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Reserva legal.

Questões pontuais do ponto de vista jurídico, especialmente em relação à região da campanha e fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul

Reserva legal. Questões pontuais do ponto de vista jurídico, especialmente em relação à região da campanha e fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO : Introdução. Reserva Legal. 1) Conceito, especificações de incidência, porcentagem e compensação. 1.1) Conceito jurídico de reserva legal. 1.1.1) "Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural". 1.1.2) "Excetuada a de preservação permanente". 1.1.3) "Necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, á conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas". 1.1.3.1) "Uso sustentável dos recursos naturais". 1.1.3.2) "Conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas".2) Questões controvertidas – Bioma Pampa. 2.1) Necessidade de cerco ao entorno da área de reserva legal. 2.2) Da necessidade de averbação da área de reserva legal junto a matrícula do imóvel. 2.2.1) Obrigatoriedade de averbação da área de reserva legal somente nos casos previstos em lei. 2.2.2) Obrigatoriedade indiscriminada de averbação da área de reserva legal. 2.2.3) Recomposição da área de reserva legal. Conclusão


Introdução

No início de 2010, fica cada vez mais premente a necessidade de esclarecimentos relativos à necessidade de averbação, na matrícula do imóvel rural, da área de reserva legal constante na propriedade, ainda que tenha havido prorrogação por mais três anos para que seja feita a averbação.

Ocorre que, apesar da legislação que obriga a averbação ter sido concebida pela Medida Provisória nº 2.166-67 de 2001, alterando o Código Florestal, Lei nº. 4771/65, inúmeros produtores rurais ainda não averbaram a área de reserva legal do seu imóvel, haja vista os numerosos problemas que este ato importará, quais sejam: restrição da propriedade, diminuição da produção, custos elevados, entre outros.

Para os produtores localizados no bioma pampa, a averbação da área de reserva legal ainda não foi levada a cabo de maneira plena, posto que existem fundadas dúvidas as quais a lei não esclarece. Revelam-se como questões frequentes, ofertadas pelo meio rural, indagações referentes ao fato da necessidade de cercamento da área de reserva legal, bem como o florestamento ou reflorestamento da mesma. Ainda, erigem-se dúvidas acerca da possibilidade de criação de gado nestas áreas.

No meio jurídico, as perquirições fundam-se em saber até que ponto é válida a sanção de multa imposta ao proprietário que deixar de averbar a sua área de reserva legal. Não são diferentes os anseios do meio acadêmico em descrever quando deve ser feita a averbação. Outrossim, existem inúmeras indagações, principalmente no âmbito dos registradores, a fim de se esclarecer qual o espírito da exigência de se dar existência registral da área referida.

Destarte, o texto a seguir será tratado com a devida parcimônia, necessária para analise pontual de cada problema existente. O estudo proposto será desenvolvido de forma a vincular o meio ambiente com o âmbito jurídico, se detendo principalmente, com a devida acuidade, na relação direta da área de reserva legal com o bioma pampa.


Reserva Legal

O conceito de área de reserva legal é encontrado no artigo 1º, parágrafo 2º, inciso III do Código Florestal Brasileiro, Lei nº 4771 de 1965, já alterado e tantas vezes remendado, atualizado e modernizado por inúmeras medidas provisórias.

Disciplina o referido mandamento que reserva legal é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.

1.1) Delimitando o conceito jurídico de reserva legal:

1.1.1) "Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural": temos que propriedade é uma extensão de terras, aonde um determinado sujeito possui título (domínio) e posse, ou apenas posse no caso de ter arrendado o imóvel. Já posse rural configura-se naqueles casos em que o indivíduo tem a posse, mas não possui o título, ou seja, o sujeito está utilizando o bem, mas não detém a propriedade do mesmo, uma vez que não tem o seu nome averbado na matrícula do imóvel junto ao registro de imóveis. A posse rural é facilmente identificável quando exemplificada em casos fáticos, especialmente na situação das pessoas que podem requerer o usucapião, ou seja, possuem a posse, mas ainda estão desprovidas do título (Registro do imóvel).

1.1.2) "Excetuada a de preservação permanente": Antes de adentrarmos na especificação do conceito, deve-se examinar, ainda que superficialmente, o que é uma área de preservação permanente.

A área de preservação permanente é encontrada tipificada nos artigos 2º e 3º do Código Florestal. É conceituada como sendo "uma área protegida coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas".

Diferentemente da área de reserva legal, a área de preservação permanente não precisa ser declarada, posto que sua concepção vem da lei, é automática, devendo ser respeitada por todos.

A norma que legisla, já conceitua e apresenta as áreas consideradas de preservação permanente, que são descritas da seguinte forma:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d''água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d''água de menos de 10 (dez) metros de largura

2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d''água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d''água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d''água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d''água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d''água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d''água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação

O parágrafo único deste artigo traz a proposição de que os planos diretores das cidades devem respeitar os limites impostos por este Código, bem como as regiões metropolitanas dos grandes centros devem seguir estas imposições ambientais.

Conclui-se, portanto, que a área de preservação permanente deve ser respeitada dentro da zona urbana. Na prática, o que se vê é que o Plano Diretor das cidades, quando este existe, prevê os limites, mas dado o infinito número de habitantes das grandes metrópoles, e o elevado percentual de pessoas de baixa renda, estas áreas acabam ocupadas de forma irregular, causando uma grande celeuma para o ente público, posto que para retirar as pessoas das áreas consideradas de preservação permanente, deve colocá-las em outra região, o que demanda grande investimento público. Como inexiste verba suficiente para realizar esta mudança, a área de preservação permanente acaba sendo desrespeitada.

A crítica não pode ficar restrita às grandes metrópoles, posto que as cidades do interior, principalmente aquelas de médio porte, já estão com suas áreas de preservação permanente invadidas pela população de baixa renda, principalmente em virtude do êxodo rural que se acentuou nas últimas décadas.

Como vimos, as áreas de preservação permanente estão conceituadas na lei e, portanto, tem sua obrigatoriedade concebida do texto legal. Logo, são automáticas. Contudo, é facultado ao Poder Público, através de ato administrativo (portaria, decisão, resolução...) declarar uma determinada área como de preservação permanente. Entretanto, esta declaração não pode ser discricionária, devendo seguir os requisitos impostos na lei, mais precisamente no artigo 3º e suas alíneas:

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras;

b) a fixar as dunas;

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

Diferentemente da área de reserva legal, a área de preservação permanente pode ser suprimida em casos peculiares, estipulados no Código Florestal. Outra peculiaridade adstrita à APP e que difere da ARL é o fato de que a primeira pode ser acessada por pessoas e animais para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa, enquanto a ARL deve ser preservada para a sua regeneração. Dessa forma, impende-se a conclusão de que em áreas florestais a ARL legal deve ser cercada, já no bioma Pampa, no nosso ponto de vista, não há esta necessidade. Contudo, este assunto será aprofundado no curso do texto.

Fechada a lacuna acerca da APP, que foi aberta com intuito de possibilitar ao leitor uma visão superficial sobre o assunto, passa-se ao exame do tópico "b" do presente estudo.

A área de reserva legal deve ser delimitada no interior da propriedade, com a exclusão das áreas de preservação permanente, ou seja, as APPs devem ser excluídas da área total do imóvel, para o fim de quantificação da área reservada para a reserva legal.

