Entendo que essa Lei Municipal (cujo município não sei qual é) é inconstitucional, e pode dar azo a questionamentos.
No mínimo, a referida lei estaria violando duas competências legislativas privativas da União, previstas na Constituição Federal.
Primeiro, porque a questão envolve legislação de trânsito, ao tratar de veículo estacionado em via pública. Legislar sobre trânsito é competência privativa da União (art. 22, inciso XI).
O próprio CTB, ao cuidar do assunto, assim preceitua:
"Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga."
Veja que o § 1º é claro ao especificar que considera-se TRÂNSITO a UTILIZAÇÃO das vias por VEÍCULOS para fins de ESTACIONAMENTO.
Se o veículo está estacionado em via pública, a ele se aplicam todas as regras de legislação de trânsito, no que respeita a DIREITOS e DEVERES previstos na referida legislação.
Embora o Município tenha a prerrogativa (e mesmo o dever) de sinalizar as vias públicas sob sua responsabilidade, ele não pode inovar em regras para as quais não tem competência. Quando entender que em determinada via deve haver a restrição de estacionamento, deve fazê-lo por meio de sinalização, com placas e outros indicativos.
Mas jamais estabelecer uma regra genérica de que basta ficar estacionado na via pública por mais de 05 dias para ser considerado abandonado.
Se o veículo está estacionado adequadamente, sem desrespeitar qualquer regra de sinalização e circulação, ou mesmo sem oferecer qualquer tipo de risco à população, existe aí uma regra desproporcional e irrazoável.
Se o próprio CTB não prevê essa regra restritiva, não pode o Município, por meio de sua legislação, inovar em uma regra cuja competência não lhe pertence.
Segundo, porque estaria igualmente violando competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil, uma vez que "abandono" é uma das formas de perda da propriedade expressamente prevista no Código Civil (art. 1275, inciso III). Somente a lei civil (competência da União) pode declarar as causas de perda da propriedade.
Desse modo, não pode uma lei municipal prever que o simples estacionar o veículo na via pública por mais de 5 dias seguidos configuraria abandono.
Além do mais, isso traria outro problema de ordem prática: tudo aquilo que está abandonado não tem dono, caso contrário, não poderia ser chamado de abandonado. E o que não tem dono pode, em tese, ser apropriado por outra pessoa.
Se considerarmos que o veículo é considerado automaticamente abandonado após cinco dias estacionado, basta que eu fique na rua monitorando veículos que estejam nessa situação. Aí descubro um com cinco dias na rua, e posso levá-lo para casa, pois o que está abandonado não tem dono, e se não tem dono, posso levá-lo para mim. Fácil, não?
Além do mais, há outro problema: o município certamente aplicará multa e cobrará pela estadia do carro em um depósito. E esses valores certamente serão cobrados do proprietário do carro. Ou seja: para ficar parado na rua por cinco dias, o carro é considerado abandonado (e abandonado, como disse, não tem dono). Mas para cobrar as multas e despesas, o carro já não está mais abandonado, pois o dono é que terá de pagar.
Quer dizer: para ser rebocado, o carro está abandonado. Mas para efeito de cobranças, ele não está abandonado.
Coisas do nosso país de leis medíocres.