Capa da publicação Declaração prévia do CADE na infração contra a ordem econômica para configuração de crime
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A necessidade de manifestação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para a tipicidade do crime econômico previsto no artigo 4º da Lei nº 8.137/90

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03/10/2017 às 13:40
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No crime contra a ordem econômica, mostra-se essencial para a sua integração típica que tenha ocorrido a apreciação pela via administrativa da existência de infração econômica, com decisão definitiva do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

ÍNDICE: 1.Resumo. 2.Da Ordem Econômica: Princípios Constitucionais da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência .3.Institutos e Conceitos Econômicos .3.1.Aspectos da Lei Anti-Truste no Brasil. 3.1.1.Limitar, falsear ou prejudicar os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa .3.1.2. O domínio de mercado relevante .3.1.3. O aumento arbitrário dos lucros .3.1.4. Abuso de posição dominante .3.1.5. O artigo 21 da Lei 8.884/94 .3.1.6. As alterações realizadas pela Lei 10.149  .3.2. Concentração e Cooperação entre Empresas .3.3. Acordo entre Agentes Econômicos .3.4. Concorrência Desleal .4.A Competência e Função do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) .5.A Tipicidade no Direito Penal Econômico .6.Crime Econômico: Artigo 4º da Lei 8.137/90 .6.1.Observações Preliminares .6.2.Objetividade Jurídica .6.3.Sujeito Ativo e Passivo .6.4.Tipo Objetivo .6.5.Tipo Subjetivo .6.6.Consumação .7.A relação entre o tipo penal econômico (artigo 4º da Lei 8.137/90), a manifestação do órgão administrativo (CADE) e a garantia constitucional do devido processo legal .8.Problema : a questão da Prescrição Penal .9.Conclusão .10.Abstract .11.Bibliografia .


1.      Resumo

O presente trabalho visa demonstrar a necessidade de declaração prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), no que se refere à existência de infração contra a ordem econômica, como elemento material para a configuração típica do crime previsto no artigo 4º da Lei 8.137/90.

Nesse sentido, buscar-se-á através da presente obra, sobretudo, uma formulação capaz de evitar incoerências, e de fazer efetiva a supremacia constitucional.

O papel fundamental do operador do direito consiste em explicar o sentido e o alcance das normas, com especial propósito de construir a harmonia. E na formulação de qualquer proposição doutrinária tendente a superar antinomias, não se pode jamais esquecer a supremacia da Constituição.

Nesse diapasão, para se alcançar a conclusão exposta, será de grande importância:

a) o exame constitucional da “Ordem Econômica”;

b) a análise de institutos e conceitos econômicos, como elementos necessários para a aplicação da lei penal;

c) a função do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE);

d) a análise da Tipicidade do Direito Penal Econômico;

e) a análise da relação entre o tipo penal econômico (artigo 4º da Lei 8.137/90), a manifestação do órgão administrativo (CADE) e a garantia constitucional do devido processo legal.


2.      Da Ordem Econômica: Princípios Constitucionais da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência.

A Constituição brasileira trata em seu título VII da ordem econômica e financeira, e no capítulo I desse título traz os princípios gerais da atividade econômica.

O artigo 170 dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no Brasil. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Em seu artigo 1º, inciso IV, a Constituição brasileira coloca como fundamento da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

A livre iniciativa, fundamento da ordem econômica e da República, é pressuposto para que se assegure a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

A livre iniciativa decorre da doutrina liberal, que prega a não intervenção do Estado na economia. É a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem se deparar com as restrições impostas pelo Estado[1]. A livre iniciativa deve ser entendida em seu duplo aspecto, ou seja, liberdade de criação e exploração de uma atividade econômica, e a não intervenção do Estado na economia.

Entretanto, conforme ensina José Marcelo Martins Proença, a livre iniciativa não pode ser admitida de maneira absoluta, mas sim vinculada ao seu valor social dentro de uma ordem econômica, respeitando uma série de princípios, e tendo por fim “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”[2].

José Afonso da Silva, chamando a livre iniciativa de liberdade de iniciativa econômica privada, com base nos ensinamentos de Vittorio Ottaviano ensina que a livre iniciativa, “num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É legítima enquanto exercida no interesse da justiça social. É ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário”[3].

Fábio Ulhoa Coelho contraria esse entendimento, pois não há nada de ilegítimo em o empresário visar lucros e buscar uma satisfação pessoal, tendo em vista que o texto constitucional deve ser observado quando da elaboração de regras jurídicas para que não se superponha o princípio da livre iniciativa ao da defesa do consumidor, proteção ao meio ambiente e outros dispostos no artigo 170 ou distribuídos pela Constituição[4].

