Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/11307
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A função do resultado no delito culposo

A função do resultado no delito culposo

Publicado em . Elaborado em .

Resumo: O fato típico culposo é composto de uma conduta voluntária negligente, imperita ou imprudente, previsibilidade objetiva, inobservância do dever de cuidado, resultado involuntário, nexo causal e tipicidade. Estes são os elementos descritos e estudados pela doutrina majoritária, exceto no que tange ao resultado que ficou relegado ao exame de poucos juristas. Logo, este requisito, posto como imprescindível, ficou sem a correlata dedicação. Para a corrente dominante só existiriam infrações culposas de resultado naturalístico. Daí nasceu o presente ensaio que, pelo método "estado da questão", baseado em pesquisa bibliográfica, analisou o posicionamento científico através dos escólios de Nélson Hungria, Francisco de Assis Toledo, Heleno Cláudio Fragoso, Zaffaroni e Luiz Luisi, dentre outros. Escolas penais tão distintas foram trazidas para fazer frente ao argumento teórico adotado. Concluiu-se que o resultado naturalístico - porque o jurídico é encontrado em todos os delitos - exerce função política, garantidora, do tipo, integrando o mesmo. O que não impede a previsão de delito culposo formal e de mera conduta que carregam a função garantista na situação de perigo previsto na norma incriminadora. Encontram-se neste texto exemplos desses delitos tirados da legislação pátria. Para facilitar a leitura, optou-se por citações indiretas e, subsidiariamente, pelas citações diretas curtas.

Palavras-chave: Delito culposo; elementos da culpa; resultado culposo; espécies; função.

Sumário: Introdução; 1 Delito culposo; 1.1 Dever de cuidado; 1.2 Previsibilidade; 2 O resultado culposo; Considerações finais; Referências.


INTRODUÇÃO

O conhecimento dos elementos do delito culposo é insuficiente para compreender sua especificidade. É preciso questionar sua estrutura e buscar a finalidade desses requisitos criados pelo legislador e pela principiologia penal. Até porque, a norma jurídica, além de trazer preceitos e definir estruturas, deve arrimar por uma função 01, sob pena de incidirmos em regras sobrescritas, cujas redações desarrazoadas gerariam mera perissologia 02.

A pesquisa profunda do delito culposo 03 não despertou interesse dos glosadores até recentemente 04. Contudo, a matéria 05 tem ganhado destaque nas discussões científicas, inclusive, quando foi utilizada, em passado próximo, na construção do conceito básico da teoria da imputação objetiva 06 que extraiu da violação do cuidado o elemento para criar o risco juridicamente desaprovado e do nexo de antijuridicidade colheu a idéia de realização do risco 07.

Foi, portanto, dentro dessa linha de crescente interesse pelo estudo da culpa que este trabalho enveredou. Nele foram empregadas lições de renomados estudiosos - ainda que filiados a escolas diversas - para se obter uma ampla visão doutrinária e de suficiente cientificidade.

No decorrer do texto, receberam maior amplitude dois requisitos específicos desse delito, quais sejam, a previsibilidade do resultado e a quebra do dever de cuidado. Isto foi necessário para mencionar a imprescindibilidade ou não do resultado culposo e a influência que aqueles elementos neste exercem.


1. DELITO CULPOSO

As condutas humanas, positivas ou negativas 08, que se amoldam aos elementos previstos nos preceitos primários de normas penais incriminadoras recebem o nome de fato típico 09.

Por força do princípio da reserva legal 10, às vezes chamado de princípio da legalidade, esse comportamento humano deve encaixar-se perfeitamente ao fato descrito pelo legislador antes de sua ocorrência (princípio da anterioridade). Acaso isso se concretize, ensejará tipicidade 11. Ao revés, ausente os componentes contextualizados na lei, o fato será um indiferente penal e, portanto, atípico 12.

Para compor o fato típico é preciso, primeiramente, verificar se a conduta é dolosa ou culposa, uma vez que seus elementos são diversos. Antes de demonstrarmos isto, podemos expor, em termos gerais, que os elementos do fato típico são: conduta humana, resultado e nexo causal (ou relação de causalidade) – ambos exigidos 13 somente para a caracterização dos crimes materiais 14 - e, por fim, enquadramento ao modelo legal (tipicidade) 15.

Tipos 16 são fórmulas legais que traçam as infrações. Já tipicidade é a característica que uma conduta tem de se amoldar a um tipo penal qualquer 17. Fato típico 18, por conseguinte, é o comportamento humano previsto pelo legislador como infração penal e que produz um resultado 19 (naturalístico ou não).

Presentes os quatro elementos poderá ser reconhecido o comportamento do agente como típico. Nada obstante, ainda é prematuro asseverar se houve ocorrência de uma infração penal (crime ou contravenção), uma vez que, ainda não foi perquirido seu elemento subjetivo 20 nem tampouco a ilicitude do comportamento. Isto se dá porque a teoria finalista da ação – juízo valorativo da conduta 21 - aloca dolo e culpa no comportamento.

Sob o aspecto analítico-formal 22, a caracterização do crime 23 é composta de fato típico e ilicitude 24, ou seja, a conduta, além de típica, deve ser contrária as normas jurídicas. Na exata prelação de Francisco de Assis Toledo 25: "Ilicitude é a relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de modo a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado".

Tipicidade, nesse aspecto, é um indício de ilicitude 26. Se não for afastada esta última por nenhuma outra norma, ter-se-á por verificada uma infração penal.

Essa classificação, chamada de bipartida, preceitua que a culpabilidade não integra a figura da infração penal, pois representa o pressuposto 27 de aplicação da pena 28. Vale dizer que a culpabilidade tanto nos delitos dolosos 29 quanto nos culposos possui os mesmos elementos, a saber: imputabilidade, possibilidade de conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa 30.

Todavia, seus elementos são diferentes no que tange ao fato típico de um e de outro.

Assim é que o fato típico doloso 31 é composto de uma conduta dolosa 32, resultado (nos crimes materiais), nexo causal (também exigido nos crimes materiais) e tipicidade. Já o fato típico culposo 33 é constituído de outros elementos, quais sejam: conduta 34 inicial voluntária 35, resultado involuntário 36, nexo causal 37, quebra do dever de cuidado 38 previsibilidade objetiva 39 e tipicidade.

É possível traçar suas disparidades da seguinte forma: conduta dolosa é a vontade e consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal 40; conduta culposa é a imperita 41, negligente ou imprudente 42 que põe em risco ou lesa um bem jurídico, quer dizer, é a ação ou omissão que não corresponde ao comportamento diligente 43 e adequado na vida de relação 44.

Segundo Vincenzo Manzini 45: "O delito culposo é uma conduta voluntária, genérica ou especificamente contrária às leis que deriva como relação de causa e efeito um evento lesivo ou perigoso, previsto pela lei como delito, produzido involuntariamente".

Em outras palavras, essa espécie de delito ocorre pela quebra de um dever de atenção que Bettiol dizia: "determinar um erro vencível a respeito da licitude do fato praticado, vinculado pelo nexo causal de uma conduta voluntária que produz um evento lesivo 46 previsto ou não previsto desde que previsível e que de qualquer modo devia e podia ser evitado" 47.

A culpa 48 é um elemento psicológico-normativo 49, 50. Isto ocorre porque os tipos penais culposos, em sua maioria, são descritos sem definição pormenorizada do comportamento, caracterizando-se como tipos abertos 51 (quando o legislador diz ou dá a entender 52 que se a conduta for culposa haverá infração penal).

Todo tipo aberto deve ser fechado pelo juiz ao apreciar o caso concreto que recorrerá a uma disposição ou norma de caráter geral que se encontra fora do tipo. Assim deve ser feito em virtude da impossibilidade de reconhecimento imediato da infração sem o socorro de outra norma que indique qual era o cuidado devido na circunstância analisada 53.

Como o fato típico culposo pode envolver indeterminadas circunstâncias, o legislador, ciente disso, deixa sua análise a prudente exegese judicial. Se assim não o fizesse e rotulasse apenas condutas corriqueiras, transmutando-as em tipos fechados, o órgão legiferante deixaria impunes os comportamentos olvidados, tornando, estes, atípicos, por ausência de previsão legal.

