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Verdade, consenso e os discursos contemporâneos, o que estamos verdadeiramente proclamando?

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31/03/2018 às 11:10
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A vontade da lei parece se inclinar à posição indicada pelos sermões dominantes. Existe um grande obstáculo a ser superado para que o discurso e a prática forenses caminhem na mesma direção. Entenda o que há com a comunicação, sob novos enfoques interpretativos.

RESUMO: Este artigo abordará, de forma pragmática, os métodos por meio dos quais a comunicação acontece nos sistemas sociais e seus desdobramentos. Observando a problemática por múltiplos olhares e interpretações diversas, derivadas das mais variegadas mentes, o presente trabalho suscitará dúvidas aos leitores (que deverão refletir criticamente), embora não se comprometa a apresentar todas as respostas esperadas (vez que os próprios leitores terão que encontrar tais correspondências avançando ainda mais no estudo/pesquisa dos fenômenos aqui pormenorizados de forma perfunctória). Logo, tal pesquisa se propõe a ser base (ou ponto de partida) para estudos mais profundos no que tange à linguagem, a argumentação e outras questões contemporâneas envoltas nos códigos que compõem os discursos feitos pelo/para o povo. O Direito é uma ciência em constante processo de construção e, na pós-modernidade, sua composição alimenta-se dos elementos intrínsecos aos sermões dominantes. Estamos indo, orientados pelos mais diversos anseios, e continuamos pela via que nos foi imposta, seja descalços ou com botas de sete léguas, porém, para onde? Em busca de uma perspectiva de resposta se inicia, doravante, esta construção.

Palavras-Chave: Comunicação – Discursos - Indivíduo - Poder – Pós-Modernidade – Povo - Sistemas Sociais – Facticidade.


METODOLOGIA

A pesquisa que ora se inicia atuará de forma DESCRITIVA, narrando, singela e superficialmente, alguns aspectos dos problemas que envolvem a comunicação hodiernamente enquanto processo de Construção do Direito e resolução de todos os problemas sociais. A discussão crítica é o principal anseio deste trabalho, que se presta a servir como mola impulsionadora para reflexões mais amplas e abissais sobre os temas aqui abordados. Segundo Umberto Eco[2]

“[...] Em geral os textos não explicam com que grande familiaridade os termos que empregam deixam a suspeita de que seus autores são muito mais inseguros do que aqueles que explicitam cada referência e cada passagem. Se você ler os grandes cientistas ou os grandes críticos, verá que, com raríssimas exceções, eles são sempre claros e não se envergonham de explicar bem as coisas.”

Serão utilizados como meio para realização desta pesquisas artigos científicos, textos jurídicos e, principalmente, obras doutrinarias indicadas pelo professor Rafael Lazzarotto Simioni ao longo das atividades da disciplina Metodologia e Análise do Discurso Jurídico, ligada ao programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, dentre outras obras que são mencionadas no bojo das primeiras e algumas que foram indicadas/selecionadas para completar este artigo. Conforme concebe Luhmann[3]

“La motodología clásica adiestra a los investigadores a comportarse como se fueran um único ‘sujeto’. Com eso se tiene la esperanza de poder continuar la tradición lógico-ontológica, que parte de la distinción ser/pensar, tratando de alcanzar al ser por el pensar. Sin Duda esta congruência es um objetivo loable, pero hay que preguntarse qué se pierde cuando la investigación se dirige de acuerdo com este objetivo.”

Complementando em Kant[4] tal pensamento e linha metodológica a ser perquirida, vemos a seguinte citação

“Todo aumento do conhecimento, todo progresso da percepção, é apenas uma extensão da determinação do sentido interno [...] Esta progressão no tempo determina tudo e em si permanece indeterminada, isto é, que as partes estão necessariamente no tempo e que sondadas pela síntese do tempo, porém não antes dela.”

Ao término, espera-se tornar mais clara a forma com que a linguagem constrói o Direito ao longo do tempo (ampliando a percepção avaliativa do leitor sobre tal evento), apontando a direção para a qual se acredita que os discursos contemporâneos estão conduzindo a humanidade e, ainda, tecendo sucintas considerações sobre sua interferência direta dos códigos de comunicação (individual/coletivo) nos sistemas sociais hodiernamente.


