observação, no que tange à técnica textual da disposição normativa.

             Diz a lei em seu art. 1º que é agente passivo das condutas de improbidade administrativa "a administração direta, indireta ou fundacional".

             A doutrina já se firmou no sentido de serem as fundações mantidas pelo Poder Público, entidades da Administração Pública indireta, ao lado das autarquias e empresas estatais, tema sobre o qual não cabem mais quaisquer discussões depois do advento da Emenda Constitucional n.º 19/98, que retirou do caput do art. 37 da CF/1988 a expressão fundações.

             Vencida a ressalva, passemos a dissecar a disposição em tela, e, quanto a esta, preceitua a lei serão sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa tanto a administração direta, como a indireta.

             Os conceitos de administração direta e indireta nos são dados pelo próprio ordenamento jurídico, que no art. 4º, do Decreto-Lei 200/67, define administração direta como aquela "que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios".

             Determina o dispositivo que administração indireta é aquela "que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) Fundações Públicas", sendo esta última categoria acrescentada pela Lei n.º 7.596/87.

             De insuficiente abrangência seria a conceituação legal do que seja administração direta e indireta, não fosse o complemento trazido na Lei 8.429/92, que estende este conceito, para o fim de caracterização de sujeição passiva dos atos de improbidade administrativa, a qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios.

             Caso fosse seguida a determinação do Decreto-Lei 200/67 teríamos que somente se enquadraria no conceito de sujeito passivo de ato de improbidade administrativa o Poder Executivo da União.

             Portanto, serão atos de improbidade administrativa quaisquer condutas que se enquadrem nas previstas em lei, sejam essas condutas praticadas em detrimento do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário seja da União dos Estados ou dos Territórios (estes, caso venham a existir), ou dos Poderes Executivo e Legislativo do Distrito Federal e dos Municípios (já que ambos não possuem Poder Judiciário).

             Após a prevenção com relação à Administração Pública em si, a lei protege os recursos oriundos dos cofres públicos transferidos para entidades privadas, quando determina que inclui-se na referida sujeição passiva "empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual".

             A primeira previsão, deriva da natureza jurídica das empresas públicas e sociedades de economia mista, que são submetidas ao regime jurídico de pessoa jurídica de direito privado, ex vi do art. 235 da Lei n.º 6.404/76, que em seu art. 227 prevê a possibilidade de incorporação de sociedades, de sorte a lhe suceder em todos os direitos e obrigações.

             Nesse sentido, todas as condutas previstas pela Lei de Improbidade, praticadas por funcionários da empresa incorporada, serão assim consideradas a partir do momento em que se efetivar a referida incorporação.

             Na mesma esteira encontramos a determinação seguinte que também se refere às sociedades de economia mista, em que o erário público sempre concorre com mais de 50% do patrimônio ou receita anual.

             Disposição que causa divergência é aquela atinente ao parágrafo único do art. 1º, que enquadra como sujeito passivo as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como aquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

             O problema é de ordem gramatical, pois o parágrafo único do art. 1º poderia levar a duas exegeses, a saber.

             A expressão "nesses casos" contida na parte final do texto mencionado pode pretender determinar que a limitação das sanções se aplica somente aos casos elencados depois da expressão "bem como". Por outro lado pode-se entender que a limitação se aplicaria a todo o parágrafo.

             Nesse ponto parece não haver divergência doutrinária, sendo tranqüilo o entendimento segundo o qual a limitação das sanções realmente se aplica às entidades mencionadas no parágrafo inteiro.

             Em que pese a pacificidade doutrinária entendemos necessária uma breve reflexão sobre a norma.

             A expressão "nesses casos" gramaticalmente falando refere-se somente aos casos mencionados em suas proximidades, o que levaria à conclusão de que a limitação das sanções somente se aplicaria às pessoas elencadas após a expressão "bem como".

             Não fosse pela disposição inicial do parágrafo, que muda toda a interpretação do mesmo, pois ao determinar que os atos de improbidade são os praticados contra "o patrimônio" dessas entidades, nos leva a interpretar de modo a estabelecer a limitação a todas as entidades ali referidas.

             Isso se dá pelo fato de a limitação ser justamente referente "à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos".

             Problema que realmente causa divergência doutrinária não é aquele atinente a quais casos de sujeitos passivos se limitam as sanções, mas justamente a limitação das sanções. Qual sua abrangência, o que pretendeu o legislador?

             Vejamos o problema.

             O parágrafo único do art. 1º da lei de improbidade administrativa determina que nos casos ali elencados a sanção se limita à repercussão da conduta sobre o patrimônio público, o que redunda em dois entendimentos.

             Para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

             "Nesses casos, ainda que a conduta se enquadre na tipologia dos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (violação aos princípios administrativos) da Lei n.º 8.429/92, o agente não estará sujeito às penalidades previstas nessa Lei em não tendo sido o ato praticado contra o patrimônio de tais entes; acrescendo-se que, ocorrendo o dano, a sanção patrimonial será limitada ‘à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos’ (art. 1º, parágrafo único in fine), o que acarretará a necessidade de a pessoa jurídica lesada postular, pela via própria, o integral ressarcimento do dano".

             Tais ensinamentos poderiam levar à conclusão de que somente se aplicaria a sanção patrimonial a esses casos, o que certamente não representa a mens legis, na medida em que a lei vincula a limitação da sanção ao ataque sobre o fomento público, em nenhum momento dizendo que não são aplicáveis as outras sanções previstas na lei.

             Observe-se que nesses casos as demais sanções também deverão ser proporcionais à repercussão da conduta sobre a res publica.

             Paritário desse entendimento é o professor Wallace Paiva Martins Júnior:

             "A disposição contida no parágrafo único do art. 1º, in fine, mostra, todavia, que a incidência da legislação comentada é limitada ao percentual da contribuição emanado dos cofres públicos nas entidades privadas ali tratadas. Não se pense, afoitamente, que, havendo improbidade administrativa nessas entidades, a única penalidade cabível, nos termos da lei, será o ressarcimento do dano. Nada autoriza essa conclusão, pois o que a lei explicita é a limitação da sua incidência à proporcionalidade do fomento público investido, sem embargo da incidência das demais sanções".

             Assim temos que em havendo um ato de improbidade administrativa a essas entidades a sanção será proporcional ao dano ocorrido ao patrimônio público sem, contudo, querer dizer-se que não serão aplicadas outras espécies de sanções cabíveis. Sim o serão, mas sempre tendo como elemento de dosimetria o dano causado à res publica.

