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Uma análise quanto ao possível fim do jus postulandi na Justiça do Trabalho

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04/12/2016 às 14:37
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Alguns tribunais regionais do trabalho já extinguiram o jus postulandi antes mesmo de qualquer lei, o que se deu após verificaram o prejuízo a que muitos jurisdicionados se submetem por desconhecimento da norma.

RESUMO: O Jus postulandi é a faculdade que a parte tem de solicitar a prestação jurisdicional sem necessidade da presença de um advogado. Por força do artigo 791, da Consolidação das Leis do Trabalho [1], foi introduzido no Direito do Trabalho o referido instituto. A adoção do jus postulandi na Justiça do Trabalho se deu por este utilizar como princípios a oralidade, celeridade e informalidade. Por esta razão, visando dar mais rapidez aos processos, a Justiça do Trabalho trouxe um modelo inovador, onde a parte pode requerer o que entender como seu direito sem que para isso tenha que se desprender de valores para buscar um advogado. Mas esta praticidade é vantajosa à parte? Como seria na prática uma parte sem advogado e outra com este instrumento? O tema a ser abordado neste trabalho é o fim do jus postulandi perante a justiça trabalhista, matéria que está atualmente em tramitação perante o Senado Federal pelo projeto de lei 33/2013 [2]. O projeto, já aprovado na Câmara dos Deputados, está sendo acompanhado de perto pela Ordem dos Advogados do Brasil[3] que defende o fim do jus postulandi como forma de garantir às partes processuais igualdade frente à justiça. Assim, este trabalho visa, então, apresentar ao leitor esclarecimentos acerca de referido projeto de lei, posições contrárias e/ou favoráveis à sua homologação e qual será o eventual impacto na sociedade brasileira contemporânea com o seu fim. A motivação da escolha desse tema é justificada por se tratar de uma novidade, que poderá mudar a Justiça do Trabalho consideravelmente. Tem-se por objetivo então, no presente trabalho, esclarecer sobre o uso do jus postulandi na Justiça do Trabalho brasileira e qual a sua efetividade.

Palavras-chave: Justiça Trabalhista; Jus postulandi; Efetividade; Análise.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO..2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA..3. OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO DO TRABALHO. 3.1. Princípio da Proteção processual. 3.2. Princípio da oralidade. 3.3. Princípio da finalidade social do processo..3.4.Princípio da Busca da Verdade Real. 3.5.Princípio da indisponibilidade. 4. MODALIDADES DE ATUAÇÃO JUDICIAL. 4.1. Representação Judicial. 4.2.Substituição Processual .4.3.Jus Postulandi. 6.A EFETIVIDADE DA UTILIZAÇÃO DO JUS POSTULANDI. 6.1.Os benefícios do Jus Postulandi na Justiça do Trabalho. 6.2. As desvantagens do Jus Postulandi na Justiça do Trabalho..6.3. O Processo Eletrônico e o Jus Postulandi. 7. PROJETO DE LEI 33/2013. 8. CONCLUSÃO.


1.      INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto o jus postulandi das partes na seara trabalhista. Para tanto é necessária análise minuciosa do artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, senão vejamos:

Art. 791 Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.

§ 1º - Nos dissídios individuais os empregados e empregadores poderão fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 2º - Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência por advogado.

§ 3o - A constituição de procurador com poderes para o foro em geral poderá ser efetivada, mediante simples registro em ata de audiência, a requerimento verbal do advogado interessado, com anuência da parte representada. (BRASIL, 1998).

Em que pese o texto normativo do citado artigo, de alguma forma colide com o artigo 133 da Constituição da República Federativa do Brasil[4], que assegura que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, os limites da lei”.

Pode-se auferir dos citados artigos que a regra do texto constitucional é a de que as partes não podem requerer pessoalmente seus direitos. Porém pelo texto celetista a parte está autorizada a agir pessoalmente. Para Carrion[5] esta é uma armadilha que a lei prepara, posto que ou não é necessitado e poderia pagar, ou, caso seja, a parte teria direito a assistência judiciária gratuita.

O Estatuto da Advocacia buscou tornar privativa de advogados a postulação perante qualquer órgão do poder judiciário, inclusive os juizados especiais[6], porém o Supremo Tribunal Federal suspendeu essa norma e retirou a exigência de advogado em litígios de pequenas causas, família e varas do trabalho.

O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, com a edição da Súmula 425[7] é de que o jus postulandi se limita às varas do trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando o instituto a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.

