Carlos Augusto,
A definição de Ulpiano já foi exposta. Já basta.. Entretanto, como você fala em pesquisa, tomo a liberdade de repassar-lhe a doutrina que se segue, esperando ter contribuído com seus estudos filosóficos-jurídicos.
abraçares.
JUIZ, JUSTIÇA, INVESTIGAÇÃO E DESDOBRAMENTOS
CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL
Desembargador do Tribunal de Justiça/RS
Há um direito-dever do compromisso do Juiz com o justo-social, inafastavelmente, pois o seu poder surge do povo, inobstante não tenha sido por ele efeito.
'A ontologia dos valores condiciona e determina a gnosiologia acerca deles. Aquilo que pensamos da essência do nosso conhecimento em matéria de valores não pode deixar de depender estreitamente daquilo que pensamos acerca de sua essência ôntica ou da sua ontologia' (Filosofia dos Valores, Johannes Hessen, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1967).
'Antaño, el Juez se ponia sus vestiduras, se ajustaba la peluca, y abandonaba su condición de ser humano. Era una máquina que dispensaba justicia ... o lo que entondes se considerada justicia. Expulsaba de su mente la frase de San Pablo: 'Pues la letra mata, pelo el espíritu da vida'. San Lucas lo expresó con mayor claridad aún: 'Desgraciados de vosotros, abogados! Pues hábeis perdido de llave del saber!'.
'El Juez - el Juez que condena, el hombre del parágrafo y del precedente - no se interessaba por la persona del acusado ni por la intención que el hecho ocultaba, sino sólo por el hecho mismo. Las penas prescriptas por la ley eran aplicadas sin misericordia. No había circunstancias atenuantes, ni piedad ni comprensión' (História de la Estupidez Humana, Paul Tabori, Ediciones Siglo Veinte, Buenos Aires. Título original: The Natural Science of Stupidity).
As duas citações fazem dois seguimentos de retas paralelas que levam a pensar a respeito do justo àqueles que lidam com o direito, com a justiça. Mas não se deve cometer o engano, que muitas vezes ocorre, de ligar sempre ao vocábulo justiça a figura do Juiz. Não, também o Promotor de Justiça e o advogado estão introduzidos neste contexto e com responsabilidades e compromissos com o social e o justo de forma igualitária. Há a diferença da detenção da jurisdição pelo Juiz.
Mas como encontrar o justo? Na lei? Na doutrina? Na jurisprudência? Em alguns casos pode ser afirmativa a resposta, mas nem sempre. No caso da lei, exempli gratia, deve ela, sempre, ter por suporte, à época de sua elaboração, uma situação geral posta como justa, o que a faz confundir com o direito. A qual lhe dá contornos de lei justa. Mas nem sempre é assim. Principalmente, em termos numéricos, hoje em dia, onde a sociedade é inundada por leis, medidas provisórias, etc., empurradas na garganta da sociedade pelo êmbolo do poder econômico tirânico e insaciável. Incansável até e que não se sacia facilmente, além de não se importar com o problema social que lhe está anos-luz de distância (para trás). E uma estranha realidade. Mas não muito bem apreendida por Vyshinsky ao afirmar que 'Direito é um sistema de normas, estabelecido pelo Estado, mediante o qual se defende uma determinada estrutura social'. Afirma Lyra Filho ser esta uma 'concepção mutiladora e que não explicaria o direito de contestação e libertação, o inconformismo positivo, que se apresenta como direito também'. E, não havendo confundir lei com direito, este depende inteiramente de um fato reconhecido pela eficácia dos Juízes nos Tribunais; 'o legislador faz leis, mas não é direito; lei é norma geral impessoal, enquanto o direito é necessariamente pessoal, particular'... (Antônio C. Wolkmer, Aspectos Ideológicos na Criação Jurisprudencial do Direito, AJURIS, 34/92, citando Amílcar de Castro).
Desta feita, quid juris?
Do jurista compromissado com o social, com o povo, com o pobre, cabe a responsabilidade de buscar o justo, mesmo que o justo esteja com a parte contrária. É utópico nos dias de hoje tal pensamento, pode parecer aos céticos, no caso do advogado que assume o compromisso profissional de ganhar a demanda para seu constituinte porque seus interesses estão em jogo. Mas não ao Juiz, a quem é imposto pela sociedade o direito-dever deste cumprimento. E não, também, ao Órgão do Ministério Público por essa mesma razão.