             Para resumir transcrevemos salutar lição prolatada em acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja concisão, objetividade e abrangência são marcas peculiares de pessoas de tão alta sapiência.

             "Nos termos do art. 1º da Lei Federal n.º 8.429, de 1992, onde houver um único centavo em dinheiro público envolvido, a lei terá incidência, independentemente da entidade exercer atividade de natureza pública ou privada"

             Sujeito ativo

             Vejamos agora quem pratica atos de improbidade administrativa.

             Para efeitos da lei de improbidade administrativa poderão ser sujeitos ativos das condutas nela previstas, qualquer agente público e terceiros que induzam ou concorram aos atos de improbidade administrativa bem como dele se beneficiem. Tais disposições se encontram nos arts. 2º e 3º da lei.

             Agentes públicos

             A lei de improbidade administrativa traz no seu art. 2º o que se considera agente público para seus efeitos, determinando que considera-se agente público, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em qualquer das entidades do art. 1º.

             Sobre esse tema não há que se fazer muitas elucubrações, na medida em que deve-se ser considerado agente público todo aquele que atue no Poder Público.

             Agentes públicos parlamentares e judiciais

             Em relação aos agentes públicos judiciais, bem como aos membros do Ministério Público não há qualquer dúvida que possam ser sujeitos ativos de atos de improbidade administrativa e, com isso, sofrerem as sanções previstas em lei.

             Isto já não ocorre com os agentes políticos, aos quais são conferidas certas prerrogativas, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

             "Quanto aos agentes políticos, cabem algumas ressalvas, por gozarem, algumas categorias, de prerrogativas especiais que protegem o exercício do mandato.

             É o caso, em primeiro lugar, dos Parlamentares que têm asseguradas a inviolabilidade por sua opiniões, palavras e votos e a imunidade parlamentar.

             A inviolabilidade está assegurada no artigo 53 da Constituição, segundo o qual ‘os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos’. A mesma garantia é assegurada aos Deputados estaduais, pelo artigo 24, § 1º, e, ao Vereadores, pelo artigo 29, VIII, este último limitando a inviolabilidade à circunscrição do Município.

             A inviolabilidade, também chamada de imunidade material, impede a responsabilização civil, criminal, administrativa ou política do parlamentar pelos chamados crimes de opinião, de que constituem exemplos os crimes contra a honra. Fala-se em imunidade material, porque, embora ocorra o fato típico descrito na lei penal, a Constituição exclui a ocorrência do crime.

             Assim, se algum parlamentar, de qualquer dos níveis, de governo, praticar, no exercício do mandato, ato que pudesse ser considerado crime de opinião, sua responsabilidade estará afastada, nas áreas criminal, civil e administrativa, não podendo aplicar-se a lei de improbidade administrativa.

             Além disso, os Senadores e Deputados Federais gozam da chamada imunidade parlamentar, que decorre dos §§ 2º e 3º do artigo 53, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001. A mesma prerrogativa é estendida aos Deputados estaduais pelo artigo 27, § 1º, da Constituição Federal, nas apenas em leis orgânicas municipais, o que não é suficiente para impedir a aplicação de normas constitucionais, como as que se referem à improbidade administrativa.

             A imunidade parlamentar, no entanto, somente se refere à responsabilidade criminal. Como a improbidade administrativa não constitui crime, não há impedimento a que a lei seja aplicada aos parlamentares.

             No entanto, não pode ser aplicada a sanção de perda da função pública, que implicaria a perda do mandato, porque essa medida é de competência da Câmara dos Deputados ou do Senado, conforme o caso, tal como previsto no artigo 55 da Constituição. Mas o artigo 15, inciso V, da Constituição inclui ente as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos a ‘improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º’. Assim, nada impede que se imponha a pena de suspensão dos direitos políticos ao Deputado Federal ou ao Senador, em ação civil por improbidade administrativa. Nesse caso, a perda do mandato será ‘declarada pela Mesa da Casa respectiva, de oficio ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa’ (conforme art. 55, § 3º, da Constituição).

             A mesma conclusão aplica-se aos Deputados Estaduais, por força do artigo 27, § 1º, da Constituição. Para os Vereadores não existe norma semelhante na Constituição Federal, podendo aplicar-se inclusive pena de perda da função pública.

             Questão bastante tormentosa é a que diz respeito à possibilidade de propositura de ação de improbidade, com aplicação de todas as penalidades, inclusive a de perda do cargo, para as autoridades referidas no artigo 52, I e II, da Constituição. Esse dispositivo outorga competência privativa ao Senado Federal para: ‘I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União nos crimes de responsabilidade’ (redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 2-9-99).

             Pelo parágrafo único do mesmo dispositivo, ‘nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por 2/3 dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por 8 anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis’.

             Nos crimes comuns, essas autoridades são julgadas pelo STF (art. 102, I).

             O artigo 52 retirou do Poder Judiciário a competência para o julgamento dos crimes de responsabilidade praticados pelas autoridades nele referidas, imprimindo natureza nitidamente política ao julgamento, que poderá resultar em perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. A conclusão mais simples, que decorre de uma interpretação puramente literal, seria no sentido de que o dispositivo somente se refere aos crimes de responsabilidade. Como os tos de improbidade nem sempre correspondem a ilícitos penais, a competência para processar e julgar referidas autoridades por tais atos estaria inteiramente fora do alcance do artigo 52.

             No entanto, partindo da idéia de que os dispositivos da Constituição têm que ser interpretados de forma harmoniosa, sistemática, de modo que não leve a conclusões contraditórias, é necessário deixar de lado a interpretação puramente literal. O legislador constituinte certamente teve por objetivo impedir que os crimes praticados por autoridades de tão alto nível, podendo levar à perda do cargo, fossem julgados por autoridade outra que não o STF (para os crimes comuns) e o Senado Federal (para os crimes de responsabilidade). Não teria sentido que essa mesma pena de perda do cargo, em caso de improbidade que não caracterize crime, pudesse resultar em perda do cargo imposta por outra autoridade de nível inferior. Seria absurdo que o crime de responsabilidade (que constitui ilícito mais grave) tenha competência privilegiada para julgamento e aplicação da pena de perda do cargo, e o ato de improbidade (que pode ser ilícito menos grave, porque nem sempre constitui crime) pudesse resultar também a perda do cargo imposta por outro órgão que não o Senado Federal.

