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A nova Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento sem Dano ou do Depoimento Especial) com suas nuances, polêmicas e disparates

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09/08/2018 às 14:22
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Com a nova Lei nº 13.431/2017, admite-se acareação da criança/adolescente na condição de vítima ou testemunha de violência?

A nova Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento Sem Dano ou do Depoimento Especial) mal entrou em vigor e já desperta inúmeros questionamentos[1].

A “mens legis” contida na Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento Sem Dano ou do Depoimento Especial) foi justamente de evitar revitimização da vítima criança/adolescente ou criança/adolescente testemunha de violência.

Nesse contexto, a legislação em comento previu apenas a violência psicológica, física e sexual dentre o rol trazido pelo legislador.

De qualquer forma, sem querer fazer uma leitura açodada, ao que parece, o “conceito de violência” inserido na Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento Sem Dano ou do Depoimento Especial), semelhante do que ocorreu na Lei Maria da Penha e em outras legislações, trará discussões doutrinárias da magnitude: ser um conceito aberto e amplo de cunho protetivo[2] ou apenas restrito? Apesar de ser sustentável ambas as visões, talvez se permita uma interpretação aberta[3], ampliativa, teleológica e finalística, para acima de tudo se tutelar a figura da criança e do adolescente em desenvolvimento dentre os elementos fornecidos pelo legislador ordinário - com a ressalva do nosso posicionamento pessoal de estar em formação sobre o tema ainda.

O art. 12, da Lei nº 13.431/2017 preceitua que:

“Art. 12. O depoimento especial será colhido conforme o seguinte procedimento: I - os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais; 

II - é assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos; III - no curso do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo;

IV - findo o procedimento previsto no inciso II deste artigo, o juiz, após consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco; V - o profissional especializado poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente;

VI - o depoimento especial será gravado em áudio e vídeo. 

§ 1À vítima ou testemunha de violência é garantido o direito de prestar depoimento diretamente ao juiz, se assim o entender. 

§ 2O juiz tomará todas as medidas apropriadas para a preservação da intimidade e da privacidade da vítima ou testemunha. 

§ 3O profissional especializado comunicará ao juiz se verificar que a presença, na sala de audiência, do autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou colocar o depoente em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento do imputado. 

§ 4Nas hipóteses em que houver risco à vida ou à integridade física da vítima ou testemunha, o juiz tomará as medidas de proteção cabíveis, inclusive a restrição do disposto nos incisos III e VI deste artigo. 

§ 5As condições de preservação e de segurança da mídia relativa ao depoimento da criança ou do adolescente serão objeto de regulamentação, de forma a garantir o direito à intimidade e à privacidade da vítima ou testemunha. 

§ 6O depoimento especial tramitará em segredo de justiça”.

Até as terminologias empregadas de “depoimento sem dano” ou “depoimento especial” não nos parece técnicas – ao menos quando a criança ou adolescente figurar como vítima – , pois somente presta depoimento à luz do Código de Processo Penal, pessoas compromissadas em dizer a verdade, sob pena de crime de falso testemunho – expressões aquelas que estariam corretas apenas quando a criança ou adolescente figurasse como testemunha. O ideal é que se cunhasse a expressão “oitiva sem dano” ou “oitiva especial” para designar, já que seria gênero de depoimento que seria espécie.

Com isso surge a primeira inquietação: Com a nova Lei nº 13.431/2017 admite-se acareação da criança/adolescente na condição de vítima ou testemunha de violência? Em resposta se haveria a possibilidade ou não de acareação da criança/adolescente na condição de vítima ou testemunha de violência entre seu algoz(criminoso), testemunhas, entre outra vítima (em caso de mais de uma vítima) etc, pensa-se que haverá uma inclinação em se negar essa prática, em virtude da “mens legis” anunciar o impedimento da revitimização da vítima – o que poderá frustrar a busca da verdade real, ainda que utópica em nossa opinião.

