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O processo e julgamento de revisão de benefícios previdenciários decorrentes de acidente do trabalho.

Competência da Justiça Estadual comum

Leia nesta página:

Sumário: I. Introdução. II. Justiça Estadual ou Federal? Eis a questão. III. Tempos e contratempos: o perigo da demora. IV. Conclusão.


I. Introdução

A Constituição Federal, ao fixar a competência para processo e julgamento de causas em que a União, suas autarquias e empresas públicas forem interessadas, exclui do âmbito de competência da Justiça Federal a apreciação de causas concernentes a acidente do trabalho. Assim, compete ao juízo estadual processar e julgar os litígios oriundos de acidente do trabalho.

Embora a ressalva contida no texto constitucional é clara em prever tal exceção, não se vislumbra a mesma nitidez no tocante a qual natureza de demanda será de competência dos juízes de direito. Apenas as causas diretamente relacionadas ao acidente? Ou todas as ações posteriores que tenham como origem o infortúnio laboral, como as revisionais?

No campo do direito previdenciário, têm-se ajuizado ações concessórias de benefícios decorrentes de acidente de trabalho (em desfavor do INSS) no foro estadual, onde as mesmas são normalmente processadas e julgadas. O mesmo, entretanto, não ocorre com as ações revisionais. Na comarca de Dourados (MS), por exemplo, alguns magistrados remetem os autos à Justiça Federal: declinam da competência alegando que a revisão de tais benefícios não é de natureza acidentária propriamente dita, mas sim de cunho tão-somente previdenciário.

Entre aqueles que coadunam com essa corrente se destaca o Ministro Marco Aurélio, e a partir dos votos proferidos pelo eminente jurista é se fundamentam os juízes de 1° grau quando decidem por declinar da competência. Como dito outrora, os adeptos dessa tese sustentam que objetivar revisão de benefício já concedido não reflete causa de acidente de trabalho a determinar a competência da Justiça Estadual. Alegam, ainda, que em se tratando de exceção, a Constituição Federal deveria prever expressamente a circunstância de revisão de benefício previdenciário, sendo que, em tais casos, o texto constitucional não admite interpretação extensiva.

Todavia, em que pese o brilhantismo da tese, a competência para processar e julgar tais feitos é do juízo estadual, conforme tem decidido nossos tribunais, pacificamente.


II. Justiça Estadual ou Federal? Eis a questão.

A controvérsia acerca da competência para processar e julgar as questões concernentes a revisão de benefício previdenciário decorrentes de acidente do trabalho já mereceu crivo de julgamento pelo Supremo no Recurso Extraordinário 127.619/CE, cuja ementa aqui se transcreve:

Constitucional. Previdenciário. Acidente do Trabalho. Ação Acidentária. Competência para seu Julgamento. Constituição, Artigo 109, I.

I. Compete à Justiça comum dos Estados-membros processar e julgar as ações de acidente de trabalho. CF, art. 109, I.

II. Recurso Extraordinário conhecido e provido.

STF, RE 127.619/CE, 2ª Turma, relator: Ministro Carlos Velloso, DJU 08/02/1991.

Assim, firmou-se entendimento de que as ações acidentárias têm foro competente a Justiça Estadual comum, a teor do art. 109, inciso I, da Constituição da República, que expressamente as exclui da competência da Justiça Federal, e o fato de se tratar de ação que persegue o reajuste de benefício oriundo de acidente do trabalho não tem o condão de elidir a competência constitucional da Justiça Estadual.

