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Legitimidade para a propositura da ação de indenização por danos morais no caso de acidente do trabalho com óbito

Legitimidade para a propositura da ação de indenização por danos morais no caso de acidente do trabalho com óbito

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Se a vítima não sobreviveu ao acidente, subsiste a dúvida a respeito de quem terá legitimidade para postular a ação de indenização. O propósito do artigo se restringe à legitimidade para pleitear a indenização por danos morais no caso de acidente do trabalho com óbito. O tema, portanto, será abordado com ênfase no aspecto puramente extrapatrimonial.

1. INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional nº. 45, de 08.12.2004 (DOU 31.12.04) acrescentou ao artigo 114 da Constituição da República o inciso VI, que prevê que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho". Interpretando esse dispositivo, no julgamento do Conflito de Competência nº. 7.204-1/MG, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, após a vigência da Emenda Constitucional nº. 45/04, a competência para apreciar e julgar as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça Trabalhista, para a qual devem ser remetidas todas as ações pendentes de julgamento de mérito (STF, CC 7.204-1/MG, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Carlos Britto, DJU 09.12.2005).

Diante dessa modificação de competência, um grande volume de processos envolvendo acidentes do trabalho passou a ser processado e julgado na Justiça do Trabalho, ganhando relevo a discussão de algumas questões processuais relacionadas ao acidente fatal. Não há dúvidas de que, uma vez preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, previstos no art. 186 do Código Civil, é devida a indenização por danos morais. Todavia, se a vítima não sobreviveu ao acidente, subsiste a dúvida a respeito de quem terá legitimidade para postular a ação de indenização. Tendo em vista a natureza peculiar dos interesses alcançados pelo dano moral, relacionados com o sentimento íntimo da pessoa lesada, geram controvérsias os casos em que a pretensão indenizatória não é exercida pela própria vítima.

O propósito do presente artigo se restringe à legitimidade para pleitear a indenização por danos morais no caso de acidente do trabalho com óbito. O tema, portanto, será abordado com ênfase no aspecto puramente extrapatrimonial. Vale ressaltar que não se incluem no objeto do presente artigo a abordagem da transmissibilidade inter vivos do direito à indenização por dano moral e a questão referente ao valor da indenização quando houver pluralidade de legitimados ativos.

O que se pretende é proceder a uma análise crítica da controvérsia existente na doutrina e na jurisprudência civil e trabalhista acerca da legitimidade ativa nas ações de indenização por dano moral quando a vítima não sobrevive ao acidente do trabalho, também sendo objeto de enfoque a transmissibilidade do dano moral. Nesse sentido, será abordado o entendimento de respeitados doutrinadores sobre o tema, cujo subsídio obviamente se reputa imprescindível, bem como a jurisprudência das Cortes Superiores.

A relevância do tema decorre do fato de que cada vez mais o Judiciário trabalhista vem sendo acionado por famílias que se vêem privadas, de forma abrupta, não só do sustento, mas também da companhia de um parente querido. Diante de tantas demandas, é inevitável o questionamento acerca da legitimidade para ajuizar essas ações, tornando clara a ausência de consenso jurisprudencial e doutrinário sobre o assunto.


2. TRANSMISSIBILIDADE MORTIS CAUSA DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

Na doutrina, formaram-se três correntes acerca da transmissibilidade do dano moral, explicitadas pelo clássico Pontes de Miranda: "a) intransmissibilidade, pelo menos para alguns fatos geradores do dever de indenizar; b) transmissibilidade, se por algum meio o titular do direito à indenização manifestou vontade de exercer a pretensão [...]; c) transmissibilidade em princípio, só sendo intransmissível a pretensão por lex specialis" (MIRANDA, 1971, p. 218).

A intransmissibilidade do dano moral é defendida por Wilson Melo da Silva, segundo o qual o dano moral não se transmite com a herança, porque tem caráter personalíssimo. Cumpre transcrever o seguinte trecho da doutrina do autor:

Os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos (sic). Desaparecem com o próprio indivíduo. Podem os terceiros compartilhar da minha dor, sentindo, eles próprios, por eles mesmos, as mesmas angústias que eu. O que não se concebe, porém, é que as minhas dores, as minhas angústias, possam ser transferidas de mim para o terceiro. Isto seria atentatório da própria natureza das coisas e, materialmente, impossível. Não existe, pois, o jus hereditaris relativamente aos danos morais, tal como acontece com os danos puramente patrimoniais. A personalidade morre com o indivíduo, arrastando atrás de si todo o seu patrimônio. Só os bens materiais sobrevivem ao seu titular. (SILVA, 1999, p. 648-649).

De acordo com esse entendimento, não se admite que os herdeiros busquem a reparação da dor moral sofrida pelo ofendido, tendo em vista a intransmissibilidade dos danos morais, prevista no artigo 11 do Código Civil Brasileiro.