De mais a mais, dentro da realidade propiciada pelo Estado brasileiro, no desempenho das funções e atividades policiais - aquém do necessário - e ao mesmo tempo da falta de sintonia entre Lei e o ‘mundo’ “real à brasileira”, a Polícia Judiciária em todo país têm se esforçado e procurado ao máximo atender as diretrizes da Lei em comento, tanto que por ausência de equipamentos e de equipe especializada para tanto na Delegacia ou em Juízo, até o momento, na grande maioria não se tem conseguido realizar a contento, os atos em sua plenitude, em obediência a indigitada Lei – se limitando apenas aos atos prévios de possível atendimento especializado.

Outro questionamento é se essa oitiva sem dano ou oitiva especial será apenas em Juízo ou em Delegacia?

Pensa-se que essa “oitiva sem dano” ou “oitiva especial” poderá se dar em Juízo ou em Delegacia, embora fica nítida de que o propósito do legislador foi de ser tomar preferencialmente apenas uma oitiva para evitar a revitimização. Não foi a toa que o legislador no art. 8º, da Lei nº 13.431/2017 previu que:

“TÍTULO III

DA ESCUTA ESPECIALIZADA E DO DEPOIMENTO ESPECIAL 

[...]

Art. 8o  Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.” 

Partindo-se a premissa de que não existem palavras inúteis do texto da lei, o depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária. Como proceder então em termos práticos diante desta constatação? O recomendável é que ocorra a liberação dos adolescentes (vítimas) sem oitivas formais, com a coleta apenas da escuta especializada (atendimento especializado pelos policiais [investigadores, escrivães e até mesmo Delegados de Polícia], com o preenchimento de formulários), diante da vigência da Nova Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento Sem Dano ou do Depoimento Especial) até porque pela letra da Lei, essa oitiva pode se dar tanto na Delegacia[4][5] ou em Juízo[6]. Assim, de qualquer forma, embora não seja o ideal, é o que se tem “à la carte” para oferecer de plano, enquanto não se crie a equipe ou rede especializada responsável para tanto, buscando atender o espírito da lei, já que nem capacitação o legislador ordinário se preocupou em conferir às Polícias Judiciárias.

Assim, apesar de a Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento Sem Dano ou do Depoimento Especial) já estar em vigor, a solução encontrada tem sido à liberação e entrega dos adolescentes (vítimas/testemunhas) aos responsáveis legais com a coleta apenas da escuta especializada[7] (atendimento especializado pelos policiais [investigadores, escrivães e até mesmo Delegados de Polícia], com o preenchimento de formulários)[8], enquanto não se crie a equipe ou rede especializada responsável para tanto.

De qualquer forma, deverá a Autoridade Policial Titular da unidade policial responsável pela condução das investigações em tela, avaliar posteriormente, a possível representação policial (ou provocação ao Ministério Público) por antecipação de prova (com oitiva dos adolescentes na forma da lei supra) [art. 21, inciso VI, da Lei nº 13.431/2017], dentre outros entendimentos da Autoridade Policial responsável pelo caso (diante das hipóteses enumeradas no art. 21, incisos I usque V, da Lei nº 13.431/2017), dentro da sua independência funcional/autonomia[9].

Ainda em termos práticos e como já dito, as crianças e os adolescentes conduzidos na condição de vítimas/testemunhas de violência, após as entrevistas, deverão ser liberadas e entregues aos responsáveis legais, mediante termo.

Prosseguindo nas exposições, encontramos um outro problema da Lei nº 13.431/2017 no tocante ao exercício do contraditório e da ampla defesa.

Como conciliar o contraditório e ampla defesa em prova antecipada? Não teríamos uma inconstitucionalidade material neste ponto?  Ah! Uma possível solução imediatista seria da possibilidade de se fazer um contraditório diferido no momento adequado. Sabemos da existência de posicionamentos jurisprudenciais respeitáveis, contudo, será que realmente este contraditório diferido alcançará a mesma segurança e impressão aos destinatários da prova? Em resposta, pensa-se que haverá uma inclinação em não se admitir nem mesmo uma reinquiração da vítima pelo espírito da lei.

Não podemos deixar que leis ordinárias criem ambientes propícios e férteis para injustiças, sob o pretexto e preocupação da revitimização da vítima, por mais nobre que seja. O mais importante tem sido olvidado pelo legislador, que é de focar na proteção da família (base do Estado); num ensino escolar público com qualidade que prepare e auxilie nossas crianças e adolescentes na complementação da educação, inclusive como forma preventiva de vitimização; numa segurança pública eficiente e equipada; entre outras políticas públicas. Insistir em tentar resolver problemas na “canetada” e na seara do Poder Legislativo, certamente, não trará efeitos práticos desejados.