             Isso não significa que as tais autoridades não se aplique a lei de improbidade administrativa. Ela aplica-se de forma limitada, porque não pode resultar em aplicação de pena de perda do cargo. Essa conclusão resulta muito clara do parágrafo único do artigo 52, que limita a competência do Senado à aplicação da pena de perda do cargo com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, ‘sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis’. Vale dizer: sem prejuízo de sanções outras, como as que decorrem da prática de crime comum ou de ilícitos civis, como ocorre com a improbidade administrativa.

             Na prática, o que ocorre é o seguinte: se o ato de improbidade que ensejar a propositura da ação de improbidade corresponder a crime, caberá a instauração concomitante do processo criminal perante o STF ou o Senado Federal, conforme o caso, para a apuração da responsabilidade criminal. Mas a ação de improbidade poderá ser processada com vista em apuração da responsabilidade e aplicação das demais sanções que não implicam a perda do cargo.

             Note-se que, em relação ao Presidente da República, o artigo 85, V, da Constituição, inclui entre os crimes de responsabilidade os que atentem contra a probidade na administração. E a Lei nº 1.079/50, ao definir os crimes de responsabilidade, utiliza conceitos indeterminados para definir tais crimes; para todas as categorias de agentes abrangidos pela lei, constitui crime de responsabilidade ‘proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo’ (arts. 9º, item 7, 39, item 5, 40, item 4).

             A mesma garantia, para a perda do cargo, não é outorgada, pela Constituição Federal, aos Governadores e ao Prefeitos, razão pela qual a eles se aplica, em sua inteireza, a lei de improbidade administrativa. Ainda que a legislação infraconstitucional ou as Constituições Estaduais prevejam competência do Poder Legislativo para julgamento dos crimes de responsabilidade, tais normas não têm o alcance de afastar a incidência do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal".

             Terceiros

             Nos termos do art. 3º da lei de improbidade administrativa aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta estará sujeito às sanções nela previstas no que couber.

             A expressão no que couber refere-se à impossibilidade de aquele que não é agente público sofrer sanção típica desde, a exemplo, a pena de perda da função pública.

             A responsabilidade por atos de improbidade administrativa

             A teoria da responsabilidade objetiva, largamente utilizada pela lei 8.078/90, em que, para a caracterização do dever de indenizar prescinde-se de dolo ou culpa vem tomando corpo nas últimas décadas. Nesse sentido encontra-se positivada pelo Novo CC (Lei n.º 10.406/2002).

             Com isso, surge a indagação: Tal teoria teria aplicabilidade em de tratando de improbidade administrativa?

             A resposta talvez seja o tema mais tormentoso do presente trabalho. Não temos a pretensão de respondê-la, apenas mencionando opiniões a respeito.

             Para Gianpaolo Poggio Smarino "a responsabilidade será sempre subjetiva, dependendo da existência do dolo ou da culpa na ação do agente público".

             No mesmo diapasão Sérgio Sérvulo da Cunha entendendo que se não há culpa do agente público não se pode responsabilizá-lo pelo ato de improbidade administrativa.

             Com outra visão, destacamos Luiz Fabião Guasque, para quem, essa regra não é tão absoluta assim:

             "A inobservância ao dever, se dolosa ou culposa, determinará tipicidade às hipóteses do art. 10 da lei, para o caso de prejuízo ao erário.

             Mas, outras formas de atuar comissivo ou omissivo fundadas em dever jurídico, de responsabilidade objetiva, e estranhas a análise sobre a vontade do agente, estão discriminadas de forma genérica no art. 9º e no caput do art. 11 e seus incisos.

             No art. 9º, VII, a tipicidade engloba todas as outras, pois a lei determina esta responsabilidade objetiva do agente que, no exercício de função pública, adquire bens de valor desproporcional à sua renda.

             Aqui, como nas demais hipóteses, a responsabilidade é análoga e objetiva do Estado de que trata o § 6º do art. 37 da CR onde, existindo nexo entre o dano e a atuação do Poder Público haverá o dever de indenizar.

             No caso do agente público, há uma presunção de responsabilidade se existir nexo de incompatibilidade entre o patrimônio e a renda auferida no exercício do cargo. O dano é presumido com a constatação da variação patrimonial injustificada. Por via de conseqüência, há inversão no ônus da prova, devendo o agente justificar a origem para escapar à sanção do art. 12, I da lei.

             Note-se, que nesta espécie de responsabilidade, não se fala em dolo ou culpa, ou melhor, não há necessidade de aferição de vontade no ato que dá origem à sanção da lei.

             Nos casos de atuação dolosa ou culposa, a responsabilidade da lei terá nexo subjetivo com o ato de vontade causador do dano. Na de que tratam os arts. 9º e 11, e em especial a do n. VII do primeiro, ela decorre da inobservância de um dever jurídico criado pela Constituição, e independe da vontade de qualquer pessoa. Neste caso, ao agente público é conferido o dever de praticar atos em prol do interesse da maioria sem que esta atividade, comissiva ou omissiva, determine a ampliação de seu patrimônio pessoal, além do limite que lhe possibilita a contraprestação de seu trabalho pelos cofres públicos.

             É tipo de responsabilidade, que por sua natureza objetiva, também se assemelha a contratual. Esta, o estabelecimento de direitos e correspondentes obrigações, determina a simples ocorrência do dever de indenizar pelo descumprimento. Não se perquire dolo ou culpa, apenas a não observância do pactuado. Na de que trata a lei de enriquecimento ilícito, apenas se constata objetivamente se ocorreram qualquer das hipóteses dos incisos dos arts. 9º e 11 e no caso do n. VII, se houve variação patrimonial incompatível com os vencimentos. Evidenciada tal situação, o desvio de finalidade no dever de probidade administrativa é presumido e implica na necessidade de comprovação de origem do patrimônio".

             O tema da responsabilidade objetiva ainda tem que ser largamente debatido para que, movido por uma comoção social, não se pratiquem arbitrariedades ou injustiças. Assim também se demonstra a questão da inversão do ônus da prova, a qual, ainda que uma forte arma para a acusação, tem menos força do que a responsabilidade objetiva.

             Os mais serenos rumos deverão ser traçados pela jurisprudência, de quem esperamos a sempre firme posição.

             A par da espécie a ser futuramente adotada pela doutrina e jurisprudência, deve-se observar a real necessidade de procedimentos persecutórios, na medida em que não se pode punir um ato formalmente ímprobo, mas que não o seja de forma material. Explicamos.

