Pessoal,
Li com todo cuidado e carinho cada um dos relatos. Como portadora da cãimbra do escrivão, gostaria de dizer que, a partir do momento que entendemos a natureza biológica do problema e a condição em que a Ciência se encontra diante dele, podemos nos posicionar com atitudes e pensamentos para descobrir formas de sermos felizes, o que, acredito, deveria ser o objetivo principal de cada ser humano. Para sermos felizes, precisamos ser produtivos, fazendo parte da sociedade de maneira contributiva.
Não sei se ajuda, mas, li muitos trabalhos científicos até entender bem o que é esta condição e as escolhas que temos diante delas. Talvez por ser bióloga, percebi logo, um ano antes do meu diagnóstico, em meados de 2001, que não era um problema ortopédico. Fui direto a um neurologista, que me encaminhou para outro e para outro até obter o diagnóstico. Quando soube o que tinha, tive muito medo de que esta distonia se espalhasse pelo corpo e me tornasse uma inválida. Um ano após o diagnóstico, eu já agregava, além da cãimbra do escrivão, uma distonia cervical que me aborrece mais do que a cãimbra do escrivão. Mas, depois de muita leitura, percebi algumas coisas que talvez ajudem:
1 – Não tem cura – é difícil aceitar, mas, é a realidade de hoje. E as alternativas como botox, medicamentos, canetas diferentes, troca de dominância, fisioterapia, aprendizado de braile, além de não garantirem e nem trazerem o restabelecimento da função da escrita de forma estatisticamente aceitável, podem trazer mais problemas devido a seus efeitos colaterais;
2 – Vivemos num tempo em que a escrita manual pode ser totalmente substituída por outras formas de escrita – digitação, por exemplo. Estamos em um momento da história em que a tecnologia nos favorece sobremaneira – celulares em que podemos anotar recados e fazer contas, palmtops, laptops, microcomputadores, e cada dia surgem mais e mais recursos impressionantes que se tornam necessários para garantir nossa inclusão. Mesmo sem recursos financeiros, devemos buscar tais tecnologias como forma de adaptação.
Só com isto, já e possível ser feliz, desde que possamos entender que tentativas em direção a recuperar a escrita manual serão inúteis e frustrantes, pelo menos no ponto que a Ciência está.
Trata-se de um problema cerebral, de maneira simplificada e resumida, um neurotransmissor que está em desordem e provoca contração muscular de músculos antagônicos (quando um se contrai, outro deveria relaxar e no nosso caso, ambos contraem devido a presença desorganizada deste neurotransmissor – acetilcolina, provocando incompetência na atividade e dor). Possivelmente, existe uma relação, do ponto de vista fisiológico, entre nossa patologia e Parkinson. Entretanto, ainda há muito que se conhecer para definir esta questão seguramente. Alguns tratamentos cirúrgicos experimentais vem galgando sucesso absoluto com Parkinson, talvez a solução futura de nosso problema, já esteja nesta mesma caminhada.
Ao longo deste tempo, também me correspondi com algumas dezenas de outros portadores desta patologia e observei que cada um escolhe como se posicionar diante do problema. Inicialmente, todos nós nos desesperamos um pouco e temos medo de várias coisas, especialmente se temos um pouco mais de conhecimento. Mas, depois que passa esta fase, aparentemente igual para todos, surgem as diferenças de pessoa para pessoa. Observei, em geral, 4 grupos distintos.
1 - Muitos, apesar de se apropriarem dos saberes a cerca da patologia, passam suas vidas insistindo em escrever e tentando as mais variadas alternativas, canetas especiais, talas, fisioterapia, medicamentos que causam ou não dependência, botóx, gastando horas e horas para aprender a escrever com a outra mão ou aprendendo braile e se frustrando ao aparecer o problema nos dois membros, sem falar nos que buscam alternativas fora do campo formal do conhecimento humano. Neste grupo encontramos várias pessoas que, pela insistência acabaram tendo mais problemas, até mesmo como lesões provenientes do esforço continuado de escrever, sobrecarregando estruturas anatômicas e danificando-as permanentemente. Quando houver cura para cãimbra do escrivão, estas pessoas continuarão com os problemas das lesões que adquiriram pela insistência na escrita manual. Deste grupo, não conheço nenhum que tenha encontrado algo satisfatório, nem mesmo alguma paz ou harmonia com a cãimbra do escrivão. Frustram-se a cada tentativa e conseguem mais problemas, porque a realidade é que, ainda, nada corrige satisfatoriamente este problema.