Porém, como verificar-se-á mais adiante, alguns tribunais regionais do país estão abolindo por decisões próprias o jus postulandi, buscando convênios com instituições de educação superior, com finalidade de não causar prejuízo a parte, além de lhe oferecer um acompanhamento de qualidade em suas ações.

O presente trabalho pretende esclarecer quais são essas inovações a respeito do ajuizamento da ação trabalhista, e qual o reflexo disso no âmbito justrabalhista do país.


2.      EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses, teria nascido no terceiro milênio antes de Cristo, na Suméria. Segundo um fragmento do Código de Manu, sábios em leis poderiam ministrar argumentos e fundamentos para quem necessitasse defender-se perante autoridades e tribunais[8].

Na Grécia Antiga, no império do legislador Solon, a profissão do advogado já se avantaja às outras pela sua independência. Na Roma antiga os advogados eram os que proviam os mais nobres empregos do Império. Em Athenas eles dispunham de negócios públicos, e não se executavam senão o que a eles parecia justo. Na França tiveram voto deliberativo no Parlamento sobre os novos regulamentos que se formavam, e a glória da origem das mais ilustres famílias togadas deriva da Ordem dos Advogados[9].

No Brasil contemporâneo a necessidade do advogado está consagrada na Constituição da República de 1988, no artigo 133, assim definido: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei[10]”.

No âmbito do ordenamento justrabalhista a desnecessidade do jus postulandi gerou inúmeros posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o instituto, o que acarretou em efeitos na conjuntura atual da esfera trabalhista.


3.      OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO DO TRABALHO

Como bem assevera o Professor Carlos Henrique Bezerra Leite[11] não há uniformidade entre os teóricos a respeito da existência de princípios peculiares do direito do trabalho, tendo em vista que alguns entendem que são os mesmos do direito processual civil. Segundo o nobre autor referido, que segue a corrente que sustenta que existem princípios próprios do direito do trabalho, são princípios do direito laboral:

3.1.  Princípio da Proteção processual

Diferentemente do direito comum, em que as partes apresentam-se em igualdade de condições, no Direito do Trabalho a desigualdade existente entre as partes é compensada pelo princípio protetor ao trabalhador, por meio do qual se restabelece a verdadeira igualdade substancial. Segundo explana Arantes e Lemos[12] este princípio se manifesta por meio de condições exclusivas admitidas ao reclamante, como a isenção de custas e despesas processuais, a assistência judiciária gratuita, os efeitos da ausência do autor à audiência, que para o empregado implica arquivamento da reclamação trabalhista e para o empregador revel implica confissão ficta quanto às matérias de fato, no impulso processual de ofício, na obrigatoriedade de depósito recursal e a inversão do ônus da prova entre outras.

Com efeito, conforme explica Leite a própria ideia de justiça deixa a idéia que o tratamento deverá ser desigual:

Justo é tratar desigualmente os desiguais, na mesma proporção em que se desigualam, e o favorecimento é qualidade da lei, e não defeito do juiz, que deve aplica-la com objetividade, sem permitir que suas tendências pessoais influenciem seu comportamento. [13]

Por esta razão este princípio é de aplicação prioritária no direito trabalhista, pois é nele em que a isonomia deve ser aplicada como forma de garantir a igualdade processual.

3.2.  Princípio da oralidade

Conforme dispõe Leite[14] o princípio da oralidade não encontra guarita em nenhuma norma expressa do Código de Processo Civil ou da Consolidação das Leis Trabalhistas. Contudo ele possui solo fértil para sua aplicação, a começar pela previsão do artigo 840 §2º da Consolidação das Leis Trabalhistas[15] que assim diz:

Art. 840. A reclamação poderá ser escrita ou verbal:

(...)

§2º Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em duas vias datadas e assinaladas pelo escrivão ou chefes de secretaria (...).

Também se manifesta o princípio da oralidade quando em audiência, há oportunidade em que as partes se dirigem direta e oralmente ao magistrado, propiciando diversos debates orais (requerimentos, contraditas, protestos, razões finais, etc.), e ainda quando o magistrado resolve as questões surgidas em audiência, mediante registro em ata.

O doutor e Juiz do Trabalho Araújo sintetiza as características do princípio da oralidade:

Para resumir as principais características do princípio da oralidade, pode-se afirmar que sua principal virtude é a simplificação racional do processo. O encadeamento dos atos processuais é destinado a um fim que visa à aplicação da norma material ao caso concreto (instrumentalidade), com o menor custo social de tempo ou de recursos materiais. A concentração dos atos processuais em uma ou em poucas audiências evita a dispersão do tempo e providências inúteis ou irrelevantes. Além disso, a concentração traz o processo para o seu devido rumo, ou seja, para aquilo que realmente interessa, sem perder tempo com o desnecessário ou irrelevante. [16]

Verifica-se desta maneira que o princípio da oralidade tem a finalidade de tornar os atos processuais mais concisos, contribuindo para a celeridade do processo trabalhista.

