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As principais alterações no CPC relativas à fazenda pública

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O CPC/2015 perdeu um grande oportunidade de diminuir as prerrogativas processuais da fazenda como forma de melhor democratizar o processo civil, inclusive para melhor atender ao interesse público que visa proteger.

Inicialmente, revela-se importante ter em mente que o CPC/2015 manteve as diretrizes gerais do sistema processual do CPC/1973, configurando como grande mudança no ordenamento até então vigente a possibilidade de utilização de instrumentos que permitem a solução de litígios de forma massificada através da aplicação do sistema de precedentes judiciais e dos incidentes de demandas repetitivas.

Em que pese possa dar um salto quantitativo nas resoluções das demandas judiciais, em nome de uma pretensa celeridade processual, perde-se a possibilidade de uma análise mais profunda e peculiar do caso concreto posto em julgamento.

Ademais, a possibilidade de suspensão de processos nos sistemas em referência mostra-se grande inibidor do andamento processual que se quer célere, desvirtuando por completo o quanto pretendido pelo legislador ao admitir esses procedimentos na ritualística processual brasileira.

Não se pode olvidar que, além de tolher por completo a atividade jurisdicional do juiz de primeiro grau, faz deste importante ator da dialética processual um mero repetidor de entendimentos dos Tribunais em nome de uma suposta segurança jurídica, transmudando e revelando o aspecto autoritário presente no novo código de ritos.

 Toda essa problemática fica ainda mais evidente quando pensamos na Fazenda Pública em Juízo, tendo em vista que tal ente trata-se de um dos maiores, senão o maior litigante do Poder Judiciário na atualidade e desde sempre.

Sabemos que em razão do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, o interesse da coletividade sobrepõe-se ao individual, voltando-se a uma ideia de existência de um bem comum pensado como um benefício a ser compartilhado por todos de maneira indistinta.

Desse princípio decorre que quase sempre deverá haver uma posição de privilégio do órgão que deverá se encarregar do necessário zelo ao interesse público, como forma de exterioriza-lo nas relações que travar com o particular, evidenciando uma verdadeira supremacia da Administração Pública.

Isso traz como consequência várias restrições e especiais sujeições no momento em que a atividade pública for realizada, assegurando a necessidade de imposição da autoridade da Fazenda Pública.

Tudo isso, também, está ligado a ideia de indisponibilidade do interesse público como corolário da premissa de que os bens públicos não podem ser apropriados por outrem em decorrência da ampla proteção que se deve dar aos bens e interesses públicos.

Sob esse prisma de resguardo do interesse público, se pensarmos que a Administração Pública é a maior interessada na celeridade do Poder Judiciário, o discurso oficial exposto por aqueles responsáveis pela elaboração do novo código mostra-se contraditório e desalinhado com a realidade, tendo em mente que a Fazenda Pública se trata do maior responsável pelo seu assoberbamento.

A grosso modo, toda essa realidade deveria observar o princípio constitucional da razoável duração do processo e da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da CF), já contemplado, no que concerne a Administração Pública, na previsão do princípio da eficiência (CF, art. 37, caput).

Observa-se, inclusive, que a duração razoável do processo não se dirige apenas aos órgãos do Poder Judiciário, mas a todos os atores processuais, ganhando especial relevo a grande responsabilidade que a Fazenda Pública tem na implementação dessa garantia constitucional em face dos inúmeros privilégios processuais que possui.

No entanto, apesar das boas intenções, trata-se o princípio da duração razoável de norma de conteúdo muito mais programático do que uma norma constitucional de eficácia plena e de efeitos concretos, apesar do § 1º do art. 5º da Constituição afirmar que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais terem aplicação imediata.

O fato é que o legislador do CPC/2015 perdeu um grande oportunidade de diminuir as prerrogativas processuais da Fazenda Pública como forma de melhor democratizar o processo civil, inclusive para melhor atender ao interesse público que visa proteger.

E um desses instrumentos que colidem de maneira frontal com a concepção democrática do processo civil é a manutenção da possibilidade de manipulação do sistema recursal pela Fazenda Pública através do esgotamento exaustivo de recursos processuais, protraindo a efetividade da promoção do direito do jurisdicionado através de teses de defesa processual indireta que passam ao largo das questões de mérito já delimitadas e exauridas, ficando a gravidade da situação ainda mais evidente quando se verifica que manteve-se o prazo em dobro para recorrer (art. 183), com a agravante de que tal prazo é contado em dia útil (art. 219).

Essa situação não muda o sentimento de que a Administração Pública vem padronizando, ao longo dos tempos, a conduta de quanto maior a procrastinação, melhor. 

No entanto, para não ficar apenas nas questões odiosas no que se refere às prerrogativas processuais da Fazenda Pública, uma importante alteração do CPC/2015, que foi considerada uma inovação, foi a dos honorários de sucumbência devidos ao advogado vencedor (art. 85, §§ 3º ao 7º).

O CPC/1973, através do art. 20, § 4º, previa que nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, os honorários seriam fixados consoante apreciação equitativa do juiz, sem qualquer critério objetivo mínimo e razoável.

A falta de objetividade do dispositivo acima se mostra em razão da expressão “apreciação equitativa” revelar-se um conceito aberto, indeterminado e assaz subjetivo, o que redundou em diversos equívocos por parte dos Tribunais que em muitos casos confundia tal critério com condenações sucumbenciais ínfimas, chegando-se ao ponto de que condenações milionárias redundavam em fixação de honorários quase que irrisórios, em uma interpretação totalmente favorável a Administração Pública.