A propósito, não merecem prosperidade os argumentos de que uma ação revisional de benefício não é causa acidentária. Se tudo que envolver benefício previdenciário oriundo de infortúnio laboral for analisado por esse ângulo, será a Justiça Federal competente para julgar todas as ações dessa natureza. Ocorre que o acidente de trabalho, de per se, é única e exclusivamente o fato gerador (usando a terminologia do direito tributário) da competência. Nem mesmo numa ação concessória de benefício se discute o acidente do trabalho! Uma vez configurado que a origem do benefício é o infortúnio laboral, competente é o juízo comum estadual. Assim, se o evento morte ou determinada incapacidade laborativa, por exemplo, resultar de acidente de trabalho, tem-se que todos os fatos subseqüentes apenas existem porque existiu uma gênese em comum. O fato gerador, seja para a concessão do benefício, seja para a revisão de seu valor, foi o mesmo.

Ilustrando: se alguém se socorre do Judiciário pleiteando a concessão de uma pensão por morte, deve-se, de início, verificar o que gerou o sinistro. Caso fora originário de um acidente de trabalho o juízo estadual deve processar e julgar o feito. E, em assim sendo, não mais se discutirá o evento acidente de trabalho, e sim se o autor da ação preenche todos os requisitos para a concessão do benefício (como por exemplo, se é dependente do falecido). Destarte, qualquer outra ação cujo objeto seja a revisão do valor do benefício também deverá tramitar pela Justiça Estadual. Definido o fato gerador, não mais se discute o acidente de trabalho em si, e sim se estão preenchidos os requisitos para a tutela que se pleiteia.

Neste sentido, em julgado de relatoria do Ministro Paulo Brossard, a 2ª Turma [1] do STF assim entendeu:

Agravo Regimental em Agravo de Instrumento. Previdenciário. Benefício Previdenciário. Reajustamento. Competência.

As ações acidentárias têm como foro competente a Justiça Comum, a teor do art. 109, I, da CF, que as excluiu da competência da Justiça Federal. Reajuste de benefício acidentário. Competência da Justiça Estadual não elidida. Precedentes. Agravo Regimental a que se nega provimento.

STF, AI 150.664 AgR/SC, 2ª Turma, relator: Ministro Paulo Brossard, RTJ 158/248.

Neste aresto, o Ministro Néri da Silveira assim votou:

Também tenho entendido que a matéria relativa à competência da Justiça Comum para as causas acidentárias compreende, não só o julgamento do pleito em que se alega a existência de acidente do trabalho, mas, por igual, todas as conseqüências desta decisão, qual seja, a fixação do benefício e seus reajustamentos futuros. Ao julgar procedente a ação acidentária, a Justiça estadual fixa, desde logo, o valor do benefício.

Pois bem, quando se vem a discutir sobre o reajuste desse benefício, acerca de critério ou base de cálculo, penso que a questão não refoge, também, do domínio da Justiça Comum; não se desloca para o âmbito da Justiça Federal. A Constituição quis excluir da competência da Justiça Federal as demandas acidentárias. Compreendo que, na espécie, se cuida de demanda acidentária, pois o reajuste do benefício pende de considerações em torno de aspectos da própria causa levados à fixação do benefício.

Na 1ª Turma da Corte Constitucional o posicionamento é idêntico:

Competência. Ação de Revisão de Benefício. Acidentário. Justiça Comum Estadual. Art. 109, Inc. I, da Constituição Federal.

A teor do disposto no art. 109, inc. I, da Constituição Federal, a competência da Justiça Estadual para julgar lide de natureza acidentária envolve também a revisão do próprio benefício. Precedente do Plenário: RE 176.532-1. Recurso extraordinário conhecido e provido.

RE 264.560⁄SP, 1ª Turma, relator: Ministro Ilmar Galvão, DJU 10⁄08⁄2000.

A atribuição constitucional deferida à Justiça Estadual comum para o processo e julgamento das causas acidentárias abrange todas as ações que objetivem, como no caso, a recomposição dos valores pertinentes a benefícios de caráter acidentário.

Essa competência se estende para efeito da cláusula de exclusão inscrita no art. 109, inciso I, da Constituição Federal, a todos os processos que se destinem a obter tanto a fixação como o reajustamento dos benefícios acidentários outorgados aos trabalhadores vitimados por aciente-tipo ou acometidos por moléstias profissionais ou de doenças do trabalho.

