Leri,
você está correta.
Em se tratando de transações travadas entre particulares, o CDC é inaplicável. O que rege as relações nesse caso é o Código Civil.
Veja: para que se aplique o CDC, devem estar presentes no negócio os dois sujeitos contratuais exigidos por aquela lei: o consumidor e o fornecedor, sendo que se faltar qualquer um dos dois num dos lados da relação, isso não ocorre.
Segundo o CDC, consumidor "é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (art. 2º), ao passo que o fornecedor é
"toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3º).
Desse modo, ainda que em um primeiro momento se pudesse querer equivocadamente cogitar que o comprador do veículo fosse consumidor, pelo fato de estar adquirindo o veículo como destinatário final, falta a você (vendedora) a característica de "fornecedora" de produtos ou serviços.
Isso porque, sendo você uma particular, não exerce quaisquer daquelas atividades previstas no art. 3º. O próprio verbo "desenvolver" contido no conceito em questão traz em si a idéia de atividade regular, repetida, que faz parte de uma atividade que o fornecedor leva a cabo diuturnamente.
Os conceitos são complementares: para que haja um consumidor, há a necessidade de que haja na outra ponta um fornecedor.
Dito isso, não há que se falar em o veículo "estar na garantia". Na relação entre particulares, a garantia é facultativa, a depender do combinado entre as partes.
Quanto ao conceito do vício oculto, em termos simples, é aquele que não poderia ser constatado por uma pessoa de conhecimento mediano. Para a aplicação do conceito, necessário partir-se do chamado "homem médio".
Só que há aí uma questão: não basta que o comprador seja um leigo para alegar vício oculto, pois o que se deve ter em mente é o fato de se saber se ele (comprador) tinha meios de, algum modo, tomar ciência desse vício.
Em outras palavras, não há necessidade de que ele próprio seja capaz de perceber o vício, pois isso pode ser feito por um terceiro com conhecimento suficiente no assunto. No caso, um mecânico.
Se eu lhe ofereço um cordão supostamente feito de ouro, você, como leiga, pode não saber diferenciar ouro puro de material "banhado" ou "chapeado", ou mesmo de outro tipo de metal amarelo.
Mas se for diligente o suficiente para levar esse cordão a um ourives, ele será capaz de dizer se o que você vai comprar é realmente ouro ou outro material.
Então, não basta que o defeito seja constatado após o negócio para que seja considerado vício oculto. Ele já poderia estar lá desde o início, e só não foi percebido pelo comprador por negligência dele. E nesse sentido, você mesma afirma que "ele confessa que "não olhou direito".
Em se tratando de veículo usado, qualquer pessoa mediana tem capacidade de supor que problemas desse tipo são mais que possíveis.
Quer dizer: se tivesse levado o veículo ao mecânico ANTES de efetuar a compra, o vício certamente teria sido constatado pelo profissional, não se podendo falar então em vício oculto. Comparativamente, ele não levou o cordão ao ourives antes de fechar negócio.
Além do mais, é característica do vício oculto o fato de ele ser contemporâneo à venda, ou seja, ele vai "grudado" ao bem no momento da transferência da propriedade.
Quem pode garantir que esse problema de suspensão não foi causado depois da venda, por mau uso?
Se ele alega que o vício era oculto, cabe a ele provar que não havia meios de constatá-lo no momento da venda (mas o mecânico poderia), e que ele (o vício) já existia no momento em que o veículo foi vendido (e não foi causado depois).