Capa da publicação Por que a fórmula da Coca-Cola não é patenteada?
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Os trade secrets, as patentes e a fórmula da Coca-Cola

22/03/2017 às 10:40
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Este artigo aborda os desdobramentos jurídicos decorrentes dos institutos da patente de invenção e dos "trades secrets" (ou segredos de negócio), sob a perspectiva do "case" da Coca-Cola e a sua famosa fórmula secreta.

 

Muitos provavelmente já ouviram falar da famosa fórmula secreta da Coca-Cola. A bebida, originalmente produzida como um remédio pelo farmacêutico John Pemberton, no fim do século XIX, tornou-se, em poucos anos, um dos produtos mais consumidos no mundo. A empresa mantém intacto, até hoje, o famigerado segredo comercial que tanto intriga os fregueses e os concorrentes.

O que a maioria não sabe, porém, é que a fórmula jamais foi patenteada. A empresa, por livre arbítrio, optou por não exercer o direito de patente à sua invenção mais valiosa. O que parecia, e de fato é, uma opção bastante arriscada, acabou por se tornar a principal chave do sucesso, uma vez que o segredo em tempo algum veio a ser de conhecimento público.

Entende-se por patente, no Brasil, a concessão deferida pelo Estado, por meio da carta de patente cedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), a qual outorga ao particular o direito de exploração econômica exclusiva, por tempo determinado, sobre a sua invenção ou modelo de utilidade. Dessa forma, o objeto da patente será de monopólio do seu criador, conferindo, assim, a segurança de que a sua invenção (no caso da Coca-Cola) não será usufruída por terceiros.

A patente, entretanto, conforme supramencionado, possui um prazo determinado; no caso da invenção, a validade é de 20 anos, contados a partir da data do depósito do pedido no INPI. Findo esse prazo, a invenção cairá em domínio público: qualquer terceiro, concorrente ou não, poderá dispor livremente acerca do seu uso/exploração. Caso a Coca-Cola optasse, lá atrás, pelo patenteamento de sua fórmula, essa certamente já estaria em domínio público há alguns anos.

Talvez tenha sido esse o principal motivo pela escolha do não patenteamento da invenção. Não obstante a inegável segurança conferida ao inventor, essa certeza da não exploração por terceiros não autorizados é limitada à validade de 20 anos. Além disso, com a eventual publicação da patente, tornar-se-ia público também o invento tutelado, esse que, ainda que munido de proteção jurídica, passaria a ser acessível a todos.

Essa opção não atende, de forma alguma, as aspirações pretendidas pela Coca-Cola. Muito pelo contrário. Há, nesse caso, o desejo da empresa em manter o segredo de negócio em sigilo absoluto, de maneira que a fórmula jamais caísse em uso comum, sobretudo nas mãos da concorrência. De nada adiantaria, pois, o seu patenteamento.

À vista disso, surge a seguinte indagação: considerando que a empresa abra mão do seu direito de patente, de que forma, então, estaria protegida a sua invenção?

É exatamente nesse contexto que se manifesta a figura do trade secret, ou segredo de negócio, que, apesar de não haver legislação específica no Brasil a seu respeito, atrai grande atenção doutrinária quando se discute Propriedade Intelectual.

O trade secret é todo aquele conhecimento técnico/tecnológico adquirido internamente por uma empresa no exercício de suas atividades, capaz de concedê-la uma vantagem econômica expressiva em relação ao mercado. Ao contrário da patente, não há, aqui, um prazo de validade previamente delimitado.

O segredo de negócio, ademais, exige que tal conhecimento desenvolvido seja confidencial, ou seja, que não tenha informação técnica evidente ou esteja em domínio público. Outrossim, a empresa tem de dispender esforços consideráveis para manter esse segredo em absoluto sigilo.