Como princípio da ordem econômica, e decorrente de um modelo econômico neoliberal adotado pela nossa Constituição, e o qual a livre iniciativa deve respeitar, está a livre concorrência.

A livre concorrência pode ser definida como a situação em que se encontram os diversos agentes econômicos de competirem, entre si, de forma leal.

José Júlio Borges da Fonseca ensina que concorrência “significa liberdade de competir de forma correta e honesta, não se admitindo embaraços artificiais à entrada de novas empresas no mercado ou ao desenvolvimento da atividade empresarial”[5].

Para José Marcelo Martins Proença há três liberdades que caracterizam um mercado concorrencial: a livre ação dos agentes econômicos, o livre acesso ao mercado e a livre escolha dos consumidores e utilizadores[6].

Além de estar previsto no inciso IV do artigo 170, a proteção à concorrência é prevista no artigo 173, § 4º da Constituição Federal, quando diz que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

O poder econômico previsto nos artigos 170 e 173, não deve ser reprimido como um fato em si mesmo, pois a economia capitalista é dele dependente.

Neste diapasão, o que a Constituição Federal veda, é o abuso do poder econômico que cause danos diretos ao princípio da livre concorrência, comprometendo, por conseqüência, as estruturas do livre mercado.

Dentro desta perspectiva constitucional, pode-se afirmar que o direito penal emerge, como última opção social, na falha das normas de caráter não criminal.   


3.      Institutos e Conceitos Econômicos

Para a aplicação da legislação penal econômica, de forma adequada e razoável, necessário se faz conhecer, interpretar e valorar institutos e conceitos econômicos.

Passa-se, então, a analisar algumas questões econômicas.

3.1. Aspectos da Lei Antitruste no Brasil (Lei 8.884/94).

A concorrência é um mal para os agentes econômicos, pois faz com que tenham mais gastos com publicidade, desenvolvimento de novas tecnologias e aumento de qualidade, acarretando, por conseqüência a elevação dos custos.

Portanto, esses agentes procuram sempre o domínio do mercado, de forma a  alcançar uma posição confortável que fará com que os custos de sua produção diminuam.      

Neste contexto, a lei antitruste surge para proteger a concorrência e, indiretamente, a coletividade dos efeitos nefastos que essa tentativa de dominação pode gerar.

Assim, conforme previsto no “caput” do artigo 20 da Lei n. 8.884/94, serão considerados infração à ordem econômica, independentemente de culpa, todos os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir, ainda que não alcancem, os efeitos que descreve, ou seja, limitar, falsear ou prejudicar os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa, dominar mercado relevante de bens ou serviços, aumentar arbitrariamente os lucros ou exercer de forma abusiva posição dominante.

A seguir, passar-se-á a uma análise detalhada dos efeitos necessários para a configuração da infração à ordem econômica. 

3.1.1.Limitar, falsear ou prejudicar os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa

A limitação à livre iniciativa ou à livre concorrência, se dá quando, a liberdade de se instalar ou exercer uma atividade e a liberdade de competir seja obstada por atos de um agente econômico. Como visto anteriormente, a livre iniciativa e a livre concorrência são princípios constitucionais, e, portanto, qualquer ato limitador de seu exercício é vedado.

Falseando a livre concorrência ou a livre iniciativa, o agente esconde suas verdadeiras intenções, ou seja, causa prejuízo ao mercado, pois atinge as estruturas da ordem econômica.

3.1.2. O domínio de mercado relevante.

O inciso II do artigo 20 da Lei n. 8.884/94 considera infração da ordem econômica dominar mercado relevante de bens e serviços. 

Para caracterizar essa infração deve-se conceituar o mercado relevante que, de certa forma, só é possível de ser feito no caso concreto.

As empresas atuam em determinada área e com determinados produtos, concorrendo com outros agentes econômicos para conseguir a maior quantidade possível de consumidores, aumentando assim seus lucros. Para verificar se um agente econômico domina mercado relevante, deve ser analisado a área geográfica em que ele atua e os produtos ou serviços que oferece.