Para chegarmos a porcentagem de área de reserva legal, que deve ser apartada da utilização no imóvel, deve-se atentar para alguns parâmetros estabelecidos por lei, quais sejam, a região em que este imóvel está localizado.

Dessa forma, foram estabelecidas as necessidades ou como a lei preferiu denominar, os limites, os quais abaixo são transcritos:

Existe uma escala legal, indicando a porcentagem que cada proprietário deverá reservar na sua propriedade para instituir a reserva legal. Essa parcela obrigatória é regida pelo artigo 16 e seus incisos do Código Florestal (Lei 4771/65):

- oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

O próprio Código Florestal traz em seu artigo 1º, parágrafo 2º, inciso VI, os Estados que constituem a Amazônia Legal, são eles: Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão.

II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;

O destaque deste regramento fica por conta do fato de sua maleabilidade. Não se trata de uma norma rígida, pois admite que dentro do que foi estipulado (35%), um percentual pode se dar através de compensação ambiental. Assim, a exigência cogente ao proprietário é que 20% do seu imóvel deva ser reservado, mas os outros 15% exigidos por lei, podem ser compensados.

A compensação é realizada conforme preceitua o artigo 44, inciso 3º, do Código Florestal: se compensa a área de reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia.

O fato de não existir área apta dentro destes critérios não desobriga o proprietário que optou pela compensação, segundo o artigo 44, parágrafo 4º: Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma micro-bacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre a propriedade desprovida de reserva legal e a área escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica.

Na prática, a compensação pode se dar de três formas: com o proprietário adquirindo outra área, arrendando uma área sob regime de servidão florestal ou reserva legal, e por fim, através da aquisição de cotas de reserva florestal.

Primeira: o proprietário que buscar a compensação pode adquirir uma área dentro dos parâmetros descritos no inciso 3º, parágrafo 4º do artigo 44 da Lei. Dessa forma, aquele sujeito que não quer reservar parte de sua propriedade para reserva legal, por inúmeros motivos, mas principalmente pela produtividade e aptidão da terra para a lavoura, pode adquirir uma nova propriedade, respeitados os limites legais, e nesse novel imóvel instituir a sua área de reserva legal. Gize-se, ainda que evidente, que este novo imóvel deve conter a extensão de área que se busca compensar, sendo vedada uma área menor, mas nada impede uma extensão maior.

Para aqueles produtores que são detentores de terras férteis e com excelente relevo para o cultivo ou pecuária, esta seria uma excelente alternativa, mas que esbarraria, sem dúvidas, no alto valor que deveria ser investido na compra de uma nova área.

Segunda: O parágrafo 5º do artigo 44 do Código Florestal, prevê a possibilidade do sujeito que optar pela compensação, arrende uma área sobre o regime de servidão florestal ou reserva legal.

O texto legal é claro em relação ao arrendamento, podendo o proprietário de um imóvel arrendar uma área a fim de instituir a sua reserva legal. Esta situação pode resultar de inúmeros motivos, mas principalmente pelo fato da propriedade original estar destinada, em sua totalidade, para a lavoura ou pecuária, dando um excelente retorno ao produtor.

O arrendamento é uma boa alternativa ao produtor que pretende utilizar a totalidade de sua propriedade por um prazo determinado, ou seja, por estar cultivando uma determinada cultura, é sabedor que o seu cultivo esgotará a terra em um determinado prazo (desprezando a possibilidade de adubo e fertilizantes). Logo, este proprietário pode arrendar uma área pelo prazo que desejar, assim que terminado o prazo avençado, poderá desarrendar esta área utilizada para reserva legal, e instituir na sua propriedade, que não esta mais sendo utilizada na sua totalidade, a nova área de reserva legal.

Contudo, para produtores que não tem interesse em utilizar a sua propriedade por um prazo determinado, esta alternativa não se revela fática, pois irreal pensar que alguém estaria tendo despesas intermitentes com uma área que nunca utilizará.

A Servidão Florestal ocorre da seguinte forma: o proprietário de um imóvel institui na sua propriedade determinada área de servidão florestal e arrenda esta área a outro proprietário que não dispõe em seu imóvel da área de reserva legal.

Assim, aquele proprietário que por algum motivo não puder ou não quiser instituir no seu imóvel uma área de reserva legal, poderá arrendar de outro proprietário uma área que foi instituída como de servidão florestal.

Deve se elucidar que está área de servidão florestal quando instituída em uma propriedade, deve ser feita levando-se em conta a exclusão da área de reserva legal constante neste imóvel. Esta servidão deve ser averbada junto à matrícula do imóvel. Trata-se de um instituto de direito privado e, portanto, regulado pelo Código Civil.

Terceira: A terceira forma de compensação é feita através da aquisição de cotas de reserva florestal – CRF, disciplinada no artigo 44-B do Código Florestal. As Cotas de Reserva Florestal são títulos que representam área com vegetação nativa. Esses títulos são adquiridos por proprietários rurais que tenham ultrapassado o limite legal de desmatamento.

Uma determinada área de mata nativa dá origem a uma CRF. Cabe ao proprietário do imóvel rural em que se situa a área vinculada à CRF a responsabilidade plena pela manutenção das condições de preservação da vegetação nativa dessa área.
A CRF só pode ser utilizada para compensar reserva legal de imóvel rural situado no mesmo Estado e no mesmo bioma da área à qual o título está vinculado.

O parágrafo único do artigo 44-B dispõe que a regulamentação destas cotas disporá sobre as características, natureza e prazo de validade do título de que trata este artigo, assim como os mecanismos que assegurem ao seu adquirente a existência e a conservação da vegetação objeto do título.

Esta regulamentação está instituída no projeto de lei nº 5876/2005, que hoje encontra-se na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados no Congresso Federal.

O Projeto se perfaz da seguinte maneira:

"Proposta

O proprietário rural interessado na emissão de CRF deve apresentar ao órgão federal executor do Sisnama, por intermédio do órgão estadual competente, proposta acompanhada de:

- certidão atualizada da matrícula do imóvel expedida pelo serviço de registro de imóveis competente;

- cédula de identidade do proprietário, quando se tratar de pessoa física;

- ato de designação de responsável, quando se tratar de pessoa jurídica;

- certidão negativa de débitos do imóvel rural emitida pelo órgão federal competente;

- memorial descritivo do imóvel, devidamente georreferenciado na forma da legislação que regula os registros públicos, com a indicação da área a ser vinculada ao título.

Emissão

Aprovada a proposta, a CRF será emitida pelo órgão federal executor do Sisnama em favor de proprietário rural, identifiando:

- o número da CRF no sistema registro;

- o nome do proprietário rural da área vinculada ao título;

- a localização exata da área vinculada ao título;

- o bioma correspondente à área vinculada ao título;

- a dimensão da área vinculada ao título;

- a classificação da área;

Transferência

A CRF pode ser vendida ou doada a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito público ou privado, mediante termo assinado pelo seu titular e pelo adquirente.

Admite-se a transferência de CRF para:

- compensação da reserva legal prevista no Código Florestal;

- proteção de áreas de interesse ambiental, a critério dos órgãos ambientais.