1.1. DEVER DE CUIDADO

O tipo culposo proíbe uma conduta que é tão final como qualquer outra e assim o faz limitando o comportamento proibido pela violação de um dever de cuidado 54.

Essa violação se apresenta como o componente normativo do tipo objetivo culposo 55. Como diz Zaffaroni: "Não há um dever de cuidado geral, mas a cada conduta corresponde um dever de cuidado" 56.

Quando a doutrina menciona a expressão "elemento normativo", ela quer dizer que esse requisito não é demonstrável em abstrato pelo legislador, dada a impossibilidade 57 de fazê-lo. Por isso que o exame desse elemento está ligado ao caso concreto.

O tipo culposo não se circunscreve, especificamente, na finalidade da conduta, que é dirigida a um objetivo lícito, mas nas conseqüências ilícitas advindas de comportamentos imperitos, imprudentes e negligentes. Necessário, contudo, o destaque de Zaffaroni que observa: "Não é a falta de finalidade de obtenção de um resultado típico o que caracteriza a culpa, e sim que o tipo culposo prescinde totalmente da consideração do fim em si mesmo e apenas o toma em conta para a determinação do dever de cuidado que incumbia ao autor da conduta" 58.

Como preleciona Nélson Hungria: "Culpa é a inconsiderada omissão da diligência comum, de modo a fazer derivar de uma conduta voluntária uma involuntária conseqüência lesiva. Culpa é a imprevidência inescusável, tendo-se em vista o que geralmente acontece" 59.

É no modo que o agente seleciona mentalmente 60 os meios para atingir dada finalidade que se encontra o elemento decisivo para aferição desse delito. O objetivo do agente é permitido e amparado pela lei, porém, por escolher não empregar os deveres elencados pelo ordenamento para que atinja tal desiderato, o direito penal o reprovará, impondo seu caráter repressor 61.

Esclarece Heleno Cláudio Fragoso: "A inobservância do cuidado objetivo exigível conduz à antijuridicidade da ação, à semelhança do que ocorre quando, nos tipos fechados, a tipicidade é indício da antijuridicidade" 62. Não obstante, Zaffaroni se opõe a essa assertiva, pois para ele: "A análise de qual era o dever de cuidado que tinha a seu cargo o agente nada tem a ver com a antijuridicidade da conduta, ainda que, em nível de mero indício ou presunção, como no tipo doloso, em que a tipicidade é um indício ou presunção da antijuridicidade".

Essa construção teórica, formulada por Engisch, é ensinada por Claus Roxin da seguinte maneira: "A ação culposa é aquela realizada sem o cuidado devido, sem aquelas precauções que o homem prudente e consciencioso toma a cada passo de seu dia" 63.

Mostra-nos, assim, que a ilicitude do fato culposo reside no desvalor da ação que praticou o agente 64 e não especificamente no resultado produzido 65. Daí porque, para os finalistas 66, no delito culposo, o desvalor da ação prepondera sobre o desvalor do resultado 67, residindo aquele no modo de realização da conduta que desrespeita as exigências básicas de cuidado formuladas pelo cotidiano 68.

Por seu turno, temos que o princípio geral de direito trazido do direito romano 69 que dizia "não cause dano a outrem" 70 é perfeitamente aplicável ao delito culposo. Isto porque a vida em sociedade exige que seus integrantes atuem em observância aos preceitos regulamentares e costumes a fim de evitar lesões às demais pessoas 71.

Para tanto, são necessárias cautelas e observâncias destacadas tanto do ordenamento jurídico positivo quanto das regras socialmente aceitas. É dizer, se o agente não observa esses comandos e por isso causa ou expõe a dano bem jurídico alheio, incumbe ao Estado repreendê-lo, restabelecendo a paz social.

O contrário, retratado pela ausência de preceitos comportamentais, acarretaria o embargo da vida em comunidade.

Por isso o legislador procura regular as condutas sociais, impondo regras, visando evitar lesões ou exposição a elas. Contudo, é impossível regulamentar todas as possíveis violações de cuidados nas mais diversas atividades humanas, além do que, por vezes, a transgressão aparente de uma norma não significa 72 que o agente tenha agido sem observar a regra aplicável 73.

Essas quebras de cautela são aquelas que derivam da proibição de ações de risco que vão além daquilo que a comunidade organizada está disposta a tolerar 74.

Quando não for possível concluir com base nas regras jurídicas se, em determinado evento, foram observados os cuidados exigíveis, restará a verificação no âmbito do caso concreto, isto é, quais eram os cuidados impostos na circunstância em que ocorreu o fato. Deve-se comparar a conduta do agente com aquela que teria um homem razoável na mesma ocasião 75. Após verifica-se se o agente não acatou alguma regra, faltando com o dever de cuidado objetivo (a todos imposto) o que revelará uma possível conduta imprudente, negligente ou imperita.

A ilicitude se revela na desvalia que se faz da conduta demonstrada no caso concreto para a que teria outro ser humano prudente na mesma ocasião 76. Dessa desvaloração de comportamentos se extrai o dever de cuidado.

1.2. PREVISIBILIDADE

A possibilidade de conhecimento de que um dano ou exposição a ele possa nascer de dado comportamento, recebe o nome de previsibilidade 77, 78.

Previsível é o conhecimento do perigo que a conduta descuidada do sujeito pode criar aos bens jurídicos alheios e a possibilidade de antevê-lo conforme o conhecimento do agente 79.

Consoante Basileu Garcia: "O resultado não é previsto pelo agente 80 – aí está um esclarecimento próprio à generalidade dos casos e útil à compreensão da culpa. Era, contudo, previsível – eis uma essencial condição" 81. Na seqüência assenta: "O que faz com que o agente não preveja aquilo que é previsível é a sua negligência 82, a sua falta de cautela 83.

Para Nélson Hungria: "Existe previsibilidade quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrou, podia, segundo a experiência geral, ter-se representado, como possíveis, as conseqüências lesivas do seu ato. Previsível é o fato cuja possível superveniência não escapa à perspicácia comum" 84.

O que se exige é uma previsibilidade comum, uma antevisão alcançável por qualquer ser humano normal 85. Ausente a previsibilidade, será afastada a culpa, pois não se exige da pessoa uma atenção extraordinária e fora do razoável 86.

Até porque se o agente desenvolve a atenção necessária, mas mesmo assim produz um evento lesivo, tal acontecimento não lhe poderá ser imputado diante da ausência de previsibilidade (elemento estruturante do delito) 87.

De maneira que, é a previsibilidade que une o psíquico do indivíduo e ao evento. Pelo resultado previsível responderá o agente. Fora dele, penetra-se nos domínios do fortuito, onde a responsabilidade penal perde sentido 88.

A previsibilidade objetiva consiste em apurar se o agente podia se comportar de modo distinto daquele que efetivamente realizou. Se podia e o fato era previsível, presentes os demais requisitos, houve infração. Já a previsibilidade pessoal (subjetiva) do agente, segundo suas características íntimas, condiciona a reprovabilidade da conduta, restando limitada ao exame da culpabilidade 89.


2. O RESULTADO CULPOSO

Como vimos 90, o resultado 91 é mencionado de forma uníssona pela doutrina como sendo um dos elementos do fato típico culposo 92. Este posicionamento não passou despercebido das escolas penais 93, ensejando veementes críticas da escola clássica. Para ela, a teoria final da ação, em princípio, não apreendeu 94 corretamente o delito culposo 95.

Apesar de o delito culposo ser uma responsabilidade excepcional, isso não significa que nele inexista ação finalista 96. Até mesmo porque não falta totalmente um fim à vontade, por não ser concebível um querer que não tenha fim algum 97.

Mais uma vez, ensina Zaffaroni: "No dolo, o típico é a conduta em razão de sua finalidade, enquanto na culpa, é a conduta em razão do planejamento da causalidade para a obtenção da finalidade proposta" 98.

O que difere o delito culposo é que sua finalidade se dirige a realização de um evento não proibido pela lei penal. O autor procura atingir um resultado diverso daquele que efetivamente produz. Tanto que se o agente previsse como certo o resultado diverso, aderindo a ele, aventar-se-ia na ocorrência de dolo eventual. Para que isto não ocorra, o autor deve abster-se de agir naquela direção e renunciar à atuação do fim lesivo previsto.