Assim, divide-se o mercado relevante em geográfico e material. Com relação ao mercado relevante geográfico, Paula A. Forgioni ensina que:

“(...) é a área onde se trava a concorrência relacionada à prática que está sendo considerada como restritiva. Identifica-se o mercado relevante geográfico com o espaço físico onde se desenvolvem as relações de concorrência que são consideradas. Pode, então, ser compreendido como a área na qual o agente econômico é capaz de aumentar os preços que pratica sem causar um dos seguintes efeitos (i) perder um grande número de clientes, que passariam a utilizar-se de um fornecedor alternativo situado fora da mesma área ou (ii) provocar imediatamente a inundação da área por bens de outros fornecedores que, situados fora da mesma área, produzem bens similares”.[7]

Para análise do mercado relevante material considera-se os bens ou serviços que os agentes econômicos oferecem. A substitutibilidade dos produtos ou serviços para o consumidor faz com que ocupem o mesmo mercado relevante material. Se um produto pode substituir outro para satisfazer as mesmas necessidades dos consumidores, farão parte do mesmo mercado relevante material. Presume-se essa substitutibilidade quando havendo o aumento do preço de um produto ou serviço, a procura por outro aumenta, diminuindo a do primeiro.

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Dessa forma, haverá o domínio do mercado relevante se, atuando em uma determinada área geográfica, o agente econômico aumenta o preço de seu produto ou serviço e, consequentemente, não surge nenhuma reação dos consumidores no sentido de indicar a procura por outros produtos ou serviços semelhantes, substituindo os que tiveram aumento.

3.1.3. O aumento arbitrário dos lucros

O aumento arbitrário dos lucros, previsto no artigo 20, inciso III da Lei n. 8.884/94 e no artigo 173, § 4º da Constituição Federal, é vedado. Apesar do lucro ser ínsito à uma economia capitalista, de livre mercado, a Constituição veda aquele que for arbitrário, ou seja, aquele que for auferido por práticas anticoncorrenciais. O lucro obtido por processos normais, como o retorno de um investimento em marketing para divulgação do produto ou inovação tecnológica, é lícito e deve ocorrer.

3.1.4.Abuso de posição dominante

O inciso IV do artigo 20 da Lei n.8.884/94 gera alguma controvérsia na doutrina, tendo em vista o que dispõe o artigo 173, § 4º da Constituição Federal.

Primeiramente deve-se caracterizar posição dominante e sua diferenciação do domínio do mercado. 

Paula A. Forgioni, tratando sobre a dominação do mercado afirma que este “propiciaria a detenção de poder econômico  suficiente para assegurar o comportamento independente e indiferente em relação aos demais agentes”[8].

A mesma autora, discorrendo sobre posição dominante, ensina que:

“parte-se, então, do pressuposto que mesmo um agente econômico que não seja o único a atuar no mercado pode deter poder econômico tal (ou seja, razoável) que lhe permita atuar de forma independente e com indiferença à existência  ou comportamento de outros agentes. Em virtude da ausência de um poder concorrencial, o agente econômico titular de ‘razoável’ poder não sofre mais pressões de competidores. Neste caso, a posição dos pequenos agentes será sempre de sujeição ao comportamento da outra empresa. Note-se que não é necessário a completa ausência de concorrência no mercado para que se verifique a posição dominante: basta que a concorrência não seja de tal grau que influencie, de forma significativa, o comportamento ‘monopolista’ ’’[9].

Quanto ao poder no mercado, vale transcrever a lição de Calixto Salomão Filho que conclui que “a definição teoricamente mais correta de poder no mercado não é a possibilidade de aumentar os preços, mas sim a possibilidade de escolher entre essas diferentes alternativas: grande participação no mercado e menor lucratividade ou pequena participação e maior lucratividade”[10].

Luis Fernando Schuartz tratando do poder de monopólio afirma que este é a capacidade que o agente econômico possui de aumentar preços e excluir a concorrência[11]. 

Vislumbra-se na análise desses conceitos a existência de um ponto em comum, ou seja, a capacidade de atuação do agente econômico independentemente dos outros agentes que atuam no mesmo mercado.

Vale lembrar que a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência do agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito do inciso II, ou seja, domínio de mercado, nos termos do § 1º da lei em estudo.

O §2º do artigo 20 dispõe que ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. E pelo §3º essa posição dominante é presumida quando o controle for de 20% do mercado. Quem controla tem poder, e quem tem poder domina.

Assim, considera-se a posição dominante como sendo o mesmo que tem o domínio de mercado. Interpretação contrária poderia gerar a inconstitucionalidade do inciso IV face ao disposto no artigo 173, § 4º da Constituição Federal de 1988 que prevê que a lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

3.1.5. O Artigo 21 da Lei 8884/94

O artigo 21 da lei antitruste prevê um rol de condutas, que poderão ser consideradas infração da ordem econômica se configurarem as hipóteses previstas no artigo 20, isto é, as condutas ali previstas serão infrações da ordem econômica se tiverem por objeto ou puderem produzir, ainda que não sejam alcançados, os efeitos previstos nos seus incisos.

