Ainda existe o crime de sedução?
Ainda existe o crime de sedução?
O Código Penal Brasileiro prevê, em seu artigo 217, pena de reclusão de 2 a 4 anos para aquele que seduzir mulher virgem, com idade entre 14 e 18 anos, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança e com ela manter conjunção carnal.
Desde a edição do Código já se passaram 60 anos e, ao longo deles, a sociedade foi alterando seus valores, adaptando-os aos progressos verificados em todos os campos da atividade humana. A mulher, que era tida como um apêndice masculino, foi, paulatinamente, galgando degraus até chegar, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao mesmo patamar do homem. Inobstante esse avanço, o ranço machista e moralista doutros tempos ainda persiste, materializado em leis anacrônicas e de pouca ou nenhuma utilidade.
O bem jurídico tutelado a virgindade da menor traduzia, na primeira metade do século, a honra da mulher: perdida a virgindade, perdida estava a honra, tivesse ela 14 ou 30 anos. Sua incolumidade sexual tinha de ser preservada para ser oferecida, como um prêmio, ao homem que a desposasse e ao qual ela se submeteria. O casamento tinha , legal e moralmente hoje só legalmente o condão de devolver à mulher a honra perdida, já que, casando-se com o homem que a seduziu ou com qualquer outro, ficava e ainda fica extinta a punibilidade do sedutor.
Se a lei proíbe se puna o sedutor que desposa a ofendida, permitido é afirmar que o casamento tem, para esta, o objetivo único de devolver-lhe a honra e, para aquele, o caráter de pena substitutiva , já que, não o fazendo, sujeita-se às penas da lei. O fato de o casamento da ofendida com terceiro também excluir a punibilidade do sedutor traduz ainda melhor a idéia de que, aceita por qualquer homem como esposa, a mulher desonrada satisfaz a sociedade e pode retornar ao seu convívio. Em outras palavras: para ser socialmente aceita, a mulher com idade entre 14 e 18 anos deve ser virgem ou casada.
É evidente que essa não é a moral hoje vigente; a mulher não é banida do convívio social ao perder a virgindade, porque sua honra não reside em seu hímen. Assim como o homem, que há muito mantém relações sexuais desde a adolescência, a mulher, principalmente após o surgimento da pílula anticoncepcional, passou a responder mais cedo aos apelos de seu corpo e satisfazer seus desejos sexuais, sem ser por isso estigmatizada.
Indiferente a essas mudanças, o legislador tem se quedado inerte, parecendo ignorar que a lei surge para regular fatos que a sociedade, numa determinada realidade, considera juridicamente relevantes; ignorando isso está deixando, portanto, de cumprir sua função. Verdade que, visando a preservar a segurança jurídica da sociedade, não pode ele, a cada mudança brusca de valores, rasgar as normas existentes e criar outras; mas, verdade também, que não pode manter vigentes ad eternum leis que perderam totalmente sua objetividade jurídica, resumindo-se a meras palavras escritas, sem nenhuma utilidade.
Alguns estudiosos do Direito consideram que, por ter perdido sua objetivamente jurídica (com o que concordamos ), o artigo 217 do Código Penal está revogado (com o que não concordamos ), devendo o Juiz deixar de aplicá-lo.
Embora admitindo que o bem tutelado não tem mais relevância jurídica, discordamos da conclusão de que, por isso, está o artigo revogado, vez que o artigo 2º da LICC determina que, não tendo vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue; conseqüentemente, entendemos que não pode o Juiz furtar-se à sua aplicação caso lhe seja apresentada queixa de jovem que prove ter sido vítima de sedução, pois dessa forma, estaria violando o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional insculpido no art. 5º, XXXV da Constituição Federal.
Assim, até que se revogue o debatido dispositivo, continua existindo o crime de sedução previsto no artigo 217 do Código Penal, podendo e devendo ser aplicadas pelo Judiciário as penas aos que o praticarem.