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A cognição e as tutelas de urgência no processo trabalhista

A cognição e as tutelas de urgência no processo trabalhista

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O trabalho trata da cognição e das tutelas de urgência no Direito Processual do Trabalho, passando pelos conceitos, aspectos históricos e condições determinantes.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata da cognição e das tutelas de urgência no Direito Processual do Trabalho, passando pelos seus conceitos, situando a temática no tempo e no espaço, sem descuidar dos aspectos históricos e, porque não dizer, das condições determinantes que culminaram em sua plena observância e aplicabilidade na seara jurídica, como conseqüência da própria evolução da sociedade.

O Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, o Princípio do Devido Processo Legal e o Princípio do Juiz Natural, asseguram a função estatal desempenhada pelo acesso à justiça enquanto instrumento garantidor de direitos. É aí que reside a incontestável importância dos esforços empreendidos, a fim de tornar possível a todos os cidadãos ver seus direitos afiançados principalmente pelo exercício da cognição. Neste contexto, surge a jurisdição como função criativa. Cria-se a regra jurídica do caso concreto, bem como cria-se, muitas vezes, a própria regra abstrata que deve regular o caso concreto.

A cognição, dentro do vocabulário jurídico, assume dúplice sentido: ora é empregada para definir a espécie de tutela jurisdicional que tem por finalidade reconhecer a existência de um direito lesado ou ameaçado, ora empresta significado ao que talvez seja a tarefa de maior importância do magistrado, o exame dos argumentos das partes e das provas produzidas, com o intuito de exarar juízos de valor acerca das questões levantadas no processo, resolvendo-as.

O acesso à justiça é analisado sob uma nova ótica. Anteriormente, significava apenas o direito de o indivíduo reclamar em juízo lesão a um direito ou de contestar uma ação, não necessitando, assim como nos demais direitos civis e políticos, de uma ação positiva do Estado para sua proteção. A desigualdade econômica ou social não era objeto de preocupações.

A mudança de perspectiva ora analisada é conseqüência da conscientização da função instrumental que o processo desempenha e da conseqüente necessidade de que ele o faça de maneira efetiva, para que seus resultados sejam os mais justos possíveis. Trata-se da conscientização de que o processo vale mais pelo que ele produz, pelos resultados que dele decorrem.

As tutelas de urgência apareceram justamente para evitar a perda ou deterioração do direito do demandante, seja pelo decurso do tempo, seja por outro meio lesivo, já que o vagaroso trâmite do procedimento comum vinha causando danos permanentes ao direito do autor.

Desse modo, concluímos que essas tutelas aparecem como procedimentos de ritos especiais, mais ágeis e aptos a antecipar, durante o trâmite do processo, o objeto da ação, até a decisão final da lide, assegurando a real eficácia da solução. Atualmente, são divididos, na legislação brasileira, em duas modalidades: a tutela cautelar e a tutela antecipatória a serem esmiuçadas ao longo do estudo.


2. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Os primeiros órgãos criados no Brasil objetivando solucionar os conflitos trabalhistas foram os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, os quais, embora não efetivamente implantados, foram instituídos pela Lei 1.637, de 05.11.1991.

Esses primeiros órgãos criados, praticamente não exerceram suas funções, pois inexistia ambiente propício a sua formação o que fez com que se atrofiassem. [01]

Posteriormente, a Lei 1.869, de 10.10.1922, criou, em São Paulo, os denominados Tribunais Rurais, de composição paritária, com função de dirimir conflitos até o valor de "quinhentos mil réis", decorrentes da interpretação e execução dos contratos de serviços agrícolas. [02]

Dois fatores contribuíram, de forma decisiva, na institucionalização da Justiça do Trabalho no Brasil, quais sejam: o surgimento das Convenções Coletivas de Trabalho e a influência da doutrina Italiana, visto que, nosso sistema acabou por copiar, em vários aspectos, o sistema italiano da Carta del Lavoro, de 1927, de Mussolini.

Já na era Vargas, em 1932, foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação, que atuavam como órgãos administrativos, julgando respectivamente, os dissídios individuais e coletivos do trabalho. Todavia, as Comissões Mistas de Conciliação, que tinham como função primeira julgar os dissídios coletivos, funcionaram de forma precária e esporádica, visto que, à época, eram raros os conflitos coletivos.

As Justas de Conciliação de Julgamento, também ciradas em 1932, tinham a função de dirimir os dissídios individuais de trabalho, onde somente os empregados sindicalizados possuíam o direito de ação. Estas se constituíam em instância única de julgamento e suas decisões valiam como títulos de dívida líquida e certa para execução judicial.

Após 1932, surgiram outras organizações não pertencentes ao Poder Judiciário, dotadas também de poder de decisão, dentre as quais podemos citar: Juntas que funcionavam perante a Delegacia do Trabalho Marítimo (1933), o Conselho Nacional do Trabalho (1934) e uma jurisdição administrativa para férias (1933).

A Justiça do Trabalho somente surgiu como órgão autônomo em 01.05.1941, quando entrou em vigor o Decreto-lei 1.237, de 02.05.1939, e o respectivo regulamento aprovado pelo Decreto 6.596, de 12.12.1940.

Em 1943 entrou em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho, a qual dedicou dois títulos à organização judiciária e um terceiro, dedicado ao processo do trabalho. Com o Decreto-lei 9.797, de 09.09.1946, foram conferidos aos juízes do trabalho nomeados pelo Presidente da República as garantias semelhantes às de magistratura ordinária, organizando-se a carreira, com ingresso mediante concurso público de provas e títulos, sendo as promoções realizadas de acordo com os critérios de antigüidade e merecimento.

Finalmente, a Constituição de 1946, concluindo a evolução da justiça Laboral, integrou, definitivamente, a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário, constituída pelas Juntas de Conciliação e Julgamento, Tribunais Regionais do Trabalho (substituindo os Conselhos Regionais do Trabalho) e o Tribunal Superior do Trabalho (antigo Conselho Nacional do Trabalho).

Após a promulgação da Carta de 1946, várias leis relacionadas com o processo do trabalho foram editadas.


3. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – BREVES CONSIDERAÇÕES

"Direito Processual do Trabalho é o ramo da ciência jurídica, dotado de normas e princípios próprios para a atuação do Direito do Trabalho e que disciplina a atividade das partes, juízes e seus auxiliares, no processo individual e coletivo do trabalho." [03]

Carlos Henrique Bezerra Leite em feliz conceito, leciona que:

Conceituamos o direito processual do trabalho como ramo da ciência jurídica, constituído por um sistema de princípios, normas e instituições próprias, que tem por objetivo promover a pacificação justa dos conflitos decorrentes das relações jurídicas tuteladas pelo direito material do trabalho e regular o funcionamento dos órgãos que compõem a Justiça do Trabalho. [04]

Em relação à autonomia do direito processual do trabalho perante o direito processual comum, ainda existem divergências na doutrina, nascendo duas teorias, a monista e a dualista.

A teoria monista, minoritária, preconiza que o direito processual é unitário, formado por normas que não diferem substancialmente a ponto de justificar a divisão e autonomia do direito processual do trabalho, do direito processual civil e do direito processual penal.

A teoria dualista, significativamente majoritária, sustenta a autonomia do direito processual do trabalho perante o direito processual comum, uma vez que o direito instrumental laboral possui regulamentação própria na Consolidação das Leis do Trabalho, sendo inclusive dotados de princípios e peculiaridades que o diferenciam, substancialmente, do processo civil. Frise-se, também, que é o próprio texto consolidado que determina a aplicação, apenas subsidiária, das regras de processo civil, em caso de lacuna da norma instrumental trabalhista no art. 769, CLT:

"Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título."