O CPC/1973, ao estabelecer que os honorários sucumbenciais contra a Fazenda Pública deveriam ser valorados de maneira “equitativa”, subjetivava sobremaneira a sua apreciação por parte dos julgadores, não reconhecendo de maneira devida o trabalho realizado pelo advogado da parte vencedora.

O CPC/2015 trouxe um grande inovação ao dispor, no art. 85, § 3º, regra específica e objetiva, tanto em decisões contrárias ou favoráveis ao Poder Público, readequando os critérios referentes aos honorários de forma a reajustar e contemplar de maneira justa a remuneração dos advogados, com a previsão de percentuais mínimos e máximos de acordo com o valor envolvido em cada causa, o que traz a necessária racionalidade ao sistema, inclusive com a possibilidade de majoração dos honorários em casos de recursos manejados pelas partes.

Veja que os novos critérios adotados pelo CPC/2015, se bem aplicados, poderão configurar em um importante filtro para garantir a efetiva promoção dos direitos dos jurisdicionados nas querelas judiciais em que se sagrarem vencedores, em razão do obstáculo que poderá ser conferido a tais expedientes para a interposição de recursos e medidas judiciais protelatórias por parte da Fazenda Pública, notadamente se aplicada a majoração dos honorários em caso de recursos que não obtenham sucesso nas instâncias superiores.

Trata-se, aqui, de uma análise econômica do direito que a Fazenda Pública deverá realizar para verificar se, em demandas em que há o reconhecimento do mérito favorável à parte contra qual litiga, seria viável economicamente a interposição de recurso quando patente a possibilidade de insucesso, ou seja, deve-se ter em mente o impacto financeiro no orçamento público que a adoção de medidas judiciais procrastinatórias possam ter e se realmente compensa retardar a satisfação do direito já conquistado pelo jurisdicionado.

São situações que acabam por mitigar a conduta do quanto mais demorado melhor, forçando a Fazenda Pública a adotar postura diferente frente as lides processuais de que participa, podendo redundar em uma possível quebra de paradigma.

Outra mudança significativa trazida pelo CPC/2015 é cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, prevista nos artigos 534 e 535, tendo em vista que o CPC/1973 previa que a satisfação do crédito, seja oriundo de título judicial ou extrajudicial, derivava de processo de execução autônomo.

Contudo, com o CPC/2015 não haverá mais a necessidade de instauração de processo autônomo, com a citação da Fazenda Pública para a oposição de embargos, mas será requerido ao credor do cumprimento da sentença que apresente demonstrativo discriminado e atualizado dos valores aferidos dentro dos limites determinados pelo título a ser satisfeito, preenchidos os requisitos constantes dos incisos do art. 534, intimando-se a devedora para que possa impugnar.

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Considerando que, para tornar líquida uma sentença, podem ser exigidos da parte hipossuficiente cálculos complexos e de difícil elaboração, em razão da necessidade de se estabelecer a incidência de correção monetária, juros, multa e eventuais descontos obrigatórios, o CPC/2015 traz ao beneficiário da gratuidade da justiça a possibilidade de não arcar com os custos “com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução”, conforme previsão do art. 98, § 1º, VII.

Uma situação a muito defendida pela doutrina e adotada de maneira pacífica pela jurisprudência, trata-se da multa pelo não pagamento voluntário da obrigação atualmente prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015, que para a Fazenda Pública não se aplica (art. 534, § 2º), positivando entendimento jurisprudencial já consolidado quando ainda vigente o CPC/1973.

Quanto aos honorários de sucumbência, o art. 85, § 7º, do CPC/2015 traz regra específica, ao dispor que só serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública desde que os cálculos apresentados pelo credor sejam devidamente impugnados.

Não impugnado o cumprimento ou rejeitada a impugnação, o CPC/2015 remete ao texto constitucional a forma de como se dará o pagamento do precatório judicial, mais precisamente o art. 100 da Constituição, onde prevê que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Essas são as principais alterações no CPC/2015 relativamente à Fazenda Pública. Em que pese tenha havido algumas alterações que, se bem aplicadas, podem otimizar e trazer a eficiência necessária à satisfação dos direitos de quem litiga contra a Administração Pública, trazendo a premente e inadiável celeridade processual, foram mantidas muitas das prerrogativas (privilégio que deveriam ser extirpadas da sistemática processual.

Mesmo as alterações estruturais realizadas em algumas das prerrogativas, a exemplo da questão dos prazos processuais, não foram readequadas à realidade processual vigente, antes houve completa desvirtuação.

Por fim, se o discurso oficial trouxe como cerne para o novo código a necessária quebra de paradigma do problema da morosidade do Poder Judiciário, quanto à Fazenda Pública havia uma expectativa que não foi atendida de maneira completa, as alterações empreendidas estão longe de solucionar a excesso de demandas que a Administração Pública ainda terá de responder, ficando muito aquém daquilo que era esperado.

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Sobre o autor
Leonardo Moreira Castro Chaves

Advogado. Procurador Jurídico da Prefeitura Municipal de Itaju do Colônia (BA) e das Câmaras Municipais de Jussiape (BA) e Rio de Contas (BA). Pós-graduado com especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Católica do Salvador. Pós-graduado com especialização em Direito Eleitoral pela Faculdades Integradas Ipitanga.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Leonardo Moreira Castro. As principais alterações no CPC relativas à fazenda pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5434, 18 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64660. Acesso em: 28 mar. 2024.

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