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Estatuto do Desarmamento:

irracionalidade, ilegitimidade e inconstitucionalidade

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4. Considerações Finais

            Passa a humanidade por uma crise de humanismo. A descrença no homem traz a fragilidade da democracia e o desprezo pelos seus direitos fundamentais dele. Cada vez mais Hobbes parece tardiamente triunfar. "A história dos direitos humanos e de suas garantias retrata uma luta incessante contra todas as formas de opressão[...]" aduzia em meados do século passado o senador Josaphat Marinho (63). Quase 40 anos após, referendou tal opinião o Professor Stefano Rodotà:

            "Na reflexão jurídica torna-se portanto essencial e inevitável o tema dos direitos fundamentais, a cuja definição e alcance está em boa parte entregue o destino do direito no mundo global. [...] Direitos fundamentais [...] se apresentam não somente como elementos constitutivos da cidadania global, mas como instrumentos necessários para uma forte emersão das razões do direito num momento em que parecem prevalecer outras lógicas, expressão da potência militar e econômica." (64)

            Fato é o de que ainda mourejamos para tornar efetiva a plêiade de direitos a que, desde 1988, conferimos o mais alto grau de cogência jurídica, insculpindo-os na pedra constitucional. Para que de nossa aspiração verta realidade, não podemos jamais olvidar lição de Lachaud, grande advogado francês revivido por Rui Barbosa:

            "A lei é calma, meus senhores: não tem jamais nem sequer os arrebatamentos da generosidade. Assentou ela que a verdade não será possível de achar, senão quando buscada juntamente pela acusação e pela defesa. Compreendeu que nem tudo está nas vítimas, e que também é mister deixar cair um olhar sobre o acusado[...]." (65)


5. Bibliografia

            AMARAL, Thiago Bottino do. Considerações sobre a origem e evolução da ação de habeas-corpus. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 9, n. 35, p. 101-131, jul. – set. 2001

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Notas

            1

Cf. PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo. São Paulo: IBCCRIM, 2003.157 p.; também cuida do assunto de modo crítico, embora não adotando dita nomenclatura expressamente, BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do rio de janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003. 270 p.

            2

Cf. DURKHEIM, Émile. Prefácio da segunda edição. In: ____________. As regras do método sociológico.14ª ed. Trad. Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo, 1990. p. XX-XXIX: "Os fatos sociais devem ser tratados como coisas.[...] Tratar fatos como coisas [...] é observar, com relação a eles, certa atitude mental. [...] Para nós, consistem eles [fatos sociais] em maneiras de fazer ou de pensar, reconhecíveis pela particularidade de serem suscetíveis de exercer influência coercitiva sobre as consciências particulares."; Cf., também, para maior análise do pensamento deste positivista francês, ARON, Raymond. Les étapes de la pensée sociologique. Paris: Gallimard, 2003. p. 362-366.

            3

BATISTA, Nilo. Um oportuno estudo para tempos sombrios. In: Discursos sediciosos – crime, direito e sociedade, nº 2. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, 1996. p. 302. apud BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do rio de janeiro. cit. p. 22

            4

Cf. CHAUÍ, Marilena. Espinosa: Uma filosofia de liberdade. São Paulo, Moderna, 1995. p. 61-63 e 67-68

            5

PASTANA, Débora Regina. op. cit., p. 113

            6

A expressão é de Pastana. Cf. PASTANA, D. R. op. cit., p. 122

            7

Cf. PASTANA, D. R. op. cit., p. 124

            8

Idem

            9

Cf. PASTANA, D. R. op. cit., p. 124-125

            10

Cf. PASTANA, op. cit., p. 45

            11

Cf. BATISTA, Vera Malaguti. op. cit., p. 35

            12

GLASSNER, Barry. The culture of fear: why americans are afraid of the wrong things. New York: Basic Books, 1999 apud PASTANA, D. R. op. cit., p. 77

            13

Cf. CRIMINAL VICTIMIZATION 2001: Changes 2000-01 with trends 1993-2001. Washington: Bureau of Justice Statistics, sept. 2002, p. 1

            14

Cf. WEAPON USE AND VIOLENT CRIME. Washington: Bureau of Justice Statistics, sept. 2003, p. 1

            15

Disponível em . Acesso em 11 abr 2004

            16

Cf. CABETE, Eduardo Luiz Santos. As estatísticas criminais sob um enfoque criminológico crítico. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 11, n. 124, p. 6-7, mar. 2003