Por fim, embora seja verdade que a legislação instrumental trabalhista ainda é modesta, carecendo de um Código de Processo do Trabalho, definindo mais detalhadamente os contornos do processo laboral, não há dúvida de que o Direito Processual do Trabalho é autônomo em relação ao processo civil, uma vez que possui matéria legislativa específica regulamentada na Consolidação das Leis do Trabalho, sendo dotado de institutos, princípios e peculiaridades próprios, além de independência didática e jurisdicional.


4. PRINCÍPIOS DO PROCESSO DO TRABALHO

Princípios são proposições genéricas, abstratas, que fundamentam e inspiram o legislador na elaboração da norma. Eles também atuam como fonte integradora da norma, suprindo as omissões e lacunas do ordenamento jurídico. Exercem ainda importante função, atuando como instrumento orientador na interpretação de determinada norma pelo operador do direito.

Os princípios, portanto, desempenham uma tríplice função: informativa, normativa e interpretativa. Sua identificação não encontra unanimidade na doutrina, sendo ponto de discórdia entre os autores, cada um arrolando princípios próprios, havendo pequena coincidência entre eles.

Antes de enumerar os princípios processuais aplicados nas lides trabalhistas, importante lembrar que os princípios processuais constitucionais também são aplicados a elas, dentre eles podemos destacar: a) contraditório e ampla defesa; b) juiz natural; c) publicidade; d) efetividade; e) fundamentação das decisões; f) duplo grau de jurisdição.

O processo do trabalho tem como objetivo assegurar uma relativa superioridade ao trabalhador em razão de sua situação econômica (hipossuficiência), considerando que o empregador, em tese, tenha melhores condições para participar do processo. Além disso, pode-se considerar que as verbas trabalhistas têm natureza alimentar, pois são o sustento da família do trabalhador, assim ele, não pode esperar pela demora na prestação jurisdicional. A justiça para o trabalhador teria que ser ágil e eficiente.

Serão enumerados a seguir alguns princípios do processo do trabalho:

1º - Princípio da CONCENTRAÇÃO - Todos os atos processuais da justiça do trabalho se realizam num momento só - É um momento processual único - Ex.: A audiência da justiça do trabalho, formalmente, é única, no entanto, hoje, acontece em três etapas ( Art. 845 a 850 - CLT ).

2º - Princípio da ORALIDADE - não há necessidade de peças escritas. Há uma prevalência da fala. Ex.: Em uma reclamação trabalhista, o reclamante, perante a justiça, o faz oralmente, que é tomada a termo, instaurando-se, aí, o processo trabalhista.

3º - Princípio da IMEDIATIDADE - Os atos processuais são realizados em audiência com a mediação entre juizes e partes. Os atos são praticados de imediato. Ex.: O reclamado apresenta sua tese, aí o reclamante apresenta a sua impugnação imediatamente, sob pena de preclusão. (Normalmente tem ocorrido, em determinados casos, de o juiz suspender aquela audiência oportunizando ao reclamante um prazo maior ).

4º - Princípio IUS POSTULANDI - as partes podem postular em juízo, sem advogado.

5º - Princípio da PRECLUSÃO - Quando ocorre a perda da faculdade de praticar qualquer ato pela transposição de um momento processual. É a perda do direito processual, por não tê-lo exercido.

6º - Princípio da INFORMALIDADE - Há uma simplificação dos atos. Ex.: A reclamação oral tomada a termo indica a formalidade.

7º - Princípio da CELERIDADE - É a agilidade, rapidez dos atos processuais (Litígio entre empregador e empregado é conflito social e não pode demorar muito tempo sem solução. Daí a necessidade de rapidez, sob pena de estender o conflito a toda a classe).

8º - Princípio da EVENTUALIDADE - O evento é único. O empregado tem que alegar tudo na inicial. O empregador deve apresentar a sua defesa num único ato, na impugnação.

9º - Princípio da PEREMPÇÃO - Extinção do direito de praticar um ato processual, quando, dentro de certo tempo, não se exercita esse direito de agir. Não impugnando os tópicos apresentados dentro do prazo para fazê-lo, está perempto.

10º - Princípio da SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL - É possibilidade das partes serem substituídas no processo. Ex.: o trabalhador pode ser substituído pelo sindicato.

11º - Princípio do CONTRADITÓRIO - tudo o que uma parte fizer a outra pode manifestar-se, ter vista. Oportunidades iguais às partes.

12º - Princípio INQUISITIVO - O processo do trabalho move-se por iniciativa do juiz. O juiz é que dá o impulso processual.

13º - Princípio da BUSCA DA VERDADE REAL - Todos os atos processuais devem buscar a verdade, a realidade. Admite-se provas de ofício ( vistorias e perícia).

14º - Princípio da ECONOMIA PROCESSUAL - Diminuição do tempo da prestação jurisdicional (reunião dos processos) desde que não prejudique a defesa.

15º - Princípio da IRRENUNCIABILIDADE - São normas de direito público cogente irrenunciáveis pelas partes. Ex.: arrolar testemunhas.

16º - Princípio da MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES - As sentenças da justiça do Trabalho devem ser fundamentadas legalmente.

17º - Princípio do DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO - A parte que perder tem direito de recorrer. 1ª instância : Varas Trabalhistas; 2ª instância : TRT; Instância Especial : TST e STF

18º - Princípio da CONCILIAÇÃO: É a busca pelo acordo. A conciliação pode ser feita a qualquer momento. A norma obriga o juiz a propor a conciliação. Se não vier expresso nos autos, o processo é nulo.

19º - Princípio do NON REFORMATIO IN PEJUS: O recurso não pode prejudicar o recorrente.

20º - Princípio da IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS: Não sendo decisões terminativas, não cabe recurso.

São observados outros princípios da teoria geral do processo e princípios gerais de direito. Convém destacar: a) livre convicção do juiz; b) lealdade processual; c) eventualidade; d) aplicação imediata das leis processuais; e) publicidade; f) reformar a decisão para prejudicar o recorrente; g) boa fé; i) respeito a pessoa humana; j) pacificação social .


5. O ACESSO À JUSTIÇA COMO GARANTIA SATISFATIVA DE DIREITOS

O Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, o Princípio do Devido Processo Legal e o Princípio do Juiz Natural, asseguram a função estatal desempenhada pelo acesso à justiça enquanto instrumento garantidor dos demais direitos. É aí que reside a incontestável importância dos esforços empreendidos, a fim de tornar possível a todos os cidadãos ver seus direitos afiançados. Neste sentido, ensina Cappelletti:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. [05]

O acesso à justiça, assim como os demais direitos de primeira dimensão, também passou a ser analisado sob uma nova ótica. Anteriormente, significava apenas o direito de o indivíduo reclamar em juízo lesão a um direito ou de contestar uma ação, não necessitando, assim como nos demais direitos civis e políticos, de uma ação positiva do Estado para sua proteção. A desigualdade econômica ou social não era objeto de preocupações.

A mudança de perspectiva ora analisada é conseqüência da conscientização da função instrumental que o processo desempenha e da conseqüente necessidade de que ele o faça de maneira efetiva, para que seus resultados sejam os mais justos possíveis. Trata-se da conscientização de que o processo vale mais pelo que ele produz, pelos resultados que dele decorrem.

O direito de ação volta, portanto, assim como as demais questões processuais, a se ligar à problemática social, de forma a proporcionar a tão sonhada igualdade das armas, a garantia de que o resultado final de uma demanda dependa, exclusivamente, dos méritos jurídicos dos litigantes e não de outros fatores externos.

