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O dumping e as práticas desleais de comércio exterior

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01/08/2000 às 00:00
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I - INTRODUÇÃO:

A globalização é um fenômeno cujos reflexos são nitidamente sentidos tanto na seara jurídica, quanto nas mais variadas áreas do conhecimento humano, reclamando de todos __teóricos e práticos__ a adoção de novas perspectivas compatíveis com as mudanças hodiernamente observadas.

A primeira dificuldade em lidar com a idéia de globalização consiste na variedade de significados que têm sido atribuídos ao mesmo fenômeno. Essa variedade é explicável, em parte, porque esse é um processo cujo impacto se faz sentir em diversas áreas e, apesar dos benefícios por ele trazidos, inegáveis são os conflitos oriundos da sua intensificação, notadamente nas relações comerciais exteriores, as quais passaram a compreender novos mecanismos e instrumentos.

Especificamente no campo do Comércio Exterior, a globalização produziu efeitos positivos e negativos, como são exemplos as práticas comerciais desleais, que comprometem a produtividade e o bom desempenho do conjunto das empresas, levando muitas delas à falência.

Inúmeras são as matérias suscitadas pela intensificação do comércio internacional, demandando uma crescente especialização dos profissionais que atuam nessa área. Enquanto instituição formadora do conhecimento, a Universidade estuda e explica a fenomenologia da globalização, sendo importante o seu papel na consolidação da nova mentalidade e dos novos procedimentos adotados, auxiliando a comunidade a compreender e a amoldar-se à realidade que se nos impõe, seja através da formação de profissionais, seja pela promoção de debates, seminários e colóquios.

Este trabalho objetiva tecer algumas considerações acerca do dumping, estabelecendo seu conceito e natureza jurídica, tratando, por um lado, dos aspectos normativos internacionais, hoje sob as bases da Organização Mundial do Comércio - OMC(1), e por outro, das normas internas, que através de leis e decretos acomodam os acordos internacionais na legislação pátria.

O dumping foi definido como prática desleal de comércio internacional pelo acordo do GATT em 1947 e, hoje, pelo Código Antidumping da OMC, tem seus efeitos minimizados. Contudo, a complexidade técnica que reveste suas matérias tem inibido as incursões dos doutrinadores pátrios que, até a presente data, pouco abordaram a temática, deixando firmar-se a falsa compreensão de tratar-se de algo distante e estranho à realidade brasileira.

Deste modo, o presente trabalho pretende despertar a atenção dos juristas e demais estudiosos acerca das matérias do dumping, o qual somente veio a adquirir maior importância face à globalização da economia brasileira e à integração das empresas nacionais ao mercado mundial. Precisamos, pois, ficar atentos a essas novas realidades que a globalização nos traz para que não fiquemos à ribalta dos acontecimentos.


II - BREVE HISTÓRICO DO GATT À OMC:

A regulamentação do comércio internacional por um tratado multilateral fez-se necessária após a II Guerra Mundial. Planejava-se criar, juntamente com o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, a Organização Internacional do Comércio – OIC. Esta, entretanto, não logrou o êxito almejado, sendo os assuntos relativos ao comércio exterior tratados no âmbito do "Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio", também conhecido por GATT, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1948.

A sigla GATT consiste na abreviação da expressão inglesa "General Agreement on Tariffs and Trade" (Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio) utilizada para designar a organização internacional concebida em 1947 e que, até 1995, quando da criação da Organização Mundial do Comércio – OMC, conduziu uma série de acordos multilaterais destinados a reduzir os obstáculos ao intercâmbio internacional e fomentar relações comerciais mutuamente vantajosas a todos os seus membros(2).

Observando-se as circunstâncias de sua criação, percebe-se que, inicialmente, o GATT seria apenas uma parte das regras a respeito do comércio internacional, criado pela Carta de Havana como primeiro passo viabilizador da OIC. Entretanto, como a OIC não se tornou realidade, o GATT perdurou no tempo para suprir-lhe as vezes, entrando em vigor através do "Protocolo de Aplicação Provisória", em meados de 1948, com 23 países subscritores(3).

Esses organismos internacionais estão, hoje, encarregados de promover o desenvolvimento econômico e social dos países pobres e, ao mesmo tempo, garantir que o livre comércio não seja restringido na busca desse desiderato. Os acordos promovidos pelo GATT, e após 1995 pela OMC, objetivam precipuamente disciplinar as práticas comerciais internacionais de molde a evitar o nefando recrudescimento do protecionismo.

