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Os folguedos juninos e os direitos autorais

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Chegando o mês de junho, os folguedos juninos tomam contam de todos os recantos do Nordeste. É quando o povo expande sua alegria, à beira das fogueiras, esquecendo seus dissabores, saboreando guloseimas bem ao gosto dessa quadra festiva e dançando animadamente ao som de músicas que retratam a exagerada alegria da nossa gente, nesse congraçamento, que suplanta, no sertão, as festas natalinas.

Mas o forró, o baião e o samba não são executados só nas rodas de família e de amigos. Há clubes que promovem animados bailes, utilizando-os. E se torna cada vez mais comum essa comemoração junina nos colégios, com a boa acolhida do alunato e de seus pais.

Os esquecidos nessas festividades são os compositores, pessoas que, graça ao seu labor intelectual, dão-lhes intenso brilho com suas composições musicais.

Aqueles que, entre amigos, no recesso familiar, promovem festas juninas, sem objetivar nenhuma vantagem econômica, estão dispensados do pagamento de direitos autorais (Lei nº 9610/98, art. 46, VI). Os clubes que contratam artistas e bandas insurgem-se contra o pagamento da retribuição autoral, que é devida, sob a alegação de que àqueles pagaram altos cachês. Os colégios, respaldando-se também no inciso VI do art. 46 da lei de regência dos direitos autorais, argumentam que estão divulgando o folclore regional, sem intuito de lucro, e com respaldo nessa ponderação, afirmam que estão liberados do pagamento de proventos pecuniários aos titulares de direitos autorais.

Quando a pessoa física adquire, numa casa comercial especializada, o suporte material em que estão gravadas as músicas (disco, fita, cd, etc), pode dele utilizar-se, da maneira que lhe convier, desde que seja no recesso do seu lar, sem obrigação pecuniária para com os autores das obras musicais. Não poderá pleitear o mesmo tratamento uma pessoa jurídica, pois, comprando-o, supõe-se destinar o seu uso à sonorização do seu ambiente, para entretenimento de sua clientela ou mesmo dos seus empregados. No caso de sonorização ambiental de uma casa comercial, a utilização das obras musicais dependerá de prévia e expressa autorização dos seus autores (Lei nº 9610/98, art. 29, VIII, f e art. 68, §§ 2º e 3º), obtida mediante o pagamento dos proventos autorais, que também serão devidos no caso de simples retransmissão radiofônica. A propósito desse assunto, transcrevemos o teor da Súmula nº 63 do STJ: "São devidos os direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais".


Não assiste razão aos clubes promotores desses eventos juninos, quando sustentam que não lhes cabe a obrigação pelo pagamento de direitos autorais na ocorrência de execução pública de músicas nos seus recintos, porque já pagaram elevados cachês aos artistas e às bandas, ou porque as festas não têm fim lucrativo, outro argumento bastante simplório que empregam. Cachê e direitos autorais não são a mesma coisa: aquele é o ordenado ou o preço que o contratante paga aos artistas ou às bandas para se apresentarem no espetáculo; estes são os proventos pecuniários devidos, por lei, aos compositores das obras musicais, que são executadas durante o evento e que só podem ser tocadas mediante autorização prévia e expressa de seus criadores, sob pena de violação dos direitos autorais, sujeitando-se incorrer o responsável pelo clube, em conseqüência disso, a sanções civis e penais (Lei nº 9610/98, art. 110 e CP, art. 184).

Os direitos autorais são devidos mesmo na hipótese de o próprio artista que se apresenta ao público ser o compositor e já ter recebido seu cachê.

No entanto, comumente o artista executante, que apresenta as composições ao público, não é o criador intelectual das obras lítero-musicais. Recebe seu salário (cachê), conforma-se com o pagamento e não defende os lídimos direitos daquele que lhe propiciou as melodias para que o seu trabalho de intérprete pudesse se realizar.

Da mesma forma, não tem sustentação jurídica a posição tomada pelos colégios, que sistematicamente argumentam estar divulgando o folclore regional. É possível que esse propósito seja verdadeiro em grande número de estabelecimentos de ensino, mas não em todos eles. A atitude reprovável de repúdio à cobrança dos direitos autorais feita por parte dos intransigentes, porque não se respalda no inciso VI do art. 46 da Lei nº 9610/98, constitui uma violação desses direitos.