Nesta ótica, na procura de decisões justas, o jurista, o Juiz, mais especificamente, ao dar os motivos de sua decisão, não pode, na busca do justo voltado com vontade real aplicável ao social, ao povo e ao pobre, deixar de fazer em sua mente um exercício na busca de uma lógica aplicável à espécie, lógica jurídica, não silogística. E neste ponto entram em cena dois destaques importantes do culturalismo jurídico: o 'sentido' e o 'suporte do sentido', objeto mais detido em outro trabalho. Voltando, então, à lógica, a qual, por se tratar de aplicação de normas a pessoas humanas, ipso facto, não pode jamais ser formal, matemática, mas sim razoável. Eis que a simples subsunção não configura jamais o pensamento jurídico concreto, e mais, que toda a problemática do conhecimento dogmático do direito radica no equilíbrio que deve existir entre a elaboração silogística do pensamento argumentativo e decisional do direito e os fatos e fatores extralógicos que influenciam na escolha das premissas. Já Luis Recasèns Siches, professor emérito da Universidade Nacional do México, catalizador, na ciência jurídica latino-americana, das novas teorias em matéria de hermenêutica do direito, que se afastam da silogística e da concepção subsuntiva da decisão judicial, fundamentando-se na prudência, na eqüidade e sentimento do justo, ubicados no equilíbrio da dimensão humana, que o autor denomina de razonable, em oposição ao racional, argumenta que a lógica do razoável está voltada especialmente para a adequação das soluções aos casos reais, e, ainda que elas sejam irracionais, são as melhores. É o logos do razoável (Luiz Fernando Coelho, in Lógica Jurídica e Interpretação das Leis).
Mas isto requer um certo desprendimento, inquietação e coragem do jurista, porque implica não aplicar leis injustas, protetoras de seguimentos tirânicos da sociedade e que não se satisfazem com o lucro mediano e razoável. O que vale dizer: julgar contra a lei quando esta for injusta. E isto leva o jurista a ser 'marginalizado' pelos descontentados, mas não deve ser motivo de medo ou vacilação. Caso contrário, seremos objeto de imposição do sistema que nos empurra e rotula, ao final, de 'elementos de decantação, dispersão e contenção social'. E, com isto, não nos podemos acomodar. Pois o Juiz não é cobrador de contas ou aprisionador, tão-somente, daqueles que não usam colarinho alvo. Não pode o Juiz se deixar contaminar e ser rotulado como aparelho de Estado (repressivo), mas sim como aparelho ideológico do Estado (Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, Louis Althusser, Editorial Presença, Lisboa), mas integralmente independente do sistema vigente, da superestrutura e da ideologia dominante atualmente.
Longe a pretensão de ser original, autores houve que não ficaram satisfeitos com soluções ecléticas do passado. E não é novidade que pensaram em dever ser abandonados os Códigos quando injusta fosse sua aplicação no caso concreto. O justo deve, inolvidavelmente, ficar acima da lei. O povo, dizia Kantorowicz, um dos defensores desse método, conhece o direito vivo, o direito que reputa justo, ditado, historicamente, pelos ideais de justiça, e não o direito mumificado nas leis. Este método foi defendido pela escola do direito livre (Freirecht).
A tarefa do Juiz seria a de descobrir o direito, não nos textos, mas na realidade social. Já Ehrlich, outro defensor do método, acrescenta, o Juiz deve abandonar a lei e ir contra ela quando assim exigirem as circunstâncias do caso novo. Descobrindo os interesses que, em cada situação, devem prevalecer, o Juiz está próximo a encontrar o justo, objetivando o fim social buscado em cada caso (art. 5º da Lei de Introdução ao CC).
A necessidade de encontrar solução justa para os casos em debate exige repelir-se toda e qualquer pretensão formalista. Não olvidar a curiosa afirmação de Jeremiah Smith de que as regras de direito são simplesmente setas indicadoras do caminho justo, e não o caminho mesmo (Law and Modern Mind, p. 247). Isto se justifica se tivermos presente que o direito deve estar sempre em evolução, quer se trate de Direito legislado, quer se trate de Direito casuístico, e isto pela singela razão de que as relações da vida não permanecem inalteradas, devendo o direito a elas adaptar-se. Buscando, caso contrário, na fonte da jurisprudência e da criatividade, a renovação jurídica operada incessantemente através das decisões judiciais desprendidas dos conceitos formalísticos e impregnadas de princípios críticos das formalizações jurídicas.