Reformulando o entendimento expressado nas edições anteriores da sua obra, Rui Stoco também defende a intransmissibilidade da indenização por dano moral, mesmo nos casos em que o ofendido já havia ajuizado a ação correspondente, in verbis:

No que pertine à pretensão de reparação por ofensa moral – seja da prerrogativa de reclamar em seu favor direito alheio, seja do direito de ação, através da substituição processual, como sói acontecer quando o titular do direito tiver falecido após o ajuizamento da ação – a nós parece inadmissível a transmissibilidade e a legitimação de terceira pessoa. [...] Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos (sic). Seu patrimônio ideal é marcadamente individual, e seu campo de incidência, o mundo interior de cada um de nós, de modo que desaparece com o próprio indivíduo. [...] O que importa ressaltar é que o direito dos parentes, amigos e admiradores, de preservar o nome e a imagem do falecido é inconteste. O que não se admite é que, em razão de ofensa moral suportada por pessoa falecida, outra ou outras pessoas – sejam parentes, legitimados por lei, amigos e admiradores – pretendam e se arroguem o direito de obter determinado valor em dinheiro a título de reparação da ofensa à imagem de outrem, salvo quando ostentem direito próprio e não derivado do falecido. (STOCO, 2007, p. 254).

Essa questão foi largamente debatida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº. 302.029-RJ. A corrente que prevaleceu foi a da intransmissibilidade, segundo o voto da lavra da Ministra Nancy Andrighi, baseado na sólida doutrina de Wilson Melo da Silva (1999). A ementa do acórdão se encontra transcrita a seguir:

Recurso especial. Processual civil. Acórdão. Omissão. Invalidade. Inexistência. Divergência jurisprudencial. Comprovação. Dano moral. Ação de indenização. Herdeiro da vítima. Legitimidade ativa ad causam. [...]. Na ação de indenização de danos morais, os herdeiros da vítima carecem de legitimidade ativa ad causam. (STJ, REsp 302029/RJ, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJU 1º.10.2001).

No julgamento do acórdão supracitado, contudo, divergiu o ilustre Ministro Pádua Ribeiro, por entender que o art. 1.526 do Código Civil, correspondente ao atual art. 943, confere ao herdeiro a legitimidade para exigir a reparação, posição que se identifica com a corrente da transmissibilidade.

Salienta Cavalieri Filho (2007, p. 86) que a corrente que sustenta a intransmissibilidade do dano moral parte, data venia, de uma premissa equivocada. Para ele, o que se transmite aos sucessores da vítima não é o dano material ou moral por ela sofrido, mas sim o direito à indenização correspondente. O dano moral, que decorre de uma agressão a bens integrantes da personalidade, só a vítima pode sofrer, enquanto viva, porquanto a personalidade se extingue com a morte. O direito à indenização correspondente, porém, não se extingue com a morte. Uma vez perpetrado o dano, nasce a obrigação de indenizar para o causador do dano e o direito à reparação para o ofendido. Este último, que tem natureza patrimonial, se transmite aos herdeiros da vítima.

Portanto, segundo a corrente da transmissibilidade, embora o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspondente se transmite causa mortis, porque integra o patrimônio da vítima. É claro que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no aborrecimento suportados pelo ofendido, porquanto os sentimentos não constituem um "bem" capaz de integrar o patrimônio do de cujus. Todavia, não há qualquer óbice para que se lhes transmita o direito patrimonial de exigir a reparação daí decorrente. O artigo 943 do Código Civil expressamente prevê: "O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança". Por conseguinte, em última análise, o direito à indenização constitui um crédito que integra o patrimônio do ofendido e, no caso de óbito, passa a fazer parte da universalidade de bens que compõe a herança.

Nesse aspecto, é bastante elucidativa a explanação de Leon Mazeaud, citado por Mário Moacyr Porto, in verbis:

O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se estendesse ao herdeiro e este, fazendo seu o sofrimento do morto, acionasse o responsável a fim de indenizar-se da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando vivo ainda, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo pessoal, a ação de indenização é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos herdeiros. Sem dúvida que a indenização paga ao herdeiro não apaga ou elimina o sofrimento que afligiu a vítima. Mas também é certo que, se a vítima, ela mesma, houvesse recebido uma indenização, não eliminaria igualmente a dor que houvesse padecido. O direito a uma indenização simplesmente ampliou o seu patrimônio. A indenização cumpre a sua finalidade compensatória, antes como depois do falecimento da vítima, com as mesmas dificuldades que resultam da reparação de um prejuízo moral por uma indenização pecuniária. O dano moral, por ser de natureza extrapatrimonial, não comunica essa particularidade à ação de indenização. (MAZEAUD apud PORTO, 1984, p. 39).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se inclinado no sentido de admitir a transmissibilidade sem restrições do direito à indenização por dano moral, conforme se infere dos seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. 1. Os pais estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados por agentes públicos que deram publicidade ao fato de a vítima ser portadora do vírus HIV. 2. Os autores, no caso, são herdeiros da vítima, pelo que exigem indenização pela dor (dano moral) sofrida, em vida, pelo filho já falecido, em virtude de publicação de edital, pelos agentes do Estado réu, referente à sua condição de portador do vírus HIV. 3. O direito que, na situação analisada, poderia ser reconhecido ao falecido, transmite-se, induvidosamente, aos seus pais. 4. A regra, em nossa ordem jurídica, impõe a transmissibilidade dos direitos não personalíssimos, salvo expressão legal. 5. O direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima (RSTJ, vol. 71/183). 6. A perda de pessoa querida pode provocar duas espécies de dano: o material e o moral. 7. "O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se entendesse (deve ser estendesse) ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores" (Leon Mazeaud, em magistério publicado no Recueil Critique Dalloz, 1943, pg. 46, citado por Mário Moacyr Porto, conforme referido no acórdão recorrido). 8. Recurso improvido. (STJ, REsp 324886/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro José Delgado, DJU 03.09.2001).

