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A personalidade jurídica no direito civil

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Buscamos identificar a essência da personalidade jurídica da pessoa natural e a da pessoa jurídica, a qual é uma ficção de direito.

Direito Civil é o principal ramo do direito privado, que se constitui como um conjunto de normas regulamentadoras dos direitos e obrigações de natureza privada, que regulam as relações jurídicas das pessoas enquanto membros da sociedade. As normas de direito privado se pautam de um princípio da vontade, e os sujeitos das relações privadas ou sujeitos de direito são aqueles que detêm personalidade jurídica.

A personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direito subjetivo, e é reconhecida a todo o ser humano independente da consciência ou vontade do indivíduo, esta é, portanto, um atributo inseparável da pessoa. Os direitos da personalidade são atributos da pessoa, que existem desde sua origem ou nascimento, por natureza, bem como aqueles que se projetam para o mundo exterior em seu relacionamento com a sociedade. Nas palavras de Roberto Senise Lisboa, a personalidade é a capacidade de direito ou de gozo da pessoa de ser titular de direitos e obrigações, independentemente de seu grau de discernimento, em razão de direitos que são inerentes à natureza humana e em sua projeção para o mundo exterior. Maria Helena Diniz acentua que os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis. Toda pessoa natural é sujeito de direito, portanto, é capaz de adquirir direitos e deveres na ordem civil, segundo o artigo 1º do Código Civil, esse artigo trata aqui da capacidade de direito ou de gozo que toda pessoa tem. A capacidade de fato ou exercício somente tem aqueles que podem exercer pessoalmente seus direito e deveres na ordem civil. Ao nascituro é protegida as suas expectativas de direito, pois a personalidade jurídica só se inicia com o nascimento com vida.

 As pessoas jurídicas “são aquelas, que não nascendo da natureza, como a pessoa natural, resulta de uma ficção jurídica, uma criação imaginária da lei”. Maria Helena Diniz: “a pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações.”.

Outro grande doutrinador, Fábio Ulhoa Coelho, traz uma compreensão mais abrangente da pessoa jurídica:

Pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não humano. É também chamada de pessoa moral. Como sujeito de direito, tem aptidão para titularizar direitos e obrigações. Por ser personificada, está autorizada a praticar os atos em geral da vida civil — comprar, vender, tomar emprestado, dar em locação etc. —, independentemente de específicas autorizações da lei. Finalmente, como entidade não humana, está excluída da prática dos atos para os quais o atributo da humanidade é pressuposto, como casar, adotar, doar órgãos e outros.

A pessoa jurídica possui, na sua essência, aptidão para ser titular de direitos e obrigações na ordem jurídica. Essa aptidão somente é possível quando se une a vontade humana, por meio de um ato constitutivo, e o registro público desse ato. Assim, a pessoa jurídica é dotada de personalidade, ou seja, capacidade para exercer direitos e ser evocada para responder a determinadas obrigações.

A capacidade da pessoa jurídica decorre logicamente da personalidade que a ordem jurídica lhe reconhece por ocasião de seu registro. Essa capacidade estende-se a todos os campos do direito. Pode exercer todos os direitos subjetivos, não se limitando à esfera patrimonial. Tem direito à identificação, sendo dotada de uma denominação, de um domicílio e de uma nacionalidade.

Conforme o Código Civil de 2002, no seu art. 52, aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Neste sentido, no que couber – ou seja, não são todos os direitos de proteção à personalidade inerente à pessoa jurídica – a pessoa jurídica é dotada de direitos da personalidade, tais como: o direito ao nome, à marca, à liberdade, à imagem, à privacidade, à própria existência, ao segredo, à honra objetiva. Não são todos os direitos da personalidade da pessoa natural que são admissíveis à pessoa jurídica. Para exemplificar, segue julgado do Superior de Tribunal de Justiça (STJ), REsp 1032014 RS 2008/0033686-0, que trata de violação da marca, um dos aspectos que constitui a personalidade jurídica:

STJ – Recurso Especial REsp 1032014 RS 2008/0033686-0; Data de publicação: 04/06/2009; Ementa:Direito empresarial. Contrafação de marca. Produto falsificado cuja qualidade, em comparação com o original, não pôde ser aferida pelo Tribunal de Justiça. Violação da marca que atinge a identidade do fornecedor. Direito de personalidade das pessoas jurídicas. Danos morais reconhecidos. - O dano moral corresponde, em nosso sistema legal, à lesão a direito de personalidade, ou seja, a bem não suscetível de avaliação em dinheiro. - Na contrafação, o consumidor é enganado e vê subtraída, de forma ardil, sua faculdade de escolha. O consumidor não consegue perceber quem lhe fornece o produto e, como consequência, também o fabricante não pode ser identificado por boa parte de seu público alvo. Assim, a contrafação é verdadeira usurpação de parte da identidade do fabricante. O contrafator cria confusão de produtos e, nesse passo, se faz passar pelo legítimo fabricante de bens que circulam no mercado. - Certos direitos de personalidade são extensíveis às pessoas jurídicas, nos termos do art. 52 do CC/02 e, entre eles, se encontra a identidade. - Compensam-se os danos morais do fabricante que teve seu direito de identidade lesado pela contrafação de seus produtos. Recurso especial provido. (STJ – Recurso Especial REsp 1032014 RS 2008/0033686-0, Data de publicação: 04/06/2009)

O princípio da autonomia das pessoas jurídicas, como dito, encontrava-se, no Código Civil anterior, expresso num dispositivo que afirmava não se confundirem elas com os seus integrantes. Na lei atual não se encontra reproduzido igual dispositivo. A autonomia, e suas implicações acima delineadas, porém, decorre da interpretação sistemática de diversas normas. O art. 46, V, por exemplo, estabelece que um dos elementos constantes do registro civil da pessoa jurídica é a existência ou não de responsabilidade subsidiária dos seus membros pelas obrigações dela; o art. 1.052 restringe a responsabilidade de cada sócio da sociedade limitada ao valor de suas quotas, e assim por diante.

