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Juízo de admissibilidade do recurso especial.

Um obstáculo ao acesso à justiça

Juízo de admissibilidade do recurso especial. Um obstáculo ao acesso à justiça

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Com a devida vênia, as Cortes brasileiras têm distorcido o juízo de admissão do recurso especial, em indevida limitações ao devido processo legal e à missão constitucional do STJ.

1 - INTRODUÇÃO

Ressalvadas as hipóteses de má-fé, partimos do pressuposto de que a parte só deduz determinada pretensão em juízo alicerçada na crença de que o direito material lhe fornece subsídio para tanto. Em contrapartida, seu adversário apenas oferece resistência à sobredita pretensão porque, igualmente, acredita estar amparado pelo ordenamento jurídico.

Nesse contexto, o Poder Judiciário, ao acolher, rejeitar ou até mesmo deixar de apreciar determinada pretensão, certamente contrariará os anseios de pelo menos uma das partes, que, por sua vez, poderá não se conformar com o desfecho que porventura lhe for desfavorável [01].

Por outro lado, não se pode esquecer que a atividade judicante é desempenhada por ser humano, que, a despeito de possuir as qualificações necessárias ao cumprimento daquele mister, não está imune ao risco de promover a composição da lide de forma injusta ou em descompasso com o regramento legal aplicável à espécie.

Para contornar esses inconvenientes [02], assegura-se aos litigantes o direito de questionar as decisões judiciais por meio dos recursos, que são modalidades de impugnação previstas em lei [03], passíveis de serem manejadas, dentro de um mesmo processo [04], pelos legitimados arrolados pelo art. 499, do Código de Processo Civil (partes, Ministério Público e terceiros interessados).

Muito embora seja um corolário da garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), e, simplesmente por isso, não tolere outras limitações que não aquelas taxativamente previstas em lei, o direito de recorrer tem sido alvo de restrições legais e jurisprudenciais, justificadas pela busca incessante dos cânones da celeridade e da efetividade.

Especificamente quanto ao recurso especial, não nos parece que a forma de aplicação dessas restrições seja juridicamente válida. Com efeito, uma detida análise das mais recentes decisões das Cortes brasileiras revela, com a devida vênia, a distorção do juízo que precede a admissão daquele apelo extremo, posturas essas que, apesar de reduzirem o volume de feitos, representam indevida limitação à garantia do devido processo legal [05], bem como impedem que o Superior Tribunal de Justiça exerça a sua missão, igualmente de envergadura constitucional, de zelar pela uniformidade da interpretação do direito federal.

Não se desconhece, obviamente, as condições do Poder Judiciário brasileiro. Sem autonomia orçamentária, submetido à boa (ou má) vontade do Poder Executivo [06], enfrenta dificuldades estruturais que o impedem de exercer seu mister adequadamente [07], sem perder de vista o fato de que aumentou, e muito, a litigiosidade e o acesso à justiça, razão pela qual é possível compreender que os juízes, premidos por essa realidade, mas sempre imbuídos de bons propósitos, busquem meios de contornar as citadas dificuldades.

Neste trabalho, entretanto, procuramos apontar aspectos que reputamos indevidos, na medida em que acabam por amputar a garantia ao devido processo legal.


2 - A SOBREPOSIÇÃO ENTRE JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE MÉRITO NOS RECURSOS ESPECIAIS INTERPOSTOS COM BASE NA ALÍNEA "A" DO ART. 105, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Em virtude de seu caráter excepcional, o recurso especial reclama, além dos pressupostos de admissibilidade comuns às demais modalidades recursais (cabimento, legitimidade, interesse em recorrer, tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato extintivo ou impeditivo do direito de recorrer e preparo), o preenchimento de requisitos que lhe são específicos [08], sob pena de não apreciação do mérito recursal.

Para averiguar se tais requisitos foram observados, o magistrado faz o que doutrina e jurisprudência costumam chamar de juízo de admissibilidade ou de prelibação, que representa um procedimento lógica e cronologicamente anterior ao exame do mérito do recurso especial.