OBJETIVOS

Objetivo geral

O objetivo nevrálgico do trabalho que ora se inicia é a promoção da discussão crítica sobre a influência que a comunicação exerce no processo de construção do Direito (que é representado por meio da linguagem), com ênfase na pós-modernidade. De forma reflexiva, esta pesquisa anela tentar indicar a direção na qual segue a sociedade brasileira, ou eventualmente pugnar, ao final, pela possibilidade de a mesma encontrar-se desbussolada, prestando continência a discursos que não coadunam com a nossa realidade social.

Objetivos específicos

Os discursos são feitos em prol do povo, proclamam paz e vida boa para todos, ou são construídos direcionados ao povo como forma de argumentação-justificativa para o não cumprimento de promessas históricas?

 A linguagem é fidedignamente confiável? Até onde compreendemos verdadeiramente os códigos sem imiscuir o nosso próprio ponto de vista?

 O que querem os discursos na atualidade: anunciar esperança de tempos melhores ou preparar a humanidade para a barbaria e a miséria?


HIPOTESES

Os discursos apenas servem de espeque para manutenção do ‘status quo’. Enquanto muito é falado e prometido, pouco é realizado. Até o presente é possível identificar a figura ‘homo sacer’[5] na sociedade brasileira, mesmo quase três décadas após a promulgação da Constituição dirigente, os avanços científicos, tecnológicos e no campo da comunicação beneficiam apenas parcimônia daquilo que é conhecido como ‘povo’.

Somos facilmente conduzidos ao erro, primeiro porque não temos a preparação adequada ao longo de nossas vidas para lidarmos com a verdade (ou não) nos textos, normas, exortações, sermões, etc. Segundo, porque não somos acostumados a investigar, aceitamos sem grandes esforços a ‘opinião oficial’ e repetimos o discurso dominante (seja ele qual for) sem racionalizar sobre.

Em nossos dias, se por um lado os meios de comunicação entre os indivíduos estão cada vez mais acessíveis a todas as pessoas, lado outro os próprios indivíduos estão se tornando seres solitários, solipsistas e carentes de (afeto, orientação, espiritualidade). Não há sinais exatos, vez que avançamos e retrocedemos rotineiramente; o que parece é que estamos andando em círculos sem nos darmos conta disso.


INTRODUÇÃO – REFERENCIAL TEÓRICO

A única certeza possível no universo do Direito é que ele encontra-se em constante processo de transformação. O presente artigo investigará a forma com que os discursos engendram a realidade, na medida em que são aceitos e tidos como verdadeiros. Local onde língua e ideologia se encontram, percebemos que o real e a realidade nem sempre são a mesma coisa.

Os anseios expressos no documento[6] mais importante deste país ainda não foram concretizados. O mundo segue em direção ignota engendrando perspectivas multifárias e neste caminhar novos sujeitos, conjecturas e desafios aparecem a cada momento. A linguagem ganha nova roupagem e os textos já não dizem o que neles está contido. Nesta perspectiva, a busca pela Justiça fica comprometida a interpretações subjetivas e a argumentação pode ser moldada conforme a vontade prévia de quem está julgando ou mesmo tomando decisões administrativas. Conforme lição de Lenio Streck[7]

“À evidência, o Judiciário e as demais instâncias de administração da justiça são atingidas diretamente por essa crise. Com efeito, o sistema de administração da justiça (...) consegue enfrentar, de forma mais ou menos eficiente, os problemas que se apresentam rotinizados, sob a forma de problemas estandardizados. Quando, porém, surgem questões macrossociais, transindividuais, e que envolvem das ditas ‘normas programáticas’ constitucipanis, tais instâncias, mormente o Judiciário, procuram, nas brumas do senso comum teórico dos juristas, interpretações despistadoras, tornando inócuo/ineficaz o texto constitucional”.

Na pós-modernidade[8] a comunicação apresenta complexa estrutura. Já não é certo que os textos dizem o que suas palavras expressam. Neste sentido continua o professor[9]

“Isto porque o ‘discurso-tipo’ da dogmática jurídica estabelece os limites do sentido e o sentido dos limites do processo hermenêutico. Conseqüentemente, estabelece-se um enorme hiato que separa os problemas sociais do conteúdo dos textos jurídicos que definem/asseguram os direitos individuais e sociais/fundamentais.”

