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Desconto incondicional e bonificação para fins da isenção no ICMS

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Importa o título jurídico dado à operação (bonificação) ou desconto e o fato de as mercadorias constituírem vantagem ou prêmios dados ao adquirente.

A prática profissional no Direito Tributário nos mostra que conceitos jurídicos fundamentais ainda carecem de entendimentos firmes e completos para a compreensão de determinados elementos componentes da matriz dos tributos existentes. Não raro deparamo-nos com confusões conceituais e terminológicas que não solucionam questões do dia a dia dos operadores jurídicos e contábeis e, pelo contrário, acabam por causar problemas mais graves quando essas confusões conceituais são aplicadas na prática, podendo levar a glosas de lançamentos e autuações, com todas as suas consequências maléficas para o contribuinte.

Uma dessas malfadas confusões diz respeito aos conceitos de desconto incondicional e de bonificação para fins do ICMS.

Não é nosso empenho neste breve trabalho discorrer ou aprofundar o estudo sobre teorias, conceito, estrutura etc., ou mesmo posições interpretativas a respeito do tema, mas suscitar a discussão sob a ótica de um ponto de vista prático do dia a dia do operador do Direito. Em síntese, este trabalho não é realizado utilizando regras formais, métodos ou estruturais rígidas, típicas das pesquisas científicas, nem se compromete com o estabelecimento de um posicionamento doutrinário sobre o tema, colocando como destaque, reitere-se, a opinião crítica baseada na prática laboral.

Estabelecidos os conceitos preliminares, adentrando no assunto proposto, temos que a Constituição Federal, no seu art. 155, estabelece competir aos Estados, cumprindo as regras gerais fixadas pela União, instituir o imposto sobre a circulação de mercadorias e determinadas prestações de serviços (transportes intermunicipal e interestadual e comunicação).

Cumprindo o disposto no art. 146, da Constituição Federal, a Lei Complementar n. 87/1996, também conhecida como “Lei Kandir”, institui as regras gerais nacionais para a exigência do ICMS pelos Estados federados e Distrito Federal.

O art. 12 da legislação infraconstitucional expressa a hipótese de incidência (fato gerador) do ICMS, prevendo distintas situações para a incidência do tributo (incisos I a XIII).

Em apertado resumo, elegemos como base de fundamentação para esse estudo, como regra geral das demais hipóteses da incidência tributária, a previsão do inc. I, que considera ocorrido o fato gerador do imposto no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte. Na realidade, essa regra estabelece um critério temporal (o “quando”) e não uma hipótese de incidência em si. A hipótese de incidência ocorre, no caso, com a operação da transferência de propriedade da mercadoria (negócio jurídico), ou a prestação dos serviços descritas na Constituição. Essas considerações coadunam com a doutrina, que remete o entendimento de que a transferência jurídica da titularidade da mercadoria é que produz os efeitos tributários e não só a saída física da mercadoria do estabelecimento vendedor.

Na sequência, o art. 13 da Lei Kandir expressa uma regra geral acerca do elemento quantitativo do ICMS atinente à base de cálculo. Neste caso, a base de cálculo do imposto, em se tratando da transferência da titularidade da mercadoria (saída da mercadoria) é o valor da operação (inc. I) ou, na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o preço do serviço.

A base de cálculo, como assevera MELO (p. 173), constitui o aspecto da estrutura de qualquer tipo tributário por conter a dimensão da obrigação pecuniária, para quantificar o objeto da imposição fiscal, firmando a grandeza econômica contida no tributo. Divergimos de MELO quanto à consideração de que a base de cálculo é o elemento mais importante e nuclear da hipótese de incidência, pois dela – a hipótese - não participa, sendo o mero elemento quantitativo e econômico posterior (do consequente) de uma regra tributária. O elemento fundamental da incidência de um tributo não é determinado pela base econômica em si -  embora seja este o vetor econômico que pesa contra o contribuinte - mas pela leitura da hipótese de imposição tributária (fato gerador), que determina as circunstâncias factuais ou jurídicas eleitas pelo legislador para fazer recair sobre ela algum tributo.

De qualquer sorte, concordamos que a base imponível deve manter relação íntima não só com o objeto tributário, mas com a capacidade econômica do contribuinte, inerente ao seu aspecto pessoal e estritamente vinculado ao fato tributável previsto hipoteticamente na regra legal (MELO, p.174).

O §1º, do art. 13, da Lei Kandir, dispõe uma importante e questionável colocação ao destacar que integra a base de cálculo do imposto o valor correspondente aos descontos concedidos sob condição.