Cancelamento

A CRF pode ser cancelada somente nos seguintes casos:

- por solicitação do proprietário rural, em caso de desistência de manter áreas nas condições previstas;

- automaticamente, por término do prazo da servidão florestal;

- por decisão do órgão federal executor do Sisnama, no caso de degradação da vegetação nativa da área vinculada à CRF cujos custos e prazo de recuperação ambiental inviabilizem a continuidade do vínculo entre a área e o título.

O cancelamento da CRF utilizada para fins de compensação de reserva legal só pode ser efetivado se assegurada reserva legal para o imóvel no qual a compensação foi aplicada.

Crime ambiental

O projeto acrescenta à Lei de Crimes Ambientais (9605/98) pena de detenção de um a três anos ou multa, ou ambas, para quem degradar área de reserva legal ou utilizá-la em desacordo com as normas de proteção. Segundo o projeto, incorre nas mesmas penas quem degradar área vinculada a Cota de Reserva Florestal ou utilizá-la em desacordo com as normas de proteção. [01]"

A Cota de Reserva Florestal nada mais é do que a instituição de uma servidão florestal transformada em títulos. Na prática funciona da seguinte maneira: o proprietário de um imóvel institui uma servidão florestal em determinada parte do seu imóvel, excluída a sua reserva legal, e transforma esta área fruto da servidão em títulos, que podem ser comercializados ou doados.

A diferença marcante entre a servidão florestal passível de arrendamento e a servidão florestal negociável através de cotas, no nosso entender, é a responsabilidade pela preservação da área de servidão. Na servidão fruto de arrendamento, quem fica responsável pela área é o arrendatário, enquanto na servidão por cotas de reserva, quem fica responsável pela área é o proprietário que instituiu a servidão.

Destarte, aquele proprietário que não quiser ou não possuir área de reserva legal em sua propriedade, poderá adquirir cotas de reserva florestal a fim de compensar a inexistência no seu imóvel de ARL.

Apresentada as três formas de compensação da área de reserva legal, impõe-se mencionar que a lei consagra outro mecanismo que possibilita ao proprietário que não possui ou não quer instituir área de reserva legal cumprir a legislação.

Trata-se do dispositivo contido no artigo 44, parágrafo 6º do Código Florestal, o qual prevê a possibilidade do proprietário rural se desonerar da obrigação de compensar, desde que faça a doação ao órgão ambiental competente de área localizada no interior de unidade de conservação de domínio público, pendente de regularização fundiária.

Aquele produtor rural que não quiser instituir área de reserva legal em sua propriedade e nem desejar compensar esta área através das três possibilidades descritas a cima, pode cumprir a determinação legal, desde que doe ao Órgão Administrativo instituidor da Unidade de Conservação (IBAMA – federal, SEMA – estadual e órgão municipal) área condizente com o percentual exigido para reserva legal em sua propriedade, dentro de uma unidade de conservação e desde que esta área esteja pendente de regularização fundiária.

Destaca-se que apesar da lei não tratar essa possibilidade como uma forma de compensação, esta doação pode ser enquadrada sim como uma alternativa a fim de compensar a reserva legal. A lei trata esta doação como uma forma de desoneração do proprietário rural, mas na sua essência, reveste-se como uma modalidade de compensação da área de reserva legal que o proprietário não possui ou não quer instituir.

A Lei nº. 9985/2000, regulamentada pelo Decreto 4340/2002, disciplina as unidades de conservação, que podem ser exemplificadas como as áreas de proteção ambiental (APA), Parques Nacionais, Reservas Ecológicas... . A grosso modo, uma vez que esse ponto não é o centro do estudo, unidades de conservação pendentes de regularização fundiária são aquelas extensões em que o Poder Público instituiu como unidade de conservação, que dependendo do caso, pode haver a necessidade de ser realizada uma desapropriação, indenização ou remoção das populações que por lá habitavam.

Deste modo, se houver um Decreto consolidando aquela área como de unidade de conservação e nenhuma atitude positiva for tomada pelo Estado a fim de indenizar os proprietários ou remover as pessoas habitantes deste local (quando necessário, pois haverá casos em que é prescindível indenizar ou remover as pessoas), poderá considerar-se esta unidade de conservação como pendente de regularização fundiária.

Portanto, é concebido para aquele proprietário que não quer instituir no seu imóvel a área de reserva legal e nem tem interesse em compensar a referida área, a possibilidade de auxiliar o Poder Público através da injeção de dinheiro, ou seja, através de doação de áreas dentro de unidades de conservação pendentes de regularização fundiária.

Analisando o artigo em comento, sob o enfoque restritivo, percebe-se de forma singela, que a previsão contida no mesmo, diz respeito à possibilidade de um proprietário adquirir uma área dentro de uma unidade de conservação, já instituída pelo Estado, mas não efetivada, e doá-la para o ente público dando o domínio legal de forma plena ao Estado.

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

Na análise contextual destes incisos III e IV cumulados com os incisos I e II, percebe-se que os primeiros foram restritivos, demarcando de forma cabal a área em que pretendiam instituir os índices trazidos em seus bojos, enquanto os segundos são amplos e residuais, atingindo as demais regiões, que não aquelas abarcadas pelos primeiros.

O Brasil possui seis biomas, a saber: Pampa ou campos sulinos, que na lei vem conceituados como campos gerais, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Amazônico e Pantanal Mato-Grossense.

No Bioma Pampa, Bioma Mata Atlântica, Bioma Caatinga e Bioma Pantanal, o índice da propriedade destinado à reserva legal será de 20% (vinte por cento). Já no bioma Amazônico, a porcentagem da área de reserva legal é 80% (oitenta por cento).

Contudo, o problema que emerge é em relação ao Bioma Cerrado, pois parte dele encontra-se dentro da área do que a lei conceituou como Amazônia Legal. Dessa forma, quando a propriedade se encontrar no bioma cerrado dentro da área da Amazônia legal, esta terá que respeitar a porcentagem de 35% (trinta e cinco por cento) de área de reserva legal. Já se esta propriedade estiver situada dentro do bioma cerrado, mas fora da Amazônia legal, deverá respeitar o índice residual de 20% (vinte por cento) do total da propriedade para instituir a área de reserva legal.

O mapa fornecido pelo IBGE possibilita uma melhor compreensão da extensão e abrangência de cada bioma:

Os índices descritos acima e que são impostos para a constituição da reserva legal, ganham maior relevo e críticas quando analisados do seguinte ponto de vista: A restrição percentual legal impede a utilização da totalidade da propriedade. Dessa forma, em respeito aos parâmetros cogentes, temos que nas propriedades situadas dentro da Amazônia Legal, apenas 20% (vinte por cento) da extensão total da propriedade pode ser utilizada para cultivo ou criação. No Cerrado, localizado dentro da Amazônia Legal, apenas 65% (sessenta e cinco por cento) do imóvel pode ser usufruído e nos demais imóveis, localizados fora destas regiões, a fruição da propriedade passa a ser de 80% (oitenta por cento).

O avassalador número de criticas surge do fato de que a área de reserva legal deve ser demarcada tendo em vista a extensão total do imóvel, desprezando-se as áreas de preservação permanente. Ora, se um imóvel de 100 hectares possuir 30 hectares de área de preservação permanente, a porcentagem para auferir a área de reserva legal incidirá ainda assim sobre 100 hectares. Se considerarmos o percentual de 20% (vinte por cento), que é o mínimo, temos que a área de reserva será de 20 hectares. Logo, restará a extensão de 50 hectares para produzir, o que inviabiliza verdadeiramente a produção de qualquer produto agropecuário em uma propriedade.