Logo a causalidade no delito culposo não é mecânica 99 mas uma causalidade que podia ser evitada pelo agente se tivesse examinado com maior atenção a situação concreta em que atuou.

Para aferir a responsabilidade de um delito culposo não se deve ater a quem deu causa ao evento, porque ela é indiferente aos seus participantes. Quando dois veículos se chocam em um cruzamento [100], ambos deram origem ao evento, mas só o motorista que rompeu ao dever de cuidado – sendo a ele previsível a ocorrência final - terá responsabilidade penal.

Desse modo, para a maioria dos juristas [101] só existe delito culposo material [102]. Ou seja, ao asseverar-se que o resultado está presente em toda a infração culposa, não sobraria espaço para ocorrência do delito culposo formal e muito menos para o de mera conduta [103]. Damásio leciona: "Sem o resultado não há falar-se em crime culposo. Neste caso, ou a conduta inicial constitui infração em si mesma ou é um indiferente penal" [104]. Já Mirabete: "Se, apesar da ação descuidada do agente, não houver resultado lesivo, não haverá crime culposo" [105].

Para essa augusta corrente o resultado é elemento indispensável para configuração do delito culposo.

Necessário, então, passarmos ao exame dessa imprescindibilidade.

Há uma corrente [106] que preconiza pela limitação dos elementos objetivos do tipo culposo, excluindo-se o resultado. Para ela, o resultado deixa de exercer função constitutiva do tipo, passando a figurar como condição objetiva de punibilidade [107], [108], [109].

Seriam reduzidos os elementos objetivos do tipo culposo que passaria a conter em sua estrutura: conduta voluntária realizada sem diligência exigível, previsibilidade objetiva, involuntariedade concernente à concreção do evento e tipicidade.

O resultado encontrar-se-á fora do tipo. A desvalia do resultado estaria afeta ao exame externo do tipo, sendo sua existência uma condição para o Estado punir o agente. E isso se daria por motivos de política criminal, evitando a repreensão de condutas que sequer concretizaram qualquer resultado danoso à sociedade.

Para essa linha de intelecção, a condição objetiva de punibilidade impõe a dependência da conduta culposa ao aperfeiçoamento de circunstância não encontrada em seus elementos. Havendo conduta imperita, imprudente ou negligente, o resultado funcionaria como condição externa para gerar o delito.

A infração culposa seria condicional.

Sobre o tema manifestou-se Nélson Hungria: "Não se deve esquecer que, no crime culposo, a imputação psíquica diz respeito à conduta causal, e não ao seu efeito objetivo, que é apenas condição de punibilidade" [110]. Para ele: "Via de regra, a efetiva lesão do interesse ou bem jurídico (evento dano) é condição à punibilidade do crime culposo; mas, excepcionalmente, basta a simples possibilidade de dano [111] (evento de perigo)" [112].

Contra esse posicionamento [113], existem os que defendem que o resultado exerce função constitutiva do delito culposo, entendimento que abarcamos.

Certo é que toda ação contrária ao dever de cuidado será antinormativa, indiferentemente se concretiza ou não um resultado [114].

Ao incluir o resultado nos elementos constitutivos do fato típico culposo, ele passa a ser um limitador que o ordenamento jurídico penal deve observar para incriminar ou não a conduta.

Isso se justifica, pois o legislador só pode tipificar condutas culposas a partir de um resultado por ele previsto. Explica-se a essencialidade do resultado como função política garantidora [115] que deve orientar o legislador na elaboração do tipo penal [116]. Assim, a dosimetria da pena (mínimo e máximo) é auferida de acordo com a maior ou menor desvalia do resultado frente ao bem jurídico atingido [117].

Luiz Luisi sustenta que: "O resultado exerce função de garantia, integrando o tipo culposo, para garantir aos cidadãos a mais ampla proteção contra o arbítrio judicial" [118]. O fundamento está na função do Tatbestand [119], cuja missão é justamente definir e caracterizar com maior precisão possível o delito.

A corroborar o catedrático sulista encontra-se Aníbal Bruno para quem: "O resultado é um elemento integrante do tipo; se deixa de existir, fica sem fundamento a idéia do crime e o ato inicial, se não é em si mesmo punível, torna-se um nada para o Direito Penal" [120].

Por sua vez, Heleno Cláudio Fragoso ensina que: "A ação delituosa proibida é a que se realiza com negligência, imprudência ou imperícia em violação ao dever objetivo de cuidado que conduz ao resultado que configura o delito" [121].

O mesmo autor, citando Hans Welzel, enfatiza: "A ação será ilícita à medida que viole o cuidado exigido na vida de relação. O elemento decisivo na ilicitude do fato culposo reside no desvalor da ação e não do resultado" [122]. Adiante, arremata: "O resultado é elemento do tipo dos crimes culposos e não condição objetiva de punibilidade. E isto porque a previsibilidade do resultado constitui elemento fundamental para a ilicitude e a culpabilidade dos crimes culposos" [123].

Mas coloca no devido lugar esse elemento: "A simples causação do resultado não é bastante para que se afirme a tipicidade do crime culposo, que substancialmente reside na ação (ou omissão) que desatende ao cuidado objetivo" [124].

Já Zaffaroni [125] preleciona que o estudo do tema a partir do resultado está equivocado por sobrevalorar sua função que nada mais é do que delimitar o alcance da proibição. O resultado, para ele, é um delimitador da tipicidade objetiva culposa que responde à própria função garantidora exigida num sistema de tipos legais [126].

De modo que o resultado não pode ser encontrado fora do tipo culposo, nem se pode pretender que ele seja uma condição objetiva de punibilidade.

O resultado é uma limitação à tipicidade objetiva que se encontra dentro do tipo culposo [127].

Com essa premissa, podemos seguir e verificar se o sistema penal pátrio reconhece a presença ou não dos delitos culposos de atividade. Nélson Hungria [128] alumiou a respeito: "Nem sempre a efetiva lesão do interesse ou bem jurídico (evento de dano) é condição necessária do crime culposo, bastando a simples possibilidade de dano (evento de perigo)".

Essa possibilidade foi encontrada na famigerada "tentativa culposa" [129] que nada mais é que um delito culposo de perigo, até porque a tentativa se define pelo fim, enquanto a culpa se retrata pela maneira com que se escolhe e se dispõe dos meios. [130]

Como regra, então, temos o resultado como pressuposto para existência [131] do delito culposo material, mas o legislador pode criar exceções com figuras típicas específicas [132] em que a produção naturalística é descartada. Neste caso, a concreção típica dependerá apenas do perigo gerado ao bem jurídico [133].

Cabe ao poder legiferante a escolha de positivar o resultado ou apenas o perigo de dano. Alocados no ordenamento, ambos serão elementos integrantes do tipo culposo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ponto de partida para o estudo do tipo culposo não deve ser o resultado. É preciso, primeiramente, elencar seus elementos, decompô-los e discuti-los para extrair suas correlatas funções.

Nesse processo intelectivo, deve ser avaliada, com prioridade, a violação do dever de cuidado, uma vez que os meios escolhidos pelo agente para agir serão decisivos na análise dos demais elementos. Afinal, sem comportamento descuidado, imperito ou imprudente não se vislumbra qualquer possibilidade de ocorrência de um evento culposo.

Constatada a quebra do dever de cuidado, se verifica, na seqüência, se o agente tinha ou não previsão do resultado, porquanto quem não pode prevê-lo sequer sabe qual a diligência a ser obedecida. Por fim, caberá questionar qual a função que exerce o resultado na concreção desse delito excepcional.

Esta pesquisa possibilitou concluir que o resultado integra o fato típico culposo como um de seus elementos, por força da política garantidora oriunda do nosso vigente Estado democrático de Direito. Nesse regime, a atividade repressora estatal encontra-se cercada de limitações pró-indivíduos para coibir arbítrios e desmandos por parte dos poderes constituídos.

Logo, violado o dever de cuidado que era previsível ao agente, somente haverá infração penal se dele sobrevier um resultado naturalístico (delito culposo material) ou um perigo de dano (delito culposo de atividade). Do contrário, a conduta remanescerá, apenas e eventualmente, na esfera da responsabilidade civil ou administrativa, visto que, ausente um evento danoso, o ilícito penal não se aperfeiçoa, diante da atipicidade por ausência de elemento necessário.