As fronteiras estão cada vez mais próximas, as pessoas se comunicam em tempo real não obstante seu distanciamento geográfico (por maior que seja). Todavia, quanto mais informação é compartilhada ‘prima facie’ entre as pessoas, menos verdadeiramente elas entendem (e/ou observam) as mensagens umas das outras.

A palavra é a maior força de um homem, sua expressão se dá pelas mais diversas e imagináveis formas. Historicamente, o ‘homo faber’, já há milhares de anos, registrava por meio de pinturas nas cavernas, acontecimentos importantes em sua comunidade. Entender o presente sem incorrer no risco de se fazer um estudo anacrônico exige que o pesquisador tenha um conhecimento prévio do contexto no qual está inserido, pois só assim é possível, verdadeiramente, saber a razão de as coisas serem como são agora. Conforme a perspectiva do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer[10]

“O caso individual não se limita a confirmar uma legalidade, a partir da qual, sem sentido prático, se poderia fazer previsões. Seu ideal é, antes, compreender o próprio fenômeno na sua concreção singular e histórica. Por mais que a experiência geral possa operar aqui, o objetivo não é confirmar nem ampliar essas experiências gerais, para se chegar ao conhecer de uma lei por exemplo, como se desenvolvem os homens, os povos, os estados, mas compreender como este homem, este povo, este estado é o que veio a ser; dito genericamente, como pode acontecer que agora é assim.”

De certa forma, não mais existem certezas inarredáveis e é em busca de explicações que seguirá o presente estudo, tendo como anseio poder ao final apontar direcionamentos e indicar rotas onde o leitor poderá aprofundar ainda mais o seu conhecimento sobre os temas aqui apresentados.


PROBLEMA

A presente pesquisa servirá como início para outros estudos mais avançados. Sua contribuição no universo acadêmico se faz importante, vez que tudo no campo do Direito gira em torno da comunicação, aliás, sua própria expressão se da por meio da linguagem. De acordo com Juan Capella[11]

“El análisis del derecho, em su forma más abstracta o general, tiene por objeto su fundamental aspecto lingüístico. El derecho se expressa necessariamente por meio del lenguaje. Por supuesto, su estudio no se puede realizar fecundamente solo a través de este componente lingüístico suyo. Muy constrário: los contenidos materiales son el quid del derecho, y el jurista necesita uma formación cuidadosa para comprender esa problemática material.”

Falar a língua do outro neste período em que o ser humano passa por transformações radicais, é algo que vai além de meras traduções e interpretações. Se por um lado criamos inovações tecnológicas que possibilitam a comunicação em tempo real em um custo mínimo, lado outro, as próprias pessoas estão se tornando cada vez mais frágeis, dependentes e de certa forma abandonadas por seus semelhantes.

No último século, em cotejo ao restante de toda a história da humanidade, os códigos foram praticamente todos recriados. Os métodos de contato passaram por radicais transformações e sem tempo para alguma reflexão sobre as vantagens/desvantagens dessas novidades, seguimos de certa forma perdidos, aguardando eventual orientação ou mesmo um gesto de afeto de alguém nunca antes percebido.

O papel do outro na minha individualidade apresenta novos contornos, assim como a relação que o todo mantém com suas partes e o centro com suas periferias. Nesta centelha, Jacques Derrida[12] admoesta o seguinte

“Endereçar-se a outrem na língua do outro é, ao mesmo tempo, a condição de toda justiça possível, ao que parece, mas isso parece não apenas rigorosamente impossível (já que só posso falar a língua do outro na medida em que dela me aproprio, ou que a assimilo segundo a lei de um terceiro implícito), mas até mesmo excluído da justiça como direito, na medida em que parece implicar um elemento de universalidade, o recurso ao terceiro que suspende a unilateralidade ou a singularidade dos idiomas.”

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Rafael Simioni[13] fundamentando-se na obra de Niklas Luhman[14] narra com propriedade que política e poder são coisas diferentes na atualidade. O poder é o meio de comunicação que estrutura o sistema político da sociedade. Assim, a política opera de modo recursivo com base no poder, ao mesmo tempo em que o poder disponibiliza as formas de comunicação do sistema político.

Por isso é importante ter presente que o poder, enquanto meio de comunicação do sistema político, não é um recurso social exclusivo do poder político estatal. Noutras palavras, quem domina os códigos de linguagem domina o poder, ou seja, a comunicação (transmissão de informações) é a arma mais forte que qualquer indivíduo, povo ou mesmo Estado possa querer dominar no século XXI.