Esses "filtros", em se tratando de recurso especial, justificam-se pelo fato de que o Superior Tribunal de Justiça, por força da repartição de competências prevista na Constituição Federal, deve dedicar-se somente ao exame de questões excepcionais, de reconhecido alcance e relevância, pois, do contrário, aquela Corte seria convertida em pura e simples terceira instância [09].

Uma vez constatado que o recurso especial cumpre todos os pressupostos indispensáveis a sua admissibilidade, passa-se ao enfrentamento da questão de fundo levantada pelo recorrente ou, conforme a terminologia consagrada pela práxis forense, primeiro se verifica se o inconformismo pode ou não ser "conhecido" e, em caso afirmativo, se merece ou não ser "provido".

Como o recurso, regra geral [10], dirige-se a órgão diverso e hierarquicamente superior ao que prolatou a decisão combatida, ao primeiro incumbe não apenas a tarefa de investigar se o reclamo da parte procede ou não, mas também se preencheu os pressupostos de admissibilidade aplicáveis à espécie. Contudo, por razões de economia processual, o legislador pátrio houve por bem atribuir à instância inferior, em caráter precário [11], a tarefa de investigar se o recurso reúne condições de ter seu mérito apreciado.

Diante do que dispõe o art. 541, caput, do Código de Processo Civil, percebe-se facilmente que o juízo de admissibilidade do recurso especial é fracionado, na medida em que sua interposição se dá perante o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal a quo que, uma vez convicto do preenchimento dos pressupostos pertinentes, ordenará, nos termos do art. 543, daquele mesmo diploma legal, a remessa dos autos para o Superior Tribunal de Justiça, ao qual se faculta o reexame do quanto decidido pela Corte inferior. [12]

Em razão do citado fracionamento [13], surgiu e permanece acesa a discussão acerca da delimitação das matérias que poderão ser enfrentadas no juízo de admissibilidade do recurso especial, notadamente quando sua interposição se dá com esteio na alínea "a" do permissivo constitucional, ou seja, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência.

Uma leitura apressada do citado comando constitucional poderia levar à conclusão de que só caberia recurso especial nas hipóteses de efetiva violação ao direito federal, de modo que o juízo de admissibilidade, além da verificação dos pressupostos, englobaria, necessariamente, a análise da procedência das alegações deduzidas pelo recorrente. [14]

Tal entendimento, porém, não nos parece adequado, porquanto implica em indevida sobreposição entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito e, por via de consequência, acaba se transformando num dos mais severos entraves opostos à admissão do recurso especial.

No Superior Tribunal de Justiça, a questionada sobreposição sempre foi permitida [15], porquanto, ao final, a análise do mérito do recurso especial ficará sob a exclusiva responsabilidade daquela Corte [16]. Em que pese o reconhecimento de que a análise do mérito do recurso especial é de sua exclusiva alçada, o próprio Superior Tribunal de Justiça, de forma pacífica, admite que o Tribunal a quo também exerça aquele mister por ocasião do juízo de admissibilidade. [17]

Para os partidários dessa tese, prestigiada desde os primórdios do Superior Tribunal de Justiça, "É ínsito ao juízo de admissibilidade a investigação não só dos requisitos genéricos de admissibilidade, como dos específicos, cuja aferição compete, primeiramente, à Presidência do Tribunal a quo, inexistindo nessa missão julgamento de mérito. A alegação de contrariedade à lei é insuscetível, por si, de acarretar a abertura da instância especial se, embora fundamentada na opinião do recorrente, não se encontra demonstrada na visão do julgador, que pode se valer da inexistência da alegada contrariedade à lei para justificar a fragilidade e improcedência da pretensão objeto do recurso que se quer processar". [18]

Com a devida vênia, tal orientação parece-nos inconsistente e até mesmo contraditória, haja vista que se o Tribunal a quo, sob o pretexto de investigar o preenchimento dos pressupostos, passa a tecer considerações acerca do mérito do recurso especial - ou seja, se ocorreu ou não a alegada contrariedade -, temos, então, não um juízo de mera admissibilidade, mas sim indevida usurpação da função constitucional atribuída exclusivamente ao Superior Tribunal de Justiça.

