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Indícios de grupo econômico e a desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais. Como identificar

18/12/2017 às 09:40
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É possível admitir-se a desconsideração da personalidade jurídica para atingir empresa do mesmo grupo ou conglomerado econômico, que se forma de fato ou de direito, quando sirva para elidir a responsabilidade por dívidas de seus integrantes.

A complexidade do mundo empresarial dispensa maiores digressões. Os empreendimentos de outrora, ainda que ramificados, nunca tiveram a heterogeneidade dos atuais, dado seu número reduzido e exploração de ramo específico. Na atual quadra, tais empreendimentos, além de todas as suas peculiaridades, estão sujeitos a diversos outros fatores, fazendo com que as suas criações, modificações e extinções fiquem relativizadas.

 

Nessa toada, a análise dos grupos econômicos em executivos fiscais ganha contorno singular, cujo exame demanda uma série de elementos, de modo que se possa levar, ao Poder Judiciário, indícios aptos a indicar a existência de tais grupos e, por consequência, as suas responsabilidades por passivos tributários. Objetiva, o presente estudo, indicar alguns desses elementos, tencionando construir uma espinha dorsal aplicável, de forma genérica, a todo e qualquer caso.

 

Prefacialmente, antevenha-se o leitor de que a noção de grupo econômico, contribuinte, responsável tributário, nome empresarial, sócio, sócio-gerente, indícios, marca e franquia, é requisito à compreensão do presente estudo. Logo, parte-se do pressuposto que o estudante domina referidos institutos.

 


1) Indícios que podem apontar a existência de grupo econômico

1.1) Diversas alterações de nome empresarial.

 

Um dos indícios mais flagrantes no que toca à formação de grupo econômico diz com a sucessiva alteração de nome empresarial, geralmente intentando eximir-se de responsabilidade tributária. Comprovado, unicamente, que houve somente sucessivas alterações de denominação social, não há inclusão de nova empresa no polo passivo da demanda fiscal.

 

Se "A" passa a chamar-se "B" é conclusão lógica que, a exceção do nome, nada se alterou, mantendo-se hígida a obrigação do devedor, pois, além da reautuação do feito, nada irá modificar. O que deve ser analisado, nas sucessivas trocas, são os atos que podem estar ocorrendo concomitantemente (abertura de novas empresas no mesmo ramo, integralização de capital com imóveis da empresa devedora, seguido de sucessivas alienações, entrada e saída frequente de sócios e sócios-gerentes, etc.). Em outros termos: as várias alterações podem apontar para algo oculto, merecendo uma análise mais acurada.

 

1.2) Empresa familiar que, de forma repentina, é transferida para o comando de terceiros.

 

Outro fator a indicar eventual formação de grupo econômico é a mudança, repentina, do comando empresarial, antes sob a direção de uma única família para pessoas estranhas que já ingressam na qualidade de sócios-gerentes. Além de ser nítida tentativa de exclusão de responsabilidade tributária, com a inclusão de "laranjas" e, posterior dissolução irregular da empresa, pode ser fonte indiciária de grupo econômico de modo que, na mesma senda do item anterior, é de se ter uma análise bastante detalhada.

 

1.3) Criação de empresas para recebimento de recebíveis de cartão de crédito.

 

Recente diligência inaugurada pelas Fazendas Públicas diz com a penhora de recebíveis (venda cujo pagamento é efetuado por cartão de crédito). Muitas vezes a análise dos autos revela que foi tentada a constrição on line de ativos financeiros (via Bacen) em nome da empresa executada, sem que fosse obtido resultado. Contudo, sabe-se que a executada continua desenvolvendo suas atividades empresariais, gerando faturamento, situação facilmente aferível com os dados fornecidos pelas Secretarias das Fazendas.

 

Nessa toada, considerando-se que as operadoras de cartões de crédito são consideradas como espécie do gênero instituição financeira, mas que o Sistema Bacenjud é ineficaz para permitir a penhora do dinheiro da empresa executada em poder de tais instituições, o exequente postula a penhora de dinheiro da devedora em poder das administradoras de cartões de crédito. Tal pedido encontra-se amparado na ordem legal de preferência (Art. 11, inc. I, da Lei de Execução Fiscal).