Responsabilidade civil. Ação de indenização em decorrência de acidente sofrido pelo de cujus. Legitimidade ativa do espólio. 1. Dotado o espólio de capacidade processual (art. 12, V, do Código de Processo Civil), tem legitimidade ativa para postular em Juízo a reparação de dano sofrido pelo de cujus, direito que se transmite com a herança (art. 1.526 do Código Civil). 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 343654/SP, Terceira Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 1º.07.2002).

A teoria da transmissibilidade também é adotada pelo Colendo TST e pelo TRT da 3ª Região, conforme se infere das ementas a seguir transcritas:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL ACIDENTE DE TRABALHO COM ÓBITO AÇÃO MOVIDA PELOS SUCESSORES. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. [...] III - Com efeito, a transferência dos direitos sucessórios deve-se à norma do artigo 1784 do Código Civil de 2002, a partir da qual os sucessores passam a deter legitimidade para a propositura da ação, em razão da transmissibilidade do direito à indenização, por não se tratar de direito personalíssimo do de cujus, dada a sua natureza patrimonial, mantida inalterada a competência material do Judiciário do Trabalho, em virtude de ela remontar ao acidente de que fora vítima o ex-empregado. Recurso desprovido. [...] (TST, RR 165/2006-076-03-00, Quarta Turma, Rel. Ministro Barros Levenhagen, DJU 27.04.2007).

EMENTA: DANOS MATERIAIS E MORAIS -AÇÃO AJUIZADA PELO ESPÓLIO -COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Tendo o empregado falecido em decorrência de acidente de trabalho, é inegável que a ação, inclusive no que concerne à indenização por danos morais decorrentes do acidente que vitimou o obreiro, pode ser ajuizada pelo espólio, representado por seu inventariante (art. 12, V, CPC), no caso, a viúva do obreiro. É que, mesmo em se tratando a indenização por danos morais e materiais de direito personalíssimo, transmite-se aos herdeiros, ante a sua repercussão patrimonial. (TRT da 3ª Região, 00966-2003-062-03-00-8-RO, Primeira Turma, Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado, DJMG 05.03.2004).

Alguns autores defendem que a transmissibilidade do direito à reparação do dano moral é irrestrita, incondicionada. Nesse sentido se alinha André Gustavo Corrêa de Andrade, para quem não há razão plausível para que o ajuizamento da ação indenizatória pelo de cujus constitua condição para a transmissibilidade do direito indenizatório, enfatizando que não é a propositura da ação que confere natureza patrimonial ao direito indenizatório (ANDRADE, 2005, p. 33). Na lição de Mário Moacyr Porto:

Cremos, ainda, que o fato de o de cujus não ter promovido ação de indenização por dano moral no período que antecedeu o desenlace não impede a ação do herdeiro, pois o fato de o ofendido não ter tomado a iniciativa de propor a ação não importa renúncia, pois renúncia não se presume. Ademais, o estado de saúde do doente, a aflitiva situação de quem foi atingido mortalmente, não abre ensanchas à iniciativa da propositura de uma ação de indenização. (PORTO, 1984, p. 38-39).

Para Aguiar Dias, não há princípio algum que se oponha à transmissibilidade da ação de reparação, pois "a ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima. Não se distingue, tampouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. A ação que se transmite aos sucessores supõe o prejuízo causado em vida da vítima. Porque a um morto não se pode causar nenhum dano." (DIAS, 1997, p. 802).

Por outro lado, uma outra corrente sustenta que a transmissibilidade do direito à indenização por dano moral é condicionada, ou seja, pressupõe que o titular do direito tenha manifestado, por algum meio, a vontade de exercer a pretensão. É o que ocorre não só quando o ofendido propôs a ação reparatória, mas também quando ele, ainda que não tenha ajuizado ação alguma, constituiu advogado, deu procuração em causa própria, ou obteve o reconhecimento da dívida pelo ofensor.