            17

Cf. PASTANA, D. R. op. cit., p. 48-63

            18

CHESNAIS, Jean-Calude. Histoire de la violence en occident de 1800 à nos jours. Paris: R. Lafont, 1981 Apud PASTANA, D. R. op. cit., p. 125

            19

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 236

            20

Cf. HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: Contributions to a discourse theory of law and democracy. Translated by William Rehg. 4th printing. Cambridge: MIT, 2001. p. 176, 178-180. "A soberania comunicativamente fluida dos cidadãos concretiza-se no poder de discursos públicos, que derivam de esferas públicas autônomas[...]" (p. 186). Releva a idéia de autonomia que não se compraz com a ilusão pelo medo e com o arbítrio dela decorrente.

            21

Cf. PASTANA, D. R. op. cit., p. 131-132; Para uma análise de esfera pública, poder comunicativo e soberania popular deles derivada, ver HABERMAS, Jürgen. Popular sovereignty as a procedure. In: _________. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Translated by William Rehg. 4th printing. Cambridge: MIT, 2001. p. 484-486: "A esfera pública funciona como um conceito normativo. Associações voluntárias representam o busílis em uma rede comunicativa, que emerge da interconexão de esferas públicas autônomas( p. 485)".

            É claro que o autor, aí, ao fazer apologia ao associacionismo tal qual Tocqueville estudando a democracia norte-americana, não pensava em reuniões de cidadãos obnubilados por sentimentos que prejudicassem sua capacidade de discussão voltada ao entendimento. Débora Regina Pastana, em sua fantástica e multicitada obra, traz interessante anexo contendo cópia de um abaixo-assinado da lavra do Comitê Nacional das Vítimas da Violência. Exorta-se aos que adiram a esta peça rara pugnarem pela redução da menoridade penal, mediante redução da idade mínima do imputável, de 18 para 16 anos. Encerra-se o manifesto com os seguintes dizeres: "O Brasil quer PAZ, SEGURANÇA E JUSTIÇA. Seja você também um parceiro da PAZ" (PASTANA. op. cit., p. 133). Ante a evidente contradição entre o rogo pela paz e a busca por recrudescimento da repressão corporal pena, a esta associação não se lhe deve conferir alto grau de racionalidade crítica.

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            22

YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Armas: pura ilusão. Disponível em: Acesso em: 08 set. 2003

            23

Idem. Engana-se, todavia, douto autor quando limita as penas a quatro anos. Prevê a malfadada – esperamos – Lei n. 10.826/2003 escarmentos que atingem oito anos.

            24

Cf. NUNES, Adelido. Arma de fogo: a inimiga da vida. Disponível em Acesso em: 22 jul. 2003

            25

RELATOR rechaça sugestões a estatuto do desarmamento. Agência Câmara. Brasília, 12 ago. 2003. Disponivel em: . Acesso em: 14 ago. 2003.

            26

Tais requisitos perfazem o princípio do discurso (D), através do qual as máximas e os princípios morais são reconhecidos corretos e, portanto, universalistas, consoante teoria habermasiana. Cf. HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Transl William Rehg. 4th printing. Cambridge: MIT, 2001. p. 107-111.

            27

A expressão é de Vinício Martinez. Cf. MARTINEZ, Vinício C. As primeiras letras do biopoder: a literatura que denuncia as sombras do não-direito. Disponível em: . Acesso em 02 dez. 2003.

            28

É conhecida a contundente afirmação de Sérgio Buarque de Holanda: "A democracia no Brasil sempre foi um grande mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas." Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do brasil.26ª ed. 17ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 160.

            29

Cf. HABERMAS, Jürgen. op. cit., p. 121-123.

            30

Consoante os conceituava Pontes de Miranda. Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à consituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen, [194?]. p. 148.

            31

Cf. HABERMAS, Jürgen. op. cit., p. 127-131.

            32

Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 182.

            33

Figueiredo Dias, acedendo a esta idéia, formula o conceito de "carência de pena" ou "carência punitiva". Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999. p. 250-252.

            34

De ver, sobre o tema do bem jurídico-penal, sua proteção e as diretrizes políticas da atividade do poder de penar do Estado, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal constitucional. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Rio de Janeiro, ano 10, n. 39, p. 125-147, jul. – set. 2002, e DIAS, J.F., ob. cit., p. 51-87.

            35

Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002. p. 455-456

            36

Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 127-128.