Ainda na leitura de Simioni[15] depreende-se que essa reestruturação do sistema político, contudo, ocorreu de modo gradual. Primeiro, foi a divisão do Estado. Depois, a separação de poderes do modelo do iluminismo burguês. E somente com a separação dos poderes tornou-se então possível uma democratização do sistema político, que conduz à criação de uma nova referência politicamente relevante: a opinião publica. Avançando, é preciso diferir esta última da ‘opinião oficial’ que às vezes se faz passar pela primeira já que os meios de comunicação em massa são manipulados/manipuláveis e subordinados a interesses particulares (geralmente dos detentores do capital e dos donos do poder).

Nesta busca zetética pelo diálogo racional e o consenso, a ciência do Direito demonstra ter vida e inteligência própria que independe da realidade de seus operadores. O que está gravado nos códigos escritos, além de estar em muitas vezes distante das efervescências humanas; jurisprudência de interesses, discursos tendenciosos, metodologias autofágicas e a ausência de uma forma pura que separe Direito e Moral, já não diz o que pensamos estar dizendo. Voltando à Derrida[16] encontramos a seguinte reflexão

“Um questionamento sobre os fundamentos do direito, da moral e da política [...] não é nem fundamentalista nem anti-fundamentalista. Acontece mesmo, ocasionalmente, ele colocar em questão ou exceder a possibilidade ou a necessidade última do próprio questionamento, da forma questionadora do pensamento, interrogando sem confiança nem preconceito a própria história da questão e de sua autoridade filosófica. Pois existe uma autoridade portanto uma força legítima da forma questionadora, a respeito da qual podemos nos perguntar de onde ela tira uma força tão grande em nossa tradição.”

A insegurança e a incerteza são características marcantes de nossa época sendo inegável que o Direito sofre uma crise existencial e uma influência voraz por parte de outras ciências. Nesta ala de compreensões é possível perceber na exposição das idéias uma retomada à moral como sendo um possível direcionamento. Consoante Ingeborg Maus[17]

“Apesar dos contínuos processos de juridicização, as normas jurídicas são praticamente desconhecidas nesses campos sociais e por isso não teriam conseqüências para a vivência imediata dos indivíduos. Eles dirigem-se efetivamente aos aparatos do Estado, apesar de todas as estratégias em contrário por parte da jurisprudência e da metodologia jurídica.”

Inúmeros são os problemas que brotam desta discussão, razão pela qual o presente trabalho torna-se além de atual, mui interessante para os estudantes de Direito, que podem nele encontrar algumas razões que explicam a crise que estamos vivenciando em nossos dias já que os consensos possuem duração efêmera, a verdade é sempre relativa e não sabemos ao certo o que estão reivindicando as orações na contemporaneidade.

Discursos para o povo ou pelo povo?! Da maiêutica socrática à invenção do ‘WhatsApp’.

 “O todo é sempre maior do que a simples soma das suas partes.” Aristóteles.               

A partir das teorias contratualistas[18], o homem em sociedade concebe o Estado e daí em diante uma nova direção é por ele seguida. Segurança, certezas e outras questões caem por toda na pós-modernidade (ainda que tardia como a brasileira) re-configurando a lógica cultural que valoriza o relativismo em um conjunto de processos intelectuais flutuantes e indeterminados. É o fim das metanarrativas e Luiz Werneck Vianna[19] lança luzes à discussão na seguinte passagem:

“É todo um conjunto de práticas de novos direitos, além de um continente de personagens e temas até recentemente pouco divisável pelos sistemas jurídicos – [...] os novos objetos sobre os quais se debruça o Poder Judiciário, levando a que as sociedades contemporâneas se vejam, cada vez mais enredadas na semântica da justiça. É, enfim, a essa crescente invasão do direito na organização da vida social que se convencionou chamar de judicialização das relações sociais”.

A linguagem se tornou tão ampla que fez a comunicação em nossos dias parecer ser outra realidade; tudo está embaralhado e as próprias criações humanas parecem confundir seus sentidos. Nas palavras de Edgar Morin[20]

“À primeira vista, o céu estrelado impressiona pro sua desordem: um amontoado de estrelas, dispersas ao acaso. Mas, ao olhar mais atento, aparece a ordem cósmica, imperturbável, cada noite, aparentemente desde sempre e para sempre, o mesmo céu estrelado, cada estrela no seu lugar, cada planeta realizando seu ciclo impecável. Mas vem um terceiro olhar [...] exige que concebamos conjuntamente a ordem e a desordem; é necessária a binocularidade mental, uma vez que vemos um universo que se organiza desintegrando-se.”

