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A precarização social do trabalho frente à Lei 13.249/2017

28/12/2017 às 14:00
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Este artigo pretende contribuir com a reflexão acerca da precarização social do trabalho, demonstrando a instabilidade e os retrocessos resultantes da ampliação da terceirização advinda com a Lei 13.429/17.

Introdução

A intensificação do processo de globalização e as reformas neoliberais implementadas a partir da década de noventa no Brasil, visando uma reestruturação de mercado voltada para a abertura mundial de capital e a industrialização em massa, transformaram as relações sociais e intensificaram  a exploração da força laboral desencadeando uma maior precarização e instabilidade  das relações trabalhistas.

Esta nova dinâmica de trabalho contribuiu para a constituição de um cenário de degradação do mercado de trabalho, com um aumento no índice de desemprego e uma profunda "deterioração dos contratos salariais devido à expansão da informalização e da terceirização nas grandes empresas, visando reduzir custos". (ALVES. 2009)

Diante da intensificação desta precarização do trabalho diversos fatores sócio-estruturais sofreram inevitável abalo, tais como: a flexibilização do trabalho, o aumento da informalidade e da terceirização, a redução da força sindical, instabilidade e exclusão social, desemprego, aumento da carga de trabalho e da aferição de horas extras e, consequentemente, redução do tempo de convívio familiar e social.

Os elementos de precarização do trabalho indicados antes (perda do poder de barganha sindical, crescimento do desemprego total, expansão dos contratos de assalariamento precário/flexibilizado) se traduzem, no plano da estatística social, na perda da participação do trabalho na renda nacional. Por exemplo: no período de 1992 a 1998, a repartição do PIB entre trabalho, capital e administração pública demonstra uma significativa inversão de posições. Por exemplo, a remuneração dos empregados (trabalho) que em 1992 era de 44%, cai para 36%, em 1998. A proporção do excedente operacional bruto (capital) que era de 38% em 1992, sobe para 44%, em 1998. O rendimento dos trabalhadores autônomos estagnou-se no período em torno de 6% (DIEESE, 2002). Enfim, são elementos objetivos de precarização do trabalho que atingem o conjunto do proletariado brasileiro, alterando o metabolismo social do trabalho no Brasil. (ALVES, 2009)

 Na América Latina, segundo dados da OIT, "o setor informal situa-se entre 40% e 70% do mercado de trabalho, com uma taxa de crescimento anual superior a 4%" (GOMEZ, 1999). Tal aspecto reforça a precarização laboral advinda com a intensificação e aceleração da produção em massa e com a instalação de grandes multinacionais que buscam um mercado de alta concorrência mundial.

Mudanças e lacunas na legislação trabalhista também contribuem para este cenário e trazem á tona desafios desta nova realidade social. Uma das mais polêmicas formas de flexibilização do trabalho, a terceirização, constitui um problema social que se agrava frente a instituição de uma nova legislação, a Lei 13.249/17. Utilizando-se metodologicamente de revisão bibliográfica, pretende-se com este artigo levantar algumas questões e reflexões acerca desta nova conjuntura social que se instaurou a partir da edição desta nova norma.


Terceirização do trabalho e a nova Lei 13.249/17

A terceirização corresponde à prática de substituição de funcionários regularmente contratados por trabalhadores terceirizados, ou seja, contratados por intermédio de uma empresa terceirizadora. Assim, transfere-se certas atividades a pessoas físicas ou jurídicas prestadoras de serviços, diminuindo os encargos trabalhistas inerentes a contratação regular de um funcionário, bem como responsabilidades sobre obrigações trabalhistas e de segurança do trabalho.