Essa situação é muito debatida porque, como visto, a base de cálculo representa a dimensão pecuniária, a grandeza econômica contida na relação tributária, de modo que, se a operação apresentar descontos operados pelas partes, haverá uma diminuição do preço da mercadoria, acarretando consequente redução da base de cálculo. Viola o princípio constitucional da capacidade contributiva, da razoabilidade e da proporcionalidade exigir-se o tributo pelo valor integral, mesmo quando houver desconto concedido ainda que sob qualquer tipo de condição decidida pelas partes, pelo simples motivo de que houve redução da base de cálculo da operação de circulação de mercadoria ou da prestação de serviços (PAULSEN, MELO, p. 265).

Polêmicas à parte, da leitura da predita regra, a contrário senso, temos que, se o desconto foi realizado de forma incondicional, ou seja, sem o estabelecimento de condições às partes, não poderá incidir o ICMS por essa redução operada na circulação de mercadoria ou prestação de serviços. Essa posição é consolidada pela jurisprudência, tanto que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), publicou o seguinte entendimento sumulado: Súmula 457 - Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS. (Súmula 457, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 08/09/2010).

No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, este entendimento jurisprudencial encontra coerência e guarida no Regulamento do ICMS (RICMS/1999), que expressa, no art. 19, que não integra a base de cálculo do tributo “o valor dos descontos concedidos no ato da emissão do documento fiscal, desde que constem deste” (inc. II), ou seja, é excluído o valor do desconto da base de cálculo, desde que seja realizado o registro contábil desse desconto no documento fiscal, de forma a ser observado o mesmo no lançamento, embora a legislação nacional nada expresse a respeito da forma de se realizar tal operação.

E a bonificação pode ser considerada como um tipo de desconto? Veja-se que a bonificação pode ser analisada sob dois pontos de vista distintos, pois a bonificação é a operação pela qual se fornece um “bônus” ao adquirente de uma mercadoria ou serviço, por exemplo, quando se vende dois produtos pelo preço de um. De tal modo, por um ponto de vista, ao se vender dois produtos pelo preço de um, pode-se considerar que por um deles não está sendo cobrado qualquer valor, já que vem destacado como um produto lançado em bonificação, o bônus pela compra do primeiro; de outro lado, pode-se pensar na ideia de desconto, pois está sendo dado cinquenta por cento de desconto no preço de ambas as mercadorias quando ocorrer a aquisição conjunta dos dois.

A ideia em ambos os casos remeteria a uma condição: a compra dos dois produtos em conjunto, o que implementaria a regra do desconto concedido sob condição, mas não é essa a ideia, pois o registro contábil é o de produto bonificado, ou seja, um bônus concedido ao adquirente. No Estado de São Paulo, o Regulamento do ICMS de 2000, expressa, sobre a base de cálculo do ICMS, no art. 37, da seguinte consideração:

“Art. 37. (…).

§ 1º - Incluem-se na base de cálculo:

1 - seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, descontos concedidos sob condição, bem como o valor de mercadorias dadas em bonificação;”

Veja-se que a legislação paulista inclui, de forma expressa, o valor de mercadoria dada em bonificação na base de cálculo do tributo, referindo hipótese que não está expressamente prevista na Lei Kandir. Igual tratamento era tomado pela legislação gaúcha sobre o tema, na Lei Estadual n. 8.820/199, que remetia que a bonificação era incluída na base de cálculo do tributo, embora essa disposição tenha sido alterada e não mais incluída na legislação local.

Em face da controvérsia, verificado que cada autoridade fiscal tem entendimento divergente quanto à incidência ou não do tributo sobre a questão da bonificação, o STJ decidiu o seguinte:

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TRIBUTÁRIO – ICMS – MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO – ESPÉCIE DE DESCONTO INCONDICIONAL – INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL – ART. 13 DA LC 87⁄96 – NÃO-INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO.

1. A matéria controvertida, examinada sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, restringe-se tão-somente à incidência do ICMS nas operações que envolvem mercadorias dadas em bonificação ou com descontos incondicionais; não envolve incidência de IPI ou operação realizada pela sistemática da substituição tributária.

2. A bonificação é uma modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução do valor da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é beneficiado com a redução do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique redução do preço do negócio.

3. A literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 87⁄96 é suficiente para concluir que a base de cálculo do ICMS nas operações mercantis é aquela efetivamente realizada, não se incluindo os "descontos concedidos incondicionais".

4. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o valor das mercadorias dadas a título de bonificação não integra a base de cálculo do ICMS.

5. Precedentes: AgRg no REsp 1.073.076⁄RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25.11.2008, DJe 17.12.2008; AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 935.462⁄MG, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 8.5.2008; REsp 975.373⁄MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.5.2008, DJe 16.6.2008; EDcl no REsp 1.085.542⁄SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 24.3.2009, DJe 29.4.2009.

Recurso especial provido para reconhecer a não-incidência do ICMS sobre as vendas realizadas em bonificação. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 8⁄2008 do Superior Tribunal de Justiça. (Recurso Especial n.º 1.111.156/SP, Rel. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, - DJe 22/10/2009)

E, embora não mais conste expressamente na legislação gaúcha a incidência do ICMS sobre as bonificações, percebe-se que, mesmo assim, a autoridade fiscal insiste na cobrança do tributo, tanto que é necessária a apreciação de casos específicos pelo Poder Judiciário, que acaba ratificando o entendimento já consolidado do STJ:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTOS. ICMS. DESCONTOS INCONDICIONAIS OU BONIFICAÇÕES. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS.

1. A matéria trazida aos autos é exclusivamente de direito, sendo descabida a realização de prova pericial sobre os documentos que embasam a petição inicial, o que apenas retardaria o andamento do feito. Além disso, em se tratando de valores devidos a título de ICMS declarado em GIA, pelo próprio contribuinte, e não pago, mostra-se contraditório o requerimento de realização da prova pericial pretendida, uma vez que a própria empresa ré reconhece que não cumpre o requisito legal, ou seja, de constar a bonificação na própria nota fiscal.

2. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.111.156/SP, julgado sob o rito do artigo 543-C, do CPC/1973, pacificou a matéria no sentido de que o valor das mercadorias dadas a título de bonificação ou de desconto incondicional não integra a base de cálculo do ICMS.

3. No entanto, para que não haja incidência do ICMS sobre o valor das mercadorias dadas em bonificações ou em descontos incondicionais ditos valores deverão ser destacados no próprio documento fiscal de compra e venda, a teor do que preceitua o art. 10, §2, b, da Lei estadual 8.820/89.

4. Hipótese em que foram emitidas notas avulsas para as bonificações, ao contrário do que prevê o art. 10, §2, b, da Lei Estadual 8.820/89.

5. Honorários recursais fixados nos termos do artigo 85, §11, do CPC. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70077125680, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 23/05/2018)

Então, percebe-se que o desconto ou o abatimento concedido ao comprador é operação firmada em uma concessão de ordem financeira, que acaba reduzindo a base econômica da operação em si. De outro lado, o oferecimento de bonificação implica na transição de mercadorias entre sujeitos distintos, o que sujeitaria a operação à incidência do imposto.

Deste modo, com efeito, importa o título jurídico dado à operação (bonificação) ou desconto e o fato de as mercadorias constituírem vantagem ou prêmios dados ao adquirente, pois essas saídas poderão constituir fato gerador e, por isso, estariam sujeitas à incidência tributária, bem como à fiscalização da autoridade fazendária.

Entretanto, ainda se percebe a confusão conceitual sobre esses dois institutos jurídicos relevantes para a formação da base econômica do ICMS. Apesar disso, as Cortes Superiores já firmaram entendimento de que as duas situações não podem fazer parte do elemento quantitativo do ICMS, devendo, desde que devidamente registradas no documento fiscal quando do lançamento, ser excluídas da base de cálculo do ICMS, em respeito ao princípio da capacidade contributiva, proporcionalidade e racionalidade da tributação.


Bibliografia utilizada:

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS, Teoria e Prática. 5ª ed. São Paulo : Dialética, 2002.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 7ª ed. Porto Alegre :  Livraria do Advogado, 2012.

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Sobre o autor
Santiago Fernando do Nascimento

Advogado com especialização em Direito Tributário pelo IBET/INEJE, Direito Processual Civil pela PUCRS e Direito Empresarial pela Faculdade IDC. Consultor jurídico na área empresarial e tributária. Diretor Jurídico da empresa Valor Fiscal Inteligência Tributária e ex-diretor jurídico da AGPS (Associação de Gerenciamento de Projetos Sociais).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Santiago Fernando. Desconto incondicional e bonificação para fins da isenção no ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5486, 9 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66571. Acesso em: 29 mar. 2024.

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