Por outro lado, também não nos parece razoável, tal qual defende a corrente capitaneada por José Carlos Barbosa Moreira [19], reduzir o juízo de admissibilidade do recurso especial interposto com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional à verificação da existência de afirmação de que determinado preceito de lei federal foi contrariado pelo Tribunal a quo.

Pensamos, salvo melhor juízo, que a orientação mais correta é aquela segundo a qual o Tribunal a quo, por ocasião do juízo de admissibilidade, deve perquirir acerca da existência de viabilidade [20] na afirmação do recorrente de que o ordenamento jurídico infraconstitucional foi malferido, na esteira dos ensinamentos de Nelson Luiz Pinto [21], para quem "Não tem, pois, o Presidente do Tribunal a quo competência para apreciar se a decisão recorrida violou, efetivamente ou não, lei federal ou tratado. Assim, o seu juízo de admissibilidade se deve limitar, neste caso, à análise dos aspectos formais e da plausibilidade ou razoabilidade da alegação de ofensa à lei federal, sem, entretanto, adentrar ou adiantar qualquer apreciação de seu mérito."

Mais questionáveis, porém, são os argumentos que lastreiam a sobreposição entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito no âmbito dos Tribunais a quo. Isso porque, além de distorcerem o juízo de admissibilidade, aquelas Cortes vêm padronizando as justificativas para o enfrentamento do mérito dos recursos especiais interpostos com base na alínea "a" do permissivo constitucional. [22]

Ousamos discordar dos argumentos invocados para legitimar a invasão do mérito no juízo de admissibilidade. Com efeito, a menção das premissas que fundaram o convencimento dos desembargadores não passa de mero e inafastável cumprimento da exigência de fundamentação das decisões judiciais, sem que isso induza à presunção, tampouco à conclusão, de que o Tribunal a quo solucionou a controvérsia em consonância com os preceitos de lei federal aplicáveis à espécie.

Além disso, as exigências legais na solução das questões de fato e de direito não são estáticas, porquanto variam de acordo com as particularidades de cada caso concreto, de modo que, além do desrespeito à lei federal, emerge a possibilidade de o Tribunal a quo ter dirimido o litígio com base em dispositivos legais que nem sequer guardam pertinência com a hipótese em apreço.

Como era de se esperar, a padronização promovida pelos Tribunais a quo despertou acaloradas discussões, havendo na doutrina expressivas vozes contra a adoção desse expediente. Ovídio Rocha Barros Sandoval [23], com a autoridade outorgada pelo exercício da judicatura durante quase vinte anos, ponderou, de forma contundente, que "O juízo de admissibilidade existe para que o recurso seja apreciado em relação direta com os requisitos contemplados no texto constitucional e, para tanto, deve ser exercido no contexto do caso concreto e no exame dos argumentos expendidos, respeitado o permissivo constitucional utilizado. O despacho-padrão demonstra que o Recurso Especial não é analisado e, muito menos, lido. [...] Fez um texto que indefere tudo, uma receita que serve para queda de cabelo, unha encravada, dor de cabeça, mal de chagas e doença do fígado. É de estarrecer! E mais estarrecedor é haver um Desembargador que assina em baixo dessa alquimia, manifestamente desonesta e desrespeitosa à Constituição, que deveria ser tratada com um mínimo de seriedade."


3 - A INDISTINTA INVOCAÇÃO DA SÚMULA Nº 7, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PARA IMPEDIR O PROCESSAMENTO DO RECURSO ESPECIAL

De acordo com a Súmula nº 7, do Superior Tribunal de Justiça, a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Porém, independentemente da diversidade de alegações ventiladas pelos recorrentes e, principalmente, das questões federais porventura envolvidas, os Tribunais a quo também padronizaram a invocação daquele verbete sumular para negar seguimento aos recursos especiais.

Nos feitos de competência da Seção de Direito Privado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [24] firmou a orientação de que "O acórdão, ao decidir da forma impugnada, assim o fez em decorrência de convicção formada pela Turma Julgadora diante das provas e das circunstâncias fáticas próprias do processo sub judice, sendo certo, por esse prisma, aterem-se as razões do recurso a uma perspectiva de reexame desses elementos. A esse objetivo, todavia, não se presta o reclamo, a teor do disposto na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça."