Esta prática, longe de ser novidade, vem sendo intensificada em nosso país desde a década de noventa e corresponde a uma parte substancial do atual mercado de trabalho. De acordo com um estudo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o total de trabalhadores terceirizados em 2013 no Brasil correspondia a 26,8% do mercado formal de trabalho, somando 12,7 milhões de assalariados. (CUT, 2014)

Pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no ano de 2010 aponta que os funcionários terceirizados recebem em média 27% a menos do que os empregados diretamente contratados e que desempenham a mesma função. Ainda, observou-se que os trabalhadores terceirizados são submetidos a uma jornada de trabalho 7% maior e permanecem empregados por menos da metade do tempo. (PENA, 2016)

Assim, a flexibilização gerada pela terceirização acarreta danos aos trabalhadores que envolvem diversos fatores como a piora nas condições de trabalho, rotatividade de ambiente, diante da falta de vínculo com a empresa contratante, aumento da jornada de trabalho, diminuição do salário, falta de representação dos trabalhadores terceirizados e dificuldade na organização dos empregados para lutas por melhorias e direitos, supressão do vínculo social com colegas de trabalho,  falta de perspectiva de ascensão no cargo, além da falta de qualificação profissional, haja vista a rotatividade e o desinteresse na qualificação específica. Nesse sentido Oliveira:

Os diversos atores da arena de regulação do mercado de trabalho operavam sob a lógica da globalização dos mercados e da  inserção do país em um espaço diferente do ocupado pelos países  desenvolvidos. Desse modo, o empresariado destacava como um  dos benefícios da terceirização a mobilidade do emprego da mão de obra, tornando a produção flexível e ajustada à demanda de  produtos e serviços, com possibilidade de incremento da taxa  de lucro. Por outro lado, essa manipulação unilateral tem efeito  imediato sobre os trabalhadores como a diminuição das condições gerais de trabalho e, em especial, do nível dos salários. (DROPPA e OLIVEIRA, 2012, p. 82)

Para agravar tal situação, a legislação trabalhista que até pouco tempo não regulava a prática da terceirização possuindo como embasamento legal apenas decisões jurisprudenciais, súmulas dos Tribunais e legislações específicas a algumas atividades  (como a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, a Lei nº 6.019/74 , a Lei nº 7.102/83 e o trabalho especializado), promulgou, em março de 2017, a Lei 13.429/17, com base no Projeto de Lei nº 4.302/1998, de relatoria do Deputado Laércio Oliveira (Solidariedade). A nova regra não alterou a perspectiva para os trabalhadores terceirizados, gerando, ao contrário, probabilidade de aumento da precarização dos postos de trabalho ao admitir a terceirização de atividade fim e não apenas atividade meio, como era permitido até então, podendo o terceirizado realizar qualquer atividade dentro da empresa tomadora de serviços.

Antes da nova regulamentação, a terceirização era considerada lícita apenas quando envolvia os terceirizados na execução de atividades-meio da tomadora, como, por exemplo, atividades de vigilância, conservação e limpeza, sendo considerada ilícita quando ocorria em serviços relacionados a atividade-fim ou ainda quando a relação estabelecesse pessoalidade ou subordinação direta de comando e dependência com o tomador de serviços.

Além da possibilidade de terceirização irrestrita, a nova regra trouxe modificações quanto a responsabilidade subsidiária da empresa contratante (tomadora dos serviços) no caso de descumprimento, por parte da empresa de locação de mão de obra, das regras trabalhistas. Apesar de isto possibilitar a cobrança frente as duas empresas, traz também ao trabalhador a desvantagem de ter que esgotar as tentativas de cobranças em ambas as partes antes de acessar a Justiça em busca de seus direitos.

Outro aspecto a ser levantado corresponde a livre filiação sindical prevista na Lei, segundo a qual o empregado terceirizado que labore no mesmo ambiente de trabalho que o empregado contratado poderá não ser representado pelo mesmo sindicato profissional. Esta característica dificulta a garantia dos direitos trabalhistas e exclui os terceirizados de possíveis acordos e convenções coletivas firmados entre empresa contratante e o sindicato da categoria. Além disso, cumpre ressaltar que a distribuição do "terceirizado em inúmeras organizações empresariais, [...] dificulta a aglutinação e a concentração típica necessária para a discussão e reivindicação de seus direitos básicos". (SANTOS, 2017)

Desta forma, a inovação legislativa apresenta um retrocesso no que tange aos direitos sociais, indo de encontro com os princípios consagrados na Carta Constitucional de 1988, que preconiza a dignidade da pessoa e a proteção dos direitos humanos fundamentais como a igualdade e o valor social do trabalho.