Para Direito e Cavalieri Filho (2007, p. 358-359), diante da peculiar natureza do dano moral, deve-se perquirir se houve ou não ofensa moral, ou seja, se a vítima, enquanto viva, foi ou não atingida em sua dignidade. De fato, uma situação que acarreta um dano moral para uma pessoa pode significar um aborrecimento meramente passageiro para outra. Por isso, para que se transmita o direito de exigir a reparação do dano moral, é essencial que o ofendido tenha sinalizado sua indignação com a ofensa moral. Nesse sentido é exata a lição dos autores supracitados:

Em conclusão, na nossa compreensão, podem os herdeiros ajuizar ação para haver o ressarcimento relativo ao dano moral causado ao autor da herança, desde que demonstrem que o próprio lesado sinalizou o seu sofrimento moral, a sua indignação, a sua revolta, o seu repúdio em relação ao ato ilícito que origina o pedido de indenização formulado pelos herdeiros, embora não tenha em vida iniciado a ação correspondente. (DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2007, p. 360).

No já mencionado acórdão proferido pela Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 302.029-RJ, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Ministro Ari Pargendler acompanhou a relatora, embora por fundamento diverso. O eminente Ministro entendeu que, se em vida a vítima não sentiu o dano moral, se não reconheceu, exteriormente, o sentimento de ter sido atingida em sua honra ou reputação, os herdeiros não podem reivindicar, como sucessores, a indenização por dano moral (STJ, REsp 302029/RJ, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJU 1º.10.2001).

Andrade (2005) acentua que o Código Civil argentino consagra a teoria da transmissibilidade condicionada em seu artigo 1.099, o mesmo ocorrendo nas legislações vigentes na Holanda, na Grécia e na Polônia. Segundo o autor, essa teoria também é adotada pela Suprema Corte Espanhola. Por outro lado, os Direitos italiano, português, germânico e francês consagram a teoria da transmissibilidade sem restrições [01].

Adotando-se a corrente da transmissibilidade condicionada, distinguem-se três situações, com repercussões jurídicas distintas. Segundo o eminente Sebastião Geraldo de Oliveira, "a posterior morte em razão do acidente pode acontecer: a) quando o acidentado já havia ajuizado a ação; b) quando o acidentado estava nos preparativos para o ajuizamento; c) quando o acidentado nem havia cogitado reivindicar a indenização". (OLIVEIRA, 2007, p. 269).

Na primeira hipótese, quando a vítima falece após ajuizar a ação indenizatória, a questão da transmissibilidade da indenização por dano moral não suscita maiores controvérsias na jurisprudência. Em se tratando de ação de natureza patrimonial, o espólio ou os sucessores substituirão a vítima no processo, conforme prevê o artigo 43 do Código de Processo Civil, transmitindo-se automaticamente os eventuais créditos do ofendido. De fato, é irrecusável o conteúdo econômico da indenização por dano moral depois de ajuizada a respectiva ação. Nesse sentido, é assente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL. CIVIL. RESPONSABILIDADE. ACIDENTE. DANOS MORAIS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. SENTENÇA PROLATADA. DESNECESSIDADE. TRANSMISSIBILIDADE. DIREITO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE. CULPA CONCORRENTE. RESPONSABILIDADE. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. MORTE DE CÔNJUGE DO QUAL A AUTORA ERA SEPARADA DE FATO. DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA. I. A morte da autora, no curso do processo, com a instrução finda, não obsta a prolação da sentença. II. A ação por danos morais transmite-se aos herdeiros da autora, por se tratar de direito patrimonial. [...] (STJ, REsp 647562/MG, Quarta Turma, Rel. Ministro Aldir Passarinho, DJU 12.02.2007).

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. 1 - Na linha da jurisprudência desta Corte, o espólio detém legitimidade para suceder o autor na ação de indenização por danos morais. Precedentes. 2 - Recurso não conhecido. (STJ, REsp 648191/RS, Quarta Turma, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, DJU 06.12.2004).

Na segunda situação, quando a vítima sinalizou a sua vontade de exercer a pretensão indenizatória, seja por meio da contratação de advogado, da outorga de procuração, ou da obtenção do reconhecimento da dívida pelo ofensor, o direito a indenização, uma vez manifestado, transmite-se com a herança. O espólio e os sucessores terão, portanto, legitimidade para postular a reparação moral, desde que comprovem a intenção do acidentado em acionar o ofensor para buscar a justa indenização.

De outro ângulo, se o acidentado sequer cogitou acerca do ajuizamento da ação indenizatória, os herdeiros e o espólio carecerão de legitimidade para a propositura da ação. É o que ocorre, v.g., quando o infortúnio ocasiona a morte instantânea da vítima. Ora, uma vez que o acidentado não sentiu a ofensa moral, não demonstrou sofrimento, não manifestou qualquer indignação com o fato, não há qualquer dano moral a ser transmitido causa mortis. O direito à indenização sequer chegou a fazer parte do patrimônio do ofendido, não podendo integrar os bens que compõem a herança. Nessa situação, os herdeiros não terão o direito de pleitear, em nome da vítima, a indenização por dano moral. Poderão fazê-lo, indubitavelmente, em nome próprio.