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Outro problema está na potencialidade de fantasia criada por crianças e adolescentes em suas mentes, pois embora não seja regra, a literatura da psicologia e psiquiatria forense e policial não deixa escapar de casos emblemáticos[10], em que crianças e adolescente fantasiaram fatos ou deram coloridos diversos, onde acabaram colocando de forma indevida, os seus “algozes” na cadeia.

Ademais, em casos que envolvam disputa de guarda de crianças e adolescentes, não raras vezes esses personagens (crianças e adolescente), a mando dos interessados[11], têm falseado a verdade e colocado seus pais na cadeia (seja para delatarem fictícios estupros, maus tratos entre outros crimes falsos). Com a legislação em vigor, sem dúvida, a busca da verdade real poderá restar comprometida mais uma vez, principalmente a afastar a figura do Delegado no acompanhamento real e próximo (frontalmente e diretamente com a criança ou o adolescente) na coleta dos depoimentos/oitiva.

O ideal é que o legislador tivesse previsto esse acompanhamento não de forma indireta, mas direta, ao menos na esfera policial, por óbvio, por conta da experiência e tirocínio policial com fatos que podem ter sido “arquitetados” para atender no fundo, interesses escusos – como já falado anteriormente.

Com isso, em que pese a inegável nobreza e objetivo da Lei em comento serem de fundamental importância e constituírem um verdadeiro avanço nas políticas públicas de crimes contra vítimas crianças e adolescentes, não estaríamos conferindo poderes por demais a uma vítima para colocar na cadeia quem quiser, porque dificilmente terá sua versão confrontada?

Será que os equívocos da literatura policial e do Poder Judiciário não foram suficientes para despertar um enfrentamento sobre o assunto com ressalvas quanto à versão da vítima para se evitar erros?

Outro ponto não debatido até o momento, é que a criação de equipe especializada para ouvir diretamente a vítima ainda que na esfera da Delegacia de Polícia, acaba retirando a presença do Delegado de Polícia na sala e diretamente da oitiva e isso não seria uma inconstitucionalidade, uma vez que cabe ao Delegado acompanhar a situação?


Uma lei hierarquicamente inferior poderia retirar uma atribuição de densidade constitucional da Autoridade Policial?

Em resposta, vale mencionar antes de mais nada, que é atribuição constitucional e legal do Delegado de Polícia estar a frente desses atos. Logo, em continuidade da resposta, pensamos que estaríamos diante de uma inconstitucionalidade neste ponto ainda que se alegasse a densidade da base principiológica do Estatuto da Criança e do Adolescente para sobrepor. O que esperava do legislador é que prestigiasse à capacitação da Autoridade Policial com sua presença direta e real, na sala da oitiva junto com a equipe especializada e não a sua retirada à frente de forma direta dos atos, deixando-a apenas como acompanhante e mero coadjuvante dos atos. Afinal, pensa-se com todo respeito sem desmerecer os demais profissionais, que o Delegado de Polícia tenha melhores técnicas e métodos de investigação para aprofundar e dirigir os atos, merecendo apenas uma capacitação mais específica nestas situações – sem figurar como acompanhante e mero coadjuvante – e disponibilizar equipamentos e equipe especializada para tanto.

A presença real e direta do Delegado de Polícia é importante nesses atos em sede de Delegacia de Polícia.

Como já dito, o ideal é capacitar o Delegado de Polícia para a escuta e da “oitiva sem dano” em Delegacia – quando for imprescindível essa oitiva – e não retirar à frente dos atos investigatórios, colocando equipe especializada para tanto em sua substituição.

Imagina se a moda pega no meio jurídico? Daqui a pouco estarão retirando julgadores (juízes) e outros protagonistas de seus ofícios sob os mais variados pretextos.

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Sobre o autor
Joaquim Júnior Leitão

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR LEITÃO, Joaquim. A nova Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento sem Dano ou do Depoimento Especial) com suas nuances, polêmicas e disparates. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5517, 9 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68179. Acesso em: 28 mar. 2024.

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