O que se coloca é o resultado como condição caracterizadora do delito culposo, sem o qual o fato será indiferente para o direito repressivo. Mas esta assertiva comporta a seguinte reserva: o resultado é essencial tão-somente para a configuração do delito culposo material.

Como vimos, ao contrário do que propõe a doutrina dominante, o ordenamento penal prevê, além do delito culposo material (como regra), o tipo culposo formal e o tipo culposo de mera conduta (como exceções do sistema). Nestas raras espécies, o fato típico culposo é composto apenas de agir voluntário negligente, imperito ou imprudente, quebra do dever de cuidado, previsibilidade, perigo de dano e tipicidade, prescindindo, pois, do resultado naturalístico.

Por seu turno, a garantia da pessoa humana, no que diz respeito ao delito culposo formal e ao de mera conduta, reside na exigência de criação de uma situação de perigo descrita na norma penal. Esse perigo integra tais tipos penais como requisito de suas estruturas, sob pena de atipicidade.

O reconhecimento da existência de delitos culposos formais e de mera conduta não prejudica a função garantidora do Estado, posto que, se a função do resultado é justamente definir a infração com a maior precisão factível, o órgão legiferante poderá, sem embargo, dispensá-lo para algumas modalidades, desde que elenque, em substituição ao resultado naturalístico, uma situação de perigo.


REFERÊNCIAS

BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Tradução e notas de Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, vols. I e II.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1.

BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri: Manole, 2007.

BRASIL. Código Penal; Código de Processo Penal; Constituição Federal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2002.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

CARNELUTTI, Francesco. Teoría general del delito. Tradução Victor Conde. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1952.

COMPARATO, Fábio Konder. Obrigações de meios, de resultado e de garantia. RT 386/33.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: breves comentários ao Código. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

DELMANTO, Celso et alii. Código penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Bushatsky, 1977.

FRANCO, Alberto Silva et alii. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

_________________________. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. vols. II e V, tomos 2º e 6º.

GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1976. v. I, tomo I.

JESUS, Damásio E. Direito penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1.

_______________. Código penal anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

_______________. Crimes de trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito (Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

_______________. Comentários ao código penal: parte geral de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984. São Paulo: Saraiva, 1985, 1º volume.

LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Fabris, 1987.

MICHAELIS. Dicionário Escolar Alemão. Autoria: Alfred Josef Keller. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/escolar/alemao/index.php> Acesso em: 17 set 2007.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

______________________. Manual de direito penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1999. v. 1.

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. v. 1.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral e parte especial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

PEREIRA, Leonardo D’Angelo Vargas. O legislador eleiçoeiro. Jornal Cruzeiro do Sul. Sorocaba, p. A-2, 03 de agosto de 2007.

ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Tradução de Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.

SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Evolução histórica do direito brasileiro. Disponível em: <https://www.unb.br/fd.colunas_prof/carlos_mathias/anterior_26.htm> Acesso em: 07 agosto 2007.

TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

SOLER, Sebastián. Derecho penal argentino. Córdoba: El Ateneo, 1940, tomo II.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

________________________________________________. Da tentativa: doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.


NOTAS

  1. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri: Manole, 2007, p. 113.

  2. PEREIRA, Leonardo D’Angelo Vargas. O legislador eleiçoeiro. Jornal Cruzeiro do Sul. Sorocaba, p. A-2, 03 de agosto de 2007.

  3. Bettiol, inclusive, atribui ao crime culposo o epônimo de delito "coxo" que se move sobre um par de muletas, pois procede às cegas rumo a simples realização causal de um evento. Cf. BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Tradução e notas de Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, v. II, p. 115.

  4. Quem fez essa mesma observação foi Alberto Silva Franco, para quem o dolo e a culpa não receberam da doutrina, em igual medida, o mesmo interesse exploratório. E isso seria justificado à medida que o delito doloso exprimia uma maior gravidade, fato gerador de sua preferência, deixando o crime culposo numa posição secundária. Cf. FRANCO, Alberto Silva et alii. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 215.

  5. CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2002, p. 177.

  6. Sua criação visou, inicialmente, resolver os problemas dos cursos causais imprevisíveis.

  7. ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Tradução de Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 44-46.

  8. Ação ou omissão.

  9. BINDING, Karl apud GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1976, v. I, tomo I, § 60, p. 194; CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 114; JESUS, Damásio E. Direito penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 153.

  10. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro 1988. Art. 5º (...) XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; (...). BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848/40. Código Penal. Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.688/41. Lei das Contravenções Penais. Art. 1º Aplicam-se às contravenções as regras gerais do Código Penal, sempre que a presente Lei não disponha de modo diverso.

  11. DELMANTO, Celso et alii. Código penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 4; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral e parte especial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 182; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1999, v. 1, p. 101; JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 226.

  12. A ausência de meios que possibilitem a previsibilidade do resultado gera aticipidade da conduta. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 490.

  13. A ação e o resultado estão ligados pelo nexo causal que, embora os dois últimos não façam parte da conduta, estão intimamente ligados. Assim, buscando um conceito que evocasse os três fenômenos, alguns estudiosos o caracterizaram, chamando-o de pragma, termo de origem grega, com que vários filósofos designam precisamente a ação que inclui o que por ela foi alcançado. Cf. HEIDEGGER, SZILAZI, RICOUER e BINSWANGER apud ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 397.

  14. O evento naturalístico, isto é, o resultado, é elemento dessa figura que se exterioriza no mundo físico. No crime material, o tipo descreve a conduta do agente e a modificação no mundo exterior causada por ela. Tanto a conduta quanto a alteração produzida são requisitos necessários para sua configuração. Cf. JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 190-191. Muito importante para o desenvolvimento deste ensaio foi a lição de Nucci que reconhece ter o legislador optado pelo critério jurídico do resultado, mas a doutrina nacional se utiliza do sistema naturalístico para diferenciar crimes de atividade (formais e de mera conduta) e de resultado (materiais). Cf. NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 194. De modo que, na linha de pensamento do renomado autor, utilizamos o termo resultado como referência ao evento naturalístico.

  15. Correspondência formal entre o fato humano e o que está descrito no tipo, desde que presentes dolo ou culpa. Cf. CAPEZ, Fernando, ob. cit., p. 187. Tipicidade é a adequação do fato da vida real ao modelo descrito abstratamente em lei. Em outras palavras, tipicidade é instrumento de adequação, enquanto o fato típico é a conclusão desse processo que exige conduta, nexo causal, resultado e tipicidade. Cf. NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 183.

  16. Muito utilizada na Alemanha é a expressão Tatbestand que tinha, no passado, um significado processual, dada sua equivalência ao vocábulo corpus delicti. Atualmente, é empregada ora para exprimir a tipificação legal dos delitos, ora para expressar um sentido complexo de tipo que se subdivide em parte objetiva e em outra parte subjetiva. Cf. BELING, Ernst e MAURACH, Reinhart apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 135. Para Nélson Hungria o termo correto seria Tatbestandsmässigkeit, quando objetiva-se expressar a palavra tipicidade. Cf. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. I, § 75, p. 141. Já Bettiol ensina que a noção técnica de Tatbestand deveria cuidar do princípio da legalidade, mas que, pouco tempo depois, o termo foi elevado ao campo das abstrações quando se pretendeu delinear o quadro dominante do crime. Para esta corrente, qualquer tipo particular de crime consta de diversos elementos – objetivos e subjetivos – que não se acham desorganizados, mas encontram sistematização harmônica num quadro representativo abstrato, também chamado quadro diretivo ou dominante (Leitbild). Este quadro dominante é, portanto, o Tatbestand legal do tipo particular de crime. Cf. BETTIOL, Giuseppe, ob. cit., v. I, p. 262-263. No léxico germânico, a expressão ganha a seguinte denotação: Bestand. Be.stand. Sm, Bestände: 1 existência, duração. 2. acervo, estoque. 3. plantel. Tat. Tat. Sf, -en: 1 ato, ação. 2. crime, delito. Auf frischer Tat ertappen: pegar em flagrante. In der Tat: de fato, realmente. Cf. MICHAELIS. Dicionário Escolar Alemão. Autoria: Alfred Josef Keller. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/escolar/alemao/index.php> Acesso em: 17 set 2007.

  17. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ob. cit., p. 422.