Por fim, vale lembrar que, em qualquer das hipóteses mencionadas, os sucessores ou quaisquer outros que se sintam prejudicados pelo acidente fatal poderão pleitear a indenização por dano moral jure proprio. Com sua peculiar clareza, esclarece Sebastião Geraldo de Oliveira que "o comportamento do acidentado enquanto vivo, optando por não reclamar a reparação do dano moral não prejudica os interesses dos seus familiares ou outros lesados indiretos que poderão buscar a eventual indenização do dano extrapatrimonial em nome próprio" (OLIVEIRA, 2007, p. 275).

Os seguintes julgados demonstram o entendimento prevalente na jurisprudência, no sentido de que o espólio não é parte legítima para figurar no pólo passivo da lide quando não se operou a transmissibilidade do direito indenizatório:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRA MUNICÍPIO. DANO MORAL DECORRENTE DE MORTE CAUSADA POR ACIDENTE DE TRABALHO. ESPÓLIO. ILEGITIMIDADE. DIREITO PESSOAL DOS HERDEIROS. SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELA EC Nº. 45/2004. PERPETUATIO JURISDICTIONES. ART. 114, VI, DA CF/88. SENTENÇA. EXISTÊNCIA. [...] 6. Controvérsia gravitante em torno da legitimidade ativa do espólio para pleitear a reparação por dano moral resultante do sofrimento causado à família do de cujus, em decorrência de seu abrupto falecimento em acidente de trabalho. 7. O artigo 1.526, do Código Civil de 1916 (atual artigo 943, do CC-2002), ao estatuir que o direito de exigir reparação, bem como a obrigação de prestá-la, transmitem-se com a herança (droit de saisine), restringe-se aos casos em que o dever de indenizar tenha como titular o próprio de cujus ou sucessor, nos termos do artigo 43, do CPC. 8. Precedentes desta Corte: RESP 648191/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, DJ de 06.12.2004; RESP 602016/SP, Relator Ministro Castro Filho, Terceira Turma, DJ de 30.08.2004; RESP 470359/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 17.05.2004; AgRg no RESP 469191/RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ de 23.06.2003; e RESP 343654/SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ de 01.07.2002. 9. Deveras, cediço que nem sempre há coincidência entre os sujeitos da lide e os sujeitos do processo, restando inequívoco que o dano moral pleiteado pela família do de cujus constitui direito pessoal dos herdeiros, ao qual fazem jus, não por herança, mas por direito próprio, deslegitimando-se o espólio, ente despersonalizado, nomine proprio, a pleiteá-lo, posto carecer de autorização legal para substituição extraordinária dos sucessores do falecido. 10. Recurso especial desprovido (STJ, REsp 697141/MG, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJU 29.05.2006).

Espólio. "Ação relativa a direitos de natureza não-hereditária". Ilegitimidade ativa. O espólio, herança ou monte-mor, figura do Direito das Sucessões, é o conjunto de bens constitutivos do patrimônio material e moral do de cujus e que, pelo fato da morte, transmitir-se-á aos seus herdeiros. Nasce o espólio no momento em que se abre a sucessão e perdura tão-somente até o trânsito em julgado da sentença de partilha, quando os bens que compõem aquela universalidade são repartidos entre os interessados. Indo os bens do falecido para outras pessoas, extingue-se a comunhão hereditária e o espólio desaparece. A legitimidade ad causam do espólio alcança, pois, tão-somente as ações relativas a direitos transmissíveis, não abrangendo aqueles desprovidos de caráter hereditário, tais como o direito ao recebimento de indenização por danos materiais (pensionamento) e por danos morais, sofridos individualmente pelos herdeiros em razão do desenlace. Titular desses direitos não é o espólio, mas cada um dos lesados, a quem cabe defendê-los em nome próprio. A rigor, verificando existir irregularidade na legitimação, o Juiz pode aplicar o art. 13 do CPC e determinar a correção do defeito, para evitar a extinção do processo em grau de recurso. Processo que se extingue, de ofício, em face da carência da ação, por ilegitimidade ativa do espólio. (TRT da 3ª. Região, RO 00609-2005-096-03-00-9, Segunda Turma, Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, DJMG 10.03.2006).


3. LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

É indiscutível que é parte legítima para figurar no pólo ativo de uma ação indenizatória toda e qualquer pessoa que alegue ter sofrido um dano. Contudo, deve-se perquirir qual é o limite da reparação moral. No caso de óbito da vítima, podem se sentir lesados o cônjuge, os filhos, os pais, os irmãos, os avós, os netos, os sobrinhos, os tios, os primos, os amigos, o (a) companheiro (a), o (a) noivo (a), o ex-cônjuge, dentre inúmeros outros. No entanto, admitir que todos os que se sintam atingidos pela dor da morte de uma pessoa querida sejam legitimados a acionar o ofensor, no exercício da pretensão indenizatória, seria dar lugar a uma irrazoável e infinita cadeia de potenciais pessoas lesadas. Por isso, a doutrina mais autorizada procura identificar, entre as pessoas que sofreram com a morte do acidentado, quais são legitimadas a receber a indenização, como titulares indiretos. Longe de ser simples, a solução para essa questão tão tormentosa não é apresentada de forma definitiva nem pela lei, nem pela doutrina ou jurisprudência.