 

Acerca da penhora de recebíveis, a jurisprudência dos Tribunais Pátrios entende ser possível e legal, em manifesto ato de adequação da prestação jurisdicional aos tempos modernos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE BENS APTOS A GARANTIR A EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE DE PENHORA SOBRE OS RECEBÍVEIS DA EMPRESA JUNTO ÀS ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO. PRECEDENTES DESTA CORTE. Não possuindo a parte executada bens passíveis de constrição, é possível a penhora sobre recebíveis junto às administradoras de cartão de crédito, desde que fixado percentual moderado, nos termos do art. 620, do CPC, viabilizando a continuidade das atividades da entidade. AGRAVO PROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70052571007, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 27/03/2013.

 

Deferida a solicitação, são expedidos ofícios às principais operadoras de cartões (Visa, Mastercard e outras), situação que pode, também, resultar inexitosa, sem retenção de quaisquer valores. Concretizada a situação narrada, há fortes indícios de grupo econômico, sendo bastante provável a criação de empresas satélites (para fugir do radar do fisco), unicamente, para a percepção de recebíveis. Demanda-se especial atenção para as empresas que atuam no varejo.

 

1.4) Multas de trânsito geradas por veículos em nome de outras empresas.

Fonte interessante e que pode indiciar a formação de grupo econômico diz com a análise das multas aos condutores (qualquer sócio constante do contrato social), vinculadas a veículos em nome de empresas que possam fazer parte de um grupo econômico. Na espécie, como a empresa devedora busca não adquirir bens, neles incluídos veículos, é comum a abertura de outros empreendimentos para aquisição de automotores. Assim, uma busca pura e simples por tais bens, através de CNPJ da empresa devedora, de regra, é estéril. As multas expedidas podem ser indiciárias de que há elo entre sócios da executada e outros empreendimentos.

 

É de se atentar para o fato de que, de forma mais sofisticada, empresas com débitos optam, em caso de veículos, por arrendamento mercantil em detrimento de alienação fiduciária, dado que naquele a propriedade, para efeitos de buscas nos sistemas estatais, está em nome da arrendante e não da devedora, situação diversa ocorrendo em caso de fidúcia.

 

1.5) Venda da marca da devedora para empresa controlada pela própria executada. Uso da marca mediante franquia.

 

A manobra, bastante complexa, consiste no seguinte: a empresa executada não é mais a detentora da marca que a caracterizou, pois alienada à pessoa jurídica diversa. Tal negócio pode ser um dos vários atos praticados pelos mesmos administradores no intuito de ludibriar o fisco. De forma sequencial, tem-se que:

 

Criam-se novas pessoas jurídicas, dentre as quais a futura compradora da marca, empresas essas controladas formalmente por terceiros, mas, de fato, gerenciadas pelo mesmo grupo para fabricar o produto e titularizar/conceder uso da marca mediante contratos de franquia, atentando-se para manter em atividade, de forma bastante precária (pro forma) um empreendimento (ou somente um escritório) da antiga pessoa jurídica devedora do tributo, de modo a evitar a configuração de dissolução irregular.

 

O intuito, neste caso, é manter o negócio em funcionamento por meio de franquias. Nesses casos, é de se ter especial atenção, pois os supostos administradores das pessoas jurídicas criadas são, de regra, ex-funcionários da empresa executada, ou até mesmo, com vínculo parental/marital. Havendo dúvidas, importante diligência, além da análise do que consta no contrato social, é oficiar o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para que forneça as declarações de RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) apresentadas pelas empresas estudadas. De posse da relação de empregados, fácil o cruzamento de dados.

 

Com a criação dessas empresas de fachada, gestadas para receber os valores das franquias, não é incomum que operem nos endereços dos conhecidos empreendimentos da devedora. A marca prospera, com faturamento, contrastando com as dívidas tributárias acumuladas pela executada.

 

Oficialmente, para efeito de enfrentamento da dívida, é a empresa devedora originária que herda o passivo tributário. Está-se, nesses casos, diante de fraude e simulação para utilização da marca em detrimento do pagamento dos tributos1. De forma bastante didática: como o maior patrimônio da empresa é sua marca, esta prospera, ao passo que aquela afunda. No caso, a vantagem é deixar para trás (ou para uma empresa sem condições de enfrentá-la) uma dívida elevada com o fisco, salvaguardando as vindouras empresas saudáveis e os lucros advindos.