  18. Não tratamos, neste momento, do conceito de crime, seja sob o aspecto material, formal ou analítico.

  19. MIRABETE, Julio Fabbrini, ob. cit., p. 98.

  20. Dolo ou culpa, uma vez que foram eliminados – ou, melhor, houve tentativa de fazê-lo - os resíduos de responsabilidade objetiva na Reforma Penal de 1984. BRASIL. Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal (Lei n. 7.209, de 11-7-1984). Item 18.

  21. WELZEL, Hans apud NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 159.

  22. Que visa conceituar o crime sob o aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista legal.

  23. Crime é o conjunto dos pressupostos da pena. Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio, ob. cit., § 206, p. 236.

  24. Preferimos a nomenclatura ilicitude ao invés de antijuridicidade. Cf. TOLEDO, Francisco de Assis, ob. cit., p. 159; CARNELUTTI, Francesco. Teoría general del delito. Tradução Victor Conde. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1952, p. 18.

  25. TOLEDO, Francisco de Assis, ob. cit., p. 163.

  26. De acordo com a concepção de Mayer que idealizou a fase do caráter indiciário da ilicitude ou da ratio cognoscendi. Por essa teoria a tipicidade deixa de ter função meramente descritiva, representando um indício da ilicitude. Embora se mantenha a independência entre tipicidade e ilicitude, admite-se ser um indício da outra. Logo, com a ocorrência do fato típico ter-se-á presumidamente a ilicitude. Tal presunção, porém, se mostra relativa (iuris tantum), por admitir prova em contrário. Também, por esse mesmo raciocínio, pode-se reconhecer a presença de elementos normativos e subjetivos no tipo penal. Cf. ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 1, p. 89; CAPEZ, Fernando, ob. cit., p. 188-189.

  27. Contra essa posição está Nucci, para quem a culpabilidade é fundamento e limite da pena, integrativa do conceito de crime e não mero pressuposto da pena, como se estivesse fora da conceituação. Cf. NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 274.

  28. JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 151.

  29. Essa modalidade de delito é a regra do ordenamento, admitindo-se a culposa somente quando expressamente prevista junto ao tipo.

  30. MIRABETE, Julio Fabbrini, ob. cit., p. 197-198.

  31. Dolo é a vontade livre e conscientemente dirigida ao resultado antijurídico ou, pelo menos, aceitando o risco de produzi-lo. Cf. HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955, vol. I, tomo 2º, § 72, p. 111.

  32. BRASIL. Código Penal. Art. 18. Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; (...)

  33. Culpa é a omissão de atenção, cautela ou diligência normalmente empregada para prever ou evitar o resultado antijurídico. No dolo, ação (ou omissão) e resultado são referíveis à vontade; na culpa, de regra, somente a ação (ou omissão). Cf. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., p. 111.

  34. BRASIL. Código Penal. Art. 18. Diz-se o crime: II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

  35. O agente que se coloca, por sua vontade, numa posição inicial inteiramente lícita, não quer produzir nenhum ilícito.

  36. Que à frente discutiremos sua real significação como elemento do fato típico culposo.

  37. Para aqueles que só reconhecem a ocorrência do fato típico culposo quando houver produção de um resultado.

  38. Em poucas palavras se caracteriza pela ausência de observância e cuidado as regras básicas de atenção e cautela.

  39. Citando esses elementos a doutrina majoritária: FRAGOSO, Heleno Cláudio, ob. cit., §§ 209-211, p. 243-247; GARCIA, Basileu, ob. cit., §§ 81-84, p. 258-266; MIRABETE, Julio Fabbrini, ob. cit., p. 145. e 160; NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 217; JESUS, Damásio E.. Código penal anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 62; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 244-230; HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. I, tomo 2º, p. 180-204; ESTEFAM, André, ob. cit., v. 1, p. 94; TOLEDO, Francisco de Assis, ob. cit., p. 288-301; NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, v. 1, p. 139; JESUS, Damásio Evangelista de. Comentários ao código penal: parte geral de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984. São Paulo: Saraiva, 1985, 1º volume, p. 324; CAPEZ, Fernando, ob. cit., p. 207; JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, 1º Volume, p. 294-295; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: breves comentários ao Código. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p. 48. Contra, trazendo nova configuração do delito culposo com base na doutrina alemã está Juarez Cirino dos Santos que reconhece a presença de dois elementos que se relacionam. Em primeiro lugar, elenca a lesão do dever de cuidado objetivo, com a criação de risco não permitido, isto é, o desvalor da ação; em segundo lugar, o resultado de lesão do bem jurídico, como produto da violação do dever de cuidado objetivo ou realização de risco não permitido, ou seja, o desvalor de resultado. Cf. SANTOS, Juarez Cirino dos, ob. cit., p. 102-103.

  40. CAPEZ, Fernando, ob. cit., p. 198.

  41. A inserção da imperícia como tertium genus não deixou de receber críticas da doutrina. Assim é que Antonio Luís Chaves Camargo dispõe que o Código Penal brasileiro de 1984, além da imprudência e negligência, até de modo equivocado, prevê a imperícia como um modo de ocorrência da culpa stricto sensu. Esta última, na atualidade, não pode ser considerada isoladamente, isto porque nada mais é do que uma modalidade de imprudência. Cf. CAMARGO, Antonio Luís Chaves, ob. cit., p. 177. No mesmo sentido Nélson Hungria, ao dizer que a imperícia não é mais do que uma forma especial de imprudência ou negligência: é a inobservância, por despreparo prático ou insuficiência de conhecimentos técnicos, das cautelas específicas no exercício de uma arte, ofício ou profissão. Cf. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. V, tomo 6º, § 32, p. 184.

  42. Essa tricotomia denota a rejeição a teoria de Stoppato ou da causa eficiente (também chamada objetiva ou dos meios antijurídico). O Código Penal adotou, portanto, o critério da previsibilidade como linha de fronteira entre a culpa e o caso fortuito. Cf. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. I, tomo 2º, § 77, p. 180-181.

  43. (...) al buscar el contenido de la culpa no bastará decir, como com frecuencia se dice, que ella existe cuando no se ha previsto um resultado previsible. La previsibilidad es um criterio exterior, objetivo, que constituirá, si se quiere, el motivo por el cual el hecho culposo se imputa. Para saber qué es subjetivamente la culpa no podemos decir que sea la previsibilidad ni menos no haver previsto, porque tampoco ha previsto el que no es culpable. (...) El delito culposo, em cambio, es la violación de otro deber distinto, que está antes de la norma que prohibe matar, deber por el cual se prohiben otras acciones, distintas de la de matar, por el peligro que ellas entrañam genéricamente para el bien principal tutelado que, en el caso, es la vida. Son normas de prudencia contenidas generalmente en las reglamentaciones de polícia y en otras ordenaciones que rigen la vida en común. SOLER, Sebastián. Derecho penal argentino. Córdoba: El Ateneo, 1940, tomo II, p. 119. e 124.

  44. JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 236.

  45. MANZINI, Vincenzo apud BETTIOL, Giuseppe, ob. cit., v. II, p. 113-114.

  46. Adiante demonstraremos a prescindibilidade desse elemento no fato típico culposo, mas, por ora, fica a excelente definição do jurista italiano.

  47. BETTIOL, Giuseppe, ob. cit., v. II, p. 123.

  48. La inobservancia del cuidado objetivo pertenece a lo injusto de los delitos culposos. Cf. tradução de WELZEL, Hans apud JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 236.

  49. Psicológico porque decorre de uma conduta voluntária desatenciosa.

  50. JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 205; ESTEFAM, André, ob. cit., p. 94.

  51. Os tipos abertos devem ser preenchidos ou completados por uma valoração judicial e, por isso, não apresentam o mesmo rigor de definição dos tipos dolosos. Cf. SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 99. O tipo aberto é o que deve ser completado (fechado) pelo juiz, recorrendo a uma disposição ou norma de caráter geral que se encontra fora do tipo. O tipo aberto, por si mesmo, resulta insuficiente para individualizar a conduta proibida. Isto é o que acontece com os tipos culposos: não é possível individualizar a conduta proibida se não se recorre a outra norma que nos indique qual é o "cuidado devido" que tinha o sujeito ativo. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ob. cit., p. 483.