Segundo o entendimento majoritário, o Juiz, em seu prudente arbítrio, deve ter o cuidado de restringir a abrangência do dano moral passível de indenização, sob pena de se estender demasiadamente o âmbito da indenização e, em conseqüência, acarretar uma indesejável banalização do dano moral (OLIVEIRA, 2007, p. 276).

Na doutrina e na jurisprudência, há um consenso no sentido de conferir a legitimidade para exigir a reparação do dano moral ao cônjuge e aos parentes mais próximos do de cujus, que residiam sob o mesmo teto, compondo o núcleo familiar mais íntimo. Nessa direção é a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

APELAÇÃO - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - MORTE DA VÍTIMA - AGRAVO RETIDO - PRELIMINARES - LEGITIMIDADE ATIVA - CERCEAMENTO DE DEFESA - REJEIÇÃO - EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ART. 37, § 6º, CF/88 - LIDE SECUNDÁRIA - COBERTURA DOS DANOS MORAIS - NÃO COMPROVAÇÃO. A indenização em caso de morte cabe, em primeiro lugar, aos parentes mais próximos da vítima, isto é, os herdeiros, ascendentes e descendentes, o cônjuge e as pessoas diretamente atingidas pelo seu desaparecimento. [...]. (TJMG, Ap. 2.0000.00.470338-8/000, Décima Segunda Câmara Cível, Rel. Antônio Sérvulo, DJMG 07.05.2005).

Sobre esse aspecto, leciona Carlos Alberto Bittar: "As pessoas legitimadas são, exatamente, aquelas que mantêm vínculos firmes de amor, de amizade ou de afeição, como os parentes mais próximos; os cônjuges que vivem em comum; os unidos estavelmente, desde que exista a efetiva aproximação" (BITTAR, 1999, p. 156).

O artigo 12, parágrafo único, do Código Civil, arrola, como legitimados a propor ação visando a reclamar perdas e danos por ofensa a direito da personalidade de morto, o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até quarto grau.

Conforme já acentuado no item anterior, os sucessores da vítima são legitimados a pleitear a indenização por dano moral em nome próprio, em razão do dano extrapatrimonial que pessoalmente sofreram com o acidente fatal. Quanto a esse aspecto, é esclarecedora a lição de Mário Moacyr Porto:

O herdeiro tem duas ações distintas, independentes, contra o autor ou responsável pela morte. Uma, fundada no direito hereditário, para haver do responsável uma reparação correspondente ao crédito que a vítima tinha contra este último, direito que, incorporado ao patrimônio da vítima, se transmitiu aos seus herdeiros (arts.928 e 1.526 do CC). Outra resultante do seu direito individual de haver do responsável uma reparação pelo prejuízo que pessoalmente sofreu com a ofensa injusta. (PORTO, 1984, p. 37-38).

Salienta Stoco (2007, p. 255) que aqueles que pleiteiam a ação de indenização jure proprio não são considerados como "terceiros", mas sim como prejudicados indiretos, pois sofrem o dano de forma reflexa, por ricochete.

Na jurisprudência, são comuns os casos em que a ação foi ajuizada pelo cônjuge supérstite e os filhos da vítima, de forma concorrente. Todavia, adverte Sebastião Geraldo de Oliveira que a composição da família sofreu significativas modificações nas últimas décadas:

Quando nos deparamos com essas demandas, o primeiro pensamento sugere que os beneficiários da reparação são os membros do núcleo familiar mais íntimo da vítima. Mas essa colocação deve ser analisada com cautela porque nas últimas décadas ocorreu no Brasil uma mudança significativa no perfil demográfico. A família no sentido estrito encolheu e a natureza do vínculo afetivo diversificou. Além disso, os membros da família, em razão de demandas profissionais, podem estar espalhados por diversas localidades distantes, não havendo mais aquela convivência de proximidade, a não ser para um grupo reduzido. (OLIVEIRA, 2007, p. 276-277).

Por conseguinte, em se tratando de união estável, reconhecida como entidade familiar, na forma prevista no artigo 226, § 3º, da Constituição da República, e no artigo 1.723 do Código Civil, a doutrina e a jurisprudência têm considerado que o (a) companheiro (a) tem legitimação para figurar no pólo ativo da ação indenizatória. Nesse sentido é o entendimento contido na antiga Súmula 35 do STF, in verbis: "Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio". A "concubina" a que alude esta Súmula é aquela que mantinha uma convivência more uxório com o de cujus, atualmente denominada de companheira (GONÇALVES, 2002, p. 540).