 

Ressalte-se que muitas vezes não se trata de mera sucessão de empresas, mas algo muito mais complexo, no qual é necessária a desconsideração da personalidade jurídica e análise detida das responsabilidades, de acordo com os indícios existentes.

 

Outro fator a indiciar fraude envolvendo a venda da marca é o seu valor de transação, no mais das vezes, muito aquém se comparado ao faturamento. Aliás, fraude e simulação são realizadas justamente para ludibriar; para demonstrar uma situação oficial diversa da verdadeira, com o intuito de obter vantagem.

 

Ainda, internamente, no meio empresarial é comum deixar explícito aos grandes fornecedores, para efeitos de credibilidade, que a (s) empresa (s) criada (s) é (são) vinculada (s) à(s) anterior (es) detentora (s) da marca, razão pela qual ditos fornecedores podem ser fonte de prova a fundamentar eventual grupo econômico.

 

1.6 Demais elementos que podem ser observados na constituição de grupo econômico.

Dentre outros elementos que podem servir de indícios a configurar a formação de grupo econômico está a representação das empresas pelo mesmo escritório contábil (situação que pode ser analisada no bando de dados das Secretarias das Fazendas); a perfectibilizarão de parcelamentos administrativos pelos mesmos sócios-gerentes e, até mesmo, a própria representação judicial das empresas pelo mesmo escritório ou causídico; a outorga de procuração, junto às instituições financeiras, para movimentação de valores de vários empreendimentos, dentre outros.

 

Outro elemento a ser considerado é a atividade contábil desenvolvida nas empresas. De regra, o responsável pela contadoria oferece apoio técnico à fraude fiscal estruturada. A abertura, fechamento, diminuição de atividades, no que atine à operacionalização, é feito por um contador, devidamente ciente do ilícito.

 

A outorga de procurações entre sócios/administradores é indiciária de conglomerado econômico.

 

A aculação de dívidas tem como origem imposto informado e não pago. Os poucos recolhimentos, no mais das vezes se refere à substituição tributária envolvendo outro Estado da Federação, assim como diferencial de alíquota. Afora isso, nada é recolhido. Logicamente que tal medida, salvo melhor juízo, é consequência direta da súmula 430 do STJ a qual indica que "o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente". Nesse caso, muito embora a sonegação tenha sido o mote inicial das fraudes fiscais, hoje resta ultrapassada na medida em que, se o não pagamento não gera responsabilidade não há motivos para maiores preocupações.

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Em verdade, nos casos de grupos econômicos fraudulentos, ocorre mais pagamento por denúncia espontânea ou eventual lançamento por sonegação (já que este pode gerar responsabilidade dos seus gestores) do que de imposto, devidamento apurado.

 

Outro fato a indicar grupo econômico é o fato de não haver queda no faturamento da empresa. Ao revés. Muitas vezes aumenta, paulatinamente, na medida em que usa o valor do tributo não pago para vender a um preço aquém da concorrência. Se há queda repentina, há indício de fechamento, não sem antes efetuar-se a abertura de novo empreendimento para receber as operações da anterior. Reinicia-se o ciclo, com novos endividamentos, até a impossibilidade de continuidade, dando-se lugar à empresa vindoura.

 

Demais disso, as transações econômicas e patrimoniais entre os empreendimentos pode ser fator preponderante a definir a responsabilidade entre empresas. Busca-se, unicamente, a transferência do patrimônio da devedora para a empresa recém aberta. Atenção especial para notas fiscais de serviço entre os estabelecimentos.

 

Em suma, fechamento e abertura de empresa, no caso de grupos econômicos, é rotina, devendo-se estar atento a tais diretivas, inclusive com acionamento do representante legal do Ministério Público, assim como sugestionando-se acompanhamento especial por parte da Secretaria Estadual/ou Receita Federal. É de se ponderar que as restrições naturais das empresas devedoras (Cadin, Serasa, ajuizamento de execuções fiscai), restam superadas com a abertura de novos empreendimentos, os quais farão toda a movimentação financeira.