Posição contrária, quanto à obrigatoriedade de pagamento de direitos autorais pelos colégios, se utilizarem obras musicais em festas juninas, sustenta Guilherme Wagner Ribeiro em artigo de sua lavra (Interpretação constitucional: as festividades juninas em estabelecimentos de ensino e os direitos autorais) versando sobre essa matéria. Entre suas colocações, destaco inicialmente estes trechos: "também o direito autoral está condicionado ao princípio da função social da propriedade" e "a realização de festividades populares no interior de escolas públicas (grifo nosso), além de estar imbuída de propósitos pedagógicos, é fonte de lazer, um dos direitos fundamentais assegurados pela Carta Magna". Para ele, se as escolas públicas forem obrigadas a recolher os proventos autorais devidos aos autores de obras lítero-musicais, essa medida "restringe não apenas o lazer, mas o seu acesso à cultura, a qual cabe ao Estado garantir a todos os brasileiros" e transcreve, em seguida, em apoio a sua tese, o texto do art. 215 e seu § 1º da CF . Expõe, ainda, o articulista que "a festividade junina no interior de estabelecimento de ensino municipal é apenas um dos momentos culminantes de um processo pedagógico em que se busca uma formação humana plena dos estudantes a partir da cultura popular brasileira e da elevação da capacidade de socialização destes". Ao autor é assegurado, como está no texto constitucional (CF, art. 5º, XXVIII, b), o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criou ou de que participou "Ora – diz o articulista -, se cabe ao ECAD, como associação representativa, fiscalizar o aproveitamento econômico que se faz das referidas obras, não existe fato gerador do dever de recolher aos cofres daquela entidade valores decorrentes dos direitos autorais se não há o mencionado aproveitamento, ou seja, na ausência de finalidade lucro".

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Tem razão o articulista em parte. Não havendo em qualquer caso intuito de lucro, o colégio, público ou privado, que utilizar músicas em festejos juninos não comete ofensa aos direitos autorais. Contudo a realidade é outra. Muitos colégios estão comemorando os festejos juninos não com fins pedagógicos, mas pretendendo faturamento extraordinário. Na ocorrência dessa hipótese, os educandários que obtiverem alguma vantagem de cunho econômico (patrocínio, venda de ingressos, etc) com a realização desse evento não estarão isentos do pagamento de proventos pecuniários aos titulares das obras lítero-musicais.

De qualquer maneira, sendo o evento realizado com finalidade meramente pedagógica ou havendo intuito de lucro, sugere-se que o colégio procure o ECAD, informando-o da programação. O preço cobrado para liberação do evento musical não assusta. Na festa junina com sonorização ambiental, música por aparelho ou ao vivo, a cobrança será feita pelo critério de participação percentual. No primeiro caso (música por aparelho), incidirá o percentual de 1,95% sobre a receita bruta de bilheteria e no segundo (música ao vivo), o percentual reduzir-se-á para 1,30%. Essa diferença entre os percentuais cobrados para liberação de evento com música por aparelho (1,95%) e com música ao vivo (1,30%) existe porque no primeiro caso estão incluídos os direitos conexos ao direito de autor (artistas intérpretes e produtores fonográficos), previstos na lei de regência (Lei nº 9610/98, arts. 89 a 94).

Reina, ainda, essa é a verdade, bastante desinformação entre os usuários de músicas quanto à obrigação inarredável de remunerar seus criadores intelectuais. O ECAD tem, nesse particular, uma parcela de culpa. Poderia utilizar com mais freqüência espaços nas emissoras de rádio, nos canais de televisão e nos jornais para prestar maiores esclarecimentos aos usuários e também à população, de modo geral. Esse seria um comportamento que, sem dúvida, iria contribuir para que o público em geral obtivesse mais esclarecimentos sobre os direitos autorais devidos pela utilização de obras musicais e o resultado desse trabalho redundaria em proveito do próprio ECAD, tornando-o mais conhecido e mais respeitado pelos usuários de músicas.

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Sobre o autor
Eduardo José Pereira de Matos

acadêmico de Direito da UNIFOR, bancário aposentado, ex-chefe da sucursal do ECAD em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Eduardo José Pereira. Os folguedos juninos e os direitos autorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/681. Acesso em: 28 mar. 2024.

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