Algo deixa-nos em constante estado de alerta. Não obstante as satisfações pessoais, enorme é a dificuldade encontrada para se manter o equilíbrio pessoal neste período conhecido como constelação pós- nacional[21], modernidade reflexiva[22], ou ainda, segunda modernidade.[23] Gadamer[24] alerta nos que

“O homem se caracteriza pela ruptura com o imediato e o natural, vocação que lhe é atribuída pelo aspecto espiritual e racional de sua natureza. Segundo esse aspecto, ele não é por natureza o que deve ser”, razão pela qual tem necessidade de formação.

Quem sou eu, ou mesmo quem é o povo[25] na perspectiva deste ente administrador? Como o Estado me enxerga em seus discursos e suas imposições é uma dúvida latente na mente dos pesquisadores contemporâneos, somos amigos ou será que nos tornamos apenas servos daquele que foi criado para nos servir?! Bernard Manin[26] atenta ao fato de a distância entre os representantes e os representados parece estar aumentando a cada eleição, tornando ainda mais distante a relação existente entre os governantes e seus governados.

Em Hobbes[27], um grupo de indivíduos significaria tão e unicamente a união de individualidades que se conservam como tal até que entre eles exista uma assembléia para escolha de uma líder a quem todos conferem certa autoridade e obediência, ou seja, o povo só expugna unidade e força política por meio da escolha de um representante, que é eleito após debates onde todos podem exprimir suas opiniões. Klaus Guther[28] de forma excelsa e emotiva expressa

“A verdade é possibilitada por regras, como franqueza ou reconhecimento da repartição de encargos argumentativos. Como processo, afinal, argumentações buscam alcançar um consenso racionalmente motivado entre os participantes. Devem reinar condições gerais de simetria que excluam qualquer coação, exceto a do melhor argumento.”

A vida em sociedade grita por fraternidade, e renúncias. A aceitação do Estado implica diretamente na renúncia a certas liberdades individuais. Gadamer[29], se referindo às questões que estão nas estrelinhas da relação sujeito, Estado e sociedade nos lembra que:           

“A formação como elevação á universalidade é pois uma tarefa humana. Exige um sacrifício do que é particular em favor do universal. O sacrifício particular, porém, significa, negativamente, inibição da cobiça e, com isso, liberdade do objeto da cobiça e liberdade para sua objetividade.”

Neste enredo, pertinentes se tornam as seguintes palavras de Klaus Gunther[30]

“A validade de normas dependerá de que as conseqüências e os efeitos colaterais da sua observância, sob circunstâncias inalteradas para os interesses de cada um individualmente, sejam aceitas por todos os implicados conjuntamente. Esse princípio moral somente poderá ser aplicado como regra de argumentação em discursos, nos quais a potencial generalização dos interesses se extra na aceitabilidade das razões, apresentadas por participantes de direitos iguais.”

Desde os tempos das cavernas, o ser humano já apresentava alguma preocupação em registrar certos acontecimentos por meio de pinturas e outras formas primitivas. A linguagem foi ganhando novos códigos, novas formas, conseguimos nos comunicar mais, porém não melhoramos consideravelmente nossa compreensão sobre nós mesmos e nossas ações.

O real e a realidade são paradoxos, vivemos cercados por dúvidas e já não confiamos nem mesmo em nossos sentidos e instintos; não sabemos se a via correta é fenomenológica, estruturalista, hermenêutica, existencialista, discursiva, lingüística, psicanalista, epistemologia, desconstrutivista, etc. Na obra de Eni Orlandi[31], depreende-se a seguinte orientação

“Já de início é preciso distinguir, no interior da noção de exterioridade, o que é o real e o que é a realidade. Aí intervém o conceito de interdiscurso que provê o dizer de uma memória, de uma tradição de sentidos: o saber dos sentidos. A realidade aí se sustenta e toma forma. O sentido se torna, assim, visível pela instituição, pelo consenso social. É o que em análise de discurso se chama condições de produção.”