O processo de liberalização comercial resulta, certamente, em maiores oportunidades de crescimento econômico, em virtude da maior competitividade alcançada por significativa parcela dos meios de produção. Em contrapartida, a existência de um sistema de defesa comercial eficaz, ágil e transparente é condição sine qua non para a manutenção de uma economia aberta, pois evita que os produtores domésticos afetados pela concorrência desleal de alguns produtos importados pressionem por medidas de proteção incompatíveis com as regras da OMC. Além disso, um sistema assim constituído garante a sustentabilidade das medidas adotadas, viabilizando a defesa daqueles que estejam efetivamente sendo prejudicados por importações objeto de prática desleais, tais como o dumping, ou beneficiadas por subsídios.


III - ASPECTOS JURÍDICOS DO DUMPING:

O Direito, enquanto norma, visa a disciplinar uma situação fática já existente e a estabelecer os parâmetros dentro dos quais certas atividades podem ser licitamente exercidas. Aplicando-se tal sorte de idéias à temática ora abordada, fácil é concluir que o sistema antidumping surgiu no intuito de coibir uma prática internacional classificada como desleal e perniciosa, bem como impedir que os Estados isoladamente recorram àquilo que, quando praticado entre indivíduos, designa-se justiça privada ou autotutela.

O Comércio Internacional é extremamente complexo e suas relações são objeto de acordos gerais, como são exemplos os Acordos do GATT e o de Marrakesh de 1994, que objetivam estabelecer normas gerais garantidoras de um sistema de trocas mais justo e vantajoso para todos os Estados-Partes. Neste contexto, o dumping caracteriza a perversão de toda a principiologia iniciada pelo GATT e continuada pela OMC.

O dumping implica a exportação de uma mercadoria para outro país por um preço abaixo do "valor normal", entendendo-se como tal um preço inferior ao custo de produção do bem ou então inferior àquele praticado internamente no país exportador. Esta situação gera inúmeras distorções na economia do país importador, podendo levar à ruína empresas já ali instaladas ou impedir que outras mais estabeleçam firmas em seu território. À evidência, em se perpetuando tal sorte de acontecimentos, o padrão de vida das pessoas que habitam o país lesado será abruptamente reduzido, seja em função da extinção de empresas e postos de trabalho, seja em virtude da artificial redução dos preços das mercadorias.

Conhecedor dessa realidade e tendo em vista impedir o recrudescimento protecionista das legislações aduaneiras dos países, o GATT regulamentou o dumping. Registre-se, todavia, que tal atitude, incentivada pelas principais nações integrantes do Comércio Internacional, não fora motivada pelo altruístico sentimento de se evitar o "laissez faire, laissez passer" na seara internacional e todas as danosas conseqüências advindas de sua prática. Ao contrário, a disciplina do dumping pelo artigo VI do GATT 1947 tem por escopo evitar que medidas antidumping sejam adotadas de forma tão discricionária que findem por inviabilizar o livre comércio entre as nações.

Ao contrário do que em primeira análise pode inferir-se, o fenômeno do dumping é bastante antigo, sendo deveras difícil estabelecer-se quando a questão surgiu originariamente. Parece mesmo ser o dumping inerente à própria competição, havendo relatos de sua prática por produtores americanos já nas últimas décadas do século XIX. A primeira lei de repressão ao dumping é, contudo, oriunda do Canadá, e data de 1904, resultante da preocupação daquele país com a ação de grandes companhias, cuja atuação revelava-se ruinosa para suas indústrias.

Alguns economistas, contudo, defendem a tese de que medidas antidumping nada mais são do que uma retórica do protecionismo contemporâneo, capaz de proteger indústrias ineficientes face a competição exterior. Entendemos, no entanto, ser o liberalismo econômico perfeitamente compatível aos mecanismos disciplinadores de seu exercício, uma vez que, consoante acentua Guillermo Borda, "o homem moderno já não mais aceita o dogma no sentido de que seja justo tudo que seja livre" (4).


IV - CONCEITO DE DUMPING:

          Dumping é uma palavra de origem inglesa que não tem encontrado tradução nas línguas latinas, sendo incorporada, em sua grafia original, ao vocabulário de inúmeros idiomas, dentre os quais o português. O Black’s Law Dictionary define dumping como "o ato de vender grandes quantidades a um preço muito abaixo ou praticamente sem considerar o preço; também, vender mercadorias no exterior por menos que o preço do mercado doméstico" (5).

A promulgação no Brasil do Decreto n.º 93.941, de 16 de janeiro de 1987, e a regulamentação, através do Decreto n.º 1.602, de 23 de agosto de 1995, das normas que disciplinam internamente as matérias do "Acordo Relativo à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT", estabelecendo os procedimentos administrativos concernentes à aplicação das medidas antidumping, tornam oportuno o estudo de tais matérias, facilitando sua definição e análise, auxiliando os juristas brasileiros em seu manuseio.

