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A importância de uma missão diplomática

03/08/2019 às 12:40
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O relacionamento com os Estados Unidos exige muito mais do que ser agente indutor de uma atividade econômica de extração, que hoje é ilegal em terras tradicionalmente ocupadas por indígenas.

As missões diplomáticas destinam-se a assegurar a manutenção de boas relações entre o Brasil e os Estados em que se acham sediados, bem como a proteger os direitos e os interesses do Brasil e dos brasileiros, como se lê da Lei 3.917, de 14 de julho de 1961.

A missão diplomática é integrada pelo Chefe da Missão (embaixador ou ministro), além de pessoal diplomático, administrativo e técnico e o pessoal de serviço.
Em 1961, foi assinada a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que veio a codificar toa a matéria. A ênfase da Convenção é sobre a missão diplomática, relegando o chefe da missão a segundo plano.

Segundo a terminologia adotada a expressão agente diplomático abrange o chefe da missão ou um membro do pessoal diplomático da missão. No passado, sob o manto do Regulamento de Viena de 1815 tal expressão era reservada apenas ao chefe da missão.

Na escolha e nomeação dos agentes diplomáticos, cada Estado determina as qualidades e condições de idoneidade que devem possuir os seus agentes no exterior, bem como o modo de sua designação. É certo que, em muitos países, o pessoal diplomático constitui um corpo de funcionários de carreira.

Em geral, os agentes diplomáticos são nacionais do país que os nomeia, mas nada impede que pertençam a outra nacionalidade. Entretanto, a prática internacional desaconselha a escolha de um nacional do Estado junto a cujo governo o nomeado deve servir. Isso porque haveria uma dificuldade de conciliar os deveres do agente em relação aos dois Estados(o que escolhe e aquele da qual é nacional e onde vai servir).

Recomenda a prática do Direito Internacional Público que antes de efetuada a nomeação, o governo que resolve acreditar um agente diplomático junto a outro governo deve solicitar deste a aceitação a esse outro governo, ou, antes, deve informar-se confidencialmente junto a esse outro governo, sobre se tal pessoa será bem recebida como representante diplomático. Assim é bom saber se a mesma será persona non grata. A essa consulta, designa-se o nome de pedido de agrément  ou de agréation.

Partido para o posto deverá o agente diplomático, além de outros documentos, um que o identifica e outro que o acredita. O primeiro é o passaporte diplomático e o segundo é a credencial.

O  agente diplomático tem  deveres que podem ser assim resumidos:  de representação, de observação e de proteção.

Passo ao tema concreto.

Nos últimos dias tivemos várias demonstrações do governo brasileiro de que não mede esforços para ter o apoio dos Estados Unidos. Desde o caso dos navios iranianos, que a Petrobras não queria abastecer com receio de sanções americanas, até a nomeação esdrúxula do filho de Bolsonaro para a embaixada dos Estados Unidos. A questão não é legal, é moral, é ética, de imagem do país.

Se havia alguma dúvida de que o presidente aposta na aproximação pessoal com Trump, através de seu filho Eduardo, o próprio Bolsonaro revelou candidamente o que está por trás da nomeação: pretende que empresas americanas venham explorar minérios nas reservas indígenas.

O embaixador Marcos Azambuja, recentemente, ressaltou que o atual Governo adota uma conduta que nos afasta, de forma radical, do espírito mesmo das posições que expressamos ao longo de nossa história. Para o embaixador Azambuja, não parecemos estar mais, como costumávamos, no âmago do grupo dos formadores do consenso internacional sobre as grandes questões da atualidade: meio ambiente, desarmamento, direitos humanos, problemática do Oriente Médio e várias outras.

A tarefa do chefe da missão diplomática afasta-se, portanto, do pensamento do atual chefe do Executivo no sentido de dar a essa complexa tarefa o mero tom da amizade. Aliás, os governos Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro, no Brasil, mesmo que eles sejam amigos, um dia passarão. O que importa é, objetivamente, as relações jurídicas de direito internacional entre as Repúblicas do Brasil e dos Estados Unidos, em seu aspecto politico e econômico.

As relações internacionais entre países soberanos, num modelo democrático, estão muito além do perfil personalista. Isso é próprio de ditaduras.