Na mesma diretriz é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DE TRABALHO – CONCUBINA – LEGITIMIDADE AD CAUSAM – PRECEDENTES. A companheira da vítima, assim qualificada por órgão da previdência social, e beneficiária da pensão, é parte legítima para postular indenização fundada no direito comum, decorrente de acidente de trabalho. Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 23685/RJ, Terceira Turma, Rel. Ministro Castro Filho, DJU 06.05.2002).

Presume-se o dano moral dos filhos da vítima em razão do acidente fatal, quando se tratarem de menores que residiam sobre o mesmo teto e dependiam economicamente do acidentado. Ainda que sejam crianças de pouca idade, ou mesmo deficientes mentais, absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil, nos termos do art. 3º do Código Civil, não se pode ignorar que a ausência de um parente próximo, como um pai ou uma mãe, é capaz de causar dor, trauma e seqüelas psíquicas (GONÇALVES, 2002, p. 544-545).

Também se incluem como titulares do direito à indenização os pais, ainda que o filho falecido seja menor e incapaz de contribuir com o trabalho para o orçamento doméstico (STOCO, 2007, p. 231-232). Esse é o entendimento inserto na Súmula 491 do STF, in verbis: "É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado".

É importante registrar que, para os componentes do núcleo familiar básico da vítima, presume-se o prejuízo moral, não se podendo dizer o mesmo quanto às demais pessoas que se consideram lesadas, pois estas deverão provar que sofreram um efetivo dano extrapatrimonial. É o que se extrai da doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, que enfatiza que "só em favor do cônjuge, companheira, filhos, pais e irmãos menores há uma presunção juris tantum de dano moral por lesões sofridas pela vítima ou em razão da sua morte. Além dessas pessoas, todas as outras, parentes ou não, terão que provar o dano moral sofrido em virtude de fatos ocorridos com terceiros" (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 84).

Na mesma diretriz, se inclina Aguiar Dias:

Estão, em primeiro lugar, os parentes mais próximos da vítima, isto é, os herdeiros, ascendentes e descendentes, os cônjuges e as pessoas diretamente atingidas pelo seu desaparecimento. [...]. As dúvidas, e das mais intrincadas, surgem do abandono desse círculo limitado que se considera a família propriamente dita. Em relação a ela, o prejuízo se presume, de modo que o dano, tanto material quanto moral, dispensa qualquer demonstração, além da do fato puro e simples da morte do parente. Fora daí, é preciso provar que o dano realmente se verificou. (DIAS, 1997, p. 790).

Mais adiante, reitera o autor: "é claro que, tratando-se de pessoas regularmente ligadas à vítima, a prova estará na própria situação civil estabelecida entre elas. Isso que dizer que a concubina, o amigo, etc., terão maior ônus da prova [...]" (DIAS, 1997, p. 795).

Vale salientar que, em se tratando de indenização por danos morais postulada em razão da morte de um ente querido, é desnecessário perquirir se o autor da ação dependia economicamente do acidentado. Relevante é saber se havia um vínculo afetivo entre a vítima e a pessoa que postula a indenização. Esse entendimento foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento cuja ementa está transcrita a seguir:

PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE. DANO MORAL. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE IRMÃOS E SOBRINHOS DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. CONVÍVIO FAMILIAR SOB O MESMO TETO. AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTE DA TURMA. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. I - A indenização por dano moral tem natureza extrapatrimonial e origem, em caso de morte, no sofrimento e no trauma dos familiares próximos das vítimas. Irrelevante, assim, que os autores do pedido não dependessem economicamente da vítima. II - No caso, em face das peculiaridades da espécie, os irmãos e sobrinhos possuem legitimidade para postular a reparação pelo dano moral. (STJ, REsp 239009/RJ, Quarta Turma, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 04.09.2000).

Por esse enfoque, uma vez comprovado o laço afetivo, pessoas que não compõem o núcleo familiar mais restrito do de cujus podem ser titulares do direito à indenização por dano moral. Enfatiza Aguiar Dias que o laço de parentesco não é decisivo para a admissibilidade da ação de reparação, e sim o laço de afeição. "Há mortos que causam alívio e não aflição aos parentes. Sem a qualidade de parente, é possível experimentar a dor pela morte de alguém" (DIAS, 1997, p. 794). É o que ocorre no caso do (a) noivo (a), que comprova o compromisso formal com a vítima, dos irmãos maiores e dos avós, desde que demonstrem o efetivo prejuízo moral.