Em seu último relatório, o Departamento de Defesa Comercial - DECOM da SECEX, vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, noticiou que o Brasil estava sendo alvo de cinqüenta e seis (56) investigações de dumping contra suas exportações (situação em 31/12/97). Entretanto, na última década (1988/1998), as empresas brasileiras haviam postulado a abertura de apenas sessenta e três (63) processos de investigação por práticas comerciais desleais, cinqüenta e cinco (55) das quais concernentes a dumping.

Esses acontecimentos têm-se tornado freqüentes, na medida em que o Brasil intensifica sua atuação no comércio exterior. A abertura comercial e o conseqüente aumento da concorrência internacional tornam imprescindíveis a existência de um eficiente sistema de defesa comercial, capaz de eliminar as mais diversas formas através das quais as práticas comerciais perniciosas revelam-se. O Brasil, contudo, há-se mostrado reticente na aplicação de medidas antidumping contra exportadores estrangeiros, o que tem gerado insatisfação no seio do empresariado nacional e o acúmulo de crescentes prejuízos para nossa economia.

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O estudo do dumping, desta forma, proporciona a melhor compreensão dos problemas jurídicos enfrentados pelos exportadores, pelos produtores domésticos e pelas próprias partes signatárias na aplicação das normas do GATT, de molde a mais efetivamente lhes assegurar o gozo da tutela que o sistema jurídico nacional, nos limites dos acordos internacionais, proporciona.

Aliás, no cenário internacional, a disciplina do dumping revelou-se uma necessidade premente, porque objetivava justamente estabelecer os critérios dentro dos quais o mesmo poderia ser reprimido, evitando-se, deste modo, que medidas protecionistas fossem adotadas sob o falacioso argumento de estar-se apenas a retorquir práticas comerciais desleais.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, órgão integrante do Ministério da Justiça, já definiu dumping como a temporária e artificial redução de preços para oferta de bens e serviços por preços abaixo daqueles vigentes no mercado (eventualmente abaixo do custo), provocando oscilações em detrimento do concorrente e subseqüente elevação no exercício de especulação abusiva(6).

Desta feita, o dumping representa uma prática perniciosa ao comércio normal, não se restringindo meramente à venda de produtos abaixo do preço de custo. Consoante caracterização de Luiz Gastão Paes de Barros Leães(7), faz-se mister a existência de dois elementos para configurá-lo, quais sejam: a redução de preços, seguida de elevação com vistas ao exercício de especulação abusiva; e o intuito de eliminar a concorrência e criar monopólios.

Richard D. Boltruck define dumping como "a venda de um produto importado abaixo de seu valor normal. Em virtude desta prática ser considerada injusta, o GATT permite que suas partes contratantes imponham medidas antidumping, nunca superiores à margem total de dumping" (8).

Por seu turno, John H. Jackson afirma que o conceito central de dumping como descrito no GATT e em outros lugares é geralmente expressado como venda de produtos para exportação a preço menor que o valor normal, onde valor normal significa, aproximadamente, o preço pelo qual aqueles mesmos produtos são vendidos no mercado interno ou exportador. E continua esclarecendo que a margem de dumping é igual à diferença entre o preço de venda no mercado interno e o preço de exportação; sendo tal margem positiva, está-se diante de um caso de dumping conforme o definido no comércio internacional (apud Rodrigues, 1999, p. 168).

O dumping enquanto prática comercial desleal, caracteriza-se pela venda de um produto abaixo de seu valor normal, ou, nos termos do Decreto n.º 1.602, de 23 de agosto de 1995:

"Art. 4º- Para os efeitos deste Decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob a modalidade de drawback, a preço de exportação inferior ao valor normal.

          Art. 5º- Considera-se valor normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador."

A problemática sobre o que venham a ser "valor normal", "produto similar", "mercado doméstico" e outros conceitos necessários a um perfeito delineamento deste instituto, ainda perdura, nada obstante o advento do Código Antidumping, que tentou trazer em seu bojo a definição de muitos deles.

Enquanto prática comercial ilícita, o dumping, assim como todas as demais condutas desviantes, também é passível de punição, dando ensejo sua prática à adoção de medidas antidumping por parte do país lesado. Entretanto, "a prática do dumping, por si só, não pode ser suficiente para a imposição dos direitos antidumping, ainda que possa resultar algum prejuízo para a indústria nacional; é preciso que tal prática seja implementada por atos concretos e que tenha como resultado a eliminação ou restrição à concorrência, à dominação do mercado ou ao aumento arbitrário dos lucros" (9).