Ao nosso sentir, o modelo mais adequado seria considerar as áreas de preservação permanente, permitindo que dentro destas áreas fosse instituída a reserva legal. Logo, a área de reserva legal poderia ser instituída dentro da área de preservação permanente, obrigando, neste caso, o proprietário a tornar intocável aquela área onde estivesse a reserva legal.

1.1.3) "Necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.": A reserva legal foi instituída com o espírito de ser o sustentáculo do meio ambiente em caso de esgotamento total dos recursos naturais de uma propriedade. Com isso, pensou o legislador em garantir um embrião dentro de uma área aonde fosse capaz que a própria natureza, por si só, se regenerasse em caso do resto da propriedade entrar em colapso ambiental.

A porcentagem prevista em lei foi o modo que o legislador encontrou como sendo o mínimo possível para possibilitar que a natureza inicie o seu processo de regeneração em caso de degradação total da propriedade. Assim, os limites estabelecidos no texto legal foram obtidos através de estudos realizados por técnicos na área, sendo este mínimo de reserva legal essencial para que a natureza, por desforço próprio, volte ao seu status quo anterior à agressão.

Fragmentando o texto em destaque temos que:

1.1.3.1) "Uso sustentável dos recursos naturais": A área de reserva legal não pode ter sua vegetação suprimida. Entretanto, a lei previu em seu artigo 17, parágrafo 2º a possibilidade do proprietário utilizar esta área, segundo o diploma legal "A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável".

Portanto, a área de reserva legal é intocável para fins de alteração, mas pode ser explorada economicamente, através de manejo florestal sustentável, que tem como característica a extração da madeira sem o comprometimento do ecossistema florestal, o que repercute no baixo impacto sobre a floresta remanescente.

O manejo florestal sustentável se dá através de técnicas nas quais se busca balancear as características das propriedades e produtores (pequenas áreas de floresta), limitação de mão-de-obra e investimento) com as técnicas de manejo aplicadas, ou seja, ciclos de corte curto, intensidade de corte baixa e uso de tração animal para o arraste da madeira. Essa maneira de agir possibilita o crescimento da floresta mesmo diante das extrações que são feitas.

Exemplificativamente, o manejo florestal funciona respeitando os seguintes critérios: Baixo volume a ser extraído por hectare; Extração não mecanizada, com utilização de tração animal, o que gera menor dano ambiental pela não utilização da mecanização na fase de exploração; Planejamento cuidadoso com queda direcionada, proteção das árvores remanescentes e planejamento das trilhas de arraste.

Dessa forma o proprietário não fica engessado em relação àquela área de reserva legal. Contudo, a lei só previu o uso sustentável dos recursos naturais através do manejo florestal. Todavia, este Código abarca outros biomas que não possuem área florestal em sua essência, o que gera grande dúvida acerca de como usar, de forma sustentável, uma propriedade coberta em sua plenitude por campos nativos. O uso sustentável dos recursos naturais pode se dar através da coleta de frutas, extração de casca, raízes e insumos (como o látex), mas em relação aos campos do bioma pampa fica complexa a análise sobre a utilização de forma sustentável da região, pois nesta área só há pasto e gramíneas em quase toda a sua totalidade. Mas isso será tratado de forma restrita quando analisado o bioma pampa.

1.1.3.2) "Conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas": A palavra conservar vem adjetivada duas vezes, junto com a palavra proteção. Logo, a conclusão imperiosa que se deve abstrair é que a intenção do legislador com a instituição da reserva legal foi a de preservar aquela área restrita, pois só assim é possível reabilitar os processos ecológicos, conservar a biodiversidade e dar abrigo e proteção a fauna e flora silvestre.

Impende portanto, ao proprietário, no mister de sua qualidade, para que seja possível cumprir o zelo exigido por lei, salvo melhor juízo, cercar a área que delimita a reserva legal, pois só assim será possível que os processos naturais se estabeleçam e os cuidados devidos sejam efetivados.

O que a lei quis dizer com a expressão reabilitação dos processos ecológicos, foi a necessidade daquela natureza local restabelecer seu estado primitivo, readquirir o seu equilíbrio natural, sem a intervenção humana, tornar a natureza desta área nua e infanta, sendo que esta matéria já teve sua devida explicitação no momento em que tratou sobre os índices de reserva legal.

A biodiversidade pode ser conceituada, de forma latu sensu, como a vida no planeta. Já de forma restritiva, podemos configurá-la como a variedade genética dentro das populações e espécies, a variedade de espécies da flora, da fauna, de fungos macroscópicos e de microrganismos, a variedade de funções ecológicas desempenhadas pelos organismos nos ecossistemas; e a variedade de comunidades, hábitats e ecossistemas formados pelos organismos.

Portanto, a proteção da flora e da fauna já estariam envolvidas quando se tratou de biodiversidade, mas por opção o legislador, preferiu enquadrá-las de maneira enfática. Sinteticamente, flora pode ser comprendida como a vida vegetal e a fauna como a vida animal que habita uma determinada região. Cada região e cada bioma possuem sua fauna e flora de maneira peculiar, fato este que levou o legislador a adotar índices escalonados para fixação da área de reserva legal, pois existem regiões que se regeneram mais rápido do que outras.

Especificadamente, em relação ao bioma pampa, sua flora permite e necessita da integração do animal bovino, equino, ovino para que haja o perfeito equilibrio. Estes animais fazem as vezes de combatentes das espécies de gramineas invasoras. Deve-se ter muito cuidado quando se trata de conservação e, portanto, levar a cabo medidas que não são condizentes com a realidade, como por exemplo, o cercamento da área, que é um contrasenso à ideia fundadora da necessidade de instituição de área de reserva legal, como adiante será demonstado.


2) Questões controvertidas – Bioma Pampa:

Explicada de maneira contextual a área de reserva legal, bem como sua procentagem e necessidade existencial dentro da propriedade, surgem três questões ímpares sobre o tema. A primeira diz respeito à necessidade de cerco no entorno da área de reserva legal. Já o segundo é inerente ao fato da necessidade de averbação da área de reserva legal junto à matrícula do imóvel. Por fim, a terceira diz respeito quanto à necessidade de se recompor (plantar na área de reserva legal). A partir desse momento, passamos ao estudo individual de cada problemática, especificadamente sobre a sua incidência no bioma pampa do Estado do Rio Grande do Sul.

2.1) O cerco no entorno da área destinada a reserva legal: Nos parece que a área de reserva legal deve ser cercada, pois só assim, as matas, florestas e bosques poderão se regenerar e manter seu equilibrio, salvo no bioma pampa do Rio Grande do Sul, quando esta área for destinada a criação de gado em regime de campo natural. As regiões sul, campanha e fronteira oeste possuem uma vegetação diferente das demais regiões do país, sendo elas que englobam o bioma pampa.

A fim de sustentar a tese de que apenas no bioma pampa a área de reserva legal não necessita ser cercada, nos termos restritos a cima, passamos a compreender determinados conceitos, a começar pela explicação sobre o que é um bioma.

