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Estado liberal

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29/12/2006 às 00:00
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A Liberdade ao alcance da Democracia - Rousseau

            Em busca de uma liberdade participativa do povo, na sociedade e na definição do Estado, é que se diz que em Rousseau a liberdade aparece associada à democracia. Por isso, em Rousseau, a temática da soberania não aparece isolada, exigindo a legitimidade do poder constituído, ou seja, o Estado passaria gradativamente a ser submetido às regras criadas por ele mesmo. No contexto do Estado Liberal, afirmava-se outra objetividade e racionalidade do Direito, porque no bojo do Estado Liberal, segundo Rousseau, o cidadão é o portador pleno dos direitos públicos subjetivos (garantidor de sua fruição).

            Primeiramente, porque o cidadão deve reunir dois atributos: a) capacidade jurídica: requer-se pleno funcionamento das capacidades mentais, um razoável senso de proporção, uma mínima adequação à realidade a fim de obter o julgamento moral; b) competência política: deve reunir condições de projeção de suas posições e concepções políticas pessoais, além de demonstrar certa liderança capaz de repercutir politicamente no todo, mediante suas ações, e assim resultando na transformação do status quo, em modificações na ordem e na vida política.

            Depois, porque essas garantias dos direitos políticos serão asseguradas pelo Estado (o produtor dessas mesmas regras políticas) e, com isso, o cidadão poderá usufruir, gozar dos mesmos direitos quando julgar interessante, relevante, oportuno. Isto é, dependerá de sua vontade. A fruição dos direitos políticos, portanto, depende da garantia real e formal do Estado, e da iniciativa do cidadão em querer participar ativamente, plenamente, da política, dos negócios públicos. Trata-se da facultas agendi, a faculdade ou a capacidade individual de agir em nome próprio, destacada pelo direito privado, mas que agora será aplicada à vida pública. Veja-se que só neste aspecto Rousseau já é referência para a democracia, além de ser bem mais radical do que Locke.

            Em Rousseau, portanto, pode-se buscar uma liberdade mais radical, mais profunda, em comparação com os clássicos do liberalismo. A liberdade do Estado Liberal é a liberdade do liberalismo e não exatamente o modelo de liberdade preconizada pela democracia. Importa ressaltar a liberdade dos indivíduos e que nem sempre coincide com a vontade geral.

            Entre o liberalismo e a democracia há uma grande distância: "Aquele designa a liberdade do status negativus, ou seja, o espaço de liberdade de atuação individual face ao Estado. Este refere-se à liberdade do status activus, ou seja, à liberdade de participação na formação da vontade comum" (Zippelius, 1997, p. 375).

            É importante ressaltar este aspecto porque a estrita observância da vontade da maioria, sem respeito ou garantia às liberdades e aos direitos individuais, pode facilmente degenerar em tirania da maioria – quando a maioria decide pela supressão dos direitos das minorias. No livro O Contrato Social há uma boa pista do que é este cidadão não limitado pelas negatividades do liberalismo:

            Cidadão é o portador pleno dos direitos públicos-subjetivos (em busca de sua fruição) e como associado, da sociedade e do Estado, recebe a designação de povo, coletividade

(livro I, cap. VI).

            Portanto, para os dias atuais, dessa sua contribuição política, tiramos três possíveis níveis de participação e de cidadania:

            -cidadão simples: participa da autoridade soberana do Estado. (É só um indivíduo, sem grandes projeções).

            -Cidadão ativo: recebe determinadas atribuições conferidas pelo próprio Estado.

            -Cidadão participativo: interfere diretamente nas atribuições e na dinâmica da Pólis (política).

            Desta forma saímos do campo liberal para o democrático, para iniciar o debate sob a forma do Estado Constitucional – o próximo capítulo. O Estado Democrático é uma realidade do século XX e por isso deve ser tratado em outro momento.


Referências Bibliográficas

            ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas. São Paulo : Martins Fontes, 2000.

            BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. (organizado por Michelangelo Bovero). Rio de Janeiro : Campus, 2000.

            BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. (4ª ed.). São Paulo : Malheiros Editores, 2003.

            Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª ed. São Paulo : Malheiros, 2004.

            LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Lisboa-Portugal : Edições 70, 1987.

            MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro : Forense, 2002.

            ROUSSEAU, J.J.. Do contrato social e discurso sobre a economia política. 7ª ed. São Paulo : Hemus Editora Limitada, s/d.

            THOREAU, H. D. Desobediência Civil. Lisboa-Portugal : Edições Antígona, 1966.

            ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. (3ª ed.). Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.


Notas

            01

Veremos em outro contexto, denominado de Estado Legal, como outras ideologias da época foram abatidas e banidas do cenário jurídico e político.

            02

Basta lembrar a atuação militar das famosas milícias de colonos, lutando contra o todo poderoso exército inglês.

            03

Imagine se Hobbes desenvolveria um raciocínio como este, em que o soberano (o governo que representa o Estado) pudesse estar errado.

            04

Em outro contexto, analisando a função essencial do Poder Judiciário como regulador dos mecanismos de justiça formal e real, demos a esta fundamentação jurídica específica o codinome de Estado Jurídico. Bem diferente, portanto, desse Estado-idéia, distante do mundo político, de que falava Kant.

            05

Não há nenhuma possibilidade do direito (isonomia – princípio da igualdade) se ainda tratamos de senhores e servos – daí que estes devem ser libertos e emancipados. Também é neste sentido que a liberdade precede e condiciona a igualdade. Portanto, a democracia supõe autonomia e autarquia: envolvimento direto na formulação das regras e do poder.

            06

Lembremo-nos de que a Declaração traz direitos e a Constituição os consubstancia, por intermédio (da segurança) das garantias (constitucionais e institucionais), da definição das liberdades (liberdade negativa), do cumprimento dos deveres ou obrigações (individuais, como o voto, ou coletivas, como a preservação do patrimônio público). A Constituição iria implementar as prescrições das Declarações de Direitos, prestadas anteriormente.

            07

De modo simples: a lei existente deve ser cumprida e se for má deve ser revogada. De qualquer forma, a lei é produzida para ser obedecida, uma vez que está em vigor.

            08

Diz-se que: se todo Estado tem leis, então, todo Estado é Estado de Direito.

            09

Veja-se o art. 5º, I, da CF/88: homens e mulheres são iguais perante a lei.

            10

É fácil notar, então, como se erige a conquista dessa liberdade irrestrita: da liberdade decorre a igualdade, uma vez que entre senhores e escravos não pode haver igualdade alguma, pois só os primeiros são livres. Portanto, todos serão iguais em direito apenas quando todos forem livres para usufruí-los.
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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado liberal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1276, 29 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9335. Acesso em: 29 mar. 2024.

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