Aliás, Fábio U. Coelho, é o grande doutrinador que esclarece, de forma bastante lúcida, o cerne do princípio da autonomia jurídica. Corolário dos princípios relacionados à personalidade, aos direitos fundamentais, supracitados, o princípio da autonomia da pessoa jurídica é de suma importância para o sistema jurídico brasileiro. Se este princípio não prevalecesse em nosso ordenamento jurídico, possivelmente, isso criaria uma insegurança jurídica que inviabilizaria muitos negócios relacionados à pessoa jurídica. E o ponto principal deste princípio, conforme Fábio U. Coelho:

A mais relevante consequência dessa conceituação das pessoas jurídicas é sintetizada no princípio da autonomia. As pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas que a integram — dizia preceito do antigo Código Civil. Em outros termos, a pessoa jurídica e cada um dos seus membros são sujeitos de direito autônomos, distintos, inconfundíveis. (...) Em razão do princípio da autonomia da pessoa jurídica, é ela mesma parte dos negócios jurídicos. Faz-se presente à celebração do ato, evidentemente, por meio de uma pessoa física que por ela assina o instrumento. Mas é a pessoa jurídica que está manifestando a vontade, vinculando-se ao contrato, assumindo direitos e contraindo obrigações em virtude do negócio jurídico.

Tem-se uma separação entre as pessoas que integram a pessoa jurídica, pois, como já foi dito, a pessoa jurídica é dotada de personalidade que perfaz direitos e obrigações independentes dos seus administradores. A manifestação de vontade é da pessoa jurídica, que goza de autonomia para, entre outras coisas, assumir obrigações contratuais em seu nome. A pessoa jurídica é um ente que não se confunde com os seus administradores ou sócios, ao contrário, há uma linha divisória determinada pelo princípio da autonomia da pessoa jurídica.

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Em decorrência do princípio da autonomia da pessoa jurídica, é ela (e não os seus integrantes) que participa dos negócios jurídicos de seu interesse e titulariza os direitos e obrigações decorrentes. Também é ela quem demanda e é demandada em razão de tais direitos e obrigações. Finalmente, é apenas o patrimônio da pessoa jurídica (e não o de seus integrantes) que, em princípio, responde por suas obrigações.

Contudo, ressalte-se que essa autonomia não quer dizer que seja ilimitada e, sem sombra de dúvida, que se trata de um ente autossuficiente – haja vista que é regida e administrada por pessoas. Há limitações que singularizam a autonomia da pessoa jurídica. A maior ênfase dada às limitações dessa autonomia diz respeito à responsabilidade civil da pessoa jurídica.

Quanto à responsabilidade das pessoas jurídicas, poder-se-á dizer que tanto a pessoa jurídica de direito privado como a de direito público, no que se refere à realização de um negócio jurídico dentro dos limites do poder autorizado pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, deliberado pelo órgão competente e realizado pelo legítimo representante, é responsável, devendo cumprir o disposto no contrato, respondendo com seus bens pelo inadimplemento contratual, conforme prescreve o art. 389 do Código Civil. (...) A Constituição Federal de 1988, no art. 173, § 5º, dispõe que “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a  punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra economia popular".

As limitações da autonomia da pessoa jurídica possuem alguns vieses: legiferante, ou seja, quando a lei delimita as fronteiras às quais estão sujeitas as pessoas jurídicas sob o ponto de vista das responsabilidades civil e penal; e moral, pois a autonomia da pessoa jurídica não pode ser desvirtuada para fins ilícitos. Inclusive, se houver abuso da personalidade jurídica, o próprio Código Civil traz um artigo específico para a solução deste caso:

Art. 50.Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil).

Trata-se, conforme o artigo do Código Civil acima citado, da desconsideração personalidade jurídica, caso em que há abuso da personalidade jurídica. A requerimento da parte ou do Ministério Público, o juiz pode desconsiderar a autonomia de que goza a pessoa jurídica, para que determinados efeitos processuais sejam estendidos a seus administradores ou sócios.


Referências bibliográficas

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Parte Geral. Volume 1. Editora Saraiva, 5ª Edição, 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. Volume 1. 32ª Edição 2015.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Editora Martins Fontes, São Paulo, 7ª Edição, 2006.

MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, 10ª Edição Comemorativa, 2015.

ZATTI, Vicente. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

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Sobre o autor
Ítalo Miqueias da Silva Alves

Jurista. Pós Graduado em Direito Processual Penal, Direito Processual Civil, Direito, Direito Constitucional e Direito Digital. Especialista em Direito Civil, Direito Penal e Direito Administrativo. Pesquisador. Palestrante. Escritor e autor de diversas obras na seara jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ítalo Miqueias Silva. A personalidade jurídica no direito civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5890, 17 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61828. Acesso em: 28 mar. 2024.

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