Ensina Carlos Henrique Bezerra Leite sobre o acesso à justiça: "[...] assume caráter mais consentâneo, não apenas com a teoria dos direitos fundamentais, mas, também, com os escopos jurídicos, políticos e sociais do processo." [06]

Essa mudança de perspectiva, impulsionou os mais variados estudos. Buscou-se, com distintas medidas, as quais Mauro Cappelletti divide em três grupos, as "três ondas" [07], atacar algumas barreiras que obstam o livre acesso à justiça. A principal delas é, indubitavelmente, a sua inefetividade, decorrente da morosidade processual que tem conseqüências devastadoras, além de acentuar a descrença no Poder Judiciário por parte dos cidadãos e, por reflexo, o estímulo à solução dos litígios por outras vias. Preserva a desigualdade das partes, uma vez que representa mais prejuízo àqueles que possuem menos recursos, submetendo-os a abandonar a causa ou a aceitar acordos não razoáveis.

João Oreste Dalazen relembra a bastante oportuna lição de Mauro Cappelletti:"[...] a demora excessiva é fonte de injustiça social porque o grau de resistência do pobre é menor do que o grau de resistência do rico; este último, e não o primeiro, pode, sem dano grave, esperar uma justiça lenta.". [08]

Conforme afirmado, neste contexto de tomada de consciência da função instrumental do processo e da necessidade de ser o mesmo efetivo, a idéia de direito de ação passa a ser analisada sob uma nova ótica, devendo se ligar à problemática do social.

Neste sentido, adverte Luiz Guilherme Marinoni, para quem o Estado ao proibir a autotutela privada, assumiu o compromisso de tutelar de forma adequada e efetiva os diversos casos conflitivos, o que não ocorre quando a tutela é prestada tardiamente. A tutela tardia é a própria negação da tutela. [09]

É neste contexto que o princípio da inafastabilidade, consubstanciado em nossa Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXXV, passa a ser interpretado sob outro enfoque. Obviamente, não teria cabimento entender que a Carta Magna garante aos cidadãos apenas e tão somente o direito a uma resposta, independentemente de ser ela tempestiva e, consequentemente, efetiva, uma vez que este direito não é suficiente para garantir os demais direitos.

O fato de a Constituição Federal de 1988 ter incluído na formulação do princípio da inafastabilidade o termo ameaça a direitos é o principal argumento utilizado pelos juristas para justificar a consagração da tutela urgente como garantia constitucional, uma vez que esta é uma das principais técnicas de combate aos efeitos deletérios do tempo ao processo, é uma das únicas medidas a tornar possível o resguardo da ameaça.


6. COGNIÇÃO

Cognição, dentro do vocabulário jurídico, assume dúplice sentido: ora é empregada para definir a espécie de tutela jurisdicional que tem por finalidade reconhecer a existência de um direito lesado ou ameaçado, ora empresta significado ao que talvez seja a tarefa de maior importância do magistrado, o exame dos argumentos das partes e das provas produzidas, com o intuito de exarar juízos de valor acerca das questões levantadas no processo, resolvendo-as.

Quem por primeiro se preocupou, no Brasil, com acuidade, em conceituar juridicamente o termo, foi professor Kazuo Watanabe., ensinando que a cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes , vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium do julgamento do objeto litigioso do processo[10] 

Em ensaio publicado dez anos depois, Alexandre Freitas Câmara também procurou explicar o sentido de cognição, expondo o seguinte: "Dá-se o nome de cognição à atividade do julgador de analisar alegações e provas com o fim de emitir juízos de valor acerca das mesmas." [11]

O mesmo autor, porém em sua completa obra Lições de Direito Processual Civil, explica, em outras palavras, o mesmo termo: "Cognição é a técnica utilizada pelo juiz para, através da consideração, análise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, formar juízos de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las." [12]

E após apresentar este conceito, o autor disseca-o, referindo que a finalidade essencial do processo de conhecimento é a obtenção de uma declaração, consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante em sua petição inicial. Para prolatar o provimento capaz de permitir que se alcance esta finalidade, é preciso que o juiz examine e valore as alegações e as provas produzidas no processo, a fim de emitir seus juízos de valor acerca destas. A esta técnica da análise e valoração é que se dá o nome de cognição.

Importante ressaltar, contudo, que a cognição, embora mais facilmente perceptível no processo de conhecimento, existe em todas as espécies de tutela, seja na cognitiva, cautelar e mesmo na execução. No processo cautelar, o juiz exerce cognição sobre os requisitos de concessão da medida cautelar: periculum in mora e fumus boni iuris.

Na execução, a cognição é, de fato, bem escassa, mas não inexistente. Observa Cândido Dinamarco que :"o juiz é seguidamente chamado a proferir juízos de valor no processo de execução – seja acerca dos pressupostos processuais, das condições da ação ou dos pressupostos específicos dos diversos atos a levar a efeito". [13]

A técnica da cognição, conforme preleciona Luiz Guilherme Marinoni, permite a construção de procedimentos ajustados às reais necessidades de tutela. [14]

A cognição pode ser analisada em duas direções: no sentido horizontal, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, em que a cognição pode ser exauriente, sumária e superficial.

No plano horizontal (extensão ou amplitude), a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo (trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito). Nesse plano, como ensina Kazuo Watanabe, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial), segundo a extensão permitida. [15] Será plena quando todos os elementos do trinômio que constitui o objeto da cognição estiverem submetidos à atividade cognitiva do juiz. É o que se dá, com maior freqüência, no processo de conhecimento, com o que se garante que a sentença resolverá a questão submetida ao crivo do judiciário da forma mais completa possível. Limitada será, por outro lado, quando ocorrer alguma limitação ao espectro de abrangência da cognição, ou seja, quando algum dos elementos do trinômio for eliminado da atividade cognitiva do juiz.

Alexandre Freitas Câmara traz os seguintes exemplos:

Pense-se numa ‘ação de alimentos’, demanda de natureza condenatória (e pertencente, portanto, às ‘ações de conhecimento’). O juiz ali analisará questões preliminares [questões processuais, segundo a classificação dada anteriormente] (como, e.g., as referentes à regularidade do processo), questões prejudiciais [condições da ação, no entendimento por nós adotado] (como a relação de parentesco entre demandante e demandado) e, por fim, a pretensão condenatória manifestada pelo autor em face do réu. [16]

Exemplo da segunda espécie, em que a cognição é limitada no plano horizontal, restringindo-se assim à análise do objeto da cognição, é o que se tem nas ‘ações possessórias’, em que – como notório – não se pode examinar a existência do domínio (vedação da ‘exceção de domínio’). Assim, por exemplo, se for proposta uma ‘ação possessória’ em que figure como réu o proprietário do bem, este não poderá alegar em defesa o domínio. A cognição é, portanto, limitada, restringindo-se à análise da posse. Fica aberta, obviamente, a via da ‘ação petitória’ para que aquele que se considere proprietário possa fazer valer este direito em juízo. Também na ação cambiária tem-se a cognição limitada, já que o devedor, seja em sede de embargos à execução ou de contestação, não pode opor defesa pessoal a terceiro de boa-fé, ficando a defesa circunscrita a certos lindes. A doutrina ainda cita o exemplo da desapropriação, em que ao Judiciário é vedado examinar se se verificam ou não os casos de utilidade pública, ou interesse social. Será, também, limitada a cognição no processo de execução, já que resta extraída do juiz a análise do mérito da causa. [17]

No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta). O primeiro caso ocorre quando ao juiz só é lícito emitir seu provimento baseado num juízo de certeza. É o que normalmente acontece no processo de conhecimento. De outro lado, tem-se a cognição sumária quando o provimento jurisdicional deve ser prolatado com base num juízo de probabilidade, assim como ocorre ao se examinar um pedido de antecipação de tutela.

