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A nova prisão em flagrante e a Defensoria Pública

30/01/2007 às 00:00
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Os dispositivos legais quanto à prisão em flagrante e seus requisitos formais vêm sofrendo alterações nos últimos anos.

A derradeira importante inclusão no Código de Processo Penal foi trazida pela lei 11.449/07 quando impôs, no §1º do art. 306, o encaminhamento de cópia integral do auto de prisão em flagrante para a Defensoria Pública, em 24 (vinte e quatro) horas, caso o autuado não informe o nome de seu advogado.

Trata-se de previsão em estreita consonância com as diversas legislações internacionais de proteção aos direitos humanos.

Desde a aprovação da Declaração dos Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948, já se reconhecia, em seu artigo XI, que todo homem acusado de um ato delituoso tenha assegurado todas as garantias necessárias à sua defesa. Para esta declaração, a condição de pessoa é o único requisito para a titularidade de direitos. Inobstante o caráter não vinculativo da declaração humanista, outros tratados internacionais devidamente ratificados pelo Brasil trouxeram previsões ainda mais específicas quanto ao direito dos acusados.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificada pelo nosso país em 25 de setembro de 1992, já previa expressamente em seu artigo 8º, 2, ‘e’, a garantia judicial de que toda pessoa acusada de um delito tem o direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei.

Assim é que não se trata de novidade legislativa a festejada alteração. Entretanto, vale dizer, a inclusão da palavra DEFENSORIA PÚBLICA no texto legal enseja reflexão, trazendo, ao meu ver, grande repercussão no dia-a-dia forense.

Passados 13 (treze) anos da ratificação do Pacto de San José da Costa Rica, o Estado brasileiro editou uma medida legislativa destinada a tornar efetivo o direito acima aludido, tendo elegido a Defensoria Pública como o único órgão estatal autorizado a assistir aos presos em flagrante sem advogados. Não foi concedida oportunidade de escolha. É cediço que outras importantes legislações flexibilizam a assistência pela Defensoria Pública. A lei 1.060/50, por exemplo, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, aduz no § 5º do art. 2º que, se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à ordem dos Advogados, por suas seções estaduais, ou subseções municipais. Entretanto, não foi dada alternativa no caso da prisão em flagrante. Se inexistente a informação do nome do advogado do autuado, a Defensoria Pública deve ser comunicada em 24 (vinte e quatro) horas, encaminhando-se cópia integral do auto.

A eleição da Defensoria Pública reflete um grande salto institucional, demonstrando também uma preocupação estatal com a garantia de uma assistência jurídica integral e gratuita, prevista constitucionalmente, prestada por defensores públicos de alta competência, vez que desde 1988 têm sido recrutados tão somente através de concursos públicos de provas e títulos, notadamente de difícil aprovação.

Na lide forense surge uma nova problemática: a regularidade formal dos autos de prisão em flagrante. Tenho firmado posição quanto ao imperioso relaxamento das prisões em flagrante que não obedeçam à previsão legal da comunicação à Defensoria Pública e dentro do prazo previsto. Assim, inclusive, tenho procedido ao verificar a ausência da intimação pessoal do presentante defensorial, caso não haja informação no auto do nome do advogado do preso. Ora, se toda prisão em flagrante procedida ilegalmente deve ser relaxada, não se poderia mantê-la diante de importante carência de requisito legal. A homologação do auto, nessas circunstâncias, desafia, inclusive, a impetração do remédio heróico do habeas corpus, pois atingida a liberdade de locomoção do paciente.

Haver-se-á também de ser observada a prerrogativa da intimação pessoal aos Defensores Públicos. Assim como aos órgãos do Ministério Público, há previsão legal para que os presentantes da Defensoria Pública sejam intimados pessoalmente. Trata-se de prerrogativa elencada nos artigos 44, I; 89, I e; 128, I da Lei Complementar 80/94. Deve-se evitar, portanto, a simples entrega da cópia do auto nos Fóruns, atitude já presenciada, com o recebimento dos documentos por pessoa não habilitada para a intimação, ensejando nulidade processual.

Perguntar-se-ia: todos os autuados seriam postos em liberdade diante da inexistência da necessária comunicação à Defensoria Pública?

A resposta deve ser negativa. A liberdade do indiciado não está somente vinculada à formalidade do flagrante. O relaxamento pela ilegalidade não obsta, no caso concreto, a decretação da prisão preventiva ex officio pelo juiz, presentes os seus requisitos legais e motivos autorizadores. D’outro canto, tanto por representação da autoridade policial quanto por requerimento do Ministério Público esta espécie de prisão cautelar poderá ser decretado pelo juízo.

Se para a autoridade policial se atribui o dever de comunicação pessoal aos órgãos da Defensoria Pública no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a esta instituição se impõe outra não menor responsabilidade que é a de se fazer presente nos procedimentos investigativos. Diante da novel inclusão no Código de Ritos Penais, à Defensoria Pública caberá indicar para cada comarca um defensor titular ou, ao menos, um substituto. Aos finais de semana e feriados, assim como procedido pelo Poder Judiciário e Ministério Público, deverão haver defensores públicos de plantão para o recebimento da cópia integral do auto e fazer os requerimentos que entender necessários. É que o bônus do reconhecimento institucional vem atrelado ao ônus da presença nos procedimentos, o que, no mais, demonstrará a imprescindibilidade do órgão defensorial.

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Os Estados e a União devem dotar os seus respectivos órgãos da Defensoria Pública de número de pessoal compatível, sob pena de se instalar um caos social, com o relaxamento reiterado dos autos de prisão em flagrante. Não cabe ao Poder Judiciário comungar com a ilegalidade. Ao magistrado é forçosa a aplicação da lei e, em casos como tais, o respaldo para o relaxamento não será meramente legalista, mas pautado em princípios constitucionais como a ampla defesa e a presunção da inocência, ambos corroborados ainda pela legislação internacional dos direitos humanos inserida no ordenamento jurídico do país.

A inclusão da Defensoria Pública como único órgão estatal a assistir aos autuados em flagrante, prova a sua importante ascendência no contexto nacional. Caberá, pois, a esta instituição se demonstrar altiva e disposta a atender à demanda iminente, não obstante às notórias dificuldades existentes, que somente serão vencidas diante da presença firme e atuante de seus nobres membros.

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Sobre o autor
Edinaldo César Santos Junior

juiz de Direito substituto do Estado de Sergipe, ex-defensor público do Estado da Bahia, especialista em Direitos Humanos pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JUNIOR, Edinaldo César. A nova prisão em flagrante e a Defensoria Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1308, 30 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9442. Acesso em: 29 mar. 2024.

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