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O preconceito à utilização de paraísos fiscais

12/02/2006 às 00:00
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            Recentemente, vem sendo divulgado na imprensa, de forma preconceituosa, a ocorrência de investigações a empresas e pessoas físicas com recursos financeiros alocados em paraísos fiscais, supostamente buscando a sonegação de impostos.

            Tal assunto vem sendo tratado de forma que o simples fato de uma empresa ou pessoa física possuírem contas em paraísos fiscais, já se configuraria crime de lavagem de dinheiro. Ou seja, o tema é geralmente tratado de forma pejorativa.

            Entretanto, um paraíso fiscal, como qualquer das instituições mais respeitáveis da civilização, pode ser utilizado de forma ilícita, mas pode igualmente servir a finalidades perfeitamente legais, que contribuam para dar maior dinamismo ao comércio ou ao sistema financeiro internacional.

            A Lei 9.613/1998, conhecida por Lei de Lavagem de Capitais, dispõe o que é crime de lavagem de capitais. E está expresso em seu art. 1º o seguinte:

            "Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:"

            Antes de adentrar no que vem a ser um paraíso fiscal, é importante afastar a idéia que a simples utilização do mesmo se configure um crime. E no artigo da Lei acima citada, resta claro que a origem deve ser de crimes, e estes crimes os listados na própria Lei.

            Afastada a idéia preconceituosa da utilização dos paraísos fiscais como meio de elisão fiscal, é importante frisar a diferença entre ELISÃO FISCAL e EVASÃO FISCAL. Uma vez que a primeira é uma forma de planejamento tributário, que nada mais é do que um conjunto de sistemas legais que visam diminuir o pagamento de tributos. Ressaltando que qualquer contribuinte tem o direito de estruturar os seus negócios da maneira que lhe pareça mais oportuna, procurando a diminuição dos custos, inclusive dos impostos. Se ele fizer isso de forma lícita, as autoridades devem respeitá-lo, não podendo se pensar em obrigar as pessoas a pagar o máximo de impostos possível.

            A EVASÃO FISCAL é uma forma ilícita de se esquivar no pagamento de tributos. Segundo Maria Helena Diniz [01], seria um ato comissivo ou omissivo, de natureza ilícita, praticado com o escopo de diminuir ou eliminar a obrigação tributária.

            Já o fenômeno da elisão fiscal internacional se apresenta num duplo pressuposto: a existência de dois ou mais ordenamentos tributários, dos quais um ou mais se apresentam, face a uma dada situação concreta, como mais favorável que outro ou outros, a faculdade de opção ou escolha voluntária pelo contribuinte do ordenamento tributário aplicável, pela influência voluntária na produção de fato ou fatos geradores em termos de atrair a respectiva aplicação.

            A utilização de paraísos fiscais é uma forma de elisão fiscal que, entretanto, é vista com grande desconfiança, sobretudo pelas autoridades fiscais dos Estados com carga tributária normal.

            A grande observação a ser feita é que a utilização de um paraíso fiscal não é fraudulenta ou ilegal, nem tampouco necessariamente implica evasão fiscal internacional. Entretanto, seria ingenuidade ou má-fé afirmar não haver fundamento para tal desconfiança, pois os refúgios fiscais também se prestam à elaboração de sistemas evasivos fraudulentos.

            Cercado de tantas contradições, o tema merece um estudo particularmente cauteloso, sem ilusões quanto à pureza virginal do sistema, mas procurando-se evitar o preconceito de alguns administradores fiscais que qualificam como evasivo e ilegal qualquer objeto que se mova fora dos limites de sua jurisdição.

            Pela legislação brasileira, os ‘paraísos fiscais’ são conceituados como, países que não tributam a renda ou que a tributam com alíquota máxima inferior a 20 %.

            A constituição de uma offshore ou de uma holding em um determinado paraíso fiscal não deve ser generalizada como sinônimo de atividades ilegais, pois ninguém está obrigado a administrar seu patrimônio e seus negócios de forma a propiciar maior arrecadação de tributos ao Estado. Nesse sentido, qualquer norma anti-elisiva geral, como aquela veiculada pelo parágrafo único do CTN, introduzida pela Lei Complementar nº 104/01, configura atentado ao direito de o contribuinte eleger a via menos onerosa, em termos de encargo tributário. O que o contribuinte não pode é afrontar a lei tributária, que não se confunde com a opção de trilhar pelo caminho não abrangido pela norma tributária.

            Também é importante salientar que o simples fato de haver uma baixa pressão fiscal, por si só, não caracteriza um paraíso fiscal. Há Estados, que não são paraísos fiscais, mas apresentam um baixo índice de tributação, seja porque dispõem de outras receitas que lhes permitam prescindir da tributação elevada, seja porque a necessidade do orçamento interno assim o determina, como é o típico da Arábia Saudita, onde os recursos provenientes da venda do petróleo, cumulado ao fato de o país ter uma população numericamente pequena, ensejam a possibilidade de impor tributação quase simbólica.

            Casos como o da Arábia Saudita não podem ser considerados como paraísos fiscais, uma vez que a existência de baixa tributação não é para atrair recursos internacionais. Nos paraísos fiscais, a tributação reduzida ou inexistente existe especificamente como chamariz para atrair recursos internacionais, adicionados por uma outra gama de vantagens dentre as quais as tributárias despontam como as mais relevantes.

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            Na prática, se verifica que as operações habituais utilizando paraísos fiscais concentram-se nas áreas de comércio, serviços e atividades financeiras internacionais, que existem como partes ou etapas de planejamentos tributários que visam reduzir ou eliminar a tributação que seria devida em Estados que não são paraísos fiscais.

            Existem três tipos de sociedades que poderão ser formadas num paraíso fiscal: as sociedades-base, as sociedades holding e as sociedades de serviços, sendo que o contribuinte disposto a investir em um paraíso poderá escolher qualquer uma delas ou ainda optar por algumas instituições como as companhias de seguro cativas, os bancos off-shore, os trusts, os bancos cativos, etc.

            A importância do uso dos paraísos fiscais está no aproveitamento da menor carga tributária pelas sociedades comerciais, como um incremento nas condições de competitividade em uma economia globalizada.

            É inegável, igualmente, que uma considerável parcela da economia clandestina do mundo, que tem sua origem em locais de tributação normal, encontra amparo e resguardo na constituição de empresas sediadas nos mais variados paraísos fiscais, que, por sua característica, utilizam do sistema bancário, protegem grandes fortunas oriundas do tráfico ilegal de armas, do contrabando em geral e do comércio de drogas.

            O contribuinte fiscal dispõe de diversos meios para fugir ao pagamento de impostos, há contribuintes que se utilizam de lacunas na lei, outros da evasão ou da prática de atividades em economia clandestina, e de uma série de outras maneiras.

            O fato é que em qualquer situação em que o contribuinte deseje diminuir sua carga tributária, ele poderá se utilizar de um paraíso fiscal.

            Portanto, malgrado existir a utilização dos benefícios existentes nos paraísos fiscais para a fraude fiscal, não se deve confundir com o fato de um indivíduo buscar na legislação de outro país um meio de gozar de uma situação fiscal mais favorável.

            Deve-se atentar que estas operações são complexas e devem ser acompanhadas por especialistas no assunto, para que não se corra o risco da caracterização da fraude.


Notas

            01

Dicionário Jurídico. Vol. 2. Ed. Saraiva. São Paulo, 1998.
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Sobre o autor
Leonardo Rodney Abad Ferreira

advogado no escritório Fadel e Giordano, no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Leonardo Rodney Abad. O preconceito à utilização de paraísos fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 954, 12 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7954. Acesso em: 28 mar. 2024.

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