Michel Pêcheux[32], olhando criticamente a questão, doutrina no seguinte sentido

“Supor que, pelo menos em certas circunstâncias, há independência do objeto face a qualquer discurso feito a seu respeito, significa colocar que no interior do que se apresenta como o universo físico-humano (coisas, seres vivos, pessoas, acontecimentos, processos...) ‘há real’, isto é, pontos de impossível, determinando aquilo que não pode não ser ‘assim’.”                       

Tudo está interligado, e seja de forma sintática, semântica ou pragmática, é possível verificar a interferência direta dos discursos dominantes na realidade individual das pessoas. Estamos todos vigiando todos pelas redes sociais e ao mesmo tempo, nos encontramos perdidos em nossa existência. Questões pequenas se tornaram importantes a sociedade em redes vivo um constante risco. Na perspectiva do sociólogo alemão Niklas Luhmann[33]

“Elevou-se tanto a aspiração pelo adequado, verdadeiro, e justo, que os problemas já não podem ser resolvidos naquela mesma ordem, mas sim em uma prática de acordos momentâneos, para situações de passagem. Assim, atualmente, não se aspira ao consenso, mas ao acordo passageiro, e isso ocorre em um espectro muito amplo da realidade, que vai da política à relação matrimonial.”

Até onde a linguagem é leal à verdade? Deciframos corretamente todos os códigos (do indivíduo ao coletivo)?!

“O dicionário também foi assassinado pela organização criminal do mundo, as palavras já não dizem o que dizem ou não sabem o que dizem.”

Eduardo Galeano.

Michel Foucault[34] adverte que é muito abstrato separar os rituais da palavra, as sociedades do discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais. A maior parte do tempo, eles se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam e os diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Novamente, nas preciosas lições de Gadamer[35]

“É claro que a linguagem, ainda que nela o que se tem em mente esteja subordinado à generalidade de um significado prévio das palavras, não deve ser pensada como a combinação desses atos em virtude dos quais algo particular é subordinado em cada caso sob um conceito geral. Quem fala, ou seja, quem faz uso dos significados comuns das palavras está de tal modo voltado para o aspecto particular da intuição objetiva que tudo o que diz participa da particularidade das circunstâncias que tem diante de si.”

E continua Hans-Georg Gadamer[36], da seguinte forma, a temática ‘a quo’

“Nesse sentido, o esquema lógico de indução e abstração pode ser uma fonte de enganos, na medida que a consciência que temos da linguagem não comporta nenhuma reflexão expressa sobre o que é comum a coisas diversas, e o uso das palavras em seu significado geral não compreende o que essas visam e designam, como se elas representassem um caso particular subsumido sob a generalidade.

Quando, portanto, a natureza libertou de seu duro envoltório o germe sobre o qual ela velava mais ternamente, ou seja; a inclinação e a vocação para pensar livremente, então a sensibilidade humana (graças à qual este se torna cada vez mais capaz de ter a liberdade de agir) comunicando-se livremente e criando discursos de convencimento/justificativa. Em Niklas Luhmann[37]

“Quanto mais se pensa na diversidade empírica de cada indivíduo, mais difícil é concluir que a comunica consiste na utilização de uma igualdade ou de uma semelhança. Evidentemente um observador pode estabelecê-las, mas, do ponto de vista elementar, só é possível confirmar que houve comunicação, mas não se podem especificar as igualdades dos conteúdos comunicacionais nos indivíduos particulares.”

Considerando que todos estão potencialmente aptos a oferecer interpretações ao texto, a sociedade fragorosamente se torna aberta e livre. A opinião pública, embora distante de ser organizada e espontânea, pressiona certas ações por meio de seu grito. Todavia, vivemos em tempos de instabilidade. Toda narração pode ser descredenciada por outra e por mais absurda que esta por vir a ser germinará a dúvida deixará em xeque a certa anteriormente expugnada. Na concepção de Michel Foucault[38]

“Existe em nossa sociedade outro princípio de exclusão: não mais a interdição, mas uma separação e uma rejeição. Penso na oposição razão e loucura. Desde a alta Idade Média o locuo é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um ato ou um contrato, não podendo nem mesmo, no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo; pode ocorrer também, em contrapartida, que se lhe atribua, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber.”