Também aqui, com o devido respeito, percebe-se que o expediente adotado pelos Tribunais a quo não se afigura adequado. Com efeito, a composição de qualquer litígio decorre, necessariamente, da convicção pessoal do magistrado, que, por sua vez, só pode ser formada a partir dos fatos alegados e das provas produzidas pelas partes.

Não fosse assim, ocorreria uma das seguintes situações, igualmente inaceitáveis: ou o Tribunal abstraiu-se da realidade submetida ao seu crivo e, por conseguinte, proferiu um acórdão que não guarda nenhuma pertinência com o caso concreto, ou então cometeu algum dos deslizes repudiados pelos arts. 128 e 460, ambos do Código de Processo Civil, ou seja, prolatou decisão citra, ultra ou extra petita, hipóteses que, aliás, também autorizam a interposição de recurso especial.

Esse mesmo argumento padronizado é largamente utilizado para inadmitir recursos especiais interpostos com base na necessidade de valoração da prova, quando é sabido que esse pleito não se confunde com a simples pretensão de reexame do quadro probatório.

Para demonstrar o desacerto dessa orientação, vejamos o seguinte exemplo: o autor ingressa com uma ação para cobrar a quantia de R$ 100.000,00, decorrente de suposto contrato firmado com o réu. Ao longo da instrução, o autor limitou-se a produzir prova testemunhal, ao passo que o réu não só contesta, como também junta documentos que, em tese, demonstram a inexistência da alegada dívida. Ao final, o juiz reconhece a procedência do pedido formulado pelo autor, sob o argumento de que o réu não produziu provas idôneas para contrapô-los, decisão essa que é integralmente confirmada pelo Tribunal a quo.

Inconformado, o réu interpõe recurso especial com esteio na alínea "a" do permissivo constitucional, suscitando violação aos arts. 283, 333, I, e 401, todos do Código de Processo Civil, na medida em que caberia ao autor carrear aos autos, já na petição inicial, cópia do contrato do qual decorreria o crédito reivindicado, cuja existência, por outro lado, não poderia jamais ser demonstrada apenas por meio de prova testemunhal, dada a expressividade do valor envolvido.

Ao invés de analisar a controvérsia sob a ótica dos requisitos da petição inicial, bem como das regras ordinárias de forma e de distribuição do ônus da prova – questões puramente de direito –, o Tribunal a quo simplesmente nega seguimento ao recurso especial com base na suposição de que o réu, na verdade, busca o reexame dos fatos e provas que produziu em prol de sua tese.

Ocorre que, nessa hipótese, não se pretende que o Superior Tribunal de Justiça diga se as provas produzidas pelo réu são ou não suficientes para ilidir o pleito contra si deduzido, mas sim se o autor, por força do disposto nos artigos de lei federal invocados no recurso especial, estava obrigado a comprovar, já na petição inicial, a existência do contrato celebrado entre as partes e se tal comprovação, em virtude da magnitude do crédito discutido, poderia ou não ser feita por meio de prova exclusivamente testemunhal.

Para realçar ainda mais a diferença entre o simples reexame e a valoração da prova e, por conseguinte, os equívocos sucessivamente cometidos nesse sentido, convém transcrever as utilíssimas observações de Theotonio Negrão [25], segundo o qual "De outro lado, o Código Civil e o Código de Processo Civil estabelecem para determinadas hipóteses quais as provas cabíveis ou incabíveis: certas provas são obrigatórias, só servem elas, ou, então, não são aceitas para determinado caso. Se o acórdão recorrido tiver se afastado do valor que a lei atribui ou nega a alguma prova, caberá recurso especial, porque a "valoração jurídica da prova" terá sido feita em desacordo com a lei aplicável."

É cediço que a fixação de critérios que permitam distinguir a matéria fática da jurídica ainda hoje representa missão das mais árduas, quiçá impossível. [26] Contudo, não se pode admitir que as Cortes pátrias se aproveitem desse impasse para obstar indistintamente o processamento dos recursos especiais.