Causas dessa natureza não se qualificam, em conseqüência, como litígios de índole previdenciária, razão pela qual, cabendo ao Judiciário estadual a competência para conhecer das ações acidentárias, assiste-lhe igual prerrogativa para apreciar as questões de natureza acessória que envolvam, sempre dentro da perspectiva dos conflitos decorrentes de acidente do trabalho, a discussão em torno da revisão dos benefícios acidentários anteriormente concedidos.

Impõe-se destacar, finalmente, que se orienta nesse mesmo sentido a jurisprudência firmada por ambas as Turmas do STF, bem como do Plenário que, por sua vez, assinala igual entendimento, por meio do qual, conforme pode se vislumbrar nos votos dos ministros, fica claro que mesmo em caso de revisão de benefício, competente é o juízo estadual:

Constitucional. Previdenciário. Acidente do Trabalho. Ação Acidentária.

Compete à Justiça comum dos Estados processar e julgar as ações de acidente do trabalho (CF, art. 109, inc. I). Recurso não conhecido.

STF, RE 176.532/SC, Plenário, relator para o acórdão: Ministro Nelson Jobim, julgado em 05/02/1998 [2].

Se assim não fosse, inócua seria a redação da Súmula 515 da Corte Constitucional, verbis:

Súmula 515.

Compete à justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista.

No mesmo sentido, a orientação do STJ, a qual vem consubstanciada na Súmula 15, que assim expressa: "Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho".

Posto isso, não restam dúvidas sobre a competência da Justiça Estadual para processar e julgar as revisões de benefícios acidentários.


III. Tempos e contratempos: o perigo da demora

Óbvio que são cabíveis recursos contra as decisões que declinam de competência, porém, fica a parte autora com uma dúvida: para evitar possíveis danos causados pelo perigo da demora na prestação jurisdicional, interpor agravo retido ou de instrumento? É notório que – lamentavelmente – os tribunais têm se mostrado verdadeiros tribunais de agravo. Para tudo há agravo; de tudo se agrava. Por conta disso, as cortes não fazem outra coisa senão julgar recursos de decisões interlocutórias, o que enseja uma demora considerável no julgamento de tais recursos.

Assim, agravar de instrumento implica no estacionamento da marcha processual. O processo literalmente pára; não vai nem para frente, nem para trás. Fica parado até que se julgue o recurso: não vai nem para o Fórum Federal, nem tramita normalmente no juízo estadual (que, relembre-se, declinou da competência). Como as causas previdenciárias oriundas de acidente de trabalho devem necessariamente tramitar pelo rito sumário (ou sumaríssimo, conforme pretende o art. 129, inciso II, da Lei 8.213/91), esperar pelo julgamento do agravo de instrumento certamente deixará nítido o periculum in mora.

Em tais casos, há quem escolha pela interposição de agravo na modalidade retida com o intuito maior de que o juiz prolator reconsidere a decisão, o que quase nunca ocorre. Diga-se de passagem, boa parte dos magistrados não possuem humildade suficiente para admitirem que estão causando prejuízo ao hipossuficiente, ou que estão em confronto à pacífica jurisprudência dos tribunais superiores. Essa parcela de juízes simplesmente não reconsidera a decisão, não admite eventual erro. O que na maioria das vezes ocorre é a manutenção do julgamento, e se justificam alegando: "esse é meu entendimento"...

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Uma vez declinada a competência, ao chegarem os autos de ações revisionais ao Fórum Federal, outros problemas surgem: em primeiro lugar se encontra a enorme quantidade de processos e um número reduzido de juízes e varas federais, o que implica numa lentidão no desenrolar dos procedimentos. Na realidade, os processos nas varas federais não correm, como quis o art. 155 do CPC, rastejam.

Outro ponto que evidencia o problema da demora na prestação da tutela jurisdicional se relaciona à suscitação de conflito de competência. Os juízes federais mais atentos à jurisprudência pacificada tanto nas cortes superiores quanto nos próprios Tribunais Regionais Federais, suscitam conflito negativo de competência (CPC, art. 118, inciso I; Constituição Federal, art. 105, inciso I, alínea d), sendo que, depois de alguns meses, chega o ofício do juiz conflitante ao STJ que, após todos os procedimentos legais, é julgado: gasta-se tempo para chegar ofício ao tribunal, tempo para ouvir o juiz da vara originária (CPC, art. 119), enfim, o processo que deveria tramitar pelo rito sumário já se encontra, a essas alturas, tramitando por um ano sem sequer saber qual o juízo competente para seu processo e julgamento. Quando, finalmente, é decidido o conflito, vislumbra-se nitidamente que deverá o feito ser processado pela Justiça Estadual comum. O Superior Tribunal de Justiça tem respeitado os precedentes do STF e, em julgamentos dessa espécie, assim tem decidido:

Processual Civil. Conflito Negativo de Competência. Ação de Revisão de Benefício Acidentário. Competência da Justiça Estadual.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que as ações revisionais de benefícios acidentários têm como foro competente a Justiça Comum Estadual. Precedentes do STF (RE 204.204/SP, rel. Min. Maurício Corrêa e RE 264.560/SP, rel. Min. Ilmar Galvão). Conflito conhecido, declarando-se competente o Juízo Estadual.

STJ, CC 33.252/SC, 3ª Seção, relator: Ministro Vicente Leal, DJU 23/08/2004.

Enfim, o processo volta para a Justiça Estadual, onde deve tramitar. Entrementes, os problemas não param por aí: após a sentença, uma vez vencida a Fazenda Pública (no caso, o INSS), tem-se o reexame necessário e, após o trânsito em julgado, a execução da sentença, se necessário.

Como se percebe, o declínio de competência sem se atentar para os precedentes jurisprudenciais dominantes, causa, de fato, sérios prejuízos à parte autora. O processo, nesses casos, é prolongado de um a dois anos (ou mais!). Uma demora que poderia ter sido evitada.


IV. Conclusão

Pelo que sucintamente se demonstrou, a competência para processar e julgar as ações revisionais de benefícios previdenciários que emanam de acidente de trabalho são, efetivamente, de competência da Justiça Estadual comum. Para se comprovar isso basta uma análise mais atenta à jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, que vêm, de modo contínuo, reiterando tal posicionamento.

Declinar da competência em favor da Justiça Federal implica, necessariamente, em prejuízo à parte autora, porquanto evidenciará o perigo da demora na prestação da tutela jurisdicional. Para se desviar tal contratempo, pelo menos por ora, será de grande valia a adoção da súmula vinculante. Respeitadas as posições em contrário, vincular os juízes de 1° grau às decisões do STF fará com que o Estado-Juiz cumpra seu dever de modo mais célere e eficiente.


NOTAS

1 Julgados da 2ª Turma no mesmo sentido: STF, AI 154938 AgR/RS, relator: Ministro Paulo Brossard, DJU 24/06/1994. Ainda: STF, RE 204204/SP, relator: Ministro Maurício Corrêa, DJU 04/05/2001.

2 Embora não esteja expressamente consignado na ementa citada, o caso versa sobre revisão de benefício previdenciário decorrente de acidente laboral, conforme se pode verificar pelos votos dos Ministros que participaram daquele julgamento

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Sobre o autor
Jonas Patrezzy Camargos Pereira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Especialista em Direito & Processo do Trabalho e em Direito Público, ambos pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidor do Instituto Nacional do Seguro Social, onde exerce a função de Gerente de Agência da Previdência Social. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jonas Patrezzy Camargos. O processo e julgamento de revisão de benefícios previdenciários decorrentes de acidente do trabalho.: Competência da Justiça Estadual comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 675, 11 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6689. Acesso em: 29 mar. 2024.

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