Após a virada lingüista, o sentido das coisas não está nelas próprias, mas sim na comunicação enquanto produção de sentidos (e não a percepção pura e simples que possamos ter das mesmas). Nesta linha de pensamento, Martin Heidegger[39], mostrando que é possível no meio do caminho voltar atrás e reescrever a história do presente refazendo conceitos, códigos, a linguagem e, principalmente, a direção a ser tomada, como se vê

“Se o ser no mundo é uma constituição fundamental da presença em que ela se move não apenas em geral, mas, sobretudo, no modo da cotidianidade, então a presença já deve ter sido sempre experimentada onticamente. Incompreensível seria uma obnubilação total, principalmente porque a presença dispõe de uma compreensão ontológica de si mesma, por mais indeterminada que seja.”           

O ser existe e tem consciência de tal existência, todavia, não consegue dominar as exortações que lhe atingem por menores ou maiores que sejam. Pierre Achard[40] continuando a discussão assevera então que

“Do ponto de vista discursivo, o implícito trabalha então sobre a base de um imaginário que o representa como memorizado, enquanto cada discurso, ao pressupô-lo, vai fazer apelo a sua (re)construção, sob a restrição ‘no vazio’ de que eles respeitem as formas que permitam sua inserção por paráfrase. Mas jamais podemos provar ou supor que esse implícito (re)construído tenha existido em algum lugar como discurso autônomo.”

É neste azo então que Michel Pêcheux[41] vai disser:

“Nesse espaço de necessidade equívoca, misturando coisas e pessoas, processos técnicos e decisões morais, modo de emprego e escolhas políticas, toda conversa (desde o simples pedido de informação até a discussão, o debate, o confronto) é suscetível de colocar em jogo uma bipolarização lógica das proposições enunciáveis com, de vez em quando, o sentimento insidioso de uma simplificação unívoca, eventualmente moral, para si mesmo e/ou para os outros.”

Logo, não temos qualquer certeza, porém, gostamos de acreditar que os discursos representam gritos da verdade: nos é apetecível acreditar que estamos na direção correta e que dominamos nossa linguagem (embora saibamos que tal não é de todo verdade). Juan Ramón[42]ministra que

“La verdad o falsedad de los enunciados puede ser tal por razones extralingüísticas, est es, cuando el análisis interno del enunciado puede indicarnos nada acerca de su verdad o falsedad, y em este caso la verdad o falsedad se califica de material, o bien depende solo de los rasgos linguísticos del enunciado, em cuyo caso nos habllaremos ante uma verdad o falsedad formal.”

Como se vê, toda comunicação é um discurso com conteúdo direcionado, porém, nem sempre o indivíduo entende a mensagem do coletivo, sendo a recíproca também verdadeira. Novamente, nas sábias palavras de Pierre Achard[43]

“A enunciação, então deve ser tomada, não como advinda do locutor, mas como operações que regulam o encargo, quer dizer a retomada e a circulação do discurso. Entre outras conseqüências desta concepção, levaremos em conta o fato de que um texto dado trabalha através de sua circulação social, e que ela se diferencia seguindo uma diferenciação das memórias e uma diferenciação das produções de sentido a partir das restrições de uma forma única.”

Pelo que bradam os discursos na Pós-Modernidade; Armistício, paz perpétua[44] ou outra realidade impensada?!

“Id quod per aliud non potest concipi, per se concipi debet.”

Spinoza, Ethica I, Axiomata II.

As pessoas devem ter condições de paridade nas oportunidades, de modo que o princípio ‘U’ ou o amor entre os habitantes da Terra, deve estar presente em todas as ações individuais ou coletivas e, principalmente, nos discursos que são proclamados, seja em solilóquios ou nos grandes canais midiáticos.

Só conseguimos chegar onde estamos graças à nossa incrível capacidade de memória e aos armazenamentos de dados que fazemos, principalmente para as futuras gerações. Observando a História, Niklas Luhmann[45] nos lembra

“Graças à escrita, é possível encontrar em cada presente uma combinação de diferentes presentes, que são únicos para outro passado ou presente. O efeito da escrita consiste na separação espacial e temporal entre o ato de transmissão e o de recepção. Portanto, a metáfora da transmissão ligada à ideal da simultaneidade na qual não se deixa terreno para analisar a relação entre espaço e tempo não é suficiente para explicar o fenômeno constitutivo da comunicação.”