            37

Para minudências sobre as origens, defensores e argumentos desta teoria, cf., por todos, BITENCOURT, C. op. cit., p. 121-128 e QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 35-40.

            38

Registre-se que a crítica vai exatamente sobre a adoção de somente a teoria da prevenção geral quando da concepção de uma norma penal incriminadora. Por certo, um tal idéia desempenha papel importante dentre as missões do direito penal, em geral, e da pena, especificamente, desde que adida a outras teorias. Esta orientação a que acabamos, em linhas mestras, de nos irmanar recebe, na doutrina, o nome de teoria mista ou eclética (cf. QUEIROZ, P. S., op. cit., p. 65 et. seq.) ou teoria da prevenção geral positiva limitadora da pena (cf. BITENCOURT, C. R., op. cit., p. 150-152. Aliás, este autor outorga à teoria mista autonomia, como corrente distinta da da prevenção geral positiva limitadora, o em que diverge de Queiroz).

            39

Elenca o art. 6º as pessoas que podem portar armas e as entidades a que estão vinculadas. Entre outras, há o exército, agências de segurança pública, agentes e guardas prisionais, desportistas do tiro.

            40

Vide considerações sobre a teoria da prevenção geral da pena e nota 37 e 38, supra.

            41

Cf. BANDEIRA, Fernando Thompson. Atenção! Os tribunais estão admitindo um perigoso precedente para a mutilação dos direitos e garantias fundamentais do homem. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Rio de Janeiro, ano 11, n. 124, p. 5, mar. 2003, onde são ofertados apontamentos doutrinários e julgados de tribunais sobre o assunto.

            42

Cf. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. 9ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 27-29. Em sentido francamente oposto, ao entender que não há diversidade ontológica entre a analogia e a interpretação analógica, ver SCHMIDT, Andrei Zenkner. Hermenêutica na execução penal, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 103-104. abr. – jun. 2002: "[...] ao mesmo tempo em que a exigência de lei estrita determina ao juiz que interprete restritivamente toda norma penal incriminadora, temos tribunais brasileiros aplicando verdadeira analogia in malam partem, disfarçada sob as vestes de uma interpretação analógica que sequer tem fundamento plausível perante a moderna hermenêutica." (p. 88, grifos do autor).

            43

Sempre foi, por isso, objeto de nossa defesa a inadequação mesma da nomenclatura "liberdade provisória". Ora, provisória, em regra, é a prisão. Apostou a constituição em que se não pode presumir que um preso em flagrante tenha necessariamente sido culpado pelo injusto que se lhe irroga. Talvez melhor seria chamar ao instituto "liberação da prisão em flagrante", desde que, atualmente só atua, com efeito, em hipóteses de prisão em flagrante. Para os outros tipos de prisão provisória, há a revogação (art. 316 do CPP), ou o habeas-corpus. O nome que se quer abjurar remonta a épocas de ditadura, quando da elaboração do Decreto-Lei n. 3.689 de 03.10.1941, até hoje o Código de Processo Penal que aí está (vide item VIII da Exposição de Motivos do CPP).

            44

Reforça o que se diz acima o fato de que, na constituição de 1988, na realidade, não existe um princípio da presunção de inocência, senão de não-culpabilidade prévia. O texto foi formulado negativamente, da mesma maneira que na constituição italiana (art. 27). Deu-se, naquele país, intensa campanha doutrinária em carreira contra tal princípio liberal, capitaneada pela Escola Positivista de Ferri e Garofalo, com adjutório de nomes como Manzini e Betiol. Estes últimos chegaram a tachar de ficção a presunção de inocência, considerando que, estatisticamente, eram mais numerosas as condenações em relação às absolvições. Entusiasmados com o chorrilho de argumentos favoráveis, ombrearam-se a esta corrente os teóricos da Escola Técnico-Jurídica, de ideais fascistas de defesa social, com os quais se via incompatível o liberalismo humanista a dimanar do princípio sobredito. Cf. MELARAGNO COSTA, Breno. Princípio constitucional da presunção de inocência. In: PEIXINHO, M. M.; GUERRA, Isabela Franco e NASCIMENTO FILHO, F. Os princípios da constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 348-350.

            45

Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p.61.