  52. Como exemplo: BRASIL. Lei das Contravenções penais. Art. 29. Provocar o desabamento de construção ou, por erro no projeto ou na execução, dar-lhe causa: Pena – multa, se o fato não constitui crime contra a incolumidade pública. BRASIL. Código Penal. Art. 180. § 3º Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporçao entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas as penas.

  53. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ob. cit., p. 483.

  54. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ob. cit p. 484.

  55. Idem, p. 487.

  56. Idem, p. 484.

  57. Desde que atento a ressalva de Zaffaroni no sentido que as atividades regulamentadas, como a condução de veículos automotores, vêm acompanhadas dos respectivos deveres de cuidado que, violados, acarretam um indício de violação do dever de cuidado penal. Logo, quem dirige por uma estrada em excesso de velocidade viola um dever de cuidado, mas não haverá homicídio culposo se atropela o suicida que se joga à frente do veículo, pulando de uma a’rvore frondosa existente à margem da pista, porque, ainda que não tivesse excedido a velocidade prudente, não teria conseguido frear e nem esquivar-se do sujeito. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 487-488.

  58. Ibidem, p. 492.

  59. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. V, tomo 6º, § 31, p. 177-178.

  60. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 485.

  61. Com a seguinte observação de que a mera infração destas normas não caracteriza, por si só, um crime culposo, pois sua violação é apenas um indício para a constatação da culpa, exigindo um exame, também, do risco criado ou incrementado, ainda porque o cumprimento específico das regras de tráfego não exclue a criação de riscos. Cf. CAMARGO, Antonio Luís Chaves, ob. cit., p. 178.

  62. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Bushatsky, 1977, § 209, p. 243.

  63. ROXIN, Claus, ob. cit., p. 43.

  64. MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, ob. cit., p. 145.

  65. A realidade conduziu o Direito a uma situação-limite: ou proibia as atividades perigosas e estancava, com isso, o progresso, tornando impraticável a vida de relação ou as admitia, embora perigosas ou até mesmo lesivas (como, por exemplo, as intervenções cirúrgicas) quando se mostrassem imprescindíveis ao desenvolvimento normal da humanidade. É evidente que a solução encontrada pelo ordenamento jurídico foi a de autorizar a realização das atividades perigosas. Mas não seria admissível uma autorização pura e simples, ilimitada, pois, nesse caso, nem o indivíduo, nem a sociedade, ficariam livres de perturbações e de conseqüências de extrema gravidade. A permissão teria de ser obrigatoriamente condicionada: as atividades perigosas, além de estarem voltadas a um fim justo, deveriam ser praticadas com o necessário cuidado. Dentre desse novo contexto, não se acomodava mais o conceito clássico de crime culposo. O eixo do crime culposo não poderia mais centrar-se na simples causação de um resultado, mas, sim, no desvalor da ação, ou melhor, na forma ou modo de sua realização. Cf. FRANCO, Alberto Silva et alii, ob. cit., p. 215-216.

  66. Luís Greco reconhece, porém, que os finalistas nunca conseguiram apreender o delito culposo através da categoria ontológica da finalidade. Cf. ROXIN, Claus, ob. cit., nota 90, p. 43. Isto ocorre diante da colidência do não querer a produção do resultado típico ante o agir finalista do homem. Antonio Camargo enaltece que houve necessidade de passar o desvalor da conduta ao tipo. Assim, os tipos culposos compreendem uma ação final em relação às conseqüências intoleráveis socialmente, que o agente confia que não se produzirá, ou não pensa na ua produção, apesar de ter sido executada, sem observância do dever de cuidado. Cf. CAMARGO, Antonio Lúis Chaves, ob. cit., p. 177.

  67. Nota-se, já neste instante, que o resultado culposo pode advir de um perigo de dano. Haveria, então, nesse prisma, delitos culposos de atividade? Infrações culposas de comportamentos que se esgotam pela descrição típica, havendo ou não resultado naturalístico?

  68. ROXIN, Claus, ob. cit., p. 42-43.

  69. Honeste vivere (viever honestamente), alterum non laedere (não causar dano a outrem) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu).

  70. Neminem laedere.

  71. O ordenamento jurídico conhece dois tipos de dever. Há o dever geral imposto a todos no interesse da coletividade, e que constitui a contrapartida exata dos direitos absolutos: neminem laedere, suum cuique tribuere, E há o dever especial, que incumbe a uma pessoa determinada em relação a outra pessoa também determinada: trata-se de um dever temporário e limitado, não só quanto aos sujeitos como em relação ao objeto. Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Obrigações de meios, de resultado e de garantia. RT 386/33.

  72. Trata-se do clássico exemplo do agente que conduz regularmente seu automóvel, em via pública, mas um suicida se joga em frente do carro, fato gerador de sua morte instantânea. Neste caso, um ser humano morreu em virtude de comportamento alheio, isto é, houve destruição do homem (de hominis excidium), mas não houve o crime de homicídio (ocisão violenta de um homem injustamente praticada por outro homem – violenta hominis caedes ab homine injuste patrata) doloso ou culposo, posto ter ocorrido o rompimento do nexo causal (caso fortuito), bem como houve, por parte do agente, a estrita observância do dever de cuidado objetivo exigido nessa circunstância (habilitação para o ato, velocidade compatível com o local, veículo em perfeitas condições de uso etc.). As expressões latinas foram observadas em HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955, vol. V, tomo 6º, § 5, p. 27.

  73. MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, ob. cit., p. 146.

  74. TERRAGNI, Marco Antonio apud NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 217.

  75. MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, ob. cit., p. 146.

  76. A ilicitude nos crimes culposos surge pela discrepância entre a conduta observada e as exigências do ordenamento jurídico com respeito à cautela necessária em todo comportamento social, para evitar dano aos interesses e bens de terceiros. A culpa está em função da reprovabilidade da falta de observância, por parte do agente, nas circunstâncias em que se encontrava, do cuidado exigível, ou seja, da diligência ordinária ou especial a que estava obrigado. Cf. Exposição de Motivos do Código Penal de 1969. Decreto-Lei n. 1.004, de 21 de outubro de 1969. Item n. 10. A redação do tipo culposo era a seguinte: Art. 17. Diz-se o crime: (culpabilidade) I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, a atenção ou a diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo. Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Excepcionalidade do crime culposo). Importante ressaltar que o código de 1940, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942 (art. 361), chegou a ser revogado pelo código penal de 1969. Ocorre que este código teve o início de sua vigência prorrogado várias vezes e acabou sendo revogado em 1978, sem jamais entrar em vigência. Vigorando continuou o código de 1940, cuja parte geral foi, então, alterada pela Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984. Cf. SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Evolução histórica do direito brasileiro. Disponível em: <https://www.unb.br/fd.colunas_prof/carlos_mathias/anterior_26.htm> Acesso em: 07 agosto 2007. Por fim, merece destaque que tanto o Código de 1969, quanto o de 1940 (reformado em 1984), adotou a teoria da excepcionalidade do crime culposo, o que não é regra no direito alienígena, uma vez que certos códigos dispõem sobre um "delito de culpa" (crimen culpae), admitindo a qualquer tipo a assunção de forma culposa, prescindindo de previsão expressa a respeito. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ob. cit., p. 483.

  77. Interessante é a lição de Celso Delmanto a respeito que separa os elementos de acordo com a escola adotada: enquanto o dolo gira em torno da vontade e finalidade do comportamento do sujeito, a culpa não cuida da finalidade da conduta (que quase sempre é lícita), mas da não-observância do dever de cuidado pelo sujeito, causando o resultado e tornando punível o seu comportamento. A culpa comporta dois conceitos distintos, conforme a doutrina adotada. 1. Teoria finalista: pela escola que a reforma penal de 84 adotou, a culpa fundamenta-se na aferição do cuidado objetivo exigível pelas circunstâncias em que o fato aconteceu, o que indica a tipicidade da conduta do agente. A seguir, deve-se chegar à culpabilidade, pela análise da previsibilidade subjetiva, sito é, se o sujeito, de acordo com sua capacidade pessoal, agiu ou não de forma a evitar o resultado. 2. Teoria clássica: por ela, a culpa baseia-se na previsibilidade do resultado. Assim, haveria crime culposo quando o sujeito, não empregando a atenção e cuidado exigidos pelas circunstâncias, não previu o resultado de seu comportamento ou, mesmo prevendo, levianamente pensou que ele não aconteceria. Cf. DELMANTO, Celso et alii, ob. cit., p. 34.

