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O combate internacional à corrupção como política externa desenvolvimentista

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19/07/2017 às 16:15
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O artigo visa analisar a coordenação da atuação dos países no combate à corrupção como defesa de uma política externa desenvolvimentista.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. Convenção de Mérida; 2. Convenção Interamericana contra a Corrupção; 3. Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais; 4. A Política Externa de Combate à Corrupção como Mecanismo de Desenvolvimento Econômico; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

Resumo: O artigo visa analisar a coordenação da atuação dos países no combate à corrupção como defesa de uma política externa desenvolvimentista. Isso porque a corrupção ocasiona instabilidade econômica, na medida em que altera sub-repticiamente as condições perfeitas de concorrência, com impacto no sistema financeiro internacional. Ao lado disso, a corrupção também promove o desvio de ativos públicos com o consecutivo impacto negativo na implementação dos direitos sociais, já que ocorre um esgotamento financeiro do Estado. A partir dessa visão, percebe-se a importância do entendimento da luta contra a corrupção como política de Estado e política pública externa.

Palavras-Chave: Corrupção; Política Externa; Desenvolvimento econômico; Convenções Internacionais; Política Pública.


INTRODUÇÃO

O artigo tem por objeto o estudo do impacto da assinatura e ratificação de tratados internacionais contra a corrupção no desenvolvimento econômico interno e internacional, assim como da condução da política externa no sentido da transparência e moralização. Além disso, coloca a questão da legislação simbólica, uma vez que muitas disposições desses tratados ainda não foram efetivadas no âmbito interno. O artigo está divido em duas partes.

A primeira parte pretende aferir os vácuos normativos ainda existentes no Brasil na implementação das Convenções desde a virada do milênio até os dias de hoje. Metodologicamente, por intermédio da análise dos instrumentos normativos internacionais contra a corrupção incorporados ao direito interno brasileiro, tais como os Decretos nº 5.687/06, 4.410/02 e 3.678/00, diligencia-se na busca da relação entre o movimento de moralização estatal e a recuperação de ativos públicos desviados.

Resulta disso que o desenvolvimento econômico exsurge como política externa de regulação dos mercados e tentativa de controle de certos aspectos negativos da globalização. Nesse panorama, estuda-se o papel da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida (Decreto nº 5.687/06), da Convenção Interamericana contra a corrupção (Decreto nº 4.410/02) e da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Decreto nº 3.678/00) no confronto às práticas de corrupção como mecanismo de regulação do mercado financeiro-comercial internacional.

A segunda parte examina a transmutação da corrupção de problema local para fenômeno transnacional, com transcendência internacional, o que exige ação coordenada entre os países para rechaçá-la eficazmente. Assim, nota-se que a difusão da corrupção compromete o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito em busca da estabilidade e da segurança da sociedade, que perpassa por um processo de enfraquecimento das instituições, dos valores da democracia, da ética e da justiça.

Nesse sentido, os Estados procuram tornar eficazes os mecanismos de identificação e investigação das transferências internacionais de ativos adquiridos ilicitamente, ao mesmo tempo em que buscam fortalecer a cooperação internacional para a recuperação desses ativos em uma cultura de resistência à corrupção. Isso tudo sem perder de vista o respeito aos princípios da igualdade soberana, da integridade territorial dos Estados e da não intervenção.

Nesse bordo, a obrigação de render contas e o projeto de erradicação da impunidade são vistos como pressupostos de legitimidade das instituições públicas e reforço às instituições democráticas. Na esteira, evidenciará a redução das distorções na economia, dos vícios na gestão pública e da deterioração da moral social.

Sabe-se, de um lado, que a corrupção é um dos instrumentos em serviço do crime organizado e que deforma as condições internacionais de competitividade, em virtude disso, deve-se priorizar a busca dos ativos juntamente à repatriação do dinheiro, ou seja, a restituição ao Estado Parte requerente dos bens confiscados, à restituição desses bens a seus proprietários legítimos anteriores e a indenização das vítimas do delito.

Por último, é crucial que se intensifique a cooperação nos diversos planos com os países em desenvolvimento com vistas a fortalecer a capacidade de ação para prevenir e reprimir a corrupção. Lado a lado, imprescindível incrementar a assistência financeira e material, com o fito de apoiar os esforços dos países em desenvolvimento e economias em transição para evitar pedidos de propinas de indivíduos e empresas em transações comerciais internacionais, por exemplo.