            46

Os quais textos, não custa lembrar, imiscuem-se em nosso ordenamento jurídico com a pungência de norma constitucional, uma vez que protejam os direitos humanos fundamentais. Esta, a orientação de boa doutrina. Cf. PIOVESAN, Flávia. A constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. In: BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu e ARAÚJO, Nádia. Os direitos humanos e o direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 115-138; AZEVEDO, Bernardo Montalvão Varjão de. Uma reflexão acerca dos pactos e convenções internacionais e sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio. Revista Brasileira de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, ano 11, n. 43, p. 31-48, abr. – jun. 2003.

            47

Cf. MELARAGNO COSTA, Breno. op. cit., p. 356.

            48

Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 82-86.

            49

À conjugação dos direitos e garantias judiciais, formais, com um conjunto de princípios jurídico-políticos que situem a liberdade como bem essencial da pessoa humana chamou Amaral, com felicidade, aparato garantidor. Seria o habeas-corpus sua expressão máxima. Cf. AMARAL, Thiago Bottino do. Considerações sobre a origem e evolução da ação de habeas-corpus. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 9, n. 35, p. 101-131, jul. – set. 2001.

            50

Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. op.cit., p. 294-295.

            51

Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 67.

            52

Cf. TOLEDO, Francisco de Assis. op. cit., p. 21-22; e AMARAL, Cláudio do Prado. Princípios penais: da legalidade à culpabilidade. São Paulo: IBCCRIM, 2003. p. 85.

            53

Classicamente, na doutrina brasileira, coliga-se tal quadripartição a Francisco de Assis Toledo que se abeberou de Maurach. Cf. TOLEDO, F. A. op.cit., p. 22-29. Mais modernamente, desde um ponto de vista iluminado pelo garantismo penal e pela teoria da prevenção geral positiva limitadora (cf. nota 38, acima), tem-se apendiculado às quatro facetas implicitamente apontadas no referido princípio uma que diz com o princípio da intervenção mínima ou com o da ofensividade: a da necessidade. Então, violaria o princípio da legalidade uma criminalização que não fosse necessária à proteção do bem jurídico tutelado. O direito penal seria subsidiário e fragmentário, de intervenção mínima. Nullum crimen, nulla poena sine lege necessaria (Cf. SCHMIDT, A. Z. op.cit., p. 89-90).

            A nós, rogata venia, nunca nos pareceu correto o entendimento. Se bem que seja de valia indiscutível o critério da intervenção mínima ou ofensividade para o nortear da atividade legislativa e judiciária com o viso de incriminar, consubstanciam tais idéias muito mais o a que chamou Dworkin diretrizes políticas do que princípios propriamente ditos. Estes tem um claro conteúdo moral, que orienta, no geral a normatividade jurídica, a fim de dar-lhe maior justiça. São critérios materiais deônticos, autênticas normas. As diretrizes políticas, noutra borda, lançam bases sobre a atividade de concepção da lei, regra ou princípio. Devem, claro, ser retomadas em sua aplicação, mas não dominam, por sua excessiva fugacidade e indeterminação atroz os requisitos dos princípios. Aceite-se o contrário e o maior dos critérios de justiça, o de igual respeito e consideração para todos, pedra de toque de toda a moralidade inserta no fenômeno jurídico, será duramente verrumado. Haverá a possibilidade de ver solapada a constitucionalidade de um diploma incriminador com base no critério de necessidade de alguns julgadores, às vezes de um só, baseados em suas visões particulares de bem. Não aporta segurança jurídica ou real justiça tal sorte de arbítrio do aplicador da lei, que, a pretexto de justificá-la, acessa os argumentos exclusivos de seu fazimento e age como legislador, por mais que negativo, revogando, ao seu alvedrio, o que fizeram promulgar os representantes do povo, proprietário do poder, por isso, democrático. Cf. MAIA, Antônio Cavalcanti e SOUSA NETO, Cláudio Pereira de Souza. Os princípios de direito e as perspectivas de Perelman, Dworkin e Alexy. In: PEIXINHO, M. M.; GUERRA, Isabella Franco e NASCIMENTO FILHO, F. op. cit., p. 73, e HABERMAS, Jürgen. op. cit., 207-209.

            54

Parte da doutrina, possivelmente no afã de tornar mais imponentes os prolongamentos da legalidade, consagra-os como autênticos princípios, os quais princípios, de então autônomos, recebem, respectivamente as seguintes nomenclaturas: irretroatividade da lei penal, reserva legal absoluta (fazendo neste inserir a proibição da analogia in malam partem), e taxatividade do tipo penal. Cf. PRADO, C. A. op. cit. p. 134.