  78. A previsibilidade é como que a última Thule (em tempos idos, era o termo que designava o extremo limite setentrional do mundo conhecido, correspondia à Islândia; também empregado por poetas para significar a última esperança) da responsabilidade por culpa. Cf. BETTIOL, Giuseppe, ob. cit., v. II, p. 123. e nota 26, p. 336.

  79. MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, ob. cit., p. 147.

  80. Aqui podemos extrair a diferença entre culpa consciente e inconsciente. Nesta – que é a regra - o agente não prevê o resultado que, não obstante, era inteiramente previsível a qualquer outra pessoa de diligência normal. Naquela – que é exceção - o agente prevê o resultado (fala-se em previsão, elemento ainda mais concreto que a previsibilidade da culpa inconsciente), mas espera, sinceramente, que ele não ocorra, acreditando que pode evitá-lo. Basileu Garcia informa que a culpa consciente seria uma espécie sui generis de culpa, a qual os escritores franceses chamam de faute avec prévoyance. Cf. GARCIA, Basileu, ob. cit., § 83, p. 264.

  81. GARCIA, Basileu, ob. cit., § 81, p. 259.

  82. O autor utiliza a expressão "negligência" como substrato para ministrar todo comportamento culposo.

  83. GARCIA, Basileu, ob. cit., § 81, p. 259.

  84. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., § 31, v. V, tomo 6º, p. 181.

  85. Esse homem modelo ou comum (cuja expressão também vale para aferir o dever de cuidado objetivo) não se refere a qualquer pessoa, como são dotados os cidadãos médios. O homem modelo é aquele, na circunstância estudada, realizaria a mesma atividade do sujeito cuja conduta se julga. Cf. TERRAGNI, Marco Antonio apud NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 218. A diferença se revela à medida que o modelo utilizado nessa comparação não é imperito, negligente ou imprudente, pois age em observância ao dever de cuidado objetivo. Damos realce a essa observação. Deve ser esquecida aquela antiga regra que previa a conduta do "homem médio". No delito culposo, quando se remete as regras sociais de cuidado, de modo algum significa que o faça referindo-se a fórmulas gerais, como a do "homem normal", o "reasonable man" dos anglo-saxões ou o "bom pai de família dos civilistas". Como adverte Zaffaroni, estas fórmulas gerais de nada servem, porque o dever de cuidado deve ser determinado de acordo com a situação jurídica e social de cada homem. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 487.

  86. NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 217.

  87. BETTIOL, Giuseppe, ob. cit., v. II, p. 121.

  88. NORONHA, E. Magalhães, ob. cit., § 81, p. 139

  89. FRAGOSO, Heleno Cláudio, ob. cit., § 209, p. 244.

  90. Vide nota n. 40.

  91. Todo crime tem resultado jurídico ou normativo porque sempre agride um bem jurídico tutelado. O que nem todos os crimes possuem é resultado naturalístico, isto é, a modificação provocada no mundo exterior pela conduta. Daí se afirmar que os crimes podem ser materiais, formais e de mera conduta. Cf. CAPEZ, Fernando, ob. cit., p. 154.

  92. A culpa consiste em imprudência, negligência ou imperícia como causa do resultado. Cf. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. I, tomo 2º, § 77, p. 181. Ou ainda: a culpa não se esgota na violação do cuidado devido (desvalor da ação); é preciso a causação do resultado lesivo e um nexo entre a ação descuidadosa e a lesão (desvalor do resultado). Essa construção do ilícito culposo – violação do cuidado objetivo adicionada à causação da lesão e ao nexo de antijuridicidade consolidou-se de modo bastante extenso. Cf. ROXIN, Claus, ob. cit., p. 43-44.

  93. Sob a ótica finalista trazemos o ensinamento de Muñoz Conde, para quem o núcleo do tipo de injusto do crime culposo consiste, portanto, na divergência entre a ação realmente realizada e a que deveria ter sido realizada em virtude do dever de cuidado objetivo que era necessário observar. O Direito Penal não apenas proíbe ações finais nas quais o fim pretendido pelo autor ou os efeitos concomitantes por ele admitidos coincidem com a realização dos elementos objetivos de um tipo de delito, mas também aquelas ações, cuja finalidade é, muitas vezes, irrelevante penalmente, mas que são realizadas sem o cuidado necessário e produzem um resultado proibido. Nos delitos culposos, a desaprovação jurídica recai sobre a forma de realização da ação ou sobre a seleção dos meios para realizá-la. A proibição penal de determinados comportamentos imprudentes pretende motivar aos cidadãos para que na realização de ações que podem ocasionar resultados lesivos, empreguem o cuidado que é objetivamente necessário para evitar que se produzam; numa palavra, atuem com a diligência devida. CONDE, Muñoz apud FRANCO, Alberto Silva et alii. Código penal e sua interpretação jurisprudencial, ob. cit., p. 216.

  94. Essa crítica tinha por objeto o conceito de culpa que o finalismo já abandonou definitivamente e foi feita há mais de cinqüenta anos pelo espanhol José Arturo Rodrígues Muñoz. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 495.

  95. WELZEL, Hans apud CAMARGO, Antonio Luís Chaves, ob. cit., nota 351, p. 177.

  96. O tipo culposo, tal como o doloso, não faz qualquer coisa além de individualizar uma conduta. Se a conduta não é concebida sem vontade, e não se concebe a vontade sem finalidade, a conduta que individualiza o tipo culposo terá uma finalidade, da mesma forma que a que individualiza o tipo culposo. O que a doutrina confunde é o que se proíbe (a conduta) com a forma em que se proíbe. Isto é, o tipo culposo não individualiza a conduta pela finalidade e sim pela forma em que se obtém essa finalidade. E essa forma é violadora de um dever de cuidado. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 482.

  97. MASSARI apud BETTIOL, Giusepe, ob. cit., v. II, p. 115.

  98. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., P. 485.

  99. Porque não basta a produção do resultado. É preciso que ele tenha se originado de uma conduta imprudente, negligente ou imperita, ou seja, com quebra do dever de cuidado. Do contrário, teríamos responsabilidade penal objetiva.

  100. Exemplo de Zaffaroni. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 486.

  101. À primeira vista, por força do texto legal, todos os delitos culposos seriam materiais. BRASIL. Código Penal. Art. 18. Diz-se o crime: Crime doloso I – doloso, quando o agente quis o resultado, ou assumiu o risco de produzi-lo; Crime culposo II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

  102. NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 217-218; CAPEZ, Fernando, ob. cit., p. 207.

  103. No crime material o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação. No crime formal – também chamado de incongruente, de resultado cortado ou antecipado - o legislador descreve o resultado, mas antecipa a consumação à sua produção. No crime de mera conduta o legislador só descreve o comportamento do agente. Cf. JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 191; CAPEZ, Fernando, ob. cit., p. 154.

  104. JESUS, Damásio E., ob. cit., p. 295.

  105. MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, ob. cit., p. 147.

  106. Com destaque no direito alienígena, Argentina e Alemanha, e.g.: BACIGALUPO, Enrique; LANGE, Johannes apud LUISI, Luiz, ob. cit., p. 101.