O jurista aplicador da norma de forma lógico-formal, ortodoxo, radical, fica reduzido à condição de jurista opaco, visto pelo ângulo de sua importância e contribuição para o progresso e desenvolvimento jurídico-social. Pois que, além do texto legal, nada vê face à sua formação e visão obtusa dos fatos sociais, os quais estão à sua volta clamando soluções justas e modernas. Para as quais as leis, às vezes, não satisfazem mais. E, assim, torna-se um objeto, uma máquina destituída de função social, eis que seu trabalho nada traz de verdadeiramente importante para o progredir jurídico, o qual encontra evidente ressonância dentro do contexto político e sócio-econômico. Enfim, na vida de relação, porquanto lhe foge, por formação dogmática e tradicional, a capacidade de questionamento de valores sociais verdadeiramente importantes, pois justos, torna-se um reduzido procurador de dispositivos legais para aplicá-los ao caso que se lhe apresenta. Mas julgar não se reduz ao simplismo de aplicar dispositivos legais a fatos da vida de relação. Isto é fetichismo legalista inconcebível hodiernamente. O referido questionamento dos valores deve ser diário, incessante e periódico para o jurista que deve-se posicionar, sempre, atentamente para eles. Pois, estes valores, via de regra, historicamente até, não têm sido, dentro da lei, sopesados com esta visão. Vejamos por exemplo nossas legislações penal e protetora do sistema financeiro. A primeira dá tratamento aos crimes contra o patrimônio com mais vigor que aos crimes contra a pessoa. A segunda assegura ao sistema todas as garantias e não as dá sequer em proporção aos usuários aderentes.
Por assim dizer, o discurso jurídico na elaboração da decisão justa é sempre orientado por critérios lógico-razoáveis objetivando a busca do que é conveniente e necessário para o caso. Mas isto requer considerações que os Juízes, muito raramente, mencionam em suas sentenças. E são as verdadeiras motivações delas, a raiz secreta donde extrai toda a sua seiva vital. São as considerações do que é oportuno, conveniente e necessário para a sociedade afetada pela controvérsia judicial e que anseia pelo justo. E isto brota, inconscientemente, de nossas convicções não articuladas, mas nem por isso deixam de aludir, em última análise, a considerações de conveniência pública. E como a jurisdição está confiada a pessoas capazes e experimentadas, com demasiado conhecimento para sacrificar o bom senso ao silogismo e formalismo, resulta que, quando antigas regras se conservam, encontram-se para elas novas razões mais ajustadas ao momento, com o que, gradualmente, adquirem um novo conteúdo e, finalmente, uma nova fórmula próprios do terreno para o qual foram transplantados. Necessário, pois, reconhecer-se a função legiferante que têm desempenhado os Tribunais, quer queiramos ou não.
Dentro deste realismo jurídico é que se insere o Juiz, o qual, pela importância de sua função - inclusive legiferante como se viu - deve ser um misto, e ter profunda consciência disso, de reformulador social e jurista intransigente com o sistema, com o establishment devastador das individualidades justamente compreendidas, postas. Portanto, o Juiz não tem o direito de ser reacionário, porque o povo, de onde ele vem, ansiosamente dele espera, sempre, que faça justiça. E ela, das suas aspirações, é sempre incompatível com posicionamentos reacionários. Pois estes, muitas vezes, coadunam-se com a lei e sendo esta injusta como decorrência a injustiça; fato evidente e inaceitável.
Dentro desse realismo já se observava em Ehrlich e Zitelmann (Frei Recht-schule) a afirmativa de que o intérprete, ou o Juiz, ao aplicar a norma, deveriam apreender a realidade social, como autênticos sociólogos, pois a vida social é mais rica que a norma, da qual poderiam afastar-se se a solução por ela apontada não conduzisse à verdadeira justiça.