Bioma é um conjunto de vida (animal e vegetal) constituido pelo agrupamento de tipos de vegetação contiguos e identificaveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma diversidade biológica própria. Portano, podemos afirmar, de maneira categórica, que no Brasil apenas as regiões supra elencadas são envolvidas pelo bioma pampa, daí que a afirmação de não necessidade de cercamento da área só é vinculado à estas regiões.

Como dito anteriormente, o bioma pampa também é conhecido como campos sulinos, designação que foi adotada pela lei. Segundo o IBGE, este tipo de ecossistema ocupa 2% (dois por cento) do território nacional. Se caracteriza de maneira peculiar em relação aos outros biomas brasileiros por ser composto por gramíneas e plantas rasteiras, sendo encontradas algumas árvores e arbustos perto dos cursos d’água. Possue em sua flora cerca de 400 espécies de gramíneas, enquanto a sua fauna é composta aproximadamente por 385 espécies de aves e 90 espécies de mamiferos terrestres.

A peculiariedade do bioma pampa é traduzida pelo macroclima existente, ou seja, tipo de solo, condição do substrato, tamanho em extensão, barreiras geográficas e outros fatores físicos. Assim que dada as suas caracteristicas, percebe-se que a existência de bovinos , equinos e ovinos criados a campo natural (sem implementação de pastagens) está em perfeita constância com o bioma pampa, não havendo nenhuma necessidade de cercamento da área de reserva legal.

Embora evidente, destaca-se através do presente trabalho, que nas áreas contidas dentro do bioma pampa destinadas à plantação de pastagens e lavoura, deverá sim o proprietário cercar a área de reserva legal.

Acreditamos que em relação às áreas de pastagens o tema ainda esteja obscuro, devendo os biólogos e geógrafos aprofundar os estudos para averiguar até que ponto a inserção artificial de gramíneas pode prejudicar ou alterar o bioma pampa. Outrossim, deverá ser analisado se a pastagem artificial cultivada em parceria com a pecuária se desenvolve de maneira sustentavel e sem agredir o bioma, sendo a resposta positiva não existe óbice legal, neste caso, que obrigue o cercamento da área de reserva legal no imóvel.

Entretanto, não surgem questionamentos em relação às áreas exclusivamente lavoreiras, sendo que estas devem ter sua reserva limitada e protegida com a inauguração de proteção fisica nos seus limites, uma vez que a atividade agricultural modifica o ecossistema.

A ideia de ser prescindivel o cercamento da área de reserva legal nas propriedades envolvidas pelo bioma pampa que são destinadas exclusivamente para a pecuária em campo nativo é concebida a partir da análise empirica e contextual legal sobre a área de reserva legal.

O contexto dorsal que alicerçou o surgimento da área de reserva legal foi a necessidade de se reservar, dentro da propriedade, uma área onde fosse possível a natureza se reestabelecer por suas próprias forças. Esta área deveria ser reservada para que, no seu interior, o ecossistema preservasse a sua virgindade, a fim de possibilitar a sua regeneração em caso de degradação das demais áreas daquela propriedade.

Ocorre que ao tratarmos sobre o bioma pampa em regime de pastoreio em campo nativo, podemos afirmar de maneira absoluta, que é imprestável a aplicação da norma de reserva legal em relação à limitação (porcentagem) e cercamento da área reservada. Isso porque, no momento em que há perfeita interação, de maneira sustentável, entre a flora (campo) e fauna (gado, equinos e ovinos), tornando um ambiente equilibrado e no seu estado original, está se mantendo a ideia que fundou a reserva legal, não só em parcela da propriedade, mas sim em toda a sua extensão.

Portanto, não se vislumbra necessidade de limitar com divisas a área de reserva legal, pois o imóvel de forma absoluta, está sendo reservado, ou seja, a criação de gado no bioma pama, em campo natural, conserva a propriedade em sua estado primitivo. O cercamento só é necessário para aquelas propriedades onde se vislumbra a alteração do meio ambiente. Como a pecuária neste tipo de bioma não afeta a sua essência, torna-se imprestável o cercamento da reserva. Gize-se que neste caso, o espírito da lei que previu a reserva legal está sendo preservado, pois com a pecuária em campo nativo o ecossistema daquela propriedade está sendo preservado em seu estado primário.

Em última análise, cabe grifar que os índices referentes à reserva legal e sua consequente delimitação, não possuem aplicação para as propriedades que possuam características como as mencionadas a cima, posto que o índice torna-se desprezível, uma vez que a propriedade não está sendo parcialmente destinada a reserva legal, no caso 20% (vinte por cento), mas sim está sendo totalmente destinada à reserva legal.

Igualmente, a construção de limites fisicos é prescindivel pois não tem necessidade de se conservar uma área virgem para que se reestabeleça a natureza, já que a integração da pecuária com o bioma pampa mantém o ecossistema em seu estado original, não sendo necessário, portanto, reservar parcela do imóvel para reserva legal.

Ademais, o cercamento e retirada do gado em áreas de campo nativo não é desejável, pois propiciaria o estabelecimento de plantas arbustivas (como o espinilho, por exemplo) com a conversão de áreas com predominância de campo nativo em áreas de predominância de vegetação arbóreo-arbustiva, causando perda da biodiversidade local devido ao sombreamento do solo e o desaparecimento das espécies herbáceas características dos campos nativos, assim como devido ao abandono destas áreas pela fauna que estavam associadas às áreas de campo "aberto".

Assim que, além de ser perfeitamente possível a integração e equilíbrio do bioma pampa com o desenvolvimento da pecuária em campo nativo, o próprio bioma pampa reclama a presença de bovinos, equinos e ovinos, espécies de mamíferos para o seu perfeito desenvolvimento. Isso porque dentro da fauna que o compõe, existem inúmeras espécies de mamíferos herbívoros. Dessa forma, podemos concluir que os bovinos, equinos e ovinos não são alienígenas ao Bioma e sim fazem parte do sistema ecológico, sendo necessária a sua presença para a manutenção do sistema, fortalecendo-o ainda mais e favorecendo a estabilidade e a biodiversidade do Pampa.

Em síntese, podemos concluir que os imóveis rurais inseridos no bioma pampa, que se utilizam da propriedade de maneira sustentável, através da pecuária em sistema de campo nativo, devem ser consideradas em sua plenitude áreas de reserva legal e, por conseguinte, dispensam o cercamento da área destinada à reserva legal.

O Código Florestal vai reclamar a delimitação física da reserva legal, no nosso entendimento, apenas quando: se tratar de área de floresta ou dentro do bioma pampa quando a atividade desenvolvida na propriedade for exclusivamente a agricultura ou plantação de pastagens. Salienta-se que a propriedade destinada à lavoura poderia instituir a sua área de reserva legal e nela fazer a integração lavoura pecuária, uma vez a possibilidade da criação de animais herbívoros nesta área destinada à reserva legal.

Torna-se evidente, à luz da concepção da teoria que concebeu a doutrina da reserva legal, que em áreas de florestas (leia-se de forma extensiva, posto que deve englobar os demais biomas brasileiros, excluindo-se o pampa) a reserva legal deve ser protegida por meio de contenção física, pois só assim haverá meios propícios para que a vegetação se restabeleça e fique conservada.