Nesse sentido é o ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho quando diz que “a caracterização da infração contra a ordem econômica é feita pela indispensável conjugação dos dois dispositivos. A conduta empresarial correspondente a qualquer um dos incisos do art. 21 somente é infracional se o seu efeito, efetivo ou potencial, no mercado estiver configurado no art. 20, isto é, resultar em dominação de mercado, eliminação da concorrência ou aumento arbitrário dos lucros”[12].

Infere-se da análise do Autor supra referido, que só haverá ilícito administrativo se ocorrer o resultado previsto nos incisos do artigo 20 da lei antitruste, ou seja, não existe infração econômica “per si”.

Tal posicionamento, conforme se analisará, terá reflexo importante aplicação da legislação penal.  

Grande parte da doutrina entende que o rol de condutas previsto no artigo 21 é exemplificativo porque existe no “caput” do artigo a expressão entre outras, que está ligado às condutas ali previstas.

Dessa forma, a lei se garante contra as criações que possam surgir e que são fruto da liberdade dos empresários.

3.1.6. As alterações realizadas pela Lei 10.149/00

O art. 35 da Lei n. 8.884/94 foi acrescido de uma letra B, com a seguinte redação:

“Art. 35-B. A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais co-autores da infração; e

II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.”

(...)

§ 4.º A celebração de acordo de leniência não se sujeita à aprovação do CADE, competindo-lhe, no entanto, quando do julgamento do processo administrativo, verificado o cumprimento do acordo:

I – decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em favor do infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à SDE sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; ou

II – nas demais hipóteses, reduzir de um a dois terços as penas aplicáveis, observado o disposto no art. 27 desta Lei, devendo ainda considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência.”

Passou a prever também uma letra C, com a redação seguinte:

“Art. 35-C. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei n. 8.137, de 27 de novembro de 1990, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia.

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.”

Da análise das disposições legais supra referidas pode-se tecer algumas observações à parte criminal da Lei 10.149/2000.

Primeiramente, pode-se afirmar que “Acordo de Leniência” significa que o autor de infrações à ordem econômica que colaborar com as investigações, sejam elas realizadas em âmbito administrativo ou penal, poderá obter um tratamento mais suave, brando, das autoridades correspondentes.

São duas as espécies de acordo de leniência:  econômico-administrativo (artigo 35-B da Lei n. 8.884/94); e, penal (artigo 35-C da Lei n. 8.884/94).

No art. 35-C da Lei n. 8.884/94 está previsto que o acordo será realizado entre a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e o autor de crime contra a ordem econômica.

O acordo consiste por parte do autor do crime econômico: a) colaboração efetiva com as investigações e o processo administrativo (art. 35-B, caput); b) resultando: a identificação dos demais co-autores da infração; e, a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação (art. 35-B, I e II). É uma forma de delação premiada.

Referido acordo é aplicável para crimes contra a ordem econômica previstos nos arts. 4.º, 5.º e 6.º da Lei n. 8.137, de 27.11.1990.

Os Efeitos da celebração do acordo serão o impedimento do oferecimento da denúncia, suspendendo, contudo, o prazo prescricional da pretensão punitiva (art. 35-C, caput, in fine). Criou-se mais uma causa impeditiva ou suspensiva da prescrição da pretensão punitiva (art. 116, caput, do Código Penal).

Já, o efeito do cumprimento do acordo será a  extinção da punibilidade (art. 35-C, par. ún.), nisso consistindo o segundo efeito leniente do acordo penal.

A extinção da pretensão punitiva é efeito automático do cumprimento do acordo. A decisão do Juiz é meramente declaratória.

Infere-se das disposições supra citadas a importância que o legislador quis oferecer às normas jurídicas antitruste, com influência direta na atuação da aparelho repressor estatal em âmbito penal.

Com efeito, prevê o legislador a hipótese de extinção da punibilidade penal, pela mera manifestação do órgão administrativo competente em propor um acordo ao agente econômico.

Tal conclusão parcial é importantíssima, corroborando com a tese que se pretende defender nesta monografia.