No passado, à época do Barão do Rio Branco, tivemos na Embaixada brasileira nos Estados Unidos, Joaquim Nabuco, que, por lá morreu em 1910. Após, no governo Vargas, tivemos outro político experiente que muito bem desempenhou essa missão, em época de um grande conflito mundial: Osvaldo Aranha. Posteriormente, no governo Castelo Branco, ainda dentro da politica de aproximação com os Estados Unidos, tivermos Juraci Magalhães.

Com o devido respeito, o pretendente ao cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, além de não se encaixar no perfil exigido para chefe de uma missão diplomática nos Estados Unidos, algo que exige uma profunda experiência, não tem o perfil dos estadistas citados acima, para tão importante missão.

Aliás, o relacionamento com os Estados Unidos exige muito mais do que ser agente indutor de uma atividade econômica de extração, que hoje é ilegal em terras tradicionalmente ocupadas por indígenas.

Aliás, o  indigenato é tradicional instituição jurídica que deita raízes nos velhos tempos da Colônia quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, às terras outorgadas a particulares seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas.

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Terras tradicionalmente ocupadas não revelam uma relação temporal. Se formos ao Alvará de 1º de abril de 1680 que reconhecia aos índios as terras onde estão tal qual as terras que ocupavam no sertão, ver-se-á que a expressão ocupadas tradicionalmente não significa ocupação imemorial. Não se trata de posse ou de prescrição imemorial. Não quer dizer terras imemorialmente ocupadas, ou seja, terras que eles estariam ocupando desde épocas remotas que já se perderam na memória. Como bem alertou José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5º edição, pág. 716), o tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terra e ao modo tradicional de produção, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra.

O indigenato não se confunde com a ocupação, portanto, com a posse civil. O indigenato é fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. Essa a lição obtida de João Mendes Júnior é observada por José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, RT, 5ª edição, pág. 717). Esse desenvolvimento é feito sobre a tese de que as terras de índios, congenitamente apropriadas, não podem ser consideradas nem como res de ninguém, nem como res derelictae. Não é uma simples posse, mas um reconhecido direito originário e preliminarmente destinado ao indígena.

Sabe-se que o artigo 231 da Constituição Federal reconhece o direito ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras que tradicionalmente ocupam. Tal usufruto é intransferível como lembra Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969, t.IV/456 e 457).

Tal a tradição do direito brasileiro, exposto na Lei nº 601/1850, no Decreto Regulamentar nº 1318, de 1854, que fez respeitar o direito originário dos índios às terras de ocupação tradicional.

Não está em jogo, no tema da posse indígena, como revelou o Ministro Victor Nunes Leal (voto proferido nos autos do recurso extraordinário nº 44.585 – MT, julgado a 28.6.61), um conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista dos vocábulos. Trata-se de um habitat de um povo. Assim, a Constituição Federal determina que num verdadeiro parque indígena, com todas as suas características naturais primitivas, possam permanecer os índios vivendo naquele território.

A posse indígena distingue-se da posse civil. Aquela é mais ampla, mais flexível como conceituado no artigo 23 da Lei nº 6001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio).

Nas terras indígenas, a propriedade é da União (Constituição Federal, artigo 20, inciso XI). Dos índios é o usufruto exclusivo abrangendo o aproveitamento das riquezas do solo, dos rios e lagos neles existentes. Tais terras são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Mesmo que houver prova do fato do particular portar título de domínio, devidamente registrado em Cartório de Imóveis, prevalece o comando constitucional que declara nulo e sem nenhum efeito jurídico atos que tenham por objetivo o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas por silvícolas.

A Constituição é clara ao defender os “direitos originários” dos índios sobre suas terras. Alguns entendem que Para abrir a exploração mineral, agrícola ou de qualquer natureza em reservas ianomâmi, Raposa Serra do Sol e tantas outras, é, ou será, preciso emenda constitucional, com quórum qualificado e votação em dois turnos na Câmara e no Senado. E há questões externas. Mas, é caso de uma garantia constitucional, uma cláusula pétrea, em defesa dos direitos humanos, que não poderá ser derrubada, pois é inerente à Constituição de 1988, ainda além de constar de princípio da dignidade da pessoa humana, um princípio impositivo.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A importância de uma missão diplomática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5876, 3 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75664. Acesso em: 29 mar. 2024.

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