Ainda que seja elementar, é importante salientar que não havendo cerco, a agricultura certamente tomará conta da zona que deveria ser destinada à reserva legal na propriedade. Não menos notório é o fato de o gado não deixar a floresta se reerguer retornando ao seu status quo, já que além de mutilar através de pisoteio as novas mudas de árvores, acaba devorando os brotes jovens, impedindo, assim, que a floresta estabeleça o seu ciclo completo, desequilibrando de forma flagrante aquele ecossistema.

Em relação ao bioma pampa, a prescindibilidade se constata apenas quando verificada na propriedade que o modelo de produção é a pecuária desenvolvida exclusivamente em sistema de pasto nativo. Ante a este fato, imperiosa a constatação de que se uma propriedade estiver totalmente dentro do bioma pampa, mas se destinar de forma absoluta à agricultura, a mesma deverá reservar e cercar a área de reserva legal.

Tal premissa deve ser estendida e vinculada, pelo menos até que sejam efetuados estudos mais cuidadosos para aquelas propriedades que são voltadas para a pecuária mas com toda a sua extensão destinada ao cultivo de pastagens.

Surge neste ponto uma zona nebulosa em relação àqueles imóveis que se destinam à atividade agropecuária, ou seja, tem parte da propriedade dispensada à agricultura e outra parte vinculada à pecuária em campo nativo. Neste caso, o proprietário deve se indagar como proceder em relação à área de reserva legal.

A resposta, a nosso ver, surge a partir da hermenêutica jurídica, ou seja, através da interpretação legal do Código Florestal. Contudo, primeiramente cumpre desvendar que não existe tal problema quando a propriedade for intercalada com agricultura e pecuária em pastagens artificiais, pois neste caso, sem sobra de dúvidas, deverá o possuidor do imóvel, além de reservar a área de reserva legal, circundar aquele local com cercas, se abstendo de cultivar neste pedaço, mas podendo criar animais nesta zona.

Em relação à problemática surgida no ementário a cima, temos que a resposta é simples e singela. Ora, se é permitido, ou melhor, se deve ser permitido ao criador utilizar a área de reserva legal de sua propriedade para desenvolver a produção em campo nativo, uma vez que estaria se considerando toda a área como de reserva legal, deve-se também permitir a este produtor que utilize a área de reserva legal para a criação do gado.

Simplificadamente, para aquele produtor que planta e cria gado, a área de reserva deveria ser demarcada, mas não haveria impedimento para que se criasse gado na sua extensão. Assim que se no interior de um imóvel houvesse áreas destinadas ao cultivo, a área de reserva legal poderia ser aproveitada com a criação de gado. Logo, toda a propriedade seria aproveitada, não haveria limitações, apenas existiria a necessidade de se demarcar a área de reserva legal, para evitar fraudes.

Por derradeiro, ante ao que foi tratado neste tópico, temos como pontos conclusivos:

- as propriedades que se encontram fora do bioma pampa devem ter cercada a área de reserva legal, abstendo-se o proprietário da utilização desta área demarcada.

- as áreas que se encontram inseridas no bioma pampa e que são destinadas exclusivamente para a agricultura devem ter erigidos limites físicos que circundem a área de reserva legal, não podendo o proprietário utilizar esta parcela do solo para plantação.

- os imóveis englobados pelo bioma pampa, aproveitados em sua extensão total para o plantio de pastagens, devem ter reservadas e protegidas através da imposição de obstáculo físico a área de reserva, a fim de impedir a utilização da área.

- os campos pertencentes ao bioma pampa e que são destinados para agricultura e plantação de pastagens devem ter apartada a área de reserva legal, protegendo os seus limites com a construção de barreiras, não devendo o proprietário utilizar a área.

- já para os imóveis pertencentes ao bioma pampa e que são destinados parte para a agricultura e parte para pecuária em campo nativo, existe a necessidade de demarcação e limitação através de cerca da área, mas esta área pode ser usada para a criação.

- por fim, as propriedades que se encontram dentro do bioma pampa e que desenvolvem a pecuária em campo nativo, não necessitam ter cercada e nem delimitada a área.

2.2) Da necessidade de averbação da área de reserva legal junto à matricula do imóvel: No nosso entender, não há discussões possíveis a se erigir quanto à legalidade da obrigatoriedade de destinar área à reserva legal, pois pode sim o ente administrativo exigir do particular esta limitação proprietária, em consonância com os principios constitucionais de proteção ao meio ambiente e função social da propriedade.

Entretanto, a imposição da obrigação de averbar esta área junto a matrícula do imóvel, bem como a aplicação da infração administrativa para aqueles que deixarem de averbar, tem-se que tal restrição se mostra, no nosso sentir, totalmente descabida, desproporcinal e irrazoável e, portanto, poderia ser banida do meio jurídico.

A previsão legal que referencia a necessidade de averbação junto à matrícula do imóvel da área de reserva legal vem disposta no artigo 16, parágrafo 8º do Código Florestal,. Reza tal preceito que "A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área".

Honrando a hermenêutica, podemos afirmar que o preceito acima comporta dois entendimentos, a saber: primeiro, que a área de reserva legal só deve ser averbada na matrícula do imóvel em caso de transmissão, de desmembramento ou de retificação da área; segundo: é obrigação do proprietário, independente de ocorrer os eventos descritos anteriormente, a averbação de área de reserva legal na matrícula do imóvel. Chega-se a esta conclusão quando interpretado o artigo 16 do Código Florestal de forma sistemática com o artigo 55 do Decreto 6514 de 2008.

A seguir, serão tratadas as duas correntes, mas desde já informa-se que este autor comunga da primeira doutrina, pelos fatos e fundamentos que serão expostos.

2.2.1) É obrigatória a averbação somente nos casos previstos em lei:

A obrigatoriedade de averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel, sem dúvidas, empurra qualquer tipo de análise a ser feita para ótica do direito registral. Em sua essência, o registro de imóveis surgiu para dar publicidade da coisa ao meio social, ou seja, tornar público aos olhos da sociedade quem é o real proprietário de um imóvel.

Nessa esteira, entendemos que não é necessária a averbação da área de reserva legal, salvo nos casos de transmissão, desmembramento ou retificação da área, haja vista que não é necessário que toda a sociedade tenha conhecimento onde reside a área de reserva legal de uma propriedade, bastando que o ente público o saiba.

No nosso entender a necessidade legal de averbação da área de reserva justamente se dá para que o novo proprietário ou sucessores saibam onde se encontra esta área, uma vez que a mesma não pode ser alterada ou mexida depois de instituída.

Fora destes casos, fica sem sentido exigir-se a averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel, isso porque aos interessados, no caso órgão ambiental e proprietário, o importante é a instituição da área e sua conservação na prática.

É evidente que no dia a dia pouco importa para a fauna e a flora de uma área de reserva legal se ela está averbada ou não. Também foge ao interesse do órgão ambiental fiscalizador qualquer registro burocrático, pois a este ente administrativo o necessário é que a área que foi escolhida como de reserva esteja demarcada (quem escolhe a área dentro da propriedade é o ente público) e conservada.

Outrossim, não alcança os interesses do proprietário o tramite rigoroso dos registros de imóveis, pois a esta pessoa o importante é que no plano fático a lei está sendo cumprida.

De maneira um tanto irônica, impõe-se algumas indagações, tais como, será que as plantas e os animais que vão habitar a área de reserva se indagarão sobre a possibilidade daquela área estar averbada na matrícula do imóvel? Será que o ente administrativo ambiental, quando realizar o seu poder de polícia através da fiscalização, irá apenas conferir teoricamente nos registros de imóveis se existem averbações nas matrículas dos imóveis. Ou melhor, se depois de demarcada a área de reserva legal, pelo próprio ente e verificado o seu fiel cumprimento pelo proprietário, será que o órgão fiscalizador irá se dirigir ao registro de imóveis a fim de verificar a averbação?

Mas cabe mais uma dúvida pertinente. Podemos afirmar que falece interesse tanto ao Estado quanto ao proprietário o fato da averbação, isso porque no caso basta a instituição da área de reserva legal na propriedade. Assim, pergunta-se qual a eficácia da averbação, ou seja, quais os efeitos oriundos desta averbação tanto para o Estado quanto para o particular?

Em resposta às assertivas supra arguidas, podemos chegar de maneira clara e coesa a certas conclusões. Manifesto que a primeira perquirição tem elevado grau irônico e utópico, mas cumpre demonstrar, por oportuno, que apesar do tom jocoso, existe sim um grau de verdade que, consequentemente, torna claro o fato de ser desnecessária a averbação da reserva legal.

Ora, para a fauna e flora basta um local reservado, isso quer dizer que frente ao meio ambiente desimporta, de maneira cabal, a ocorrência de averbação da área. O que se quer dizer com isso é que a necessidade de averbação não da maior ou menor proteção ao ecossistema. A simples averbação não contribui nem para preservação e nem para a proteção da área de reserva legal, isso porque para o meio ambiente o necessário é a reserva fática e não o simples papel.

Portanto, se a averbação não vincula de maneira protetiva o meio ambiente, tendo papel absolutamente desprezível dentro da sistemática social e jurídica, deve ser castrada do direito pátrio, mantendo-se restrita apenas nos casos descritos pela lei. Pois é justamente nos casos descritos em lei pode se ver o papel que desempenha a averbação da reserva legal, mas somente nestes casos.

Nos casos enumerados na lei, se faz imperiosa a averbação da área a fim de dar publicidade ao novel proprietário (a qualquer título) do local onde está encravada a reserva legal, isso porque depois de instituída, ela é imutável.

Bom, nestes casos entende-se a pertinência da lei que obriga a averbação, pois além de publicizar ao novo proprietário a existência e local da reserva legal, impede que o mesmo altere a área de reserva. Ademais, evita discussão sobre o negócio jurídico que se entabulou, já que o adquirente não pode arguir futuramente indenização por existir uma área intocável no imóvel ou mesmo exigir do vendedor indenização caso seja multado pelo órgão ambiental se constatada a inexistência da área de reserva legal.

Após instituída a área de reserva legal, esta é imutável, sendo essa imutabilidade decorrência lógica da essência instituidora da reserva legal, pois se esta área busca preservar um quinhão da propriedade para que na eventualidade de esgotamento daquele solo, esta área apartada germine o restabelecimento ambiental de toda a propriedade, a sua constante troca impediria que esta zona tivesse força para se estender às demais regiões da propriedade. Portanto, andou muito bem o legislador ao proibir mudanças na área de reserva legal depois de instituída. Ademais, a possibilidade de alteração da área de reserva legal permitiria aos proprietários a utilização de toda a propriedade, fazendo um rodízio anual ou até semestral das áreas de preservação, impedindo com isso a aplicação fática e procedimental do espírito engajado na lei que criou esta obrigação, posto que o rodízio de áreas impediria o fortalecimento de uma área de reserva, impedindo assim, que ela tivesse força para se expandir para o resto da propriedade em caso de colapso ambiental.

Em relação ao segundo questionamento, podemos chegar a seguinte resposta. O órgão fiscalizador, desempenhando o seu papel de polícia administrativa ambiental, se dirige a certa propriedade e lá constata que este imóvel possui a sua área de reserva legal, dentro dos parâmetros legais e administrativos.

Logo, está estritamente cumprindo o que a lei lhe impôs, bem como está cumprindo a sua função social e ambiental. Portanto, cabe nos perguntar até que ponto tem interesse o órgão ambiental em saber se esta área de reserva esta averbada. Ao nosso ver, basta para o órgão ambiental fiscalizador que a propriedade cumpra o que lhe foi imposto e com isso beneficie o meio ambiente, não havendo interesse para o órgão fiscalizador em saber se aquela área de reserva legal esta averbada, isso porque o simples registro não tem o condão de beneficiar o ecossistema deste imóvel.

Ou seja, o que o órgão ambiental quer é a proteção da natureza e sua função é verificar o que a lei impôs como condição para a proteção do meio ambiente, e se o registro não possui poderes para vincular a proteção na prática, então podemos concluir que para o órgão ambiental a averbação da área de reserva legal é uma obrigação vazia. Logo, não há por que fiscalizar, já que o importante é a conservação e instituição da área de reserva, arredando-se a averbação que não tem razão em si de sua existência, posto ser absolutamente sem eficácia fática para o sistema ambiental fora dos casos descritos em lei.

Assim que a conclusão cogente é que a exigência de averbação da área de reserva legal constitui uma obrigação desprovida de nexo causal com a proteção do meio ambiente e, por conseguinte, é atingida em sua eficácia de maneira vital, não devendo, dessa forma, ser levada a cabo pelos órgãos fiscalizadores ambientais, pois pouco importa a averbação quando a propriedade na pratica possui a sua área de reserva preservada.

Dessa forma, não tem interesse o órgão administrativo em saber se existe averbação ou não, haja vista que a sua função é de fiscalização para proteção do meio ambiente e se a averbação, por si só, não protege o ecossistema, não tem por que fiscalizar esta obrigatoriedade.

Assim, a resposta ao segundo questionamento, a nosso ver, é que o órgão ambiental não irá se dirigir até o registro de imóveis, sendo que na prática irá apenas verificar a existência da área de reserva legal. Assim surge mais um argumento para demonstrar que a obrigatoriedade de averbação da área de reserva legal em qualquer situação é desnecessária, pois ineficaz, em última análise, para o meio ambiente

O terceiro questionamento já foi explorado e respondido quando tratado o segundo tema. Contudo, ressalva-se que para o ente administrativo e para o particular inexiste efeitos, seja de ordem pratica ou jurídica (análise contextual), em relação à averbação da área de reserva.

Podemos afirmar com extrema segurança, que a simples averbação, em qualquer caso, da área de reserva não gera efeitos protetivos para o meio ambiente, e se não gera proteção ao meio ambiente, não tem por que o ente público exigir esta obrigação.

A construção teórica também pode ser estendida ao proprietário, assim que se o registro não possuiu eficácia para proteger o meio ambiente qual a importância de se registrar? Portanto, para o particular a averbação desta área é apenas um ônus (burocrático e com elevados custos). Partindo da premissa que todo o ônus surge para proteção e interesse da sociedade até se aceitaria a imposição da averbação. Entretanto, como este ônus não protege e nem põe a salva guarda os interesses sociais, ele é totalmente imprestável, não possuindo razão de existir.