A ementa a seguir transcrita ilustra uma hipótese de ação de indenização ajuizada pelos irmãos da vítima, que viviam sob o mesmo teto desta:

PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. CUSTOS LEGIS. INTERESSE DE MENOR. LEGITIMIDADE PARA RECORRER. ORIENTAÇÃO DA TURMA. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE. DANO MORAL. LEGITIMIDADE E INTERESSE DOS IRMÃOS DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. IRRELEVÂNCIA. LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO. PEDIDOS CUMULADOS E DISTINTOS. DESNECESSIDADE DE QUE OS LITISCONSORTES POSSUAM LEGITIMIDADE PARA TODOS OS PEDIDOS. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. [...] II - A indenização por dano moral tem natureza extrapatrimonial e origem, em caso de morte, na dor, no sofrimento e no trauma dos familiares próximos das vítimas. Irrelevante, assim, que os autores do pedido não dependessem economicamente da vítima. III - Os irmãos possuem legitimidade para postular reparação por dano moral decorrente da morte de irmã, cabendo apenas a demonstração de que vieram a sofrer intimamente com o trágico acontecimento, presumindo-se esse dano quando se tratar de menores de tenra idade, que viviam sob o mesmo teto. [...]. (STJ, REsp 160.125/DF, Quarta Turma, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 24.05.1999).

O entendimento é o mesmo quando se trata de irmão de criação:

AÇÃO INDENIZATÓRIA - Ato ilícito – Dano moral – Reparação pleiteada por irmã de criação da vítima fatal – Verba devida se demonstrada a real convivência como se parentes fossem, o afeto recíproco e a presunção de dor em decorrência do evento. Atualmente, o que se entende por elo familiar é a ligação duradoura de afeto, mútua assistência e solidariedade entre duas ou mais pessoas, tenham elas ou não vínculos de parentesco, razão pela qual é devida indenização por dano moral à irmã de criação de vítima fatal em decorrência de ato ilícito, se cabalmente demonstrada a real convivência como se parentes fossem, o afeto recíproco e a presunção de dor em decorrência do evento. (1ª TACÍVEL-SP, Ap. nº. 937.949-7, Oitava Câmara, Rel. Juiz Antônio Carlos Malheiros, DJ 15.03.2001. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 791, p. 248, set. 2001).

Destarte, repita-se que, salvo no caso dos membros do núcleo familiar mais íntimo do acidentado, os demais legitimados deverão demonstrar o laço afetivo que mantinham com a vítima e o efetivo prejuízo moral que experimentaram com a morte desta.


4. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, observa-se que não há um consenso doutrinário nem tampouco jurisprudencial acerca do tema discutido no presente trabalho. Entende-se, contudo, que é mais coerente admitir a transmissibilidade da indenização por danos morais decorrente de acidente do trabalho fatal somente nos casos em que a vítima tenha ajuizado a ação correspondente ou manifestado, de alguma forma, a sua intenção de buscar a reparação do dano. É o que ocorre quando o acidentado já havia outorgado procuração a advogado ou iniciado os preparativos para postular a sua pretensão em juízo, sinalizando, assim, a sua revolta em relação ao ato ilícito que originou o acidente. Nessas situações, o espólio, enquanto não concluído o inventário, ou os sucessores, se já realizada a partilha, terão legitimidade para postular a indenização por danos morais.

Caso, porém, a morte tenha sido imediata, ou o de cujus, ainda que tenha sobrevivido por algum tempo, não sinalizou a sua intenção de pleitear a indenização devida, considera-se como não caracterizado o dano moral, o que obsta a transmissibilidade do direito indenizatório, porquanto ele não chegou a integrar o patrimônio da vítima. Nessa hipótese, portanto, os sucessores ou o espólio não terão legitimidade para pleitear o direito indenizatório em nome do ofendido.

Em qualquer situação, todavia, as pessoas prejudicadas com o óbito do acidentado poderão ajuizar a ação em nome próprio, para reparar o prejuízo extrapatrimonial por ricochete. No caso concreto, é imprescindível que o Juiz, em seu prudente arbítrio, tenha a cautela de não permitir que a legitimação para a ação de indenização seja ampliada a ponto de se tornar uma fonte de abusos às custas da dor alheia.

Não se pode perder de vista que, para os membros do núcleo familiar restrito da vítima, ou seja, o cônjuge ou companheiro, os filhos, os pais e os irmãos menores, presume-se o dano moral, o mesmo não ocorrendo com as demais pessoas que se dizem lesadas, devendo estas demonstrar, de forma convincente, o sólido laço afetivo que mantinham com a vítima e o sofrimento moral advindo com a morte desta. Tratando-se de indenização por danos morais, não se exige a prova da dependência econômica do autor em relação ao de cujus, e sim a prova do vínculo afetivo duradouro, de molde a justificar o pleito indenizatório.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.


Nota

01 Para maiores esclarecimentos acerca do tema em debate na doutrina alienígena, consultar Andrade (2005).


Autor

  • Gabriela Caldas Martins

    Gabriela Caldas Martins

    Analista judiciária do Tribunal Regional da 3ª Região. Assistente do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Gabriela Caldas. Legitimidade para a propositura da ação de indenização por danos morais no caso de acidente do trabalho com óbito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1803, 8 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11361. Acesso em: 28 mar. 2024.