Apenas para ilustrar a gravidade da situação, os Tribunais a quo, no afã de colaborar para a redução do invencível passivo do Superior Tribunal de Justiça, têm impedido a subida até mesmo dos recursos especiais fundados em questões sobre as quais aquela Corte Superior já reconheceu que não incidem os ditames da Súmula nº 7. [27]

Nesses casos, não fosse a persistência do recorrente em interpor agravo de instrumento contra o despacho que negou seguimento ao seu recurso especial, certamente seriam subtraídos da apreciação do Superior Tribunal de Justiça temas da mais alta relevância [28], comprometendo, assim, o desempenho da função constitucional de zelar pela uniformidade da interpretação do direito federal.

Não está em discussão, repita-se, a impossibilidade de relegar o Superior Tribunal de Justiça à condição de terceira instância, responsável por aferir se o Tribunal a quo decidiu o litígio de forma justa. Trata-se, apenas, de questionar a validade jurídica das restrições impostas ao direito de recorrer como solução para a endêmica crise que assola o Poder Judiciário.


4 - O RIGORISMO NA DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL

Com o intuito de obstar o processamento de recursos especiais fundados na alínea "c" do permissivo constitucional, os Tribunais a quo também padronizaram o respectivo juízo de admissibilidade. Para tanto, utilizam-se do argumento de que "o dissenso jurisprudencial não restou demonstrado, eis que os julgados apontados como paradigmas não guardam relação de exata similitude com a hipótese dos autos" [29], reportando-se, outrossim, à orientação esposada pelo Superior Tribunal de Justiça. [30]

Também aqui, não são necessários maiores esforços para perceber a distorção do juízo de admissibilidade. Em primeiro lugar, da mesma forma que o parágrafo único do art. 541, do Código de Processo Civil, exige que o recorrente decline "as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados", estão os Tribunais a quo e ad quem, por força dos mandamentos do art. 93, IX, da Constituição Federal, obrigados a indicar em que ponto os arestos trazidos a confronto deixaram de apresentar semelhanças entre si, sob pena de nulidade.

Por outro lado, o dinamismo inerente às relações sociais jamais possibilitará que o contexto fático de uma demanda seja idêntico ao de outra, razão pela qual o requisito estampado na alínea "c" do permissivo constitucional há de ser visto com temperamento, ao invés de ser utilizado para impedir a admissão do recurso especial.

Para corroborar a tese ora defendida, nada mais adequado do que um exemplo prático: o autor pede indenização pelos danos morais sofridos em razão do falecimento de seu pai, causado por um acidente de trânsito. Tanto na 1ª como na 2ª Instância, arbitrou-se o quantum indenizatório em valor equivalente a cem salários mínimos. Indignado, o autor interpõe recurso especial com espeque na alínea "c" do permissivo constitucional e, para cumprir a exigência do parágrafo único do art. 541, do Código de Processo Civil, traz à colação um aresto de outra Corte da Federação.

No referido aresto, também deparou-se com um acidente, dessa vez aéreo, em que o marido da autora da demanda veio a óbito, sendo que ambos eram casados sob o regime da comunhão parcial de bens. Contudo, após sopesar as circunstâncias, a Câmara julgadora entendeu por bem fixar a indenização pelos danos morais sofridos pela autora em quantia equivalente a quinhentos salários mínimos.

Nessa hipótese, partindo da premissa de que houve demonstração analítica do dissídio, poderia o Tribunal a quo negar seguimento ao recurso especial com base na inexistência de similitude fática entre os paradigmas confrontados, porquanto o primeiro trata de acidente de trânsito, em que a indenização foi pleiteada pelo filho da vítima, ao passo que, no segundo, a verba foi requerida pela esposa, em razão do acidente aéreo que retirou a vida de seu cônjuge?

A resposta, parece-nos, há de ser negativa, na medida em que ambas as demandas têm como objeto o recebimento de indenização por danos morais em decorrência do falecimento de um familiar próximo, sendo que os autores da demanda, para fins sucessórios, ostentam rigorosamente o mesmo status em relação à vítima, conforme se extrai do art. 1.829, I, do Código Civil.

