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E por que a homofobia ainda não configura um crime?

20/09/2017 às 15:59
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Não é mais tolerável que a inefetividade da Constituição por obra da omissão do legislador transborde em minorias que necessitam de tutela do Estado.

Homofobia significa aversão a homossexuais em seu sentido mais amplo. Abarca hoje em dia com o surgimento de novas denominações além de qualquer ato ou manifestação de ódio ou rejeição a homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.ainda lésbofobia, bifobia e transfobia e outras significações mais que carreguem o mesmo sentido hermenêutico..

Sob o manto protetor da liberdade de credo, ortodoxias religiosas marcadas pela ignorância e insensibilidades utilizam da fé-religiosa para pregar o ódio e a discriminação da diversidade. Faz tempo já presidem parcela dos meios de comunicação e se ativam na política com o fulcro de barrar ideais de diversidade e legislar em direção a discriminação de gênero.

Para estes verdadeiros asseclas da fé discriminatória não é de hoje que promovem a pregação para a conversão de homossexuais como cura de uma doença ou expulsão de um demônio. Em pleno século XXI parece-nos estarmos em meio a alguns seres ainda do período Paleolítico.

A Constituição da Republica, já em seu preâmbulo, assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Ainda é consagrado como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3ª, inc. IV): promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Para regulamentar o comando constitucional, a Lei 7.716/89 criminaliza o preconceito de raça ou de cor. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso atentam contra o preconceito em razão da idade. O Estatuto da Igualdade Racial visa a evitar a discriminação em face da cor. Entrementes, a expressa proibição constitucional de preconceito em razão de sexo, que toca diretamente a discriminação por orientação sexual ou identidade sexual, insiste sem uma legislação hábil que criminalize as diversas formas de homofobia.

Há indubitavelmente uma omissão legislativa que reduz a efetividade dos mandamentos constitucionais que referimos passível da interposição de ADI por omissão. Esta ação de genética constitucional é destinada a obter efetiva disposição acerca de norma constitucional que dependa de lei ou atos administrativos normativos indispensáveis à sua eficácia e aplicabilidade. Ainda, segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, além da omissão legislativa, também alcança a omissão de órgãos administrativos que devem editar atos administrativos em geral, necessários à concretização das disposições constitucionais.

O Poder Judiciário, tem colmatado em parte o silêncio da lei ao garantir alguns importantes direitos no âmbito do direito das famílias, direito previdenciário e sucessório. Mencione-se a paradigma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que, ao reconhecer as uniões homoafetivas como entidades familiares, conferiu o direito ao casamento. Inobstante a Justiça não tem como punir ações de natureza discriminatórias, pois ninguém pode ser condenado sem lei anterior que defina a conduta como crime, que tipifique a ação como infração criminal - CF, art. 5º, inc. XXXIX: não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal.

Resta assim imperiosa a necessidade de aprovação de uma legislação específica voltada a regulamentar a inserção da população LGBT ao sistema jurídico nos termos da Constituição de 1988.

Há no Congresso o Estatuto da Diversidade Sexual que elenca princípios, garante direitos constitucionais, criminaliza atos discriminatórios e impõe a adoção de políticas públicas voltadas a inserção na sociedade desta parcela ainda excluída do direito constitucional a dignidade humana. Para conferir maior legitimidade ao estatuto o projeto será apresentado por iniciativa popular.

É preciso educar, e para educar com efetividade as parcelas mais reprimidas intelectualmente da sociedade muitas vezes direcionadas por como se jegues fossem por detentores do poder de influenciar massas, verdadeiramente tocadas como gados diante das mais complexas ausências de discernimentos, faz-se indelevelmente necessário a regulamentação mais hígida e detalhada possível para que se cumpra a vontade constitucional.

Um juiz federal que de certa forma deprecia a classe dos jurisconsultos concedeu liminar que permite que psicólogos ofereçam terapia de reversão sexual, em outras palavras a já propalada e risível “cura gay”ainda que indiretamente. A decisão atende a pedido da psicóloga Rozangela Alves Justino em processo aberto contra o colegiado, que aplicou uma censura à profissional por oferecer a terapia aos seus pacientes. Segundo Rozângela e outros psicólogos que apoiam a prática, a Resolução do C.F.P. restringia a liberdade científica.

“Sendo assim, defiro, em parte, a liminar requerida para, sem suspender os efeitos da Resolução nº 001/1990, determinar ao Conselho Federal de psicologia que não a interprete de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re) orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por parte do C.F.P., em razão do disposto no art. 5º. inciso IX, da Constituição de 1988”, aduz o magistrado Waldemar Cláudio de Carvalho. Não entraremos no mérito da decisão que por tudo que ventilamos neste presta um desserviço ao processo de educação da sociedade e se revela contrária gênese humana, a ao espírito constitucional, portanto além de discriminatória está contaminada pela pecha da inconstitucionalidade.

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Uma decisão judicial deve atender as consequências sociais que esta decisão pode promover, não pode revelar-se irresponsável. Por óbvio que o juiz federal em comento não infere em sua decisão diretamente em favor da de uma absurda "cura gay", mas ao impedir o Conselho de Psicologia de interferir vedando o tratamento para "reversão de sexo" deixa assente a possibilidade de se entender que a homossexualidade poderia ser sim tratada como doença, o que representa um retrocesso.

Não é mais tolerável que a inefetividade da Constituição por obra da omissão do legislador transborde em minorias que necessitam de tutela do Estado. As diferentes dignidades devem ser respeitadas. Cidadania não compreende apenas direitos, mas deveres, quando um deles é o e respeito às diferenças.

Termos em que entendemos que referida liminar a partir do competente recurso interposto restará cassada. O Judiciário deve mostrar que não apenas estar aderente as máximas da Constituição como atento para impedir odiosos retrocessos.

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SARMENTO, Leonardo. E por que a homofobia ainda não configura um crime?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5194, 20 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60676. Acesso em: 29 mar. 2024.

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