3.2. Concentração e Cooperação entre empresas

O estudo das formas de integração empresarial, ou seja, a concentração e cooperação empresarial, é importante, por serem o alvo principal da lei antitruste, pois são esses atos que podem violar os princípios que a Constituição Federal e a lei pretendem proteger.

É através de uma das formas de concentração ou cooperação que as empresas tentarão dominar o mercado, limitar a concorrência ou aumentar arbitrariamente os lucros.

Apesar de a Lei n. 8.884/94 exigir um controle sobre os atos de integração de empresas, seja qual for a forma que eles tomarem, não são vedados quando forem úteis para a economia do país. 

O fenômeno da integração insere as empresas nacionais na competição internacional, tendo em vista que seu poder econômico é aumentado, em virtude da maior capacidade de aquisição de tecnologia, investimento em marketing, especialização de sua mão-de-obra e outros fatores que favorecem sua atuação.

O desenvolvimento de um país depende de suas empresas, hoje consideradas células da sociedade, e todo incentivo a elas concedido, mormente nos tempos de competição mundial e globalização, favorecerão a coletividade onde atuam.

Como ensina José Marcelo Martins Proença, “para o direito da concorrência, o crescimento empresarial que mais interessa é o que se dá mediante a integração de empresas, de forma vertical ou horizontal, ou da integração a um conglomerado, pois tem como conseqüência a alteração da estrutura do mercado, com possíveis efeitos adversos para a concorrência”[13].

A integração vertical é aquela forma de concentração em que as empresas  operam em diferentes níveis da produção e da circulação de riquezas, ou seja, entre compradores e vendedores. A integração vertical pode se dar  pela abertura de nova empresa, pela aquisição de uma empresa já existente ou pela contratação exclusiva de fornecedor ou distribuidor.

Já na integração horizontal, há a concentração de empresas que atuam num mesmo nível ou estágio de produção. Ao contrário da integração vertical, onde numa mesma empresa pode se encontrar desde o setor de produção da matéria prima até a venda no varejo, na horizontal a empresa só atuará em uma fase.

O fenômeno, ora analisado, possibilita às empresas um acúmulo de poder econômico maior do que possuíam se atuassem sozinhas, acarretando, em alguns casos, a possibilidade de negociarem com um Estado no mesmo nível, tendo em vista o poder de barganha que decorre deste poder econômico.

A idéia de concentração econômica ou empresarial é simples; expressa o aumento de riquezas em poucas mãos. A forma de exteriorização deste processo, no entanto, é complexa. Nuno T.P. Carvalho, citado por Paula A. Forgioni[14], tratando das concentrações, ensina que “concentração de empresas é todo ato de associação empresarial, seja por meio de compra parcial ou total dos títulos representativos de capital social(com direito a voto ou não), seja através da aquisição de direitos e ativos, que provoque a substituição de órgãos decisórios independentes por um sistema unificado de controle empresarial”.

A mesma autora[15] classifica as concentrações em horizontais, verticais e conglomeradas. As duas primeiras se identificam com o conceito de integração vertical e horizontal. A concentração conglomerada acarreta a associação de empresas ou grupos de empresas que atuam em áreas totalmente distintas.

Deve-se diferenciar a concentração de empresas da cooperação existente entre elas. É através dos ensinamentos de Calixto Salomão Filho que se verifica essa diferença pois que “a cooperação empresarial é caracterizada pela uniformização de certos comportamentos ou pela realização de certa atividade conjunta, sem interferir com a autonomia de cada empresa, que permanece substancialmente independente naqueles aspectos de atividade não sujeitos ao acordo. Para que ocorra uma concentração empresarial, ao contrário, é fundamental que as empresas possam ser consideradas como um único agente do ponto de vista econômico para todas as operações por elas realizadas”[16].

Dessa análise perfunctória pode-se afirmar que o que existe é o fenômeno da integração de empresas, ou seja, uma junção, reunião de empresas, que pode se dar através da concentração ou da cooperação, conforme definidas por Calixto Salomão Filho. As concentrações e as cooperações ocorrem por várias razões, mas a que deve ser lembrada é aquela vedada pela lei e que vise a eliminação da concorrência, a dominação dos mercados e o aumento arbitrário dos lucros.

Ressalve-se que o fenômeno da integração das empresas, por meio de concentrações ou cooperações, não é um ato ilícito por si, mas somente quando produza ou venha a produzir, ainda que não sejam alcançados, os efeitos previstos nos incisos do artigo 20, que são uma transcrição daqueles constantes do artigo 173, § 4º da Constituição Federal.