  107. Não há consenso na legislação penal brasileira e na doutrina acerca do exato conceito de condição objetiva de punibilidade, ora alocando-a como requisito para caracterização do crime ou da tipicidade da conduta, ora como condição de exercício da ação penal. Assim, Francisco de Assis Toledo demonstra as nuanças e conclui - com base em Binding e Fernando da Costa Tourinho Filho - afirmando que tal conceito se revela apenas para condicionar o exercício da ação penal. Cf. Princípios básicos de direito penal, ob. cit., p. 157. Na mesma seara, Mirabete reconhece a inexistência de disposição expressa no ordenamento jurídico apta ao esclarecimento do tema. Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 107. Fragoso lembra que essa espécie de condição foi assinalada, pela primeira vez, por Binding. Esclarece o autor que não há expressa disposição na legislação a respeito, mas que ela resulta do sistema. Dispõe que várias figuras de delito revelam condições exteriores à conduta, das quais depende a punibilidade do fato. Tais condições são objetivas porque sua eficácia jurídica independe da culpa ou de qualquer nexo psicológico, relativamente à conduta incriminada. São criadas por razões de política criminal, entendo o legislador que sem elas não se justifica a punibilidade do fato, pela ausência de dano efetivo ao interesse tutelado ou por outra razão de oportunidade ou conveniência. As condições objetivas se diferem das condições de punibilidade. Estas são elementos da culpabilidade, a qual a lei subordina a punibilidade do fato. As condições objetivas de punibilidade são elementos constitutivos do crime, desde que sem elas o fato é juridicamente indiferente: são, pois, condições de punibilidade do fato ou condições da ilicitude penal do fato. Não existe crime antes da condição objetiva de punibilidade se aperfeiçoar. Antes dela, há fato irrelevante para o Direito Penal e não crime condicionado ou condicional. A sentença declaratória de falência é condição objetiva de punibilidade, em relação aos crimes falimentares, nos quais a ação é anterior a sentença. Já essa sentença será pressuposto dos crimes falimentares praticados posteriores à mesma. Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio, ob. cit., § 206, p. 235-238. Por sua vez, Zaffaroni reconhece a bidimensionalidade dessas condições. Para ele, condições objetivas de punibilidade são elementos do tipo objetivo que, como tais, devem ser abrangidos pelo conhecimento (dolo) ou pela possibilidade de conhecimento (culpa); enquanto outras delas são requisitos de perseguibilidade, isto é, condições processuais de operatividade da coerção penal. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 729.

  108. Como exemplo, citamos a sentença declaratória de falência e a que defere a recuperação judicial ou a extrajudicial que, atualmente, são reconhecidas pela legislação como condição objetiva de punibilidade, o que afastou a longa discussão doutrinária que existia sob a égide do revogado Decreto-Lei 7.661/45. BRASIL. Lei 11.101/05. Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163. desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais previstas nesta Lei.

  109. Condições objetivas de punibilidade são acontecimentos exteriores ao tipo, que a lei estabelece como indispensáveis à punibilidade do fato. (...) Elas são elementos suplementares ao tipo, mas não se incluem no mesmo, caracterizando-se precisamente pela circunstância de serem exteriores. (...) Crime é o conjunto de todos os requisitos gerais indispensáveis para que possa ser aplicável a sanção penal. A análise revela que tais requisitos são a conduta típica, antijurídica e culpável, bem como, eventualmente, uma condição objetiva prevista em lei. (...) As condições objetivas de punibilidade são elementos constitutivos do crime, desde que sem elas o fato é juridicamente indiferente: são condições de punibilidade do fato. Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio, ob. cit., § 208, p. 236-237.

  110. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. I, tomo 2º, § 77, p. 197

  111. Logo, é possível depreender que a doutrina já acenava a respeito da existência de delitos culposos formais e de mera conduta.

  112. Ibidem, § 77, nota 161, p. 197

  113. LUISI, Luiz, ob. cit., p. 102; ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ob. cit., p. 486.

  114. WELZEL, Hans apud LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Fabris, 1987, p. 101.

  115. O sistema jurídico, ao enunciar normas penais, nas quais se definem comportamentos criminosos e se lhes associam sanções criminais, só pode ser compreendido como um sistema delimitador, quer dizer, só pode justificar-se na media em que trace de maneira precisa e definitiva os limites da intervenção estatal no âmbito de liberdade individual, pois só nessa condição é que estará recuperando a noção de sujeito de direitos e lhe assegurando a condição de pessoa. (...) Se a norma penal tem caráter delimitador, constitui uma exigência do sistema jurídico que essa delimitação se consolide num determinado resultado de dano ou de perigo. Cf. TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 113.

  116. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal: parte general apud MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, ob. cit., p. 147.

  117. LUISI, Luiz, ob. cit., p. 102.

  118. Ibidem, p. 102.

  119. Essa expressão surgiu no jargão jurídico alemão em fins do século XVIII e princípios do século XIX, no campo do processo penal, onde é mais sentida a necessidade de dar contornos certos e precisos ao fato delituoso. (...) Todavia, embora com discrepâncias nos detalhes, o termo se confunde, para todos os penalistas alemães com a totalidade do delito, pois é concebido como integrado por todos os elementos objetivos e subjetivos necessários para existência do crime. Não há, dentro deste entendimento, como diferenciar o Tatbestand do delito, pois este nada mais é que algo construído por todos os componentes daquele. A rigor, identificam-se. Em 1906, porém, já não se concebe seu conceito como totalidade dos elementos do delito, mas tão-somente como um dos elementos constitutivos do crime. Deixa de ser o delito para ser, apenas, um dos aspectos do mesmo. Uma parte em relação ao todo. Cf. LUISI, Luiz, ob. cit., p. 13-15.

  120. BRUNO, Aníbal apud FRANCO, Alberto Silva et alii, ob. cit., p. 210

  121. FRAGOSO, Heleno Cláudio, ob. cit., § 208, p. 241-242.

  122. Idem, § 208, p. 242.

  123. Idem, § 212, p. 247

  124. Ibidem, p. 247.

  125. O próprio autor menciona Luiz Luisi em sua obra quando fundamenta a função do resultado culposo. Cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, ob. cit., p. 486.

  126. Ibidem, p. 485.

  127. Idem, p. 486.

  128. HUNGRIA, Nélson, ob. cit., v. V, tomo 6º, nota 126, p. 177.

  129. Importante esclarecer que não existe delito culposo tentado. A tentativa justifica-se na presença do dolo. Como ensina Zaffaroni a tentativa culposa é insustentável, porque o tipo culposo não individualiza as condutas pela finalidade e sim pela forma em que está é alcançada. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ob. cit., p. 665.

  130. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; José Henrique Pierangeli. Da tentativa: doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 21.

  131. Sua falta gera atipicidade da conduta, impedindo a persecução repressora. Acaso sobrevenha qualquer ato estatal visando apurar essa conduta culposa da qual não sobreveio resultado nem tampouco perigo de dano, abrir-se-á ensejo a impetração de habeas corpus para sanar a coação ilegal e impedir desencadeamento de procedimento instaurado sem justa causa.

  132. Luiz Luisi menciona os seguintes exemplos de delitos culposos de mera conduta: BRASIL. Código Penal. Outras substâncias nocivas à saúde pública. Art. 278. Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Modalidade culposa. Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano. Outro exemplo estava previsto no fugaz Código Penal de 1969: BRASIL. Decreto-Lei n. 1.004/69. Código Penal. Abuso de radiação. Art. 281. Expor a perigo a vida ou a integridade física de outrem, pelo abuso de radiação ionizante ou de substância radioativa. Pena - reclusão, até quatro anos, e pagamento de cinco a vinte dias-multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Cf. LUISI, Luiz, ob. cit., p. 103; texto legal supradescrito disponível em: <https://www.senado.gov.br> Acesso em: 05 agosto 2007. Podemos acrescentar a esses, um artigo da novel lei antidrogas. BRASIL. Lei 11.343/06. Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa. Para nós, portanto, a primeira parte do preceito primário desse tipo dispõe de crime culposo que prescinde do resultado. Na mesma senda, em análise sistemática, encontramos outros modelos dessa natureza, a saber: BRASIL. Lei 8.078/90. Código de Defesa do Consumidor. Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa. (...) § 2º Se o crime é culposo: Pena – detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa. BRASIL. Lei 8.137/90. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Art. 7º Constitui crime contra as relações de consumo: II – vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial; III – misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vendê-los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidades desiguais para vendê-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os de mais alto custo; IX – vender, ter em depósito para vender ou expor à venda, ou de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo. Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena de detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte. Dessarte afigura-nos de maneira bastante clara a diferença existente entre os delitos supracitados e o seguinte previsto na chamada Lei de Imprensa que prevê um indubitável delito culposo material, qual seja: BRASIL. Lei 5.250/67. Regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Art. 16. Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados que provoquem: I – perturbação da ordem pública ou alarma social; II – desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III – prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV – sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro. Pena – de 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção quando se tratar do autor do escrito ou transmissão incriminada, e multa de cinco a dez salários mínimos da região. Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, se o crime é culposo: Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa de um a dez salários mínimos da região.

  133. LUISI, Luiz, ob. cit., p. 103.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Leonardo D'Angelo Vargas. A função do resultado no delito culposo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1790, 26 maio 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11307. Acesso em: 29 mar. 2024.