A sociedade, o sistema, elabora normas com o escopo de regrar os atos, comportamentos, fatos. Vez por outra buscando ocultar as suas próprias falhas, porque não quer-se comprometer. Às autoridades compete a resolução dos problemas após seu aparecimento com base na lei, entende a sociedade, o sistema. Mas temos que nos dar conta que a mais das vezes o problema é criado pelo próprio sistema que após edita norma punindo quem age de forma imposta, sem opção pelo infrator. Veja-se, como exemplo, a estréia em maio de 1988, nos Estados Unidos, do filme 'Colors',(1) o qual mostra, cruamente, a luta de gangues juvenis nos subúrbios de Los Angeles, nos locais mais pobres, evidentemente. Trata-se de uma guerra urbana, onde a polícia é impotente. E, embora tenha alcançado sucesso de bilheteria, o filme foi muito criticado, porque a sociedade norte-americana - como todas as outras - não gosta de obras onde se mostram as falhas do sistema. E o filme mostra uma revolução surda dentro das entranhas do sistema americano, ultrapassando a perspectiva epidérmica e periférica das películas, o que chama a atenção e assusta o sistema, pois o denuncia. Mas como decorrência se constata uma conscientização introdutória de existência de legitimidade em movimentos que se exteriorizam em ações como as invasões de terras e conjuntos habitacionais em nossa sociedade. É uma constatação real, cuja referência atilada é feita por José Geraldo de Souza Júnior, in Para uma Crítica da Eficácia do Direito, Sérgio Antônio Fabris Editor. 1984. Fatos que em alguns países da Europa, por exemplo, sequer viram manchete como no Brasil, face à legitimidade intercorrente.
Um outro aspecto a ressaltar é a sobrecarga de trabalho do Juiz aliada à 'neurose da celeridade' a que estamos submetidos diariamente, a todos os instantes, e que fazem com que, como um anteparo, sejamos impedidos, a mais das vezes, de raciocinar e pensar criticamente com vistas voltadas para o questionamento do suporte do 'justo' da lei. Isso fez do Juiz um aplicador expedito (deve ser) e adepto do fetichismo legal, mesmo que muitas vezes não o queira ser e reaja. Mas não há tempo para pensar no justo' que deve ser sempre o fim colimado. Assim é que, mesmo entre juristas progressistas, às vezes, se vêem decisões ou posicionamentos que não se coadunam com seu conteúdo intelectivo-ideológico. É a insuficiência de tempo para um pensar voltado necessariamente, em cada caso, para o justo.
O presente trabalho não tem outro objetivo senão o de chamar a atenção para as questões e o debate respectivos: e em não nos dando conta disso, deixaremos que a justiça fique tão-só, com exclusividade, à disposição e fatalmente parcializada, pela inércia, em favor dos detentores do poder (sentido largo).
Assim, o cinismo jurídico decisional é uma conseqüência que fatalmente se sobreporá ao justo, e para que isto não ocorra exige do jurista um esforço, a um só tempo, de bom senso, coragem e audácia, além, é evidente, de ter que optar entre a quantitatividade producional e a qualidade da hipótese decisional juridicizante.
Não destoa a assertiva de Del Vecchio, Sui Diritti dell'Nomo, p. 100: 'A consideração do homem como ente dotado de prerrogativas que se colocam acima do próprio legislador'. E isto se justifica porque na vida tudo muda por força dos fatos resultantes de fatores variáveis de natureza econômica, psicológica, racial, demográfica, geográfica, etc. Daí a razão de os fatos poderem assumir a condição jurídica de 'fatos normativos' a acentuarem o princípio de o direito desdobrar da norma jurídica, posto viver agitado pelas circunstâncias, sempre inquietas do cotidiano.
Concluo chamando a atenção frente ao inegável interesse da matéria, sua importância e que a visão 'crítica do direito' existente quer parecer ter vindo, não para afastar ou separar o que é ideologia de teoria jurídica, mas para iniludivelmente miscigená-las. Com os artigos atuais e do vulto dos escritos pelos colegas Rui Portanova, Amilton Bueno de Carvalho e Henrique Osvaldo P. Roenick, respectivamente, 'Denúncia Vazia e Microempresa', 'Jurista Orgânico: Uma Contribuição' e 'Da Necessidade de uma Visão Crítica do Direito' (AJURIS, 42 e 44), entre outros, muito se vê que uma 'teoria ideológica' está bem presente entre nós e assentada, não havendo mais lugar total para o dogmatismo jurídico. Muito menos para a pretensão de Kelsen em fundar uma teoria jurídica pura, isenta e imune a toda ideologia e sua aplicabilidade atual.