3.3. Acordos entre agentes econômicos

Da análise do artigos 15, 20 e 21 da Lei 8.884/94 chega-se a conclusão de que são vedados os acordos celebrados por agentes econômicos, pessoas físicas ou jurídicas, que tenham por objetos limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, dominar mercado relevante de bens ou serviços, aumentar arbitrariamente os lucros ou exercer de forma abusiva posição dominante.      

Esses acordos caracterizam o que Calixto Salomão Filho definiu como cooperação entre empresas, tendo em vista a permanência da estrutura das empresas que deles participam.

Paula A. Forgioni[17], ensina que os acordos entre os agentes econômicos podem ser horizontais, quando atuam no mesmo mercado relevante, ou verticais, quando os agentes que o celebram se encontram em mercados diferentes mais complementares, sendo que o cartel é o acordo horizontal mais característico.

O ensinamento de Nelson de Andrade Branco e Celso de Albuquerque Barreto, citados pela mesma autora[18], sobre cartel é o seguinte: “o cartel representa um acordo, um ajuste, uma convenção, de empresas independentes, que conservam, apesar desse acordo, sua independência administrativa e financeira(...) o Cartel tem como precípuo objetivo eliminar ou diminuir a concorrência e conseguir o monopólio em determinado setor da atividade econômica. Os empresários agrupados em cartel têm por finalidade obter condições mais vantajosas para os partícipes, seja na aquisição da matéria prima, seja na conquista dos mercados consumidores, operando-se, desta forma, a eliminação do processo normal de concorrência”.

Apesar da existência de vários cartéis, os de preços são os mais generalizados, e ocorrem ou entre agentes que possuem o mesmo poder econômico ou acordos de “price leadership”, onde um agente impõe sua política de preços no mercado e os concorrentes o seguem.

Mas deve-se atentar para o fato de que, a caracterização dessas infrações decorre de um acordo dos agentes econômicos visando a eliminação da concorrência dentro de um mercado relevante.

3.4. Concorrência desleal

A concorrência pode ser lícita ou ilícita. A concorrência ilícita se divide em concorrência desleal e infrações da ordem econômica. Na primeira, o prejuízo recai somente sobre os competidores do mercado, enquanto na segunda, os prejuízos são maiores.

Seguindo os ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho, pode-se afirmar que há uma certa dificuldade em se dissociar a concorrência leal da desleal. O empresário, quando competindo no mercado, sempre terá o intuito de prejudicar outros concorrentes, tanto na concorrência leal como na desleal. Quanto ao efeito que as duas produzem, também são iguais, ou seja, fazer com que o consumidor abandone um produto e passe a consumir o do concorrente. Por isso, o que diferencia as duas, são os meios utilizados para atingir os objetivos[19].

Esse mesmo autor, seguindo Gama Cerqueira, divide a concorrência  desleal em específica e genérica. A concorrência desleal específica é aquela que é punida civil e penalmente, sendo tipificadas como crime de concorrência desleal pelo artigo 195 da Lei 9.279/96.

Já as práticas de concorrência desleal genéricas não são tipificadas criminalmente e, portanto, geradoras apenas de indenização, segundo o artigo 209 da mesma lei. Com isso, não se submetendo as regras do ordenamento jurídico, aqueles que praticam concorrência desleal têm vantagens em relação aos outros concorrentes, o que gera, para estes, a perda de consumidores, que passarão a consumir produtos daqueles[20].

Não se deve confundir a concorrência desleal com as infrações da ordem econômica, que estão previstas na Lei 8.884/94, e são controladas pelo CADE.

O poder econômico existe, e muitas vezes limita tanto a livre iniciativa como a livre concorrência, mas não é vedado pelo nosso ordenamento, e sim  regulado para que não haja abusos.

Dessa forma, quando visar a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros, deve ser punido.

Assim, a livre iniciativa deve sempre estar vinculada a livre concorrência, porque, sem esta, aquela provavelmente irá acarretar o domínio do mercado, pois prevalecerá sempre o poder econômico dos agentes mais fortes.

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Sobre o autor
Jorge Paulo Caroni Reis

Sou advogado qualificado e experiente, formado pela USP. Tenho mais de 20 anos de atuação jurídica e especialista na área criminal. Meu escritório possui profissionais que atuam de forma qualificada em diversas áreas do Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Jorge Paulo Caroni. A necessidade de manifestação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para a tipicidade do crime econômico previsto no artigo 4º da Lei nº 8.137/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5207, 3 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60379. Acesso em: 28 mar. 2024.

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