Tudo depende, Edic, do modo como se tratavam.
Se o padrasto sempre o tratou e o apresentou como filho, teria o rapaz o estado de filho.
Não é uma garantia de que o Estado considere a relação e condene o padrasto aos alimentos, mas uma possibilidade, como destaquei.
Antigamente, prevalecia o direito dos homens: se a namorada engravidasse, bastaria que apresentasse dois amigos com o mesmo tipo sanguíneo para afastar a legitimidade do filho.
Hoje, com os exames de DNA e a paternidade afetiva, prevalece o direito dos filhos.
Basta que o filho exista para que tenha o direito aos alimentos.
No caso em tela, garantido seria o direito aos alimentos devidos pelo pai biológico, o que não exclui a possibilidade - ainda que remota - de ser condenado o padrasto a prestá-los, se (reforço) existia tal vínculo a uni-los, uma vez que este não poderia ser desprezado pela Justiça.
2.3.6.2. Enteados versus padrastos
Defronte da realidade socioafetiva e das novas formações familiares, é forçoso, não se reconhecer que hoje, é possível que das relações de
afinidade germinem fortes vínculos de afeto, relações em que os personagens se coloquem na posição de pai e filho (posse do estado de filho),
dando ensejo à paternidade socioafetiva em toda a sua amplitude e implicações.
Apresenta-se como um novo modelo familiar as famílias formadas por pai/mãe, padrasto/madrasta, enteados e filhos do casal. Sendo que, o enteado,
a depender do caso, se apresenta como mais um filho para este padrasto ou madrasta, sendo um filho, não do sangue, mas do coração, ou melhor,
do amor, como se houvesse sido “adotado”.
A paternidade não depende unicamente do aspecto biológico, deriva, em especial, dos vínculos de amor, afeição e convivência. Logo, nas palavras
do doutrinador ASSUMPÇÃO (2004), entende-se por paternidade socioafetiva ou sociológica:
A paternidade sociológica assenta-se no afeto cultivado dia a dia, alimentado no cuidado recíproco, no companheirismo, na cooperação, na amizade
e na cumplicidade. Nesse ínterim, o afeto está presente nas relações familiares, tanto na relação entre homem e mulher (plano horizontal) como na
relação paterno-filial (plano vertical, como por exemplo, a existente entre padrasto e enteado), todos unidos pelo sentimento, na felicidade no prazo
de estarem juntos. (...) Dessa forma, a família sociológica é aquela em que existe a prevalência dos laços afetivos, em que se verifica a solidariedade
entre os membros que a compõem. Nessa família, os responsáveis assumem integralmente a educação e a produção da criança, que,
independentemente de algum vínculo jurídico ou biológico entre eles, criam, amam e defendem, fazendo transparecer a todos que são os seus pais.
A paternidade, nesse caso, é verificada pela manifestação espontânea dos pais sociológicos, que, por opção, efetivamente mantêm uma relação
paterno-filial ao desempenhar um papel protetor educador e emocional, devendo por isso ser considerados como os verdadeiros pais em caso de
conflito de paternidade.[18]
Não se busca afastar a importância da paternidade biológica, entretanto a verdade genética não tem o condão de desconstituir a verdade
sociológica/socioafetiva, diante de conflito entre estas duas realidades, esta deve prevalecer.
3. Paternidade socioafetiva
3.1. Conceito
A Constituição Federal elenca entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana, que busca a
tutela integral às pessoas, e traz em seu conteúdo a tutela do ser humano em todos os seus sentidos. CF, art. 1°, III:
“Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana”.
Desta forma, a valorização da verdade socioafetiva como elemento relevante para o estabelecimento de filiação busca na “realidade existente, ou em
formação, o sustentáculo para determinar juridicamente quem é o pai. E isto, por vezes, independe de quem seja o genitor”[19]. Dando azo, assim, a
um novo modelo de família alicerçado nos laços afetivos e, não, biológicos.
3.4. Socioafetividade entre enteado e padrasto
O primeiro laço efetivo que une enteado e padrasto é o da afinidade, como elenca o CC, art. 1595 e parágrafos:
“Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
§ 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
§ 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável”.
Desta relação de afinidade pode surgir um novo laço, o da socioafetividade, que se revelará por meio da posse do estado de filho, ou seja, o padrasto
se colocará na posição de pai e o enteado na de filho. Diante de tal fato, deve-se reconhecer a paternidade socioafetiva imbuída com todos os
direitos e deveres advindos da paternidade.