Ante ao que foi constatado nos parágrafos acima, concluímos e nos filiamos na orientação doutrinária de que a averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel só deve se dar nos casos enumerados taxativamente na lei, e não em qualquer caso, como parte da doutrina afirma. Esta parcela doutrinária que diverge desta conclusão funda seus argumentos na interpretação restritiva e literal do Código Florestal simultaneamente com o Decreto que regulou as sanções administrativas, como no ponto a seguir será visto, as criticas em relação a este entendimento serão discorridas no transcorrer do tópico e, destarte, se demonstrará a tese até aqui defendida.

2.2.2) É obrigatória a averbação da área de reserva legal na matricula do imóvel, independente de qualquer circunstância:

Recapitulando: a reserva legal, como limitação administrativa à propriedade, independe de averbação no Registro de Imóveis, uma vez que a sua publicidade é conferida pela Lei. Como limitação administrativa, o Código Florestal incide de forma geral, gratuita, unilateral condicionando e limitando o uso, de parte certa e localizada, de toda propriedade rural.

A finalidade da averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel é a de dar publicidade à mesma, para que futuros adquirentes saibam onde está localizada e conheçam seus limites e confrontações, uma vez que podem ser demarcadas em qualquer lugar da propriedade, já que a lei determina que, uma vez demarcada, fica vedada a alteração de sua destinação, inclusive nos casos de transmissão, a qualquer título, nos casos de desmembramento ou de retificação de área.

O entendimento expressado acima, não é coadunado por parte da doutrina, isso porque no entender deles, a área de reserva legal deve ser averbada em todas as propriedades, independente de venda, transmissão, desmembramento ou retificação da área. Essa posição é tomada a partir da interpretação sistemática do artigo 16 do Código Florestal com o artigo 55 do Decreto 6514/2008.

Cumpre mencionar que o referido Decreto está sofrendo forte crítica por parte da bancada ruralista no Congresso, e teve prorrogada a sua entrada em vigor pelo prazo de três anos, postergando a sua vigência que se daria no mês de Dezembro de 2009, para o ano de 2012.

A interpretação dada pelos que entendem diversamente deste autor é fundada na interpretação literal, restritiva e sistemática do Código com o Decreto, senão vejamos. O artigo 16 do Código Florestal leciona que: "Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal..." parágrafo 8º : "A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área".

Já o artigo 55 do Decreto dispõe que: "Art. 55. Deixar de averbar a reserva legal: Penalidade de advertência e multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração da área de reserva legal."

A interpretação restritiva legal é limitada e despreza a essência e o espírito da norma, levando os positivistas a crer que no momento que o Decreto entrar em vigor será obrigatória a averbação da área de reserva legal, posto que aqueles que não tiverem averbado serão punidos através de multa pecuniária.

Ao nosso sentir, esta punição deverá ser imposta ao proprietário quando este realizar alguma das condutas anteriormente citadas e não averbar a área de reserva legal. Esse entendimento é sistemático, analisando o conjunto jurídico pátrio, em consonância com o espírito das leis que criaram esta obrigação. Portanto, a punição concebida pelo decreto veio para punir aquele proprietário que, por exemplo, ao vender a sua propriedade não havia anteriormente averbado a área de reserva legal e não para punir de forma geral todos os proprietários de imóveis rurais no Brasil, que não tem averbada a área de reserva legal na matrícula do imóvel.

Ademais, o próprio artigo 16, parágrafo 8º permite interpretação no sentido de não ser necessária a averbação em qualquer caso, segundo a lei "A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área".

Após a leitura fica de fácil compreensão o texto do parágrafo oitavo, pensamos que ele está a dizer que a área de reserva deve ser averbada nos casos de transmissão, de desmembramento e de retificação e que a sua alteração é vedada. Entretanto se não foi isso que o legislador quis propagar, então concluímos que este parágrafo foi mal escrito e enquanto não for retificado não pode ter aplicação no sentido de coagir a averbação de todas as áreas de reserva legal e em qualquer caso, pelo menos até que o poder judiciário clarifique através de remansosa jurisprudência qual o real sentido deste texto legal.

Cabe ressalvar que defendemos a tese de que é prescindível a averbação junto à matrícula do imóvel da área de reserva legal. Contudo, cremos que a instituição da área de reserva legal na propriedade é cogente e deve ser instituída o quanto antes pelos proprietários de imóveis rurais no Brasil.

2.3) Recomposição da área de reserva legal:O artigo 44 do Código Florestal disciplina a matéria referente ao tema. A compensação nada mais é que o procedimento que um proprietário de um imóvel rural deverá tomar caso a parcela de área de reserva legal do seu imóvel estiver desmatada, ou seja, num imóvel desmatado, onde a reserva legal foi instituída numa área sem cobertura florestal, deverá o instituidor, no caso o proprietário, fazer a recomposição desta área de acordo com o disciplinado na lei.

Reza o artigo 44 do Código Florestal: "O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente". O próprio artigo traz em seu inciso primeiro a forma de recompor a área desmatada, segundo tal inciso cabe ao proprietário e ao possuidor "recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente"

Portanto, se abstrai da lei a forma de como afetar a recomposição da área de reserva legal, bem como o prazo que deve ser feito.

Destaca-se que na região do bioma pampa esta recomposição com o plantio de espécies nativas se mostra, em principio, desnecessária, posto que o pampa se caracteriza por predominância de vegetação rasteira.


Conclusão

Ao fim do presente estudo, podemos afirmar, salvo melhor juízo, que a área de reserva legal é uma restrição administrativa necessária. Oportuno também destacar que a lei deveria sofrer algumas mudanças a fim de se tornar maleável, principalmente para permitir a instituição da reserva legal dentro de uma área de preservação permanente.

Também importa grifar que deveria ocorrer um estudo mais aprofundado em relação à integração bioma pampa e reserva legal, principalmente quando há interação da pecuária com o campo nativo. Outrossim, as autoridades deveriam elucidar melhor a questão sobre a necessidade de cercamento das áreas de reserva, bem como dos mecanismos de compensação, principalmente em relação aos créditos de reserva florestal.

Por fim torna-se necessário mencionar a necessidade de pacificação da matéria referente à obrigatoriedade indiscriminada de averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel, que enquanto não levada ao Judiciário, com certeza deve prevalecer a interpretação de que só é necessário o registro nos três casos descritos em lei.

Assim, entendemos que ainda existem muitas lacunas referentes à área de reserva legal e que a edição de um novo decreto ou medida provisória a fim de alterar o Código Florestal se faz necessário, com um estudo mais aprofundado, com regras mais claras, sem interpretações ambíguas, e que contenham toda a procedimentalidade para que se possa instituir de forma plena a área de reserva, mas principalmente que esta nova lei respeite, individualize e absorva as características de cada bioma contido no nosso país.


Notas

  1. Sitio da Central Jurídica, visitado em 23/09/2009 em www.centraljuridica.com/materia/2355/direito_ambiental/uso_de_cotas_de_reserva_florestal_pode_ser_regulamentado.html

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Luis Felipe Canto. Reserva legal. Questões pontuais do ponto de vista jurídico, especialmente em relação à região da campanha e fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2438, 5 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14454. Acesso em: 26 abr. 2024.