Em tais situações, o que se espera dos Tribunais pátrios são atitudes coerentes, efetivamente compatíveis com a excepcionalidade do recurso especial, tal qual o Superior Tribunal de Justiça fez ao aceitar a mera transcrição da ementa do aresto trazido a confronto, bem como dispensar o cotejo analítico previsto no parágrafo único do art. 541, do Código de Processo Civil, nos casos em que o dissídio pretoriano é notório. [31]


5 - A COMPROVAÇÃO DO PREPARO DO RECURSO ESPECIAL

O Superior Tribunal de Justiça recentemente sufragou a orientação de que os comprovantes de recolhimento do preparo extraídos da internet não têm a mesma idoneidade daqueles que são emitidos quando o pagamento se dá perante os caixas das instituições financeiras credenciadas, razão pela qual, nessas hipóteses, o recurso especial seria deserto [32].

Em virtude de sua repercussão, a questão foi amplamente debatida pelos integrantes da sobredita Corte Superior, especialmente no julgamento do Recurso Especial nº 1.103.021/DF [33], ocasião em que a 4ª Turma, com exceção do Ministro João Otávio de Noronha [34], não só referendou a tese da impossibilidade de utilização dos comprovantes de recolhimento extraídos da internet, como também aplicou à recorrente a multa prevista no § 2º do art. 557, do Código de Processo Civil.

Em suma: para o Superior Tribunal de Justiça, os comprovantes de recolhimento do preparo extraídos da internet não podem ser aceitos em virtude da impossibilidade, em tese, de certificação de sua origem, bem como de sua autenticidade. Porém, com o devido respeito, esse entendimento está na contramão da onda de modernização do processo.

Isso porque a origem do comprovante extraído da internet vem informada no rodapé, com menção da data em que foi impresso, razão pela qual não haveria nenhuma dificuldade para se verificar a autenticidade daquele documento.

Nem se diga que o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais a quo não estão obrigados, ou não têm condições de aferir a regularidade dos comprovantes extraídos da internet, pois é sabido que todas as Cortes brasileiras contam com a valiosa ajuda de profissionais cuja única missão é investigar, de forma rigorosa, se os pressupostos de admissibilidade do recurso especial foram preenchidos. [35]

Ademais, as pretensas dificuldades podem ser facilmente contornadas sob a ótica do disposto no art. 365, IV, do Código de Processo Civil: se houve juntada de comprovante de recolhimento extraído da internet, deve o advogado que subscreveu o recurso especial, sob sua responsabilidade pessoal, declarar que aquele documento é autêntico, cabendo à parte contrária, se necessário caso, suscitar e demonstrar eventual fraude em sua emissão nas contrarrazões. [36]

Caso ainda persista alguma dúvida, impõe-se a aplicação, por analogia, do § 2º do art. 511, do Código de Processo Civil, de modo a conceder ao recorrente o prazo de cinco dias para carrear aos autos documentos que atestem a lisura do comprovante extraído da internet.

Tal solução, salvo melhor juízo, resolve o impasse de forma bastante satisfatória, seja porque a boa-fé é sempre presumida, seja porque o risco de fraudes sempre existirá, ainda que em menor escala, também com os comprovantes emitidos na "boca do caixa".

Além disso, não se deve perder de vista que a Guia de Recolhimento da União (GRU), por meio da qual se comprova o preparo do recurso especial, só pode ser paga em agências do Banco do Brasil S/A, donde se conclui que a utilização da internet para tal finalidade, antes de ser uma "comodidade" do recorrente, é medida da exclusiva conveniência do Superior Tribunal de Justiça. [37]

Por fim, é preciso relembrar que o Superior Tribunal de Justiça, atualmente, é um dos maiores arautos da aplicação dos avanços tecnológicos aos processos, motivo pelo qual certamente dispõe de meios juridicamente legítimos para resolver tal impasse.


CONCLUSÃO

Ao longo do presente trabalho, procurou-se demonstrar que o Poder Judiciário, na tentativa de amenizar a crise que o assola e, por conseguinte, imprimir maior efetividade e celeridade à prestação jurisdicional, tem criado diversas restrições à admissão de recursos especiais.

Como procuramos demonstrar, as restrições engendradas pelos Tribunais a quo e pelo Superior Tribunal de Justiça são indevidas, seja porque não possuem amparo legal, seja porque colidem com as particularidades do recurso especial, bem como com o regramento atinente ao juízo que precede sua admissão.