As famílias que aglutinam pai/mãe, padrasto/madrasta, enteados representam uma nova entidade familiar. Nestes casos, o enteado pode exercer o
papel de mais um filho para este padrasto ou madrasta.
A paternidade não está vinculada aos aspectos biológicos, mas nos elos de amor, afeição e convivência, ou melhor, a paternidade não deve ser
sinônima de obrigação, mas de escolha. Isto se infere do julgado abaixo, onde o próprio padrasto propôs oferta de alimentos e pediu regulação de
visitas do enteado, ou melhor, “filho do coração”:
“EMENTA: PEDIDO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS E OFERTA DE ALIMENTOS EFETUADO POR PADRASTO. POSSIBILIDADE
JURÍDICA. Na atualidade, onde a família é vista como uma união de afetos direcionada à realização plena e à felicidade de seus integrantes,
e não mais como mero núcleo de produção, reprodução e transferência de patrimônio, como o era até o início do século XX, a pretensão
aqui deduzida não deve ser liminarmente rejeitada, sem, ao menos ensejar-se dilação probatória, que permita verificar se, sob o ponto de
vista do melhor interesse da adolescente - que deve sobrelevar a qualquer outro - há ou não conveniência no estabelecimento da visitação
pretendida. PROVERAM. UNÂNIME (grifos nossos)”.[31]
5. Considerações finais
A formação tradicional da família, espelhada no liberalismo, fundada na origem biológica, perdeu espaço. Atualmente, há uma diversidade de
estruturas familiares que tomam por referencial a socioafetividade, havendo desta forma uma mudança de paradigma, segundo FACHIN (1996):
“A verdade sociológica da filiação é construída, não dependendo da descendência genética, e a partir do momento em que essa concepção de
parentalidade ganhou contornos jurídicos claros e se afirmou a viabilidade de sua aplicação no âmbito da dogmática civilista, nasceu um novo
paradigma da filiação”.[38]
Hodiernamente, a paternidade espelha três verdades: “a jurídica – diante da (aparente) consaguinidade –; a biológica – devida a comprovada e
inquestionável consaguinidade –; e a afetiva – diante de fonte diversa da consaguinidade, ou seja, da vontade, do desejo, do afeto, do consenso”.[39]
Estas três realidades, por vezes, se confrontam, devendo prevalecer a socioafetiva em prol da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da
criança.
O exame de DNA não é o único capaz de provar a paternidade e os direitos a ela inerentes, devendo ser apreciado, caso a caso, a formação da
relação entre pai e filho (posse do estado de filho), considerando-se o contexto social em que se insere, não podendo, após ser declarada,
desconstituir-se a paternidade socioafetiva. Muito mais importante do que o gene ou nome em comum, são as relações de afeição, amor, carinho,
proteção e convivência que devem advir da paternidade.
Desta feita, na relação de parentesco por afinidade socioafetiva entre padrasto, madrastas e enteados em que se gerar o vínculo afetivo existirá o
estabelecimento da paternidade socioafetiva com todas as suas responsabilidades, dentre elas, a obrigação alimentar, ou melhor, prestação de
alimentos que poderá ser ofertada pelo pai-padrasto ou requerida pelo filho- enteado, após ter reconhecida a sua filiação socioafetiva por decisão
judicial através da prova do estado de filho.
Entretanto, não se pode olvidar que nem sempre haverá o estabelecimento de vínculos paterno-filiais calcados na afetividade entre padrastos e
enteados, somente nos casos em que estes se reconhecerem como família e se considerarem reciprocamente pai e filho. Portanto, não haverá
obrigação alimentar ou qualquer outro direito inerente à paternidade quando dois indivíduos ligados por vínculo parental de afinidade em 1° grau
(padrasto/enteado) conviverem juntos, mas não se colocarem nas posições de pai e filho respectivamente, em seus corações e diante da sociedade,
uma vez que afeto não é algo que se possa impor.
O direito tem o fito de tutelar as situações surgidas no seio social, se adequando à realidade social e cultural em que está inserido. Contudo, a
normatização destes anseios não acompanha a rapidez das mudanças, com isto, não há ainda uma regulação expressa que chancele a paternidade
socioafetiva, sendo reconhecida implicitamente, corroboram apenas posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, entretanto, de maneira, tímida e
receosa.
fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/7288.pdf