            55

Cf. TOLEDO, F. A., op. cit., p. 22-23.

            56

BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. 13ª ed. Trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. p. 27.

            57

Cf. BÖCKENFORDE, Ernst Wolfgang. Origen cambio del concepto de estado de derecho. In. _________. Esudios sobre el estado de derecho y la democracia. Trad. Rafael Agapito Serrano. Madrid: Trota, 1999. p. 17-47, especialmente 21-23.

            58

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., v. 3, p. 149

            59

Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 222-224.

            60

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Lívio Xavier. In: Os pensadores. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 70-71.

            61

Cf. TOLEDO, F. A. op. cit., p. 54. Mesma idéia, posto que em outros termos, em NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1, p. 279

            62

Não assoma, data venia, infirmar o que aqui se afirma a concepção de Andrei Zenkner Schmidt, que condiciona a ocorrência da absorção total no princípio da consunção à menor gravidade do delito absorvido – sem expliciar segundo que critério, o que nos faz concluir ser o da cominação penal – bem como à unidade de bens jurídicos afetados. Daí por que afasta de referido princípio, por exemplo, a consunção estabelecida no verbete n.º 17 da Súmula do STJ.

            A nós, nos parece que, para além de esvaziar inteiramente o potencial político-criminal de tal princípio, dita concepção tresmalha a maior parte das hipóteses de sua aplicação, construídas durante anos de meditada aplicação do Direito Penal, aqui e alhures. Poucas delas subsistiriam, como a da absorção do dano que destrói a res furtiva pelo delito de furto anteriromente praticado.

            A penetração de critérios político-criminais no Direito Penal de nossos dias, malversado no eficientismo irracional a que constatnemente aludimos neste trabalho, não se mostra somente uma extravagância: é imperiosa. De resto, o princípio da consunção, como muito bem localizou o próprio autor, habita a progressão criminosa; torna impuníveis atos anteriores e posteriores que não tragam maior colorido no injusto central que se pratica, senão para torná-lo, quanto à aplicação da pena, mais ou menos grave. Com isso, ademais, afasta-se o risco do bis in idem, proscrito de nossa ordem constitucional. Não faz sentido, para retornar a nossos exemplos, seja alguém duplamente punido porque praticou uma tentativa de homicídio com uma arma de fogo, instrumento natural para a dita ação delituosa. Diga-se o mesmo quanto à tentativa de roubo, para a qual, há, inclusive, expresso aumento de pena em razão do instrumento utilizado.

            Finalmente, a absorção do crime-meio pelo crime-fim obedece, ainda, a postulados da lógica do razoável. Aceite-se o contrário e se dirá ao pretenso criminoso: "Pode lesionar gravemente com um machado, mas não o faça com uma arma de fogo!" Um crime de dano, em termos materiais, e não numerários, será sempre mais grave do que um de perigo; máxime se de perigo abstrato. No crime de resultado, o que era temor transmudou-se em realidade. Se o legislador, desatento para tal evidente circunstância, torna o crime de perigo mais pesadamente apenado do que o de dano correlato numa ocasional conduta concreta, resolve-se o imbróglio pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do crime de perigo, por vioaldor do princípio da legalidade penal e da coerência normativa que exige; não pelo afastamento do princípio da consunção. (Cf. SCHMIDT, Andrei Zenkner. Concurso aparente de normas penais. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 9, n.º 33, p. 68-100, jan.-mar. 2001).

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Cf. MARINHO, Josaphat. Dos direitos humanos e suas garantias. In: BONAVIDES, Paulo et alli. As tendências atuais do direito público. Estudos em homenagem ao Professor Afonso Arinos de Mello Franco. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 169

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RODOTÀ, Stefano. Palestra proferida na Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro em 11 de março de 2003. Disponível em . Acesso em 06 abr. 2004.

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Cf. BARBOSA, Rui. O dever do advogado. 3º ed. rev. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2002. p. 44.
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Sobre o autor
João Pedro Chaves Valladares Pádua

sócio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, da Academia Brasileira de Direito Constitucional, do National Criminal Justice Reference Center (EUA) e da Association Internationale de Droit Penal (AIDP) e do Instituo de Hermenêutica Jurídica

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PÁDUA, João Pedro Chaves Valladares. Estatuto do Desarmamento:: irracionalidade, ilegitimidade e inconstitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 677, 13 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6724. Acesso em: 29 mar. 2024.

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