Sérgio Gilberto Porto adere a esta classificação, mas alerta para a necessidade de sua diferenciação para a técnica dos cortes para sumarização. Refere o jurista:

Não há, outrossim, que confundir a extensão e a profundidade da cognição com a técnica dos cortes para sumarização. Com efeito, enquanto – de um lado – em nível de cognição, a extensão diz respeito ao plano horizontal, e a profundidade, ao plano vertical; de outro, em nível de cortes (ou seja, a limitação a ser concretamente imposta), operam-se exatamente em sentido inverso, pois para que haja limitação na extensão, é necessário que se opere um corte vertical no conhecimento, e para que haja limitação na profundidade impõe-se traçar um corte horizontal neste. A partir deste procedimento, pelo qual se separa sumarização propriamente dita dos respectivos cortes para implementação desta, tornam-se compreensíveis a proposta e sua técnica de aplicação. [18]

Não se deve confundir, destarte, cognição sumária com sumariedade formal do procedimento. No procedimento comum sumário, por exemplo, bem assim no mandado de segurança, há sumariedade formal com cognição exauriente.

Alexandre Freitas Câmara ainda sugere um terceiro gênero na classificação vertical, chamando-o de cognição superficial (ou sumaríssima). Tem-se cognição superficial, segundo o autor, "em casos – de resto não muito freqüentes – em que o juiz deve se limitar a uma análise perfunctória das alegações, sendo a atividade cognitiva ainda mais sumária do que a exercida na espécie que leva este nome". [19]

Posteriormente, justifica a necessidade desta nova forma de classificação argumentando:

Tal espécie de cognição é exercida, e.g., no momento de se verificar se deve ou não ser concedida medida liminar no processo cautelar. Se nesta espécie de processo (utilizando-se aqui a classificação tradicional dos processos quanto ao provimento jurisdicional pleiteado) a atividade cognitiva final é sumária (uma vez que o juiz não verifica se existe o direito substancial alegado pelo demandante, mas tão-só a probabilidade dele existir – fumus boni iuris), é obvio que para verificar se deve ou não ser antecipada a concessão de tal medida através de liminar não se pode permitir que o juiz exerça, também aqui, cognição sumária, sob pena de se obrigar o juiz a invadir de forma indevida o objeto do processo cautelar. Deverá o julgador, portanto, exercer cognição superficial. Ao invés de buscar o requisito do fumus boni iuris, deverá verificar a probabilidade de que tal requisito se faça presente (algo como fumus boni iuris de fumus boni iuris). [20]

Luiz Guilherme Marinoni, em que pese não adotar a mesma nomenclatura de Freitas Câmara, parece concordar com a existência deste terceiro gênero de cognição no plano vertical ao mencionar:

A sumarização da cognição pode ter graus diferenciados, não dependendo da cronologia do provimento jurisdicional no ‘iter’ do procedimento, mas sim da relação entre a afirmação fática e as provas produzidas. Perceba-se, por exemplo, que a liminar do procedimento do mandado de segurança e a liminar do procedimento cautelar diferem nitidamente quanto ao grau de cognição. No mandado de segurança a liminar é deferida com base no juízo de probabilidade de que a afirmação provada não será demonstrada em contrário pelo réu, enquanto a liminar cautelar é concedida com base no juízo de verossimilhança de que a afirmação será demonstrada, ainda que sumariamente, através das provas admitidas no procedimento sumário. [21]

Anote-se, para concluir, que as diversas modalidades de cognição podem ser combinadas num mesmo processo, sendo possível admitir-se a existência de processos com cognição plena e exauriente (como nos processos de conhecimento que seguem o procedimento comum – ordinário ou sumário); plena e sumária (como no processo cautelar); limitada e exauriente (como no processo de execução, em que o julgador não pode examinar o mérito – cognição limitada – mas profere juízo de certeza sobre as questões preliminares – cognição exauriente); limitada e sumária (como na ação de separação de corpos, em que a impossibilidade de se discutir a presença de alguma causa para que se dissolva o vínculo matrimonial limita a cognição, e a urgência com que se necessita do provimento implica a sumariedade da atividade cognitiva).


7. JURISDIÇÃO E TUTELA JURISDICIONAL

A jurisdição é a realização do direito em uma situação concreta, por meio de terceiro imparcial, de modo criativo e interpretativo (caráter inevitável da jurisdição), com aptidão para tornar-se indiscutível.

É preciso perceber que a jurisdição sempre atua em uma situação concreta; mesmo nos processos objetivos de controle de constitucionalidade, há uma situação concreta, embora não relacionada a qualquer direito individual, submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, em que se discute a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de algum ato normativo específico. [22]

A jurisdição é função criativa. Cria-se a regra jurídica do caso concreto, bem como cria-se, muitas vezes, a própria regra abstrata que deve regular o caso concreto. Como visto no pensamento de Luhmann, o dever de decidir, imposto aos órgãos jurisdicionais, confere-lhes, por conseqüência, o poder de criar a solução do caso concreto, à luz do sistema jurídico, principalmente à luz do texto constitucional.

Diz-se que a decisão judicial é um ato jurídico que contém uma norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material. Para a formulação dessa norma jurídica individualizada, contudo, não basta que o juiz promova, pura e simplesmente, a aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto. Em virtude do chamado pós-positivismo que caracteriza o atual Estado constitucional, exige-se do juiz uma postura muito mais ativa, cumprindo-lhe compreender as particularidades do caso concreto e encontrar, na norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, bem assim com os direitos fundamentais. Em outras palavras, o princípio da supremacia da lei, amplamente influenciado pelos valores do Estado liberal, que enxergava na atividade legislativa algo perfeito e acabado, atualmente deve ceder espaço à crítica judicial, no sentido de que o magistrado, necessariamente, deve dar à norma geral e abstrata aplicável ao caso concreto uma interpretação conforme a Constituição, sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade se for necessário, bem como viabilizando a melhor forma de tutelar os direitos fundamentais. [23]

7.1 Do surgimento das tutelas de urgência

No revogado Código de Processo Civil de 1939, já existia o instituto da tutela cautelar, esta inominada. Entretanto, somente com a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 é que esse instituto passou a ser explorado, provocando um movimento de constante expansão de sua aplicabilidade prática.

Fenômenos sociais e históricos contribuíram para essa mudança de perspectiva, mas, igualmente, fatores normativos de enorme importância, associaram-se aos primeiros para exacerbar a busca das formas de tutela urgente. Dentre os primeiros, basta recordar o processo de modernização da sociedade brasileira, com o crescente e acelerado desenvolvimento das comunidades urbanas e o correlativo surgimento de uma sociedade de ‘massa’, em constante processo de mudança social, a exigir instrumentos jurisdicionais adequados e efetivos, capazes de atender às aspirações de uma sociedade moderna e democrática. [24]

Assim, esse processo de modernização da sociedade levou à perturbação na paz social. Conseqüentemente, surgiram lides entre os indivíduos que, por sua vez, procuravam o poder judiciário para pacificar a demanda instaurada.

A contribuição oferecida pelo próprio Código de Processo Civil de 1973 para a expansão da tutela de urgência (cautelar ou não) tem duas causas principais: a primeira delas foi desejada pelo legislador e está representada pela importância e dignidade que o Código emprestou ao Processo Cautelar, destacando-o para formar um Livro especial, com cerca de cem artigos, contra os apenas treze existentes no Código anterior.

A segunda razão para o crescimento extraordinário da tutela de urgência, em nosso direito atual, deve-se igualmente a essa mesma opção do legislador, mas decorre de um premissa ideológica sobre a qual o legislador de 1973 não teve, em consciência, muito nítida. [25]

As tutelas de urgência são evocadas quando se está diante de um risco plausível de que a tutela jurisdicional não se possa efetivar,caso em que medidas devem ser promovidas imediatamente, para garantir a execução ou antecipar os efeitos da decisão final, sob pena da impossibilidade de execução futura e do direito em lide.

