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Ações de prestação de contas em face das instituições financeiras

03/09/2006 às 00:00
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Um grande número de advogados tem intentado em face das instituições financeiras a ação de prestação de contas dos contratos de conta corrente e de cheque especial.

Essas demandas de prestação de contas dos contratos bancários têm sido utilizadas de forma totalmente desconexa ao disposto na Lei Processual Civil, prejudicando a técnica e atravancando o Poder Judiciário com demandas sem nexo causal e com fundamentos que na realidade são contra legem.

A prática tem mostrado que a grande maioria das demandas de prestação de contas aforadas em face das instituições financeiras tem, na verdade, o interesse de revisar o contrato firmado entre as partes, bem como de obter a condenação das instituições bancárias ao pagamento de honorários advocatícios, o que acaba por desvirtuar os fins do processo, além de se afastar da legislação que idealizou esse direito.

A ação de prestação de contas tem um fim específico, qual seja: proporcionar ao credor das contas uma ferramenta hábil para visualizar os seus bens que ficaram sob a administração de outrem, checando de forma clara se os investimentos feitos acarretaram lucros ou prejuízos, viabilizando uma avaliação concreta da administração dos bens pelo devedor das contas. Não se presta, portanto, para tirar dúvidas sobre lançamentos em conta corrente, as quais poderiam ser solucionadas com uma visita à agência bancária mais próxima ou mesmo com uma consulta simples pela Internet.

Para melhor visualizar o instituto da prestação de contas, cabe analisar o Código de Processo Civil, em seu artigo 914, que assim determina:

Art. 914. A ação de prestação de contas competirá a quem tiver:

I – o direito de exigi-las;

II – a obrigação de prestá-las.

O dever de prestar as contas fica bem claro quando se observa o entendimento do ilustre doutrinador Theotonio Negrão, que afirma ser a prestação de contas devida pelos administradores dos bens do credor das contas, nos seguintes termos:

"A prestação de contas é "devida por quantos administram bens de terceiros, ainda que não exista mandato" (STJ-3ª Turma, Ag 33.211-6-SP-AgRg. Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 13.4.93, negaram provimento, v.u., DJU 3.5.93, p. 7.798)." [01]

Temos ainda no ensinamento de Nelson Nery Junior o reforço da idéia de que, para ser credor da prestação de contas, os bens devem ter sido administrados por terceiros, os quais, ao ocultar ou tardar em prestar informações ou as contas, são acionados judicialmente, sob pena de causar prejuízos ao credor das mesmas. Assim, colacionamos o seguinte entendimento.

"1. Interesse-necessidade para a ação. Entende-se por devedor de contas o que administrou bens ou interesses alheios e credor delas aquele em favor de quem a administração se deu. O interessado na ação de prestação de contas é parte que não saiba em quanto importa seu crédito ou débito líquido, nascido em virtude de vínculo legal ou negocial gerado pela administração de bens ou interesses alheios, levada a efeito por um em favor do outro." [02]

Nesta linha, temos que o devedor das contas é o administrador dos bens do credor das contas, o que pressupõe a entrega de bens para a administração de outrem em seu nome, através de mandato ou de vínculo negocial livre, pelo qual o possuidor de bens entrega, mediante confiança a outrem, seus bens para que este os administre em seu nome.

A ação de prestação de contas tem como objetivo trazer luz ao credor das contas, quando este não possui informações sobre os seus bens tenha buscado sem sucesso, por formas extrajudiciais, as informações sobre créditos e débitos líquidos de seus bens que ficaram sob a administração de outrem, seja por força do mandato ou de outra forma de contrato firmado entre as partes, mesmo que de forma verbal e sem formalidade.

Diante da impossibilidade de se resolver o problema de forma pacífica, é que o legislador aperfeiçoou o direito de o credor das contas exigir de forma judicial a prestação de contas, onde o devedor será compelido pelo Poder Judiciário a trazer todos os dados ocultos relacionados aos bens administrados.

Portanto, tem-se que a ação de prestação de contas visa a proteger o patrimônio de alguém em face de terceiros administradores que agem de forma oculta e amoral, ou mesmo de outrem a quem os bens tenham sido confiados, e que ao ser acionado pacificamente não atentou para apresentar com a devida claridade a situação real do patrimônio administrado.

Contudo, na maioria das demandas que envolvem as instituições financeiras, a parte autora visa exclusivamente ter aclarado alguns lançamentos na sua conta corrente, as quais comumente chamam de lançamentos ‘genéricos’ e ‘lacunosos’, o que por si só não enseja a dúvida necessária que justifique uma ação de prestação de contas, pois, como já dito, uma simples visita ao gerente ou mesmo um acesso rápido ao site do banco já serviria para esclarecer eventuais dúvidas quanto aos lançamentos.

No caso específico dos contratos de conta corrente, a demanda de prestação de contas não parece ser o instituto correto a ser proposto em face dos bancos, pois nestes casos os bancos apenas servem como um local onde o cliente deixa o seu dinheiro e o movimenta de acordo com a sua exclusiva vontade. Na verdade, os bancos não administram os bens dos clientes na conta corrente: é exclusivamente o cliente quem movimenta e administra a sua conta, depositando valores de acordo com a sua vontade e sacando valores conforme lhe interessa, sem nenhuma interferência de gestão por parte dos bancos.

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Assim, os bancos, no contrato de conta corrente, não possuem nenhum poder de administração de bens, pois não foram contratados como administradores e tampouco interferem nas movimentações bancárias dos clientes. Mesmo nos casos de contrato de abertura de crédito em conta corrente ou cheque especial, nos quais o dinheiro utilizado é do banco, não há interferência na forma como será utilizado, investido ou mantido pelo cliente, que possui autonomia e exclusividade para administrar os valores que foram postos em sua conta por força do contrato firmado.

Assim, nos contratos de conta corrente, se o cliente depositar, por exemplo, R$ 1.000,00 e não quiser movimentar a sua conta, nada será feito com esse valor, apenas incidindo sobre o mesmo os valores contratados pela manutenção da conta mês a mês, não havendo, contudo, nenhum ato de administração de bens por parte do banco, que inclusive fica impossibilitado de movimentar os valores, pois apenas o cliente tem esse poder, por força do contrato.

A administração de bens no âmbito bancário pode ser verificada apenas nos casos em que o cliente contrata o serviço de administração para investimentos em fundos de renda e mercado de valores mobiliários e de ações, nos quais o cliente deixa o seu dinheiro sob a administração exclusiva do banco e, de tempos em tempos, o banco presta as contas dos valores ganhos ou perdidos no mercado de ações.

Contudo, no contrato de conta corrente, não existe este vínculo entre o banco e o cliente, pois é este quem administra exclusivamente os valores que entram e que saem na sua conta, não ficando o banco com nenhum encargo de administração sobre os bens depositados pelo cliente.

Diante dessa visão, conclui-se que a ação de prestação de contas em face de contratos de conta corrente e de cheque especial não se mostra oportuna, pois a prestação de contas apenas deve apresentada exclusivamente por quem administra os bens de terceiros e oculta ou tarda as informações sobre a real situação dos bens e dos investimentos feitos em nome do credor das contas, o que não ocorre nos contratos acima transcritos. Sendo assim, a propositura de tal ação na hipótese analisada é, de certa forma, inclusive contra legem, por desvirtuar a finalidade para a qual o direito de exigir prestação de contas foi criado.


Notas

01 NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 36ªed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 926.

02 NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 9ªEd. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p 982.

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Sobre o autor
Fabricio Tapxure Scaramuzza

advogado em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCARAMUZZA, Fabricio Tapxure. Ações de prestação de contas em face das instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1159, 3 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8863. Acesso em: 28 mar. 2024.

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