3.3.  Princípio da finalidade social do processo

Segundo Júnior[17] o primeiro e mais importante princípio trabalhista, que o distingue dos princípios do direito processual civil, é o da finalidade social, de cuja observância decorre uma quebra do princípio da isonomia entre as partes.

A distinção entre o princípio da proteção processual e o princípio da finalidade social do processo é que, no primeiro, a lei confere a desigualdade no processo e no segundo, permite-se que o juiz tenha uma atuação mais ativa, auxiliando o trabalhador em busca de uma solução justa, até a prolatação da sentença.

O doutrinador Leite faz a diferenciação entre o princípio da finalidade social e o da proteção:

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A diferença básica entre o princípio da proteção e o princípio da finalidade social é que, no primeiro, a própria lei confere a desigualdade no plano processual; no segundo, permite-se que o juiz tenha uma atuação mais ativa, na medida em que auxilia o trabalhador, em busca de uma solução justa, até chegar o momento de proferir a sentença. [18]

3.4.  Princípio da Busca da Verdade Real

Princípio derivado do princípio da primazia da realidade. Definido no artigo 765 da Consolidação das Leis Trabalhistas que assim dispõe:

Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. [19]

Na busca pela verdade real o magistrado pode utilizar-se de todos os meios de prova, sempre visando alcançar a realidade, que deve se sobrepor a forma, conforme dispõe o princípio da primazia da realidade.

3.5.  Princípio da indisponibilidade

Leite[20] afirma que justifica-se a peculiaridade do princípio nos domínios do processo do trabalho, pela considerável gama de normas de ordem pública do direito material do trabalho, o que implica a existência de um interesse social que transcende a vontade dos sujeitos do processo no seu cumprimento e influencia a própria gênese da prestação jurisdicional.

Em síntese, pode-se entender que o processo do trabalho possui a função de busca efetiva do cumprimento dos direitos sociais indisponíveis dos trabalhadores.

3.6.Princípio da Conciliação

A busca pela conciliação das partes já era fundamentada desde as constituições brasileiras de 1946 (art. 123), de 1967 (art. 134), de 1969 (art. 142) e se manteve em nossa atual constituição de 1988 em seu art. 114.

No processo do trabalho, o juiz deve buscar antes de tudo, a conciliação das partes em cumprimento ao art. 764 §1º da CLT, fazendo uma tentativa de conciliação antes da abertura da audiência, bem como aos artigos 846 e 850 do mesmo dispositivo legal renovando a tentativa conciliatória ao final da instrução.

Neste sentido, segundo Leite[21], embora o princípio da conciliação não seja exclusividade do processo laboral, parece-nos que é aqui que ele se mostra mais evidente, tendo inclusive, um iter procedimentalis peculiar.

Independentemente de tais propostas de conciliação, as partes podem celebrar acordo em qualquer fase do processo, acordo este, que, segundo prevê o art. 831, parágrafo único da CLT, valerá como decisão irrecorrível, salvo para a previdência social quanto as contribuições que lhe forem devidas.

 A este respeito, nos ensina o ilustre professor e Juiz do trabalho, Dr. Cleber Lúcio de Almeida que “A relevância atribuída à conciliação permite afirmar que ela constitui diretriz fundamental do direito processual do trabalho, que, ao prestigiá-la, estabelece uma verdadeira justiça conciliativa.”[22]

3.7.Princípio da Normatização Coletiva

De acordo com o entendimento de Leite[23] a justiça do trabalho brasileira é a única que pode exercer o poder normativo, que consiste no poder de criar normas e condições gerais e abstratas (atividade típica do poder legislativo), proferindo sentença normativa (rectius, acórdão normativo) com eficácia ultra partes, cujos efeitos irradiarão para os contratos individuais dos trabalhadores integrantes da categoria profissional representada pelo sindicato que ajuizou o dissídio coletivo.

Tal função especial atribuída aos tribunais trabalhistas é amparada por previsão no art. 114 § 2º da Constituição Federal, vejamos:

Art. 114

[...]

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

O dispositivo concede poder normativo à Justiça do Trabalho, desde que os entes sindicais concordem com o ajuizamento do dissídio, respeitadas as condições mínimas legais de proteção ao trabalho.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Samuel. Uma análise quanto ao possível fim do jus postulandi na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4904, 4 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54249. Acesso em: 28 mar. 2024.

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