Como afirma Roberto Lyra Filho, em 'Para uma Visão Dialética do Direito', Sociologia e Direito, Livraria Pioneira Editora, p. 71: 'A defesa do formalismo, a título de segurança, cai na armadilha da pura formalização, transformada em critério de legitimidade, e, portanto, leva à aceitação de todo direito formalizado como eo ipso legítimo, desde que convenientemente legislado. A teoria, chamada pura, do direito deu a isto a máxima expressão lógica, no mecanismo formal de derivações, a partir da norma 'fundamental', que só a força garante. Sem desrespeito a Kelsen, é inegável que, para transformar essa teoria, de pura em prostituída, não é preciso, sequer, o tradicional mau passo, já admitido, francamente, em linha de princípio. O direito, na visão Kelseniana, é simples técnica de organizar la loi du plus fort, como se fosse la meilleure ou indiferentemente a que o seja'.
Não deve ser motivo de espanto a lição inolvidável de Eugen Ehrlich, 'querer encerrar todo o direito de um tempo ou de um povo nos parágrafos de um Código é tão razoável quanto querer prender uma correnteza, uma lagoa (Teich). O que vai para ela não é mais uma correnteza viva, mas águas mortas, e muita água não entra nela de jeito algum'.
Não há como negar ser o direito uma técnica de controle social imposta pela classe dominante e, portanto, impregnada de ideologia desta classe. 'Nas sociedades classistas, acentuam, ainda, Goloumsky e Strogovitch, não há uma só consciência jurídica e, por isso, 'a regra de direito da classe dominante, fundada na consciência jurídica das classes subordinadas; sendo justa para a primeira, é injusta para a segunda' (apud Roberto Lyra Filho, passim).
Inobstante o subjetivismo agregado ao método proposto - por muitos verberado - e aos perigos e armadilhas em que se pode cair, creio que os critérios de apreciação da aplicação ou não da lei injusta terão como resultado situações de incidência de uma justiça social quantitativamente menos injusta. Posto que do jurista compromissado ideologicamente com o social, com o povo e o pobre, advirão decisões mais progressistas, mais modernas, com visão crítica dos fatos sociais, da norma, de seu suporte e potencialmente, portanto, mais justas.
Ensina-se nos bancos acadêmicos que a lei é uma declaração de vontade geral manifestada pelo poder incumbido da sua elaboração. E à Justiça cabe a aplicação dessa lei. Nada mais absurdo e enganador como o é a retórica(2) que defende o ensinamento. Porque, como vaticina José Geraldo de Souza Júnior, citando Ripert, 'na sociedade não há vontade geral. Se ela existisse, apenas bastava fazer as leis. O que é exato é que um certo número de vontades individuais se conjugam em dado momento para impor a todos os membros de uma sociedade a observância de determinadas regras. Em conclusão: a lei, como expressão da vontade geral, é um mito. Como também o é a visão de justiça neutra'.
A conseqüência do que até aqui foi dito resume-se, na linha de pensamento de Roberto Aguiar, no entender da justiça indelevelmente implicada com as práticas sociais. Daí podermos afirmar que a justiça não é neutra, mas sim comprometida, não mediana, mas de extremos. Não há justiça que paire acima dos conflitos, só há justiça comprometida com os conflitos, ou no sentido de manutenção ou no sentido de transformação.
A opção é nossa, e as responsabilidades de cumplicidade dela resultantes também o são.
NOTAS
(1) À época em que foi escrito o artigo (1986), o filme ainda não havia chegado ao BrasiI.
(2) Discurso de forma primorosa, porém vazio de conteúdo (Novo Dicionário Aurélio).
BIBLIOGRAFIA
1) O que é Justiça? Uma Abordagem Dialética, Roberto A. R. de Aguiar.
2) Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, Louis Althusser.
3) O que é Direito, Roberto Lyra Filho.
4) Para uma Crítica da Eficácia do Direito, José Geraldo de Souza Júnior.
5) A Filosofia Jurídica nos Estados Unidos da América, Roberto Lyra Filho.
6) Direito do Capital e Direito do Trabalho, Roberto Lyra Filho.
7) História de la Estupidez Humana, Paul Tabori.
8) Sociologia e Direito, Cláudio Souto e Joaquim Falcão.
9) A Jurisprudência como Fonte do Direito, José Puig Brutau.
10) Introdução Crítica ao Direito, Tarso Genro.