O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), por oportuno, tratou de estabelecer proteção expressa ao direito de confidencialidade de informação:

Art. 39 “Pessoas físicas e jurídicas terão a possibilidade de evitar que informação legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento, de maneira contrária a práticas comerciais honestas, desde que tal informação:

a) seja secreta, no sentido de que não seja conhecida em geral nem facilmente acessível a pessoas de círculos que normalmente lidam com o tipo de informação em questão, seja como um todo, seja na configuração e montagem específicas de seus componentes;

b) tenha valor comercial por ser secreta; e

c) tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta”[1]

Assim sendo, a postura adotada pela Coca-Cola é completamente condizente com os requisitos prescritos. A exigência da confecção de cláusula de confidencialidade nos contratos de trabalho que regem a empresa, bem como o copioso sigilo ao qual é mantido o seu segredo, são alguns exemplos da perícia empregada pela instituição.

De todo modo, no que tange a proteção às invenções, as empresas possuem, hoje, basicamente, duas alternativas: pleitear a sua proteção jurídica por meio da carta de patente, ensejando a propriedade exclusiva cedida pelo Estado por um período determinado; ou, acautelar-se sob a égide do instituto do trade secret, sem qualquer determinação de tempo de validade. 

No caso específico da Coca-Cola, essa decisão foi bastante acertada, afinal, a fórmula nunca fora descoberta. Porém, nem sempre é o que acontece. Aliás, analisando-a como exceção, essa não me parece a escolha mais aconselhável a ser feita. Vamos aos motivos:

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Em primeiro lugar, a tecnologia e o aparato de pesquisa que atualmente dispõem as empresas são extremamente amplos, sendo muito difícil uma inovação permanecer insuperável e intacta durante anos. A chamada “engenharia reversa” praticada pelas empresas concorrentes configuram um real perigo à mantença dos segredos de negócio.

Daí surge também o segundo motivo: muito embora seja possível a existência do segredo por tempo indeterminado, dando margem a um viável e extenso intervalo temporal, como vemos no caso da Coca-Cola, o trade secret não garante total proteção ao invento. Na ocasião em que uma empresa, por esforços próprios, desvendar licitamente o segredo não patenteado, esse será, a partir disso, de domínio público.

Outro aspecto importante a ser observado baseia-se no fato de que, apesar da legislação pátria tipificar como crime de concorrência desleal o uso desautorizado, a exploração e divulgação dos trade secrets, consoante dispõem os incisos XI e XII do artigo 195 da Lei de Proteção Industrial (LPI), a empresa, tendo seu segredo divulgado por violação do sigilo dos contratos com terceiros, poderá pleitear indenização patrimonial e ajuizar ação criminal em face do violador, mas não evitará, contudo, a exploração pública de sua invenção.

Por último, a ausência de uma conceituação e legislação expressa acerca desse instituto acaba por impulsioná-lo na contramão do desenvolvimento econômico no Brasil, haja vista a grande preocupação das empresas em verem as suas invenções protegidas juridicamente.

Tendo isso em vista, considerando a inegável importância dada a um eficiente sistema de proteção à propriedade intelectual no Brasil e no mundo, bem como a análise dos prós e contras atinentes ao instituto dos trades secrets, conclui-se, que, economicamente, as empresas, ao optarem pelas patentes como meios de proteção intelectual, tendem, hoje, a obter um resultado mais proveitoso, mesmo que o sucesso estrondoso da Coca-Cola nos induza a pensar o contrário.

 

 


Nota

[1] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), DECRETO n 1.355 de 30 de dezembro de 1994, disponível em < http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/27-trips-portugues1.pdf >

 

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Sobre o autor
Rafael Avellar Centoducatte

Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito de Vitória -ES (FDV). Aluno da Pós Graduação em Direito Empresarial na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CENTODUCATTE, Rafael Avellar. Os trade secrets, as patentes e a fórmula da Coca-Cola. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5012, 22 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56606. Acesso em: 29 mar. 2024.

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