 

Demais disso, muitas vezes os documentos produzidos por tais instituições servem de base ao reconhecimento do grupo, com consequente responsabilidade dos seus dirigentes ou empresas utilizadas para dar suportes aos desmandos.

 

Na mesma senda, a criação de holding familiar para gerir bens das pessoas físicas pode ser nítida atividade de grupo empresarial, muitas vezes tendo à testa, formalmente, a prole daqueles que orquestraram todos os desmandos. Não é incomum os próprios genitores representarem seus filhos na holding. Os bens, fim último nos executivos fiscais, no mais das vezes estão ali alocados. A constituição também se dá para a retirada de pró-labore, muitas vezes oriundos, formalmente, de serviços de assessoria.

 

Como o Direito não consegue prever todas as hipóteses de fraude, ante a criatividade dos devedores, os pedidos endereçados ao poder judicante devem mostrar a capilaridade entre os empreendimentos, esmiunçado-se, ao máximo, a situação fática.

 


2) O Grupo Econômico e a Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

Presentes algum, ou alguns dos indícios supra, tais são suficientes a embasar a responsabilização das empresas envolvidas, assim como as pessoas físicas, pois concorrem, ativamente, no esquema fraudulento, planejando e operando a simulação danosa ao Erário.

 

Na espécie, aplicável a teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, em proteção ao crédito público. Se a todo credor lesado se admite a prerrogativa de obter judicialmente a desconsideração da personalidade jurídica comprovadamente constituída e/ou utilizada para blindagem patrimonial, com muito mais razão ao credor público se confere o mesmo provimento jurisdicional.

 

A transferência de responsabilidade para terceiro é admitida pela jurisprudência, notadamente nos casos de grupo empresarial. Vejamos:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. EMPRESAS DO MESMO GRUPO FAMILIAR. GRUPO ECONÔMICO CONFIGURADO. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, incorporada ao nosso ordenamento jurídico, tem por escopo alcançar o patrimônio dos sócios e representantes legais que se utilizam da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins ilícitos, abusivos ou fraudulentos, nos termos do que dispõe o artigo 50, do CC, exigindo, para tanto, a comprovação do desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Caso em que o acervo probatório constante do feito executivo afigura-se suficiente ao reconhecimento da existência de grupo familiar envolvendo a empresa executada, devedora originária, e a empresa posteriormente constituída, restando evidente a divisão entre a circulação de bens e dinheiro, a cargo da nova empresa, ao passo que a concentração de todo o passivo tributário restou à empresa executada (...) (Agravo de Instrumento Nº 70072053549, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 23/02/2017).

 

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. EMPRESAS DO MESMO GRUPO FAMILIAR. GRUPO ECONÔMICO CONFIGURADO. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, incorporada ao nosso ordenamento jurídico, tem por escopo alcançar o patrimônio dos sócios e representantes legais que se utilizam da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins ilícitos, abusivos ou fraudulentos, nos termos do que dispõe o artigo 50, do CC, exigindo, para tanto, a comprovação do desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Caso em que o acervo probatório constante do feito executivo afigura-se suficiente ao reconhecimento da existência de grupo familiar envolvendo a empresa executada, devedora originária, e a empresa posteriormente constituída, restando evidente a divisão entre a circulação de bens e dinheiro, a cargo da nova empresa, ao passo que a concentração de todo o passivo tributário restou à empresa executada (...) (Agravo de Instrumento Nº 70070259205, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 13/10/2016).

 

Veja-se que a jurisprudência admite a utilização da teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica para a responsabilização de empresa integrante do grupo econômico da devedora. Nesse sentido, o voto da lavra do Ministro Ruy Rosado de Aguiar no RESP 86502, publicado em 26/08/1996, verbis:

[…] Assim, estou me pondo de acordo com os que admitem a aplicação da doutrina da desconsideração, para julgar ineficaz a personalização societária sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar a terceiros. OU, em outras palavras: “O juiz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi utilizada como instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito' (Fabio Ulhoa Coelho, op. Cit., p. 54).