2 - Alguns, fazem parte destas tentativas poucas vezes, em certos casos até por orientação médica experimental que deveria ser procedida apenas mediante consentimento informado e, depois, acabam por compreender o status quo da patologia e se adaptar a outras formas de escrita. Lamentavelmente, alguns destes trazem para o resto das vidas as conseqüências destas tentativas, como lesões permanentes. Mas, de uma forma ou de outra, passam a conviver bem com a cãimbra do escrivão adaptando-se a outras formas de escrita.
3 – Poucos, desconhecem o assunto, não conseguem alcançar a natureza da cãimbra do escrivão e seguem orientações médicas, sofrendo toda sorte de intervenções experimentais, pagando o preço das escolhas feitas por seus médicos. Alguns destes, tem a sorte de receber orientações que permitem uma escolha consciente.
4 - Outros, assimilam o fato de que ainda não existe cura e que todo e qualquer tratamento disponível atualmente tem um “preço” que pode ser mais caro que o de nenhum tratamento. Estes, se vêem como deficientes e se colocam na sociedade como tais, conseguindo adaptações para a plena participação da grande construção que a humanidade faz no planeta e isto é tão mais importante, que a cãimbra do escrivão fica relegada a uma mera característica individual. Este grupo de pessoas é o único que conheço que vive plenamente feliz e aguarda serenamente uma solução satisfatória e definitiva (cura ou tratamento eficiente sem efeitos colaterais relevantes) que a Ciência, também como produto humano, trará, cedo ou tarde. Estas pessoas não sentem dor, não agregam mais problemas físicos e nem frustração, porque entendem que não tem mais condições de desempenhar esta função, mas, para outras tem total capacidade. Este grupo, talvez de fato meio “Poliana”, consegue ver que esta deficiência é uma das mais fáceis de conviver graças a uma era tecnológica e que ainda pode trazer facilidades para a vida como um todo, como os sistemas de cotas. Independente da opinião que tenhamos disto, se é um sistema correto ou não, justo ou injusto, ele esta aí hoje e pode nos beneficiar. Minha opção foi esta, depois de diagnosticada, publiquei 8 (oito) livros, fiz especialização, mestrado e passei em primeiro lugar no concurso público para o cargo que ocupo atualmente, de biólogo em Curitiba, que abriu apenas para 2 vagas e teve cerca de 1500 concorrentes. De outra forma, ainda estaria concentrando meu tempo em escrever a mão e não em produzir e fazer parte da sociedade.
Entendo que, cada um de nós, sabedores do que é a cãmibra do escrivão e suas atuais possibilidades, deve decidir o que quer para si agora e no futuro, de acordo com sua natureza. Cada um de nós tem a escolha:
1- dedicar tempo insistindo em tentar escrever a mão assumindo riscos de mais problemas e frustrações, em certos casos, servindo de cobaia em procedimentos e tratamentos experimentais questionáveis;
2- dedicar tempo para escrever da forma que é possível, por exemplo, digitando, o que além de ter uma chance significativamente menor de trazer lesões e frustrações é a possibilidade de concentrar o tempo de vida produzindo, participando da sociedade, sendo feliz.
Vejo claramente que algumas pessoas “tem o problema” e outras, “são o problema”. Isto faz toda diferença sobre ser feliz ou não. Pois, a cãimbra do escrivão não é razão suficiente para fazer alguém infeliz e nem para que se aumente o problema além dele mesmo, então, a questão é a escolha que cada um faz quando se depara com esta realidade.
Enquanto isto, a Ciência segue seu rumo e talvez um dia solucione a dificuldade de todos nós, indistintamente. Até lá, a felicidade do portador da cãimbra do escrivão e a possibilidade de participação plena na sociedade, depende exclusivamente dele mesmo.
Maristela
[email protected]