Na modernidade, o discurso prevalecente bradava no sentido de que a civilização iria vencer seus problemas, todavia, não foi isso o que exatamente aconteceu.  É chegado o fim de certas utopias e das grandes metanarativas que serviram de sustentáculo para ‘status quo ante’, ascendendo um estilo de vida estético, individualista, consumista, líquido e inconsistente.

O Direito é algo construído, portanto pode ser a qualquer momento desconstruído, lado outro a justiça só é possível como experiência do impossível. Neste azo, descobrimos que o Direito não é a Justiça, mas sim um elemento do cálculo onde se espera mensurar o imensurável. A Hermenêutica se apresenta contrária a métodos, todavia, não seria tal negativa uma nova metodologia?!

A vontade da lei parece se inclinar à posição indicada pelos sermões dominantes. Quando se existem argumentações contrárias e o consenso não é óbito, alguém decidirá qual a melhor argumentação; todavia, não estará aí uma carga de subjetividade que torna sem valor toda a comunicação pré-estabelecida?! Existe um grande obstáculo a ser superado para que o discurso e a prática forense caminhem na mesma direção. De acordo com Klaus Gunther[46]

“Com o princípio (U), a validade de normas dependerá de que as conseqüências e os efeitos colaterais da sua observância, sob circunstâncias inalteradas para os interesses de cada um individualmente, sejam aceitas por todos os implicados conjuntamente. Esse princípio moral somente poderá ser aplicado como regra de argumentação em discursos, nos quais a potencial generalização dos interesses se expressa na aceitabilidade das razões, apresentadas por participantes de direitos iguais.”

E, mais uma vez, conforme as preciosas lições de Gadamer[47]

“De certo essa universalidade não é uma universalidade do conceito ou da compreensão. Não se termina algo particular a partir de algo universal, não se pode comprovar nada por conclusão. Os pontos de vista universais para os quais a pessoa formada se mantém aberta não são um padrão fixo de validade, mas se apresentam apenas como pontos de vista de possíveis outros.”

A incerteza nos assusta, incomoda, perturba nossa realidade na medida em que não sabemos pelo que bradam os discursos na contemporaneidade. Estaremos agora em um período de armistício ou preparando os alicerces da paz perpétua?! Michel Foucault citando Kant[48]nos que lembra que “não é nos grandes acontecimentos que devemos buscar o signo rememorativo, demonstrativo e prognóstico do progresso; é nos acontecimentos bem menos grandiosos, bem menos perceptíveis.”

Os limites das possibilidades de nossa mente foram superados com as formas de comunicação em nossos dias. As disjunções/separações entre as ciências naturais e as ciências humanas. Nas lições de Michel Foucault[49]:

“O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem, uns a partir dos outros. Daí a recusa das análises que se referem ao campo simbólico ou ao campo das estruturas significantes, e o recurso às análises que se fazem em termos de genealogia das relações de força, de desenvolvimentos estratégicos e de táticas. Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística. A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística.

Diariamente absorvemos inúmeras informações que nos chegam pelas redes nas quais estamos inseridos. Não há no mundo de hoje a ilha do Robinson Crusoé, onde possamos nos refugiar dessa nova realidade. Estaria o conceito de ‘comunicação’ ultrapassado? Embora não saibamos ao certo para onde estamos indo, seja nas relações individuais, seja nas relações entre o Estado e seus indivíduos, nas relações entre os Estados e, principalmente, nas relações que existem entre os novos macro-sujeitos na esfera global. Antes de concluirmos a presente pesquisa, memorável e absolutamente atual se torna a seguinte indagação luhmanniana[50]

“Pode ser que o conceito de comunicação já não seja suficiente para ordenar essa situação, ou que estejamos no momento que se antecipa que muito do processamento de informação de nossa sociedade já não pode ser classificado como comunicação. Será que o processo de totalização da comunicação levará como pensa Baudrillard ao desaparecimento do processo comunicacional, ou será que só agora começa a se tornar realidade o cego encerramento do sistema de comunicação social?”           

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Sobre o autor
Daniel Edson Alves e Silva

advogado, mestrando em Direito pela FDSM, professor de Sociologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Daniel Edson Alves. Verdade, consenso e os discursos contemporâneos, o que estamos verdadeiramente proclamando?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5386, 31 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64379. Acesso em: 29 mar. 2024.

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