Hoje, é aceita a existência de dois tipos de dumping, a saber: o condenável ou predatório, que causa ou ameaça causar dano relevante a uma indústria doméstica, e o não-condenável ou episódico, não gerador da especificada conseqüência. Em determinadas circunstâncias, a venda de um produto em um país por um preço inferior àquele praticado no país exportador ou ao seu custo de produção, não enseja ou ameaça ensejar dano às indústrias da nação importadora, isto porque o volume ou a periodicidade das exportações com a prática de dumping não são suficientemente significativas.

Constata-se, destarte, que nem sempre o dumping é passível de punição nos termos do GATT, sendo reprovável apenas quando ele causa dano a uma indústria estabelecida no território de uma das partes contratantes ou retarda o estabelecimento da indústria local, sendo prejudicial por: 1) eliminar ou ao menos reduzir a concorrência, seja local, seja de outras empresas internacionais; e 2) criar obstáculos ao surgimento de novas empresas, devendo, por esta razão, ser prontamente combatido.

O dumping predatório consiste, assim, numa estratégia de monopolização de mercados, na medida em que a empresa exportadora deprime os preços internacionais de um bem com o objetivo precípuo de eliminar seus produtores-concorrentes já instalados no país importador. Isto posto, enquanto os produtores-concorrentes não forem eliminados, os preços de venda na exportação persistirão, mas no momento em que essa competição injusta eliminar a concorrência, a empresa passará a elevar os preços com os quais vinha exportando.


V - NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS ANTIDUMPING:

A natureza jurídica das medidas antidumping tem suscitado inúmeras divergências doutrinárias, sendo a matéria, hoje, considerada sob três pontos de vista, a saber: as que lhe atribuem a natureza de tributo; as que as definem como uma típica sanção decorrente da prática de um ato ilícito; e as que lhe atribuem natureza de norma de acesso ao mercado interno de um dado país.

No plano internacional essa discussão está superada, uma vez que os acordos que versam sobre dumping claramente referem-se às suas medidas punitivas como "antidumping duties", expressão que, traduzida literalmente, implica a idéia de tarifa ou imposto, o que demonstra a sua incontestável natureza tributária.

José Roberto Pernomian Rodrigues (Rodrigues, 1999, p. 241), em sua tese de doutorado, defende que histórica e normativamente as medidas antidumping possuem natureza de tributo, porém, no Brasil, o Código Tributário Nacional não nos permite assimilar tal compreensão, uma vez que dispõe em seu art. 3º ser tributo "toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada".

Facilmente depreendemos que as medidas antidumping não podem ser classificadas como tributos na medida em que estes não podem ter como fato gerador um ato ilícito. O dumping, como dito alhures, consiste numa prática comercial desleal, assim caracterizada tanto em âmbito interno, quanto internacional. Os diversos decretos e leis que internamente disciplinam o dumping não deixam pairar dúvidas sobre a natureza ilícita de sua prática.

O dumping punível, ou seja, aquele que causa ou ameaça causar dano a indústria doméstica ou retarda o estabelecimento de uma empresa na economia interna, tem sempre por objetivo a dominação de mercados, sendo o "dolo" a característica ensejadora de sua reprovabilidade.

Enquanto que o tributo tem por finalidade precípua arrecadar recursos para os cofres públicos no intuito de implementar políticas públicas e satisfazer as necessidades da população, a aplicação de medidas antidumping é determinada por outra sorte de fatores, qual seja o de reprimir uma prática cuja permanência pode trazer sérios prejuízos ao parque industrial nacional e, por conseguinte, aos que dele retiram seu sustento.

Se tivermos em mente a ilicitude da prática do dumping, ser-nos-á fácil enfrentar a natureza jurídica das medidas antidumping. O acordo originário instituidor do GATT fez alusão ao dumping em seu artigo VI, porém, haja vista a complexidade do tema, este mesmo artigo foi objeto de posterior acordo multilateral, denominado de "Acordo de Implementação do Artigo VI do GATT", também conhecido por Código Antidumping, que veio lançar luzes no meio de tantas controvérsias que inquietavam a Comunidade Internacional. Nos termos deste Código, o dumping é assim discriminado:

          "Art. 2. Determinação de Dumping

§1º Para os fins deste Acordo, um produto é objeto de dumping, isto é, introduzido no mercado de outro país a preço inferior ao seu valor normal, se o preço de exportação do produto, quando exportado de um país para outro, for inferior ao preço comparável, praticado no curso de operações comerciais normais, de um produto similar destinado ao consumo no país exportador."(10)

Hoje é pacífico o entendimento do dumping como uma prática ilícita. No Brasil, contudo, em virtude da noção de tributo defluir de definição legal, as medidas antidumping não podem ser enquadradas como tal, uma vez que a nossa legislação exclui expressamente do âmbito tributário as prestações pecuniárias compulsórias que constituam sanção por ato ilícito, de que é exemplo o direito antidumping.

Se as medidas antidumping não podem ser caracterizadas como tributos, teriam elas natureza de sanção? Mais uma vez temos de opinar pela negativa. A própria noção de sanção nos é bastante elucidativa e não nos permite chegar a essa conclusão.

Com efeito, sanção é uma medida coercitiva prevista pelo ordenamento jurídico e tem como premissa maior para sua aplicação a existência de uma conduta considerada indevida e reprovável. No intuito de coibi-la, o ordenamento jurídico institui punições, sanções de ordem civil, penal ou administrativa que objetivam a cessação da conduta desviante. O próprio Miguel Reale, ao discorrer sobre o tema, já ilustrava que "sanção é toda conseqüência que se agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seu cumprimento obrigatório" (Reale, 1994, p. 260).

Com o dumping, entretanto, isto não ocorre, uma vez que a aplicação de medidas antidumping permite, diferentemente do que se dá com a sanção, que o produto continue a ser exportado, desde que seja paga a sobretaxa de importação determinada pelas autoridades locais do país supostamente lesado. Além do mais, a facultatividade na aplicação dos direitos antidumping elide qualquer possibilidade de se configurá-los como sanção, uma vez que esta, observada a ocorrência da conduta ilícita, é aplicada sem qualquer juízo discricionário.

A tese de doutoramento de Aquiles Augusto Varanda foi a primeira no país a versar sobre dumping e afirma que "o direito antidumping, sem dúvida, é sanção, ou seja, medida tendente a assegurar a execução de regra de direito, especificamente da regra de direito que torna condenável o dumping que causa dano ou que ameaça causar dano a um ramo de produção nacional. Quando o exportador deixa de observar a regra que veda a prática do dumping condenável, surge a coação ou sanção física na forma do direito antidumping, que é sanção que se concretiza pelo recurso à força que lhe empresta um órgão, nos limites e de conformidade com os fins do Direito" (Varanda, 1987, p. 142).

Contudo, Tércio Sampaio Ferraz Júnior rebate tal pensamento afirmando: "É evidente que ao ato ilícito não pode corresponder a aplicação de uma sanção facultativa, o que desde logo afasta a possibilidade de se caracterizar os direitos antidumping e compensatórios como sanções por atos ilícitos, já que se está diante de atuação discricionária do Poder Público" (Ferraz Júnior et al., 1994, p. 94).

Acreditamos que a caracterização das medidas antidumping como sanção não procede, seja pela discricionariedade de sua aplicação, seja porque sua finalidade precípua não é punir ou impedir que as importações se realizem, mas sim que o dano à indústria doméstica seja elidido. Neste norte, afirmam J.F. Beseler e a N. Williams que: "medidas antidumping e compensatórias visam mais a remover o dano sofrido pela indústria doméstica do que a arrecadar divisas ou penalizar exportadores por sua prática de preços no passado" (11) (apud Ferraz Júnior et al., 1994, p. 94).

Outrossim, somos da opinião que, diante da impossibilidade de caracterizar as medidas antidumping como tributo ou sanção, há de se tomá-las como norma de acesso ao mercado interno, as quais deverão ser obedecidas como pressuposto ao ingresso de determinada mercadoria no país importador. Ressalte-se, contudo, que este pensamento aplica-se quase que exclusivamente ao Brasil, uma vez que os demais países subscritores dos acordos do GATT não encontraram qualquer empecilho em suas legislações internas que impossibilitasse a tradução literal de "duty" como "obrigação de natureza tarifária".

Finalmente, a imposição de direitos antidumping não constitui tributo ou pena imposta ao importador, tratando-se, sim, de uma imposição para-tarifária de direito econômico internacional, fruto do direito convencional que, ao ser regulamentada pelo direito interno, entrou em conflito com a mesma compreensão da matéria no direito tributário brasileiro. Todavia, a imposição de direitos antidumping visa a restabelecer o equilíbrio de competitividade rompido pelas práticas desleais de comércio.

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Sobre o autor
Roberto Di Sena Júnior

acadêmico de Direito da UFRN, em Natal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DI SENA JÚNIOR, Roberto. O dumping e as práticas desleais de comércio exterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/768. Acesso em: 28 mar. 2024.

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