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Conclusão

A problemática e os desafios da sociedade de mercado, voltada para a produtividade em massa e para a intensificação da produção, podem gerar tensões e aprofundar as desigualdades sociais e a exclusão social:

A exclusão social, em sua configuração multifacetada, manifesta-se na subtração de direitos humanos fundamentais, como o trabalho regular, condignamente remunerado, e a educação formal progressiva de crianças e adolescentes impelidos a ingressar precoce e precariamente no trabalho. Implica a negação da equidade, da justiça e da cidadania, dando origem a um amplo leque de categorias excluídas. (GOMEZ, 1999)

Certo que a Consolidação das Leis Trabalhistas em muito aspectos encontra-se defasada, mantendo ainda sua redação de 1945, sobretudo frente as mudanças que, desde então, perpassaram as relações de trabalho. Contudo, uma norma que afasta ainda mais os trabalhadores de seus direitos fundamentais deve ser cautelosamente observada.

Devemos refletir acerca dos danos possíveis advindos destas mudanças, os quais podem abarcar a substituição dos trabalhadores contratados pelos terceirizados reduzindo os empregados com carteira assinada e gerando, consequentemente, um aumento do trabalho informal. Ademais, conforme descrito, os trabalhadores terceirizados costumam ter uma remuneração menor que os contratados e uma jornada de trabalho mais extensa.

Assim, pretende-se com este artigo, levantar a reflexão acerca do tema, demonstrando o retrocesso frente aos direitos humanos e sociais e a precarização do trabalho resultante desta ampliação da terceirização advinda com a Lei 13.429/17.


REFERÊNCIAS

Alves, Giovanni. Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal - Precarização do trabalho e redundância salarial. Revista Katál. Florianópolis, V. 12, nº. 2, p. 188 - 197, Jul/Dez 2009. Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1414-49802009000200008. Acesso em 15 set. 2017.

BRASIL. Lei 13429/17. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm. Acesso em: 22 dez. 2017.

CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES - CUT. Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha: / dossiê acerca do impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos / Secretaria. Nacional de Relações de Trabalho e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. São Paulo, 2014. Disponível em: https://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/Dossie-Terceirizacao-e-Desenvolvimentolayout.pdf. Acesso em: 15 set. 2016.

DROPPA, Alisson; OLIVEIRA, Walter. O judiciário trabalhista brasileiro e a questão da terceirização dos serviços. Revista Perspectivas, São Paulo, v. 41, p. 81-104, jan./jun. 2012. Disponível em:    Acesso em: 14 set. 2016.

DRUCK, Graça. TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E RESISTÊNCIAS: novos e velhos desafios? Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v24nspe1/a04v24nspe1.pdf. Acesso em: 15 set. 2016.

GOMEZ, Carlos Minayo; THEDIM-COSTA, Sonia Maria da Fonseca. Precarização do trabalho e desproteção social: desafios para a saúde coletiva. Ciênc. saúde coletiva [online]. 1999, vol.4, n.2, pp.411-421. ISSN 1413-8123.  Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81231999000200015. Acesso em: 15 set. 2016.

MOCELIN, Daniel Gustavo. Redução da jornada de trabalho e qualidade dos empregos: entre o discurso, a teoria e a realidade. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 101-119, fev. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v19n38/v19n38a07.pdf. Acesso em: 12 de set. 2016. 

PENA, Rodolfo F. Alves. Terceirização e trabalho. Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/geografia/terceirizacao-trabalho.htm>. Acesso em 16 set. 2016.

SANTOS, Enoque Ribeiro dos Santos. A nova Lei da Terceirização – Lei nº 13.429/2017 – Um cheque em branco ao empresariado. Revista Fórum Trabalhista - RFT Belo Horizonte, ano 6, n. 25, abr./jun. 2017. 

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Sobre a autora
Caroline Bianca Graeff

Advogada, Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas, RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRAEFF, Caroline Bianca. A precarização social do trabalho frente à Lei 13.249/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5293, 28 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63064. Acesso em: 19 abr. 2024.

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