 

A sua compatibilidade com o ordenamento jurídico nacional, além dos casos expressamente previstos em lei (ex. art. 2º, parágrafo 2º da CLT; art. 135, II, do CTN), também decorre do princípio geral da boa-fé, base da doutrina alemã, que veda o uso abusivo do direito.

 

Admite-se a desconsideração para atingir empresa do mesmo grupo ou conglomerado, que se forma de fato ou de direito, quando sirva para elidir a responsabilidade por dívidas de seus integrantes.

"A jurisprudência americana em inúmeros casos tem entendido também que a personalidade jurídica de uma empresa pode ser desconsiderada para que se exija o cumprimento de obrigações por outra pessoa jurídica formalmente distinta, mas de tal modo ligadas uma à outra, que chegam a se identificar no mundo fático. Normalmente são situações onde uma pessoa jurídica controla o capital da outra, ou o de ambos é exageradamente controlado por uma só pessoa. As diretorias e administrações se confundem e os negócios dão de tal forma entrelaçados, que se torna difícil a distinção do que interessa a quem ' (João Casillo, loc. Cit., p. 27).

 

A fundamentação jurídica da responsabilização defendida pelos entes públicos encontra-se na a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica, expressada em nosso ordenamento jurídico no art. 50 do Código Civil. O dispositivo legal mencionado enfrenta o abuso da personalidade, a confusão patrimonial e o desvio da finalidade da pessoa jurídica, trazendo a devida responsabilização àquele que pratica o abuso de direito.

 

Nos termos dessa legislação, a aplicação da disregard doctrine ou disregard of legal entity, do direito anglo-saxão, exige que os atos praticados pelos sócios configurem abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

 

Esclareça-se que não está sendo criada uma nova hipótese tributária, mas se delimitando, com base na lei específica societária, que, para efeito de evitar-se o abuso de direito e a violação dos direitos do credor, os atos executivos podem alcançar os bens dos sócios ou de terceiras empresas do mesmo grupo, tornados responsáveis em função da aplicação da regra legal de desconsideração.

 

No que toca à aplicabilidade do art. 50 do Código Civil em relação às execuções de dívidas tributárias, precisas as palavras do tributarista RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA, o qual assevera que.

“(..) inexiste incompatibilidade entre o art. 50 e o CTN, como não existe entre outras disposições da lei civil, pertinentes a responsabilidades de sócios e administradores de pessoas jurídicas, com as que constam do Código Tributário. Destarte, embora a responsabilidade tributária seja matéria de lei complementar, não viola essa prescrição constitucional qualquer dispositivo da lei privada que trate do tema no âmbito que lhe é próprio e de maneira não colidente com as normas do CTN, tal como ocorre, por exemplo, com a responsabilidade dos sócios pela integralização do capital das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a qual está prevista no art. 1.052 do Código Civil (e antes, com outra redação, no art. 9º do Decreto n° 3.708, de 10.01.1919), e se estende para garantia do crédito tributário, por ser matéria própria da lei privada e não ofender qualquer disposição do CTN”.

 

De acordo com o Código Civil Brasileiro, encontrando-se alguns dos indícios indicados supra, a conduta dos empresários e das empresas envolvidas, caracterizaram ato ilícito. Quando cometidos atos lesivos que violam direito de terceiro, causando-lhe dano, devem ser responsabilizados (Art. 186 e 187 do Código Civil)2.

 

Em suma, comprovado alguns dos indícios apontados acima, o caminho a ser percorrido é o da desconsideração da personalidade jurídica, em vista do abuso de direito, redirecionando eventual execução fiscal contra as pessoas jurídicas criadas e aos sócios que atuaram em flagrante infração à lei.


Notas

1 Na espécie em comento, no caso de alienação de marca após 09/06/2005 (entrada em vigor da LC 118/2005), estando o débito inscrito em dívida ativa, a venda dessa será em fraude à execução (Art. 185 do CTN), caso comprovada a insolvência da devedora/alienante.

2 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

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Sobre o autor
Leandro Brescovit

Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCOVIT, Leandro. Indícios de grupo econômico e a desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais. Como identificar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5283, 18 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62409. Acesso em: 29 mar. 2024.

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