Várias são as razões que conspiram contra a celeridade, a requererem medidas garantidoras de que a tutela será devidamente útil no futuro. Pode-se listar, dentre outras razões, a dilapidação do bem, promovida pelo réu, quebrando o equilíbrio da relação, a urgência na provisão de meios de subsistência, a necessidade de obstar o que o réu se desfaça de seus bens para eximir-se da execução futura.

O comprometimento da prestação jurisdicional, pelo risco ou perigo de dano, demanda uma espécie de tutela apropriada imediata, para combater aquelas circunstâncias. Essa espécie de tutela é a tutela de urgência. [26]

Portanto, o surgimento das tutelas de urgência podem ser confundidos com os motivos do seu nascimento. Apareceram para evitar a perda ou deterioração do direito do demandante, seja pelo decurso do tempo, seja por outro meio lesivo, já que o vagaroso trâmite do procedimento comum vinha causando danos permanentes ao direito do autor.

Desse modo, tem-se o aparecimento das tutelas de urgência, que são procedimentos de ritos especiais, mais ágeis e aptos a antecipar, durante o trâmite do processo, o objeto da ação até a decisão final da lide. Atualmente, são divididos na legislação brasileira em duas modalidades: a tutela cautelar e a tutela antecipatória.


8. TUTELA CAUTELAR

Na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, a atividade cautelar:

Foi preordenada a evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris): verificando-se os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, o provimento cautelar opera imediatamente, como instrumento provisório e antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus efeitos. [27]

Uma questão-chave da tutela cautelar é o conceito de satisfação das pretensões, pois constitui o ponto de partida a separação dogmática entre satisfação e cautela. [28]

Sob o prisma jurídico processual, o termo satisfação abriga várias acepções, pois permite aceitar seu uso para designar satisfação do interesse genérico processual. Este se apresenta em todas as demandas que são asseguradas por medidas cautelares, portanto tais medidas serão satisfativas se considerado o escopo que ostentam de garantir o resultado útil ao processo. Assim, a satisfação não estaria vinculada ao direito material ou à pretensão autônoma.

Segundo ensinamentos de Ovídio Baptista:

A tutela cautelar é uma forma particular de proteção jurisdicional predisposta a assegurar, preventivamente, a efetiva realização dos direitos subjetivos ou de outras formas de interesse reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, sempre que eles estejam sob ameaça de sofrer algum dano iminente e de difícil reparação, desde que tal estado de perigo não possa ser evitado através das formas normais de tutela jurisdicional.        

Desse pressuposto fundamental decorrem duas conseqüências: uma de caráter objetivo, que é a urgência que sempre há de estar presente, de modo a legitimar a outorga da proteção cautelar; a outra de natureza subjetiva, referente ao modo pelo qual o órgão judicial deve examinar e decidir a demanda cautelar. [29]

Destarte, é uma forma de proteção jurisdicional que, em virtude da situação de urgência, determinada por circunstâncias especiais, deve tutelar a simples aparência do direito posto em estado de risco de dano iminente.

8.1 Medidas cautelares no processo trabalhista

Durante certo tempo, existiu certa resistência em relação à aplicação, no processo do trabalho, das normas concernentes às medidas cautelares disciplinadas no CPC, haja vista, haver previsão na CLT de hipóteses de cabimento de "medidas liminares" na esfera processual trabalhista inseridas nos incisos IX e XI do art. 659.

No entanto, este não foi o posicionamento adotado pela doutrina majoritária, admitindo-se a aplicação subsidiária do CPC no que tange à referida matéria.

O que se busca com essas ações é a garantia de uma situação, a preservação de um direito, enquanto não se propõe, ou não se pode propor, uma ação principal, ou enquanto se aguarda uma sentença numa ação principal proposta, sempre fundando o pedido, na seara laboral, em um direito trabalhista.

Como ocorre no processo comum, no processo trabalhista, devem estar presentes os requisitos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora".

Para o seu processamento, o CPC estabelece, em seu art. 801, requisitos especiais gerais para a petição inicial da ação cautelar, requisitos estes que devem se enquadrar àqueles disciplinados na CLT, uma vez que, esta, em seu art. 840, determina que a petição inicial poderá ser oral.

Carlos Henrique Bezerra Leite [30] entende que, na seara trabalhista, não se exige a especificação das provas a serem produzidas, conforme o é no processo civil, uma vez que estas, via de regra, são produzidas em audiência, nos moldes dos arts. 248 e segs. Da CLT. Não sendo este o entendimento, a seu turno, de Sérgio Pinto Martins, o qual entende que, ainda que seja no processo do trabalho, deve-se especificar quais as provas a serem produzidas.

O procedimento das ações cautelares seguirá o mesmo rito das demais reclamações trabalhistas.


9.TUTELA ANTECIPADA

Foi com o objetivo de imprimir rapidez na prestação jurisdicional em casos de dano irreparável ou de difícil reparação, ou de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, que o Brasil adotou o instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, que nada mais é do que a possibilidade de o juiz antecipar a solução pretendida pelo autor na inicial proposta, em decisão que se aproxima, em muito, à definitiva prolatada após regular processamento do processo.

No princípio, foi criado para ser usado no âmbito do Processo Civil e, dada a sua funcionalidade, logo o instituto foi também assimilado por outros sistemas processuais, como é o caso do Processo do Trabalho.

Na Justiça do Trabalho, as normas processuais encontram-se ínsitas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e uma delas, a do art. 769, manda que se aplique, nas omissões, as normas processuais civis, em caráter subsidiário, desde que compatíveis e não colidentes com os princípios trabalhistas.

É o que ocorre com a antecipação da tutela genérica de que trata o art. 273 do Código de Processo Civil. Em primeiro lugar, porque não há na CLT nenhum outro instituto suscetível de manejo, que tenha a mesma finalidade; em segundo lugar, porque celeridade e eficácia, objetivos precípuos da tutela antecipada, jamais serão incompatíveis com o Processo do Trabalho, que cuida, no mais das vezes, de contendas que envolvem verbas de cunho alimentar; e em terceiro lugar, porque impossível de se conceber que o uso de um instrumento com tais desígnios possa colidir com os princípios do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho.

Em que pese ser pacífico na doutrina e na jurisprudência o cabimento da antecipação de tutela na Justiça do Trabalho, alguns posicionamentos doutrinários esparsos fazem objeção quanto à necessidade da sua utilização em demandas trabalhistas, escorados no argumento de que se o procedimento legal for devidamente observado, vale dizer, com a efetiva unicidade da audiência que resulte na instrução e julgamento, a controvérsia seria rapidamente decidida e, assim, melhor do que aplicar a antecipação de tutela no Processo do Trabalho,seria simplesmente respeitar o rito imposto pela lei trabalhista.

Tal objeção, porém, no seguro entendimento de Estêvão Mallet, carece de consistência pelo seguinte:

[...] concebe-se que, mesmo respeitado escrupulosamente o rito legal das ações trabalhistas, não se cheque e não se possa chegar à rápida solução da controvérsia. É o que ocorre na prática, ainda que se observe a unidade da audiência de julgamento. O grande número de processos acarreta a designação dessa audiência em data muito posterior à do ajuizamento do pedido. Ademais, não poucas vezes mostra-se inviável manter a audiência concentrada. Pense-se, por exemplo, na necessidade de expedição de carta precatória. Considere-se, ainda, ação com pedido a reclamar a realização de perícia, formulado, no entanto, em conjunto com outros pedidos que já reúnem os elementos do art. 273, do CPC. Por que não admitir a antecipação de parte da tutela pedida? Por fim, a antecipação da tutela, punindo a parte que procura beneficiar-se da lentidão do processo (inciso II, do art. 273, do CPC), constitui instrumento perfeitamente conciliável com o propósito de aceleração do procedimento. Portanto, não é a tutela antecipada incompatível nem mesmo com o rito célere idealmente estabelecido pelo legislador para as demandas trabalhistas. [31]

9.1 Requisitos da tutela antecipada

9.1.1 Requisitos genéricos

Para a concessão da tutela antecipada, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das hipóteses contidas nos incisos I e II, do art. 273, do CPC, que haja a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação.

9.1.1.1 prova Inequívoca

Inequívoco, em sentido literal, significa aquilo que não dá margem a erro, a engano. Prova inequívoca seria, portanto, a prova certa, segura, que nenhuma margem daria a erro, a engano. Acontece, todavia, que prova alguma é inequívoca, porque simplesmente não há prova que forneça certeza absoluta sobre um fato ou um acontecimento. Por mais robusta que seja a prova, sempre subsiste a possibilidade de não corresponder ela ao que se passou no plano dos fatos.

Por conseguinte, não é viável interpretar de modo literal a expressão "prova inequívoca". Como afirma Estevão Mallet, "é preciso temperar a inadequada adjetivação legal, pois do contrário tornar-se-ia inaplicável o dispositivo". [32]

Dessa forma, por prova inequívoca deve entender-se apenas a prova suficiente à formação de juízo de probabilidade, bastante à concessão da tutela antecipada.

É importante registrar, porém, que o Processo do Trabalho lida com situações nem sempre idênticas àquelas do Processo Civil. Neste, a complexidade técnica e formal de certos institutos recomenda maior prudência ao magistrado para formar o seu convencimento. Naquele, porém, a convicção do juiz há de derivar muito mais da sua capacidade de entender os fatos da vida em sociedade do que propriamente com o refinamento de estruturas formais. Assim, v. g., se os jornais publicam que determinada empresa está sem crédito na praça e à beira da falência, não precisa o juiz do trabalho aguardar o contraditório, ou mesmo a produção de provas para convencer-se da forte probabilidade de que tenha razão determinado empregado que vem postular medidas assecuratórias de seus créditos trabalhistas que não lhe foram pagos por essa empresa.

Por isso, é oportuno destacar aqui a sensata definição atribuída por Eduardo Henrique von Adamovich à prova inequívoca, quando analisada no âmbito do processo trabalhista. Diz o ilustre professor e juiz do trabalho:

Prova inequívoca, portanto, para o Processo do Trabalho, é expressão pouco feliz do legislador. Não poderia ela ser entendida aqui como prova irrefutável ou incontestável, porque incontestável não será jamais a prova, na medida em que é, por definição, meio de demonstração de fato ou direito que busca influir no espírito de quem julga, produzindo neste a razoável certeza de tal demonstração. Inequívoco, portanto, deve ser o convencimento sobre a prova e não ela propriamente dita. [33]

9.1.1.2 verossimilhança da alegação

O termo verossímil quer dizer o que tem aparência de verdade, o provável, que tem probabilidade de ser verdadeiro, plausível. Assim, a expressão verossimilhança da alegação significa que o juiz deve convencer-se de que a alegação da parte é verdadeira, para conceder a tutela, tanto no que diz respeito ao direito material quanto à existência do perigo de dano passível de irreparabilidade, e também, quando for o caso, quanto à configuração do abuso dos atos de defesa e de protelação por parte do réu. A verossimilhança envolve a probabilidade de a situação narrada na petição inicial ser verdadeira, ou seja, não se trata de certeza absoluta, mas de aparência de verdade, pois o juízo de probabilidade vem a ser uma espécie de cognição sumária, que é a forma da cognição utilizada nas tutelas urgentes.

9.1.2 Requisitos específicos

Além dos dois requisitos de natureza probatória (quais sejam, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação), o art. 273 do CPC, estabelece ainda, como condição para deferimento da tutela antecipada, dois outros pressupostos, que devem ser observados de forma alternativa. São eles: o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

9.1.2.1 fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave.

Nesse sentido, vale trazer à colação o seguinte ensinamento de Teori Albino Zavascki:

O risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que enseja antecipação assecuratória é o risco concreto (e não hipotético ou eventual), atual (ou seja, o que se apresenta iminente no curso do processo) e grave (vale dizer, o potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte). Se o risco, mesmo grave, não é iminente, não se justifica a antecipação da tutela. É conseqüência lógica do princípio da necessidade. [34]

O dano temido pode ser tanto de ordem material como até mesmo de ordem apenas moral. A ameaça de divulgação de ato faltoso falsamente imputado ao trabalhador, pondo em risco a reputação deste, justifica, por exemplo, a utilização da tutela antecipada. Mas não se exige que os danos derivem somente de ato da parte contrária. Podem decorrer da simples demora na concessão do provimento.

De qualquer modo, a ameaça deve ser atual. Se a situação de perigo deu-se no passado e não mais se manifesta no presente, não há porque conceder a antecipação de tutela.

É conveniente salientar, porém, que, caso a persistência do evento danoso acarrete, a cada instante, novos danos ou o agravamento do dano já verificado, terá o interessado oportunidade de requerer a antecipação, como forma de se prevenir das conseqüências de tais danos, como se pode observar no seguinte exemplo dado por Estevão Mallet:

Suponha-se, a título de exemplo, que é abusivamente suspenso o pagamento dos salários devidos ao empregado. Ainda que já esteja consumado o dano pelo não pagamento do salário alusivo a um determinado mês, a continuidade do não pagamento produzirá novos e diversos danos ou, pelo menos, o agravamento do que já se deu, autorizando, em conseqüência, o deferimento da tutela antecipada. [35]

Aliadas às condições até agora apreciadas, é preciso também verificar se o dano é irreparável ou, pelo menos, de difícil reparação, pois se a lesão comportar fácil reparação, não há lugar para a concessão da medida.

Para avaliar se o dano é irreparável ou não, afirma Estevão Mallet que se deve levar em consideração não apenas a natureza do direito ameaçado, como também a condição pessoal de seu titular, pois se o direito ameaçado é de conteúdo não patrimonial (como liberdade de reunião, ou no campo trabalhista, a liberdade de sindicalização), qualquer lesão produzida será irreparável, já que tais direitos são insubstituíveis por equivalente pecuniário. E mesmo se o direito violado ou apenas ameaçado possuir conteúdo patrimonial, ainda assim vislumbra-se a possibilidade de dano irreparável em caso de inadimplemento, seja por desempenhar esse direito, necessariamente, função não patrimonial (como os alimentos do Direito Civil), ou por caber-lhe, em concreto e diante da condição pessoal de seu titular, tal função (como os salários devidos ao empregado que não possui outra fonte de renda). Em todas as hipóteses referidas, diz Mallet, sendo irreparável o prejuízo sofrido, tem cabimento a antecipação da tutela. [36]

9.1.2.2 abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu

O inciso II, do art. 273, do CPC, menciona também o abuso de direito de defesa e o manifesto propósito protelatório do réu como outros requisitos admissíveis para a tutela antecipada. Lembrando que esses dois pressupostos são alternativos, ou seja, um não precisa ser somado ao outro, de modo que, por exemplo, o abuso do direito de defesa por si só, presente a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, legitima a tutela antecipada, independentemente da verificação do risco de dano.

Estêvão Mallet afirma que o abuso do direito de defesa pode se configurar quando o réu apresenta resistência totalmente infundada à pretensão do autor, ou contra direito expresso, e, ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa, podendo-se utilizar, como exemplo, o disposto no art. 17, do CPC. [37]

O manifesto propósito protelatório também poderá legitimar a tutela antecipada, a exemplo do que ocorre com o abuso de defesa. Para se evidenciar, há que se comprovar nos autos o intuito protelatório por parte do réu, como, por exemplo, a provocação de incidentes manifestamente infundados ou a interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório .

9.2 Concessão da antecipação da tutela ex-officio

No Processo Civil, não há dúvidas de que a antecipação de tutela não pode ser concedida de ofício pelo juiz, visto que este deve manter-se distante, visando a alcançar a verdade dentro do processo, e também porque tal provimento necessita de providências próprias do requerente, ou seja, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação. Inclusive o próprio texto legal leva a essa conclusão ao se referir a requerimento da parte.

Todavia, em sede trabalhista, há corrente doutrinária que sustenta que os princípios e as regras do Processo do Trabalho não facilitam a adoção de um raciocínio fechado e radical a propósito, pois a especialização do processo laboral é marcada por forte dose de inquisitoriedade, que permite ao juiz, sempre dentro do espírito de maior proteção ao obreiro e/ou à ordem pública e social, atuar até de ofício, determinando, inclusive, medidas judiciais independentes de requerimento prévio.

Ademais, diz essa corrente que, em sede juslaboralista, não se pode olvidar a desigualdade das partes na relação processual, o que leva a CLT a emprestar ao juiz do trabalho o poder de socorrer os desassistidos, tanto nos amplos poderes para direção do processo (art. 765), como na possibilidade de ele próprio promover a execução de seus julgados (art. 878).

Assim, admitem tais doutrinadores a concessão, no Processo do Trabalho, da tutela antecipada independentemente de requerimento. Nessa esteira, Cláudio Armando Couce de Menezes é incisivo ao afirmar que o legislador civil sequer cogitou do Processo do Trabalho quando deu novas vestes ao art. 273, do CPC, de modo que a expressão a requerimento da parte outra coisa não é senão uma homenagem aos princípios da demanda e do dispositivo que regem o Processo Civil. O Processo do Trabalho, diz Menezes, é regrado pelo princípio do inquisitório e tem também como característica a capacidade postulatória das partes, o que permite ao empregado, em determinados casos, postular diretamente em juízo. Além do mais, salienta, imaginar que candangos, bóias-frias, peões de obra, peçam ao juiz uma "tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito" é cair no plano do fantástico, do delírio ou da mais pura hipocrisia. [38]

9.3 Alguns casos práticos de antecipação da tutela no processo do trabalho

No âmbito do Processo do Trabalho, a antecipação da tutela de mérito poderá ser concedida tanto nas obrigações de dar como naquelas de fazer e não fazer, e, com o advento da Lei nº 10.444/02, nas obrigações de entrega de coisa.

No ensinamento de Cláudio Armando Couce de Menezes, nas obrigações de dar, que englobam a obrigação de dar coisa e a obrigação pecuniária (de pagar), destaque especial terá o pagamento de salários reconhecidos, incontroversos ou cuja controvérsia não seja válida. [39]

Para Sérgio Pinto Martins, a tutela antecipada genérica prevista no art. 273, do CPC, terá cabimento nos seguintes casos, sem prejuízo de outros verificados na situação concreta: quando o empregado provar que recebe menos do que o salário mínimo, ou menos do que o piso normativo ou profissional; para cobrança de diferenças salariais; no caso de empresa que está para falir ou que está em estado de concordata e não paga salários aos empregados, sendo o fato notório, hipótese em que haveria o perigo de demora da prestação jurisdicional no futuro, pois poderiam não mais ser encontrados bens para a garantia da execução; na hipótese de não pagamento de salários ao empregado por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave ou relevante, importando a mora contumaz salarial de que trata o § 1º do art. 2º do Decreto-lei nº 368/68, desde que depois da defesa do empregador, pois este poderá provar, neste ato, que o empregado faltou ou ficou afastado por doença ou outro motivo. [40]

Há, ainda, vários outros exemplos de cabimento de tutela antecipada nas obrigações de fazer e de não fazer, em que os casos mais concretos são os seguintes, no confiável ensinamento de Sérgio Pinto Martins:

[...] gestante que trabalha em pé e precisa trabalhar sentada em razão da gravidez; empresa que exige serviços com pesos excessivos além de 20 quilos para o trabalho contínuo ou 25 quilos para o trabalho ocasional para a mulher (art. 390 da CLT) e o menor (§ 5º do art. 405 da CLT); mudar a função do empregado para não trabalhar em local insalubre ou perigoso. A tutela específica seria utilizada para o cumprimento de uma obrigação de não fazer, de não exigir carregamento de pesos superiores aos permitidos pela legislação. Outros exemplos poderiam ser destacados, como de o empregador não estabelecer discriminações; de não rebaixar o trabalhador de função; de promover o obreiro nos casos de quadro organizado em carreira, por merecimento e antiguidade, etc. [41]

Registra ainda o ilustre professor e juiz paulista outros exemplos que podem ser invocados no Processo do Trabalho, desta feita visando a antecipação de tutela para a entrega de coisa:

[...] tutela para entrega de CTPS, de ferramentas de trabalho, de mostruários de vendas, etc. [...] tutela para entrega de sacas de café pelo pagamento de prestação de serviços do empregado, pela qual se comprometeu o empregador, em acordo [...] tutela para entrega de produtos alimentícios ou até parte de uma safra, em acordo realizado em Comissão de Conciliação Prévia [...] [42]

Assegura Martins, no entanto, que a tutela antecipada não deve ser utilizada para questões controvertidas, como a de reajustes salariais visando a incorporação de expurgos inflacionários, URP’s e gatilhos salariais. Afirma ainda ser impossível a concessão da tutela antecipada, por invocação subsidiária ao CPC, para sustar transferência abusiva ou para reintegrar dirigente sindical, pois, para isso, há previsão específica nos incisos IX e X, do art. 659 da CLT. [43]


10. AS TUTELAS DE URGÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA NO PROCESSO TRABALHISTA

O sistema brasileiro, a exemplo do que sucede nos sistemas inglês e americano, adota a jurisdição una, de sorte que o Poder Judiciário controla não somente a atividade dos particulares, mas igualmente, os atos administrativos emanados da Fazenda Pública. Partindo deste ponto, o STF [44] ainda diz que o poder de acautelar apresenta-se inerente ao poder de julgar, de tal modo que há uma jurisdição cautelar inserida no âmbito da jurisdição, o que torna possível a concessão de liminares e cautelares contra Fazenda Pública, muito embora, haja algumas restrições à atividade de tais comandos judiciais em razão do princípio da separação dos Poderes, de vez que o Poder judiciário não poderia coactar a atividade dos demais Poderes constituídos. Essas restrições estão previstas em leis que limitam, impedem ou vedam tais liminares ou cautelares.

10.2.Da tutela antecipada

Como já visto inicialmente, a antecipação da tutela é largamente aceita nos domínios do processo do trabalho, em função da omissão da norma consolidada, nascendo, em função disso, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a teor do art. 769 da CLT, primeira parte:

"Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho..."

Também se falou que o procedimento ordinário – utilizado, normalmente, para os conflitos individuais comuns ou tradicionais – vinha se revelando ineficaz para casos de urgência, sendo inoperante para elidir uma ameaça ou evitar a concretização de um dano iminente. Em virtude dessa ineficácia, os sujeitos passaram a valer-se de ações cautelares, desvirtuando sua finalidade, justamente porque eram utilizadas para efetivar, desde logo, o direito da parte, contendo insólito cariz satisfativo, incompatível com sua feição instrumental e acessória.

Para eliminar esse uso anômalo das ações cautelares e atender ao interesse de urgência, criou-se a tutela antecipada prevista no art. 273 do CPC, com requisitos mais exigentes que os da ação cautelar. Ao invés do fumus boni juris , passou-se a a exigir a verossimilhança da alegação fundada em prova inequívoca devendo haver um risco de lesão ou, alternativamente, um manifesto propósito protelatório do réu. A esses requisitos acresce um pressuposto negativo: a ausência de irreversibilidade do provimento antecipatório.

Muito se discutiu sobre a admissibilidade da antecipação da tutela em ações propostas contra a Fazenda Pública, havendo quem se posicionasse contráriamente ao seu cabimento, sustentando não ser compatível a antecipação da tutela com a regra do reexame necessário (CPC, art. 475), nem com a sistemática do precatório (CF, art. 100).

Após acirradas discussões, chegou-se a um consenso: não se sujeitam ao reesame necessário as decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública.

Atualmente, parece não haver mais dúvidas de que é cabível a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública. Com efeito, Francisco Glauber Pessoa Alves diz:

Muito se discutiu sobre a submissão da decisão concessiva da tutela antecipada ao reexame necessário, quando contrária à Fazenda Pública, eis que satisfativa e antecipatória do mérito. A melhor solução é a que aponta para a não sujeição de tal decisão ao duplo grau obrigatório, porquanto não se trata de sentença. Haverá, isto sim, proibição de concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública nas hipóteses elencadas na Lei nº 9.494/97, de que é exemplo a concessão de aumento ou extensão de vantagem a servidor público. Neste caso não se admite a antecipação da tutela, em razão de vedação legal que toma como premissa regras financeiras e orçamentárias. Em se tratando, no entanto, de caso em que seja permitida a tutela antecipada contra Fazenda Pública, não há razão legal para submeter a correspondente decisão ao reexame necessário. [45]

De tudo, conclui-se que é vedada a antecipação da tutela contra o Poder Público nos casos previstos na Lei nº 9.494/1997, o que significa que, nas hipóteses não alcançadas pela vedação, resulta plenamente possível deferir a tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Cabível, portanto, com as ressalvas da mencionada Lei, a tutela antecipada contra a Fazenda Pública.


11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de todas as considerações invocadas, o que nos resta a refletir e entender é que o processo moderno encontra-se em evidente desburocratização, ou seja, há um consenso na doutrina e entre legisladores de que o mesmo é um instrumento para a aquisição ou proteção de um direito e não um fim em si mesmo.

Com isso, várias mudanças foram feitas na legislação processual, todas primando à satisfação eficaz dos direitos guerreados na demanda e, no caso do §7.º, do art. 273 do Código de Processo Civil, com vista a proteger o bem tutelado que se encontra em risco, não se importando, para tanto, com maiores rigores formalísticos.

A instituição da fungibilidade entre as tutelas de urgência demonstra que, não só por observância ao princípio da economia processual, mas por questão de preservação de uma garantia Constitucional (art. 5.º, XXXV, CF), deve, o Poder judiciário, colocar à frente das questões eminentemente teóricas o direito a que se busca, a proteção que se pretende com o pedido, sob pena de naufragar em infortunadas regras de formalidade.

O reconhecimento legal da fungibilidade entre tutela cautelar e antecipatória, além de conferir maior grau de eficácia às mesmas, abriu ao hermeneuta todas as possibilidades inerentes ao fato de serem espécies de um mesmo gênero. Dessa forma é lícito pregar a aplicação das regras gerais do Código de Processo Civil a respeito da tutela cautelar ao pedido de antecipação de tutela, sem maiores diferenciações que não aquelas impressas necessariamente na essência de cada uma delas.

Finalmente, cabe lembrar, que o sustentáculo constitucional dessas tutelas encontra-se no artigo 5.º, XXXV da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito". Sabe-se que, implicitamente, existe, neste artigo, o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, na medida em que o Estado é obrigado a garantir ao jurisdicionado a adequada tutela jurisdicional em cada caso concreto. É certo que a adequada prestação jurisdicional deve se somar a efetividade processual com o escopo de proporcionar, desta forma, o máximo de garantia social com o mínimo de sacrifício individual. Essas regras são importantes balizas que o Estado Democrático de Direito deve garantir ao cidadão procurando assegurar o máximo de estabilidade social nas relações jurídicas.


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MARTINS, Sergio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 1999.

MESQUITA, Eduardo Melo de. As Tutelas Cautelar e Antecipada. v.52. São Paulo: RT, 2002.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 6ª ed. São Paulo: LTr. 2001.

PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julga Civil. Rio de Janeiro: AIDE, 1998.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. v.III. Porto Alegre: Pallotti, 1993.

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. ed. Revista dos Tribunais, 1987.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1999.


Notas

  1. PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 6ª ed. São Paulo: LTr. 2001.
  2. . SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: Método. 2007.
  3. SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: Método. 2007.
  4. LEITE, Carlos Henrique Bezerra.Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2001.
  5. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
  6. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ação Civil Pública: nova jurisdição trabalhista metaindividual: legitimação do Ministério Público. São Paulo: LTr, 2001.
  7. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
  8. DALAZEN, João Oreste. Voto proferido no Processo: ROMS Número:387579 Ano: 1997 Publicação: DJ – 28/05/1999. TST
  9. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 203.
  10. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. ed. Revista dos Tribunais, 1987, p.41
  11. CÂMARA, Alexandre Freitas. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, p. 207-225
  12. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I, Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos, 1998.
  13. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. São Paulo, Ed. RT, 1984.
  14. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5ª ed, São Paulo, Editora Malheiros, 1999.
  15. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, ed. Revista dos Tribunais, 1987
  16. CÂMARA. Alexandre Freitas. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, pp. 207-225
  17. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I, Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos, 1998.
  18. PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julga Civil. Rio de Janeiro: AIDE, 1998.
  19. CÂMARA, Alexandre Freitas. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, pp. 207-225
  20. ________________________. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995
  21. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5ª ed, São Paulo, Editora Malheiros, 1999.
  22. JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.Bahia: Podivm, vol. 1, 2007.
  23. JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.Bahia: Podivm, vol. 1, 2007.
  24. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. v.III. Porto Alegre: Pallotti, 1993, p.14.
  25. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. v.III. Porto Alegre: Pallotti, 1993, p.15.
  26. MESQUITA, Eduardo Melo de. As Tutelas Cautelar e Antecipada. v.52. São Paulo: RT, 2002, p. 174.
  27. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. , 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 317.
  28. MARINS, Victor A. A. Bomfim. Tutela Cautelar – Teoria Geral e Poder Geral de Cautela. Curitiba: Juruá, 1996, p.71.
  29. SILVA, Ovídio A. Baptista da. GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2000, p. 339.
  30. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr.2004
  31. MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 32.
  32. ________________. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
  33. ADAMOVICH, Eduardo Henrique von. A Tutela de Urgência no Processo do Trabalho: uma visão histórico-comparativa: idéias para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 205.
  34. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 77.
  35. MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
  36. MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
  37. _______________. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.p.70
  38. MENEZES, Cláudio Armando Couce de, e BORGES, Leonardo Dias. Tutela Antecipada e Ação Monitória na Justiça do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: LTr, 1998, p. 43.
  39. MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Op. Cit., p. 51.
  40. MARTINS, Sergio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.p. 61-62.
  41. MARTINS, Sergio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.p.119-117.
  42. MARTINS, Sérgio Pinto. Op. Cit., p. 157-158.
  43. MARTINS, Sérgio Pinto. Op. Cit., p.61-62.
  44. CAVALCANTE, Mantovanni Colores. Os Novos Rumos da Jurisdição Cautelar. In: Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, nº1, p. 127-145. 2003
  45. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Inovações no Processo Civil (Comentários às Leis 10.352 e 10.358/2001). São Paulo: Dialética, 2002, p.60.

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MORAIS, Maria Christina Filgueira de. A cognição e as tutelas de urgência no processo trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1998, 20 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12111. Acesso em: 2 maio 2024.