A questão goza de tamanha relevância que o próprio Superior Tribunal de Justiça já admitiu que determinadas exigências, derivadas de construção jurisprudencial, representam verdadeiros requisitos objetivos de admissibilidade inexistentes em lei, os quais acabam restringindo o direito fundamental ao amplo acesso jurisdicional.

Tal postura, a par de revelar um questionável formalismo, acaba por despertar a desconfiança dos jurisdicionados, na medida em que incute em seus espíritos a impressão de que o Poder Judiciário se recusou ou, mais preocupante ainda, não foi capaz de promover o acertamento da relação jurídica posta em juízo.

Além de não resolver a crise do Poder Judiciário de maneira juridicamente legítima, as restrições decorrentes da distorção do juízo de admissibilidade atingem tão somente aqueles que são os menores responsáveis por tal situação, haja vista o fato notório de que os maiores demandistas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça são a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias, os quais, por sua vez, possuem condições de interpor novos recursos - e invariavelmente o fazem - e, com isso, acabam atravancando a tramitação dos demais feitos.

Daí porque é premente a necessidade de mudar os atuais paradigmas, a fim de restabelecer a prevalência do devido processo legal e o papel do Poder Judiciário como sustentáculo de qualquer Estado que se pretenda democrático e, acima de tudo, submisso ao Direito.


Notas

  1. Nesse particular, Rodolfo de Camargo Mancuso relembra, com muita propriedade, que "Um olhar sobre o comportamento humano, desde tempos imemoráveis até nossos dias, revela esta simples verdade: o ser humano não quer e não gosta de perder: vencido, talvez; jamais convencido. É próprio do homem o apegar-se as suas convicções e teses, para vê-las vencedoras. O que está à base desse impulso parece ser uma constante necessidade de auto-afirmação e de subjugação do próximo aos interesses do dominador, do vencedor, postura psicológica essa que, provavelmente, remonta às priscas eras da civilização e se vem mantendo ao longo dos séculos, no chamado ‘inconsciente coletivo’" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 21-22).
  2. Segundo Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, "Diante da falibilidade humana e do natural inconformismo com situações adversas ou desfavoráveis, os ordenamentos jurídicos têm contemplado meios de impugnação às decisões judiciais. No campo da axiologia jurídica ou deontologia, há o entendimento segundo o qual o espírito humano não permanece passivo diante do direito positivo, da decisão judicial ou administrativa; tende a não aceitar pacificamente o fato consumado, como se ele fosse um limite insuperável, uma vez que o homem sente em si a faculdade de julgar e avaliar o Direito existente na sociedade" (OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 17-18).
  3. Em que pesem os apurados conceitos propostos pela doutrina, não se pode perder de vista, como bem ressalvaram Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, que "o conceito de recurso não pertence à teoria geral do processo. Trata-se de conceito jurídico positivo, que depende, pois, do exame de um dado ordenamento jurídico. A teoria geral do processo tem por objeto o estudo da decisão judicial, mas a criação dos meios de impugnação dessa decisão e o delineamento de suas características são tarefas do direito positivo." (DIDIER JR., Fredie, CUNHA; Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: Jus Podium, 2007, p. 19).
  4. A circunstância de ser um fenômeno endoprocessual denuncia a natureza jurídica do recurso: corolário do direito de ação consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. A despeito da forma isonômica com que foram tratados pela Carta Magna, o direito de ação e o direito de interpor recurso não se confundem, conforme a preciosa distinção entre interesse de agir e interesse em recorrer elaborada por Rodolfo de Camargo Mancuso: "Aí se notam um elemento comum e um elemento diferencial entre o interesse de agir (CPC, art. 3º) e o interesse em recorrer (CPC, art. 499): ambos derivam de uma mesma situação insatisfatória, reclamando prevenção ou reparação, mas distinguindo-se nisso que o interesse de agir (= judicializar uma pretensão) pressupõe um fato da vida, uma ocorrência extraforo (o inadimplemento de uma obrigação, a ameaça a um direito), ao passo que o interesse em recorrer decorre de uma situação de prejuízo imposta por um ato judicial que, justamente, necessita ser impugnado, pena de estabilizar-se pela preclusão ou mesmