VII Inovações trazidas pela Lei 9756/98.
Por iniciativa do Superior Tribunal de Justiça apoiado pelo Poder Legislativo foi introduzido em nossa sistemática processual a lei 9756 de 17 de dezembro de 1998. Esta lei visa tratar dos julgamentos dos recursos nos tribunais de segundo grau e superiores. Tem por objetivos maior celeridade da prestação jurisdicional, valorizando a jurisprudência dominante e uniforme, bem como as súmulas dos tribunais, ampliando, com isso, os poderes dos relatores(36).
Dentre várias alterações ocorridas por essa lei as mais importantes para o trabalho em tela são:
a)- Poderes concedidos aos relatores no julgamento de recursos especiais e extraordinários As últimas modificações na nossa legislação processual, ampliaram os poderes dos relatores dos tribunais de forma significativa. Antes somente o colegiado poderia julgar os processos, cabendo ao relator somente prepará-los. Hoje já é possível que, tanto o Ministro do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal como os juizes de segundo grau julguem de forma singular recurso que somente o órgão colegiado podia fazer.
Os §§ 3º e 4º do art. 544 do cpc, com nova redação, permitem ao relator do STJ e STF, além de converter o agravo de instrumento em recurso especial (como anteriormente previsto na lei 8038/90 no art. 28), dar provimento monocraticamente a tal recurso. Tais processos serão decididos pelo relator quando o acórdão impugnado estiver em divergência com a jurisprudência predominante ou súmula do tribunal.
Nesses casos o julgamento que seria realizado pelo colegiado segue a critérios objetivos e o relator, como "porta-voz(37)" do pensamento em vigor do tribunal, julga singularmente, sem que seja levado a conhecimento do órgão.
Entendemos que esses poderes não são inconstitucionais, conforme defende Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery(38) que a Constituição Federal, quando trata da competência do STF e STJ que determina o julgamento do recurso principal deva ser feito pelo órgão colegiado.
Nos artigos 102, III e 105, III da Constituição Federal não diz qual o órgão do tribunal que possui tal garantia para julgar o recurso especial e o recurso extraordinário, portanto, não se pode considerar inconstitucional essa ampliação dos poderes dos relatores. Tanto que essas decisões monocráticas são impugnadas por agravo interno, dirigido ao colegiado.
Outro ponto interessante é que o tribunal de segundo grau pode apenas negar ou dar provimento a recurso manifestadamente inadmissível, improcedente ou prejudicado como também quando este diverge da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça (como previsto no art. 557, do cpc). Com isso, verificamos, que a súmula vinculante está aos poucos sendo introduzida em nossa sistemática. Não podemos negar que no ponto de vista prático, a súmula vinculante é extremamente útil, pois se chegará mais rápido ao fim da lide, em compensação esta engessará o direito, o qual tem natureza mutante sempre seguindo as evoluções da sociedade.
b)- O agravo interno estipulado no art. 545 - Com redação nova, esse artigo procura compatibilizar com que já estava previsto no art. 544 § 3º. Esse é o recurso cabível contra as decisões monocráticas dos relatores nos tribunais superiores. O legislador ao redigir esse artigo, que trás uma nova forma de utilização do agravo interno, não estipulou seu procedimento, apenas igualando ao do § 1º do art. 557 do cpc. Seu procedimento, no Superior Tribunal de Justiça, continua sendo o mesmo ao que era empregado ao antigo agravo regimental, que somente era previsto no seu regimento interno(39).
Do momento que permitiram que o relator aja como "porta-voz" do pensamento em vigor do tribunal, julgando monocraticamente, não se pode negar o direito a parte, que peça para o órgão colegiado que se manifeste sobre o que fora julgado monocraticamente.
O que não concordamos é como se realiza o procedimento do agravo interno. Imaginemos a seguinte situação: uma parte sucumbente em primeiro e segundo grau de jurisdição e que tenha seu recurso especial denegado pelo Presidente do Tribunal a quo, interpôs um agravo de instrumento ao Superior Tribunal de Justiça. Este agravo de instrumento por decisão do relator é admitido e convertido recurso especial e como tal conhecido e provido por decisão monocrática. O argumento usado pelo relator é que o recurso especial estava em conformidade com a jurisprudência dominante ou com as súmulas do STJ. A única possibilidade que a parte agravada (vencedora na primeiro e segundo grau de jurisdição) teria de reaver essa situação seria interpondo o agravo interno. Se o relator não se retratar esse agravo interno irá para o colegiado, apresentando o recurso sem que tenha sido incluso em pauta. Ademais a parte não tem direito a sustentação oral e somente se manifesta na contraminuta interposta contra o agravo de instrumento(40). Verifica-se que o procedimento do agravo interno limita a defesa do agravo e de quem o interpõe. Reafirmamos, nesse ponto, que por respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o agravo interno deveria ser incluído em pauta e ser permitido ao advogado que se manifeste oralmente na sessão de seu julgamento.
c)- Multa O tribunal pode multar em 1% a 10% do valor da causa a parte que interpuser agravo interno inadmissível ou infundado. Qualquer outro recurso interposto pela parte que foi multada ficará condicionado ao depósito judicial do valor, que deverá ser corrigido. Essa inovação também é aplicada ao art. 545.
Ao nosso sentir e seguindo as críticas feitas pelo ilustre jurista José Carlos Barbosa Moreira, (em excelente texto "com o título "Algumas Inovações Da Lei 9756 Em Matéria De Recursos Civis") (41) essa multa é discriminatória. Quem é pobre não pagará pois desfruta da justiça gratuita, quem é rico não se importará em pagá-la e ainda se beneficiará de tal recurso como meio protelatório de uma decisão final. Somente aqueles que realmente dependem do quantum a ser recebido no final da demanda sofrerão com essa multa. Outro ponto importante a ser observado é que a parte sofrerá, pagando a multa, pela falta de diligência de seu advogado que interpôs recurso inadmissível ou infundado. Essa multa deveria ser paga pelos advogados que cometeram tal erro ou então ser descontada de seus honorários na sucumbência.
VIII - Recursos cabíveis contra acórdão que julga agravo interno
O agravo interno, como já vimos, pode ter seu deslinde através de acórdão pelo colegiado ou pelo juízo de retratação do próprio relator.
Quando se trata de acórdão, a princípio, cremos na possibilidade de oposição de embargos de divergência e de embargos de declaração. Entretanto, a natureza dos embargos de divergência não comporta que sejam oferecidos contra acórdão de agravo interno. Então, somente caberá os embargos de declaração, que servem para sanar alguma obscuridade, contradição ou omissão do julgado.
Os embargos de divergência, nesse caso, são inadmissíveis, pois este tem como requisito previsto no art. 546 do cpc, que o acórdão objeto de divergência deva ser proferido em julgamento de recurso especial(42). Não cabe à oposição desse recurso em acórdão que julga o agravo interno. É interessante observar que acórdão de agravo interno pode servir de paradigma para confronto da divergência mais nunca ser objeto de um embargos de divergência(43).
No caso de um recurso especial que teve por decisão monocrática do relator negando seu provimento é previsto o cabimento de agravo interno como forma de levar para o órgão colegiado a discussão da demanda. Dessa nova decisão colegiada não cabem embargos de divergência, pois é proferida em sede de agravo interno(44). Restando somente a parte sucumbente entrar com embargos de declaração.
Utilizar o acórdão do agravo interno como paradigma (para comprovação da divergência) e não admitir o cabimento dos embargos de divergência nesses acórdão parece-nos desproporcional. Muitas vezes a parte possui acórdãos que são divergentes mas não podem se valer de tal recurso, com isso, o destinatário da prestação jurisdicional se vê desamparado por não conseguir reverter tal situação. E essa idéia nos parece mais desproporcional quando sabemos que os embargos de divergência servem para uniformizar a jurisprudência do Tribunal(45).
IX Conclusão
1. O agravo interno, herdado da sistemática portuguesa, faz parte de nosso ordenamento desde os idos das Ordenações do Reino. Algumas vezes banido, outras vezes explicitados em lei possuiu, sempre, a mesma função que é a levar a reexame ao colegiado do tribunal de uma decisão singular do relator.
2. Até a entrada em vigor das leis federais 8038/90, 8950/94 e 9756/98, o agravo interno, conhecido como regimental só era previsto nos regimentos internos dos tribunais. Apesar de pairarem algumas dúvidas quanto a sua natureza jurídica recursal, acreditamos que esta forma de agravo faz parte dos recursos ordinários da nossa legislação processual.
3. Esse agravo deve ser interposto, no prazo de cinco dias, ao relator que proferiu a decisão impugnada. O magistrado pode se retratar da sua decisão. Essa retratação não comporta a abertura do contraditório para o agravo, nem sustentação oral para o agravante. Ao nosso sentir isso é um desrespeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
4. A lei 9756/98 trouxe inovações no que tange ao julgamento nos tribunais de segundo grau e tribunais superiores. Foram ampliados os poderes dos relatores que agora, monocraticamente, podem decidir sobre recursos manifestadamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou que esteja contrário à jurisprudência dominante ou à súmula do próprio tribunal ou dos tribunais superiores. Dessa decisão singular cabe mais uma forma de agravo interno (art. 545 do cpc).
5. Das decisões colegiadas, cabem somente a oposição dos embargos de declaração sanar alguma dúvida, omissão ou contradição do julgado.
6. A prática já nos mostrou que alguns procedimentos devem ser reformulados para que seja mais efetiva a prestação jurisdicional feita pelo Superior Tribunal de Justiça. O binômio celeridade x segurança deve ser lembrado com mais freqüência, pois nem sempre os caminhos traçados por nossos legisladores por uma justiça mais célere significam que estejam respeitando todos os princípios constitucionais, os quais dão segurança às partes.
7. Hoje o agravo interno é um recurso previsto em lei federal e deve ser garantindo à parte (agravante e agravado) as mesmas características que os recursos tidos como "ordinários" possuem, como por exemplo, direito ao advogado de sustentar oralmente, ter sua inclusão em pauta, dar a parte agravada o direito ao contraditório quando o ministro se retratar dentre outras.
NOTAS
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