             Haverá casos em que deverá ser observado o princípio da proporcionalidade para que não se movimente a maquina administrativa e judicial para punir com todas as severas sanções que a lei 8.429/92 prevê, aquele agente púbico que utilizou-se de uma folha de papel de sua repartição para fazer anotações particulares.

             Nesse sentido Fábio Medina Osório destaca: "A proporcionalidade é de ser aferida a partir da análise global e contextualizada do comportamento, verificando-se, fundamentalmente, o grau de reprovabilidade incidente à conduta proibida".

             A responsabilidade dos sucessores

             Os sucessores dos agentes ímprobos respondem nos termos do art. 8º da lei de improbidade administrativa.

             À redação falta técnica, na medida em que permite dúvida concernente à espécie de sanção aplicável nesses casos.

             Pela dicção do artigo pode-se entender que o sucessor estaria sujeito a todas as sanções cominadas ao agente ímprobo, tendo como medida o valor da herança. Essa não é a interpretação que deve ser dada.

             Trata-se, não de sujeição às cominações, mas sim responsabilidade patrimonial a qual nem precisaria constar da lei de improbidade administrativa, na medida em que decorre da própria lei civil.

             Consoante o art. 1.792 que trata do direito das sucessões, o herdeiro reponde na medida das forças da herança, pelas dividas deixadas pelo de cujus.

             Nesse diapasão, em havendo uma condenação por ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, responderá o herdeiro pela reparação dos danos, na media do que herdou.

             Tal interpretação decorre nada mais do que da própria Constituição, que em seu art. 5º, XLV determina que a pena é pessoal, mas a reparação de eventuais danos pode passar para os sucessores, todavia, somente na medida do que estes herdaram.

             A esse respeito disserta com muita propriedade Emerson Garcia:

             "Para que seja afastada qualquer incompatibilidade com o texto constitucional, ao art. 8º da Lei nº 8.429/92 deve ser dispensada interpretação conforme a Constituição, já que sua interpretação literal culminaria em sujeitar o sucessor do ímprobo a todas as cominações da lei, havendo, como único limite, o valor da herança para aquelas de natureza patrimonial. Evidentemente, aquelas sanções que acarretem restrições aos direitos diretamente relacionados à pessoa do ímprobo não poderão ser transmitidas aos seus herdeiros, o que limita a aplicabilidade do dispositivo àquelas de natureza patrimonial, conclusão esta, aliás, em perfeita harmonia com a sua parte final.

             Com efeito, de acordo com o art. 5º, XLV, da CR/88, "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido". Em que pese não se referir o texto constitucional à multa, tal não tem o condão de excluir sua transmissibilidade aos sucessores quando sua aplicação resultar da prática de um ato de improbidade.

             Se não vejamos: a) a posição topográfica do inciso XLV do art. 5º denota claramente que ele se refere à pena aplicada em virtude da prática de uma infração penal, o que é robustecido pela nomenclatura utilizada (pena e condenado); b) a não-transmissibilidade da multa pena não pode ser utilizada como paradigma, pois as sanções penais, quaisquer que sejam elas, são eminentemente pessoais; c) a multa cominada ao ímprobo tem natureza cível, o que deflui da nomenclatura empregada a da própria natureza jurídica das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92; d) tendo natureza cível e não sendo consectário de uma infração penal, eventual multa aplicada deve ser adimplida com o patrimônio deixado pelo ímprobo, o que revela-se consentâneo com o princípio de que o patrimônio do devedor responde por sua dívidas (art. 1.518 do CC); e) a sanção aplicada não recairá sobre a pessoa do herdeiro, e sim sobre o patrimônio deixado pelo de cujus; f) o art. 8º da Lei nº 8.429/92 é expresso no sentido de que os sucessores do ímprobo estão sujeitos às cominações da Lei até o limite do valor da herança, o que também denota que somente são transmitidas aquelas de natureza patrimonial; g) guarda grande similitude com a espécie o tratamento legal e doutrinário dispensado às penalidades pecuniárias resultantes do descumprimento da legislação tributária, que também têm natureza sancionatória e às quais é reconhecida a natureza de obrigação tributária principal, sendo transmissíveis aos sucessores do de cujus, e h) no âmbito da legislação civil, as cláusulas penais, verdadeiras penalidades aplicadas ao contratante que deixar de cumprir, ou apenas retardar, a obrigação que assumira, são induvidosamente transmissíveis aos seus herdeiros.

             No que concerne às demais sanções cominadas no art. 12 – perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais – que atingem a própria pessoa do ímprobo, não serão elas passíveis de transmissão aos sucessores, o que deflui da própria sistemática legal e constitucional.

             Ante a natureza jurídica das sanções pecuniárias, ainda que o ímprobo tenha falecido, será possível a instauração de relação processual para a perquirição dos ilícitos praticados e eventual aplicação das sanções, sendo o pólo passivo composto pelo espólio ou pelos sucessores do ímprobo.

             Como é facilmente verificado, o que fora exposto, em verdade, se refere aos atos praticados pelo ímprobo com reflexos no patrimônio transmitido aos sucessores. No entanto, em determinadas situações, será possível perquirir a responsabilidade pessoal e direta destes pelos ilícitos praticados, conforme autoriza o art. 3º da Lei nº 8.429/92.

             Tal se verificará sempre que o herdeiro tenha participado da ocultação do numerário obtido ilicitamente; quando o ímprobo, ainda em vida, tenha doado ou simulado a venda dos bens adquiridos com o numerário de procedência ilícita, o que poderá acarretar a anulação do negócio jurídico em virtude da simulação (arts. 102 usque 105 do CC) etc. Nestes casos, a responsabilidade do sucessor se identificará com a de terceiros que tenham concorrido para a prática do ato de improbidade, o que, por evidente, pressupõe que seja devidamente provado o elemento subjetivo do agente".

             Sanções cominadas aos atos de improbidade administrativa

             A principal característica da lei de improbidade administrativa é a previsão de uma série de sanções para as pessoas que cometerem as condutas por ela regulamentadas.

             Para cada espécie de ato de improbidade administrativa haverá um ro, específico de sanções, às quais buscou o legislador prever da maneira mais ampla possível para que se tenha uma efetiva reprovabilidade e eficaz ressarcimento dos danos ao Poder Público. Vejamos agora, cada uma das sanções.

             Natureza jurídica das sanções

             Com relação à natureza jurídica das sanções cominadas pela lei de improbidade administrativa primeiramente se faz mister a ressalva de que sua aplicação não gera bis in idem. Explicamos. Não é porque foi aplicada uma das sanções previstas na lei de improbidade administrativa que não se poderá aplicar sanção respectiva para a conduta na seara penal, civil e administrativa. Nesse sentido é expresso o art. 12 caput da lei de improbidade administrativa, e o entendimento jurisprudencial:

             "VEREADOR – Ação civil ordinária – Improbidade administrativa – Enriquecimento ilícito – Edil processado, pelo mesmo fato, pela Câmara municipal e Pela Justiça comum, na área criminal – Circunstancia que não impede sua condenação na seara cível – Inexistência de bis in idem de sanções, eis que as responsabilidades penal, civil e administrativa são tratadas de forma independente". (grifo nosso)

             Vencida a necessária ressalva, vejamos do que se tratam as sanções da lei em cotejo.

             E quanto a estas não se pode atribuir outra natureza senão cível, senão vejamos.

             Não se trata de sanção penal. Primeiramente pelo fato da exemplificatividade do rol de condutas de improbidade administrativa, em sendo punidas com sanção penal implicaria em afronta ao princípio da estrita reserva legal, garantia constitucional nos termos do art. 5º, XXXIX.

             Ademais, a própria lei prevê que suas sanções aplicam-se sem prejuízo da ação penal cabível.

             Como se não bastasse, a ação de improbidade administrativa é ação civil como se verá e nesse sentido nunca poderia uma ação civil ensejar uma reprimenda penal.

             Nesse sentido Fábio Konder Comparato, para quem:

             "Se, por conseguinte, a própria Constituição distingue e separa a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções por ela expressas, da ação penal cabível, e, obviamente, porque aquela demanda não tem natureza penal".

             Também não se tratam de sanções administrativas, na medida em que devem ser aplicadas ao cabo de um procedimento jurisdicional, não havendo hipótese de aplicação das mesmas – pelo menos com base na lei 8.429/92 – por autoridade administrativa.

             Isso não quer dizer que não se possa instaurar competente procedimento administrativo, o que até é previsto pelo caput do art. 12 da lei 8.429/92.

             Por derradeiro, somente nos resta a conclusão de que se tratam de sanções de natureza civil, na medida em que vencidas as sanções de natureza específica.

             Importantíssima a ressalva feita por Emerson Garcia:

             "A questão ora estudada, longe de apresentar importância meramente acadêmica, possui grande relevo para a fixação do rito a ser seguido e para a identificação do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a lide, já que parcela considerável dos agentes ímprobos goza de foro por prerrogativa de função nas causas de natureza criminal".

             Marino Pazzaglini Filho enumera de outra maneira a natureza jurídica das sanções:

             "As medidas punitivas arroladas na norma citada são de natureza política, político-administrativa, administrativa e civil:

             ___política:

             - suspensão de direitos políticos;

             ___político-administrativa:

             - perda de função pública;

             ___administrativa:

             - proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios;

             ___civil:

             - multa civil;

             - ressarcimento integral do dano;

             - perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio".

             Salutar é o pormenor traçado pelo renomado autor, todavia, em termos mais práticos ficamos com a opinião anterior, colocando todas as espécies de sanções em um gênero cível.

             Nessa esteira é o entendimento de Fábio Medina Osório que no mesmo sentido preleciona:

             "Exige-se, vale repetir, deliberação expressa do legislador na criação de figuras típicas penais. Não foi o que ocorreu com a Lei número 8.429/92, tanto que suas descrições abrangem tanto fatos tipificados com crimes comuns, quanto fatos previstos como crimes de responsabilidade. De um outro, de qualquer modo, o legislador buscou, através da Lei número 8.429/92, extrair conseqüências extra-penais, ou cíveis lato sensu, vale dizer, no âmbito do direito administrativo, dando tratamento autônomo à matéria. Pensar de modo diverso, ou estender caráter criminal às figuras da lei de improbidade, além daquilo que foi deliberado pelo legislador, equivaleria a desrespeitar o princípio da legalidade penal".

             Dosimetria

             Toda sentença sem motivação é nula. Nesse sentido, mister se faz a fundamentação de todas as sanções aplicadas pelo magistrado ao sentenciar no sentido de reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa.

             Assim, para cada uma das espécies de sanção previstas na lei, deverá o Juiz fixar o quantum e fundamentar. Para isso deverá fazer uso das regras contidas no parágrafo único do art. 12 da lei de improbidade administrativa, vale dizer, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial do agente.

             Wallace Paiva Martins Júnior, menciona e concorda com a posição de Cláudio Ari Mello, consistente na "necessidade da inserção do grau de reprovabilidade da conduta ilícita pelo juiz na dosimetria da suspensão dos direitos políticos e da multa civil".

             Cumulatividade

             A sentença que reconhece a prática de um ato de improbidade administrativa deve aplicar todas as sanções que a lei prevê, não havendo que se falar em alternatividade ou exclusividade.

             Nesse sentido entende Wallace Paiva Martins Filho, para quem "as sanções da Lei Federal n. 8.429/92 são cumulativas, não cabendo cogitar de alternatividade, porquanto não se estabeleceu critério propício nesse sentido".

             Para Marino Pazzaglini Filho as sanções também são cumulativas, exceto no caso de atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública, caso em que haverá que se fazer uso do princípio da proporcionalidade para só excepcionalmente aplicar cumulativamente as sanções previstas na lei.

             Fábio Medina Osório também defende a comutatividade das sanções, para ele "a regra, como se sabe, é a imposição cumulativa das sanções, bem como o rigor na proteção da combalida probidade administrativa".

             Pelo sistema da lei, é de se entender pela cumulatividade das sanções, ressaltando-se que, nos casos de atos que atentem contra os princípios da Administração Pública somente se impõe o ressarcimento integral do dano se houver, como determina a lei.

             Espécies de sanções

             A lei de improbidade administrativa foi feliz ao prever várias espécies de sanções de modo a inibir a conduta daqueles que não se importam com o patrimônio do povo.

             As sanções são das mais variadas espécies além de que não prejudicam a aplicação de outras cabíveis, vejamos cada uma dessas espécies.

             Perda de bens e valores

             A perda de bens tem previsão constitucional (art. 5º, XLVI, b), e encontra-se adotada pela lei de improbidade administrativa para todo aquele que acrescer ao seu patrimônio com condutas de improbidade.

             Poder-se-ia alegar que tal regra está contida na hipótese de ressarcimento integral do dano, mas, atentando-se para todas as possibilidades pode-se verificar que assim não o é.

             Suponhamos que um agente condenado por improbidade administrativa seja obrigado ressarcir os danos causados ao Poder Público, mas durante o período compreendido entre a conduta e o momento da restituição ao Poder Público o agente investiu o dinheiro e o multiplicou. Nesse caso, ainda que o Poder Público seja ressarcido dos danos, o agente ímprobo ficaria no lucro, na medida em que ainda sobrou-lhe numerário.

             Com a finalidade de evitar tais conseqüências, que estimulariam a prática dessa abjeta conduta, encontra-se prevista a perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, valores estes que deverão ser destinados à Pessoa Jurídica lesada, nos termos do art. 18 da Lei 8.429/92.

             A sanção de perda de bens e valores pode-se dizer, não se trata exatamente de uma pena, pois nada mais é do que a devolução ao patrimônio do Poder Público, dos bens e valores acrescidos ao patrimônio do ímprobo por suas condutas ilícitas.

             Ressarcimento integral do dano

             No mesmo diapasão da perda de bens e valores, a obrigação de reparar os danos não é, em sua essência uma pena, mas sim recomposição do status quo ante, na medida em que nada mais significa do que a reposição dos prejuízos experimentados pelo Poder Público com a conduta ilícita.

             Podemos dizer que o ressarcimento do dano, em sede patrimonial, complementa a sanção de perda de bens e valores, senão vejamos.

             Foi dito que pode haver hipóteses em que um agente condenado por improbidade administrativa seja obrigado ressarcir os danos causados ao Poder Público, mas durante o período compreendido entre a conduta e o momento da restituição ao Poder Público o agente investiu o dinheiro e o multiplicou, caso em que, ainda que o Poder Público seja ressarcido dos danos, o agente ímprobo ficaria no lucro, na medida em que ainda sobrou-lhe numerário.

             Aqui o exemplo se inverte. Suponhamos que um agente ímprobo seja condenado a perder os bens e valores acrescidos pela conduta ilícita em favor da Pessoa Jurídica lesada.

             Todavia, a lesão do patrimônio público in casu, é maior do que os valore acrescidos ao patrimônio do agente ímprobo, de sorte que a perda desses bens e valores não seria bastante para ressarcir os danos.

             Assim se coloca a obrigação de ressarcimento dos danos. Para as situações em que o agente tenha causado dano patrimonial ao Poder Público, ainda que em nada tenha se beneficiado com a conduta, a exemplo, os atos de improbidade administrativa que importem em inobservância dos princípios norteadores da Administração Pública.

             Dessa maneira pelo menos in thesi, conseguiu a lei de improbidade administrativa resguardar o patrimônio público contra atos de pessoas sem o menor escrúpulo.

             Perda da função pública

             A primeira observação a ser feita acera dessa sanção é sua possibilidade de aplicação somente àqueles que são considerados agentes públicos nos termos do art. 2º da lei 8.429/92.

             E nos referimos dessa maneira pelo fato de que o conceito de agente público trazido pelo indigitado art. 2º é muito mais amplo do que o conceito de função pública.

             Celso Antônio Bandeira de Melo no traz um conceito do que seja função pública:

             "são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição, com a redação dada pelo ‘Emendão’). Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança, que caracteriza seu preenchimento, aos cargos em comissão. Contudo, não se quis prevê-las como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser preenchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos em comissão podem ser prepostas pessoas alheias ao serviço público, ressalvado um percentual deles, reservado aos servidores de carreira, cujo mínimo será fixado em lei".

             Dessa maneira quando se falar em perda da função pública leia-se perda da qualidade de agente público em qualquer das modalidades previstas no art. 2º da lei 8.429/92.

             Vale ressaltar que à perda da função pública não está atrelada a suspensão temporária dos direitos políticos, vale dizer, capacidade eleitoral passiva, consoante ensina Emerson Garcia:

             "É importante frisar que, contrariamente aos que pensam alguns, a perda do mandato ou mesmo o afastamento cautelar do agente político não guarda uma relação de identidade com a suspensão dos direitos políticos. Enquanto os primeiros dissolvem, de forma definitiva ou temporária, o vínculo laborativo existente entre o ímprobo e o Poder Público, não representando qualquer óbice à sua requisição, a suspensão dos direitos políticos, como será oportunamente visto, restringe integralmente, durante certo lapso, a cidadania do ímprobo.

             Ainda que por força de provimento cautelar seja o agente afastado do exercício do mandato, manterá ele seus direitos políticos em sua integralidade, podendo votar e ser votado, estando legitimado a exercer a representatividade popular se eleito for. O afastamento cautelar, além de ser provisório, é restrito ao vínculo laborativo, não importando em qualquer restrição à cidadania do ímprobo, que permanece intacta".

             Em sentido diverso entende Fábio Medina Osório, para quem: "Essa sanção deve ser compreendida em conjunto com a sanção da suspensão dos direitos políticos".

             Outra discussão se apresenta refere-se à possibilidade de aplicação da sanção de perda ou suspensão da função pública ao Presidente da República, uns entendendo que se aplica, outros não, vejamos os argumentos.

             Para Marino Pazzaglini Filho não se aplica:

             "Assinale-se que não são aplicáveis as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos ao Presidente da República que for sujeito passivo de ação civil por improbidade administrativa. Essa conclusão resulta das normas constitucionais que disciplinam a cassação do Presidente da República (arts. 85 e 86).

             Segundo o regramento constitucional, a perda do mandato presidencial (impeachment) só se verifica por crime de responsabilidade definido em lei especial (Lei Federal nº 1.079, de 10-4-1950, que define os delitos de responsabilidade e regula o processo de julgamento respectivo).

             A competência para instaurar o processo é da Câmara dos Deputados e para processá-los e julgá-los é do Senado Federal, cabendo ao Presidente do Supremo Tribunal Federal presidir o julgamento. No caso de condenação (por dois terços dos votos do Senado Federal), a decisão (resolução do Senado Federal) limita-se à perda do cargo (impeachment) com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo de sanção penal por crime comum (art. 2º da lei nº 1.079/50).

             Dessume-se, do exposto, que o Presidente da República poderá responder por ação civil por ato de improbidade administrativa. E, na hipótese de ser condenado, descabe a imposição das sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos, devendo o decreto condenatório limitar-se às demais penas previstas na LIA.

             A mesma conclusão se chega quanto a outras autoridades que o Senado Federal compete privativamente julgar por crime de responsabilidade, ou seja, Vice-presidente da República; Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica quando conexos com os da mesma natureza cometidos pelo Presidente e Vice-presidente da República; Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-geral da República e Advogado-geral da União (arts. 52, I e II, da CF), posto que cabe exclusivamente ao Senado Federal a aplicação a essas autoridades da sanção político-administrativa de perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções jurídicas cabíveis (art. 52, parágrafo único, da CF).

             Descabe, também, em decorrência de ação instaurada contra Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual por improbidade administrativa, a imposição, na sentença que julgar procedente, da medida punitiva de perda do mandato.

             No entanto, não estão essas autoridades imunes à suspensão temporária de seus direitos políticos (arts. 15, V, e 37, § 4º, da CF), o que poderá acarretar a perda do mandato (art. 55, IV, da CF)".

             No mesmo sentido Fábio Medina Osório:

             "Em relação ao Presidente da República, não está ele sujeito à perda da função pública e dos direitos políticos em decorrência de improbidade administrativa, pela via da ação civil pública da Lei número 8.429/92, pois tais sanções estão diretamente conectadas a uma disciplina constitucional própria, (arts. 85 e 86, ambos da Constituição Federal) diante dos crimes de responsabilidade".

             Já para Emerson Garcia é perfeitamente aplicável:

             "A exemplo dos demais agentes públicos, poderá o Presidente da República praticar atos de improbidade e ser por eles responsabilizado. Revela perquirir, no entanto, se estará ele sujeito a todas as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, em especial a perda da função e a suspensão dos direitos políticos.

             Ao dispor sobre a responsabilidade do Presidente da República, estabelece a Constituição que ele pode ser processado pela prática de crimes comuns e de responsabilidade, sendo que, no primeiro caso, não poderá ser processado na vigência do mandato por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86, § 4º). Especificamente em relação aos crimes de responsabilidade, estão eles previstos no art. 85 da Constituição, verbis:

             Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atendem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

             I – a existência da União;

             II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

             III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

             IV – a segurança interna do País;

             V – a probidade na administração;

             VI – a lei orçamentária;

             VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais;

             Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

             Trata-se de rol exemplificativo que pode ser ampliado pela legislação infraconstitucional, desde que sejam previstas figuras típicas que importem em violação aos ditames da Constituição da República.

             O dispositivo constitucional é integrado pela Lei nº 1.079/50, diploma preexistente à Constituição de 1988 e que foi por ela parcialmente recepcionado. Encontram-se ali tipificados os crimes de responsabilidade e o procedimento a ser seguido, sendo cogente a observância do estatuído no art. 86 da Constituição, o qual estabelece que a acusação deve ser admitida pela Câmara dos Deputados e o julgamento realizado perante o STF, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

             De acordo com o art. 52, parágrafo único, da Constituição, em caso de condenação pela prática de crime de responsabilidade, se limitará ela à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções jurídicas cabíveis.

             A interpretação do texto constitucional demonstra que qualquer atentado à probidade administrativa (art. 85, V), por parte do Presidente da República, desde que a conduta esteja tipificada na Lei nº 1.079/50, configura crime de responsabilidade, sujeitando-se às duas sanções referidas e às demais penalidades jurídicas. Com base nestes argumentos, há quem defenda a tese de que o Presidente da República não poderá ter seu mandato eletivo cassado ou seus direitos políticos decretados por força de decisão do juízo monocrático.

             Não obstante a linha de coerência de tese exposta, entendemos que o seu acolhimento acarretará a equiparação de institutos diversos, com distintos efeitos jurídicos e cuja aplicação, afora ser da alçada de órgãos que não guardam qualquer similitude entre si, pressupõe julgamentos que possuem natureza jurídica igualmente dissonante.

             Com efeito, os crimes de responsabilidade não podem ser confundidos com os atos de improbidade disciplinados pela Lei nº 8.429/92. Ainda que idêntico seja o fato, distintas serão as conseqüências que dele advirão, o que é próprio do sistema da independência entre as instancias adotado no direito positivo pátrio. Em razão disto, torna-se possível que o Presidente da República seja responsabilizado pela prática do crime de responsabilidade (para alguns, crime comum, para outros infração política ou político-administrativa) e, simultaneamente, pelo ato de improbidade tipificado e sancionado pela Lei nº 8.429/92.

             Acresça-se, ainda, que os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República serão objeto de um julgamento político, enquanto que os atos de improbidade, de natureza eminentemente cível, importarão na aplicação de sanções de igual natureza por um órgão jurisdicional, in casu, o juízo monocrático.

             Pelos motivos expostos e por inexistirem normas constitucionais que vedem a decretação de perda do mandato do Presidente da República por órgãos outros que não o Senado Federal, bem como por não haver prerrogativa de foro para o julgamento dos atos de improbidade, essa nos parece ser a solução mais correta.

             Assim sendo, nas hipóteses previstas na Lei nº 8.429/92, cumpre distinguir o seguinte: a) em se tratando de ato de improbidade igualmente previsto na Lei nº 1.079/50, as sanções de perda da função e inabilitação poderão ser aplicadas pelo Senado Federal, enquanto que o rol do art. 12 da Lei de Improbidade poderá sê-lo pelo juízo cível, independentemente da decisão proferida no julgamento político; b) sendo praticados atos de improbidade que não sejam considerados crimes de responsabilidade pela Lei nº 1.079/50, o Presidente da República somente estará sujeito às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

             Do mesmo modo, ante a ausência de preceito constitucional expresso em sentido contrário, o Vice-Presidente da República poderá sofrer todas as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. Em relação ao Chefes dos Executivos Estaduais e Municipais, além de estarem sujeitos à Lei de Improbidade em sua totalidade, não poderá o princípio da simetria sequer ser aventado pela legislação infraconstitucional para lhes assegurar prerrogativas outorgadas ao Presidente da República pela Constituição.

             E ainda, não poderia a Constituição Estadual restringir a eficácia da Lei nº 8.429/92, sob pena de usurpar competência privativa da União. Em razão disto, o Governador poderá ter seu mandato cassado sempre que incorrer em crime de responsabilidade (art. 74 da Lei nº 1.070/50) ou praticar atos de improbidade (art. 12 da Lei nº 8.429/92), aplicando-se o mesmo entendimento em relação ao Prefeito Municipal e aos respectivos vices".

             No mesmo sentido Wallace Paiva Martins Júnior:

             "Ainda sobre o tema, devota parcela da doutrina a tese da impossibilidade de sua aplicação ao Presidente da República, argumentando que essa sanção é de natureza político-administrativa. A exceção obrada, entretanto, não tem sustentáculo, pois a Constituição Federal não atribui exclusividade ou privatividade a instância político-administrativa, nem excepciona aquele das sanções da improbidade administrativa".

             Mais uma vez há que se ter em mente em que pese as prerrogativas constitucionais, mister se faz a persecução de todos os agentes ímprobos, para que a lei não seja esvaziada em seu conteúdo, até porque decorre de expressa determinação constitucional (art. 37, § 4º).

             Aqui deixamos ao subjetivo de cada um lembrando uma frase dita pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso de posse perante o Congresso Nacional no dia primeiro de janeiro de 2002: "Vou ser o funcionário público número um desse país".

             Suspensão dos direitos políticos

             A sanção de suspensão dos direitos políticos implica o cancelamento da inscrição eleitoral do condenado.

             Não há que serem confundidas as hipóteses de inelegibilidade com a suspensão dos direitos políticos, esta, sem sombra de dúvidas mais ampla do que aquela.

             A suspensão dos direitos políticos importa na incapacidade eleitoral passiva (ser votado), e ativa (votar). Ocorre, todavia, que, mais que a impossibilidade de votar, a perda da capacidade eleitoral importa em várias restrições, como menciona Emerson Garcia:

             "A capacidade eleitoral ativa é, a um só tempo, requisito básico de elegibilidade, (art. 14, § 3º, II da CR/88); condição para o legítimo exercício da ação popular (art. 5º, LXIII, da CR/88); requisito para a subscrição dos projetos de iniciativa popular (art. 61, § 2º, da CR/88); e para a filiação partidária (art. 16 da Lei 9.096/95)".

             Tudo isto, sem levar em consideração que quase em sua totalidade os editais de concursos públicos exigem que o candidato esteja em regularidade com a Justiça Eleitoral. Por derradeiro ressalte-se que não há a necessidade de procedimento jurisdicional perante a justiça eleitoral, como ocorre em alguns casos v. g. art. 14, § 9º art. 15, V da Constituição Federal c/c art. 1º, I "g", da LC 64/90.

             Pagamento de multa civil

             Além de todas as sanções previstas pela lei 8.429/92, há a possibilidade de que seja imposta ao autor de improbidade administrativa uma multa civil por seus atos.

             Não há que se confundir com as outras espécies de sanção de natureza patrimonial. A multa não tem caráter indenizatório para a Administração Pública, mas sim cunho moral, significando mais uma forma de rechaço à torpeza do ímprobo.

             Para Wallace Paiva Martins Júnior "a multa civil representa uma sanção pecuniária contra o dano moral experimentado pela Administração Pública".

             No mesmo sentido Antonio José de Mattos Neto, para quem "é intuitivo dizer que a recomposição do ilícito deve ser feita por dano patrimonial e extrapatrimonial. A indenização ao Poder Público imbrica reparação civil de dano material e/ou moral".

             No mesmo sentido entende Marino Pazzaglini Filho, para quem "a multa civil não tem natureza indenizatória, mas simplesmente punitiva".

             Ao fato de não ter caráter indenizatório não quer dizer que o quantum não tenha correlação com a conduta perpetrada, como ensina Fábio Medina Osório:

             "O valor da multa deve levar em linha de conta, sempre, a natureza e a gravidade do fato. Não se trata, simplesmente, de equiparar e identificar a multa ao valor do eventual prejuízo ao erário. A gravidade do fato até envolve a análise do montante de prejuízos causados ao erário, mas não se esgota aí sua avaliação. Importante é perceber a conduta do agente como um todo e, inclusive, quais os reflexos de seu comportamento na sociedade.

             Nesse passo, vários e múltiplos fatores podem – e devem – ser considerados quando da fixação da multa civil, v.g., a natureza do cargo e as responsabilidades do agente, o grau de lesividade de sua conduta, a repercussão social do fato, o elemento subjetivo, o modo de atuação, as circunstâncias, e outros elementos informativo disponíveis.

             A capacidade econômico-financeira do agente é fator de grande relevância na fixação da multa. Não pode, todavia, ser analisado isoladamente".

             De qualquer forma, moral ou material, mister se faz a imposição da multa civil, como forma de inibir essa conduta que apodrece o sistema. Nesse sentido é de ser entendida como obrigatória a cominação da sanção por parte do magistrado prolator da sentença que reconhece um ato de improbidade administrativa.

             Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios

             Aquele que é autor de ato de improbidade administrativa também não poderá celebrar contrato com o Poder Público nem receber incentivos fiscais ou creditícios. Nada mais óbvio, na medida em que aquele que lesou o patrimônio público não pode ter oportunidade de fazê-lo novamente.

             Ademais, aqueles que contratam com o Poder Público o fazem visando lucros. Nesse sentido, imoral seria que aquele que lesou o patrimônio público venha a auferir lucros de contrato celebrado com este.

             Ressalte-se que a proibição não tem eficácia somente entre o sujeito ativo e passivo da conduta de improbidade administrativa. O autor ficará impedido de contratar com qualquer dos entes da Federação, seja da administração direta ou indireta. Em relação ao agente ímprobo, ainda que por interposta pessoa, seja física ou jurídica, não poderá celebrar contratos.

             Marino Pazzaglini Filho nos traz um bom exemplo do que seriam esses benefícios fiscais e creditícios mencionados em lei, verbis.

             "A proibição de auferir benefícios ou incentivos de natureza fiscal ou creditícia abrange, v. g., dispensa ou limitação de pagamento de obrigação tributária (isenção de caráter restrito); perdão de sanção tributária (anistia) ou de débito tributário (remissão); subvenções (sociais e econômicas); e subsídios (auxílios financeiros) de entidades públicas. Essa vedação não atinge não só o agente público condenado por ato ímprobo, mas também a pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário".

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Sobre o autor
Antonio Roberto Sanches Junior

Advogado, pós-graduando em Direito Civil pela Universidade Paulista (MBA) professor universitário e de cursos preparatórios para concurso público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES JUNIOR, Antonio Roberto. O Ministério Público e a tutela da probidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 361, 3 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5390. Acesso em: 29 mar. 2024.

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