1.Convenção de Mérida

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção trouxe uma plêiade de medidas de combate à corrupção, dentre as quais se sobressaem o embargo preventivo (ou apreensão) [2], que é “a proibição temporária de transferir, converter ou trasladar bens, ou de assumir a custódia ou o controle temporário de bens sobre a base de uma ordem de um tribunal ou outra autoridade competente”; e a entrega vigiada[3] que é

a técnica consistente em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, o atravessem ou entrem nele, com o conhecimento e sob a supervisão de suas autoridades competentes, com o fim de investigar um delito e identificar as pessoas envolvidas em sua ocorrência.

Outras ações foram previstas pela Convenção, como a possibilidade de transferência de ações penais entre nações, chamada erroneamente de enfraquecimento de ações penais[4], bem como a fundação de órgãos mistos de investigação[5]. Simultaneamente, a Convenção traz mandados de criminalização ainda não cumpridos pelo Brasil, mormente no que toca ao crime de enriquecimento ilícito e ao crime de corrupção no setor privado, o que será aprofundado mais adiante, sem prejuízo de o Estado conceder imunidade judicial a delatores que cooperem para a investigação desses delitos.

Além disso, a Convenção estimula a criação de códigos de conduta para os funcionários públicos[6] e de programas de formação e capacitação dos servidores públicos, ao mesmo tempo em que dá ênfase a criação de escalas de remuneração adequadas e equitativas. A mais, assinala a indispensabilidade de aperfeiçoamento dos métodos de seleção e formação dos titulares de cargos públicos especialmente vulneráveis à corrupção e procedimentos antagônicos aos potenciais conflitos de interesse[7], como os períodos de quarentena após exoneração ou aposentadoria, ilustre-se.

Não só isso. A Convenção ainda incentiva que a contratação pública seja baseada em critérios objetivos e transparentes, com a formulação prévia de condições de participação. Por este ângulo, pode-se afirmar que o direito à boa administração implica na obrigação de render contas na gestão da fazenda pública, contendo a apresentação pública de informação sobre gastos e ingressos.

        Paralelamente, a Convenção motiva a constituição de um sistema de normas de contabilidade, auditoria e supervisão, com o objetivo de preservar a integridade dos livros e registros contábeis e financeiros relacionados aos gastos e ingressos públicos e obstar a falsificação desses documentos. Conjuntamente, imperiosa a veiculação de informes periódicos sobre os riscos de corrupção na administração pública e a viabilização do funcionamento do poder judiciário e do ministério público com independência.

Sem embargo, a Convenção, no artigo 14[8], postula medidas de prevenção das práticas de lavagem de capitais, tais como a elaboração de regimento interno de regulamentação e supervisão dos bancos e das instituições financeiras não bancárias. Não apenas isso, mas também a identificação dos clientes e a manutenção de registros que possam subsidiar denúncias de transações suspeitas. Ao fim e ao cabo, a fiscalização de movimentos transfronteiriços de efetivo e de títulos negociáveis pertinentes também assume relevância.

A despeito disso, assaz eficaz o monitoramento de possíveis atividades de lavagem de dinheiro por um departamento de inteligência financeira, no caso brasileiro o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – o COAF. De conseguinte, as instituições financeiras deveriam incluir nos “formulários de transferência eletrônica de fundos e mensagens conexas informação exata e válida sobre o remetente” e manter “essa informação durante todo o ciclo de operação”.

Associado a isso, os órgãos estatais deveriam se empenhar para impedir a instalação de bancos que “não tenham presença real e que não estejam afiliados a um grupo financeiro sujeito à regulação”. Para alcançar esse objetivo, os Estados poderão vedar que suas instituições financeiras se relacionem com esse tipo de banco, ainda que estrangeiro e na qualidade de bancos correspondentes.

De mais a mais, a Convenção poderá ser considerada a base jurídica para a extradição, caso não haja um tratado específico, e o Estado não poderá negar a extradição se o delito envolver questões tributárias concomitantemente. Retornando ao tema do enriquecimento ilícito[9] antes exposto, vê-se que a elevação patrimonial de um funcionário público, não razoavelmente justificada, deverá ser considerada crime de enriquecimento ilícito, em que pese no Brasil apenas constituir improbidade administrativa[10].

Por sua vez, a Convenção se preocupa com a corrupção no setor privado, em seu artigo 12[11], com o intuito de impedir conflitos de interesses ao promover boas práticas comerciais entre as empresas e as relações contratuais das empresas com o Estado. Ao largo disso, traz a recomendação de dilatação dos prazos de prescrição, bem como mandados de criminalização de certas condutas, tais como:

a) O estabelecimento de contas não registradas em livros; b) A realização de operações não registradas em livros ou mal especificadas; c) O registro de gastos inexistentes; d) O juízo de gastos nos livros de contabilidade com indicação incorreta de seu objetivo; e) A utilização de documentos falsos; e f) A destruição deliberada de documentos de contabilidade antes do prazo previsto em lei.

Impõe-se registrar que a Convenção estimula a liberdade de buscar, receber, publicar e difundir informações relativas à corrupção, assim como a criação de procedimentos apropriados de auditoria e certificação e controles contábeis internos nas empresas. De se ver que o artigo 21[12], de modo análogo, trata da recomendação de criminalização do suborno no setor privado. Atento a essa evolução, o artigo 22[13] cuidou da recomendação de criminalização do peculato de bens no setor privado.

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Remanesce, com maior razão, o caráter criminoso de condutas que violem os deveres inerentes às funções, mesmo atreladas ao setor privado, com o propósito de arrecadar benefícios indevidos a outrem ou a si mesmo ou desvio de recursos econômicos. A esse respeito, convém recordar que o Brasil ainda não tipificou criminalmente nenhuma destas condutas no setor privado, sendo que é forçoso reconhecer o entrelaçamento da corrupção pública com a privada.


2.Convenção Interamericana contra a Corrupção

De antemão, cumpre assinalar que esse instrumento internacional fomenta a criação de sistemas de declaração das receitas, ativos e passivos, por aqueles que desempenham funções públicas no afã de divulgá-las. Grosso modo, seria necessária a institucionalização de sistemas de controle da renda do Estado que impeçam práticas corruptivas.

Malgrado essas medidas sejam benéficas, relevante incitar a criação de leis impedientes ao tratamento tributário favorável a qualquer pessoa física ou jurídica com relação a despesas efetuadas em violação dos dispositivos legais dos Estados Partes contra a corrupção. Conjugado a isso, salutar a determinação[14] de

medidas que impeçam o suborno de funcionários públicos nacionais e estrangeiros, tais como mecanismos para garantir que as sociedades mercantis e outros tipos de associações mantenham registros que, com razoável nível de detalhe, reflitam com exatidão a aquisição e alienação de ativos e mantenham controles contábeis internos que permitam aos funcionários da empresa detectarem a ocorrência de atos de corrupção.

Ainda, a Convenção poderá tomar em consideração outros atos de corrupção não definidos no texto convencional. Aliás, será considerado um ato de corrupção o delito de suborno transnacional, em caso de previsão legal no Estado-Parte. Em continuação, convém rememorar que a Convenção traz o arcabouço institucional para repressão do enriquecimento ilícito.

Nesse passo, o artigo XI[15] conecta o desenvolvimento progressivo com a criminalização de certas condutas nas legislações nacionais, senão vejamos:

a. o aproveitamento indevido, em benefício próprio ou de terceiros, por parte do funcionário público ou pessoa no exercício de funções públicas de qualquer tipo de informação reservada ou privilegiada da qual tenha tomado conhecimento em razão ou por ocasião do desempenho da função pública; b. o uso ou aproveitamento indevido, em benefício próprio ou de terceiros por parte de funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas de qualquer tipo de bens do Estado ou de empresas ou instituições em que este tenha parte aos quais tenha tido acesso em razão ou por ocasião do desempenho da função; c. toda ação ou omissão realizada por qualquer pessoa que, por si mesma ou por interposta pessoa, ou atuando como intermediária, procure a adoção, por parte da autoridade pública, de uma decisão em virtude da qual obtenha ilicitamente, para si ou para outrem, qualquer benefício ou proveito, haja ou não prejuízo para o patrimônio do Estado; e d. o desvio de bens móveis ou imóveis, dinheiro ou valores pertencentes ao Estado para fins não relacionados com aqueles aos quais se destinavam a um organismo descentralizado ou a um particular, praticado, em benefício próprio ou de terceiros, por funcionários públicos que os tiverem recebido em razão de seu cargo, para administração, guarda ou por outro motivo.           

De seu turno, o artigo XII[16] explicita a desnecessidade do prejuízo patrimonial ao Estado para fins de caracterização do ato de corrupção. De modo semelhante à Convenção de Mérida, o Tratado Interamericano serve de base jurídica para extradição e proíbe que o sigilo bancário seja alegado como obstáculo à assistência aos demais Estados na persecução dos atos de corrupção. Por fim, o artigo XVII[17] determina que o ato de corrupção será considerado crime comum, ainda que se alegue finalidade ou motivação política.

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Sobre o autor
Lucas Medeiros Gomes

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucas Medeiros. O combate internacional à corrupção como política externa desenvolvimentista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5131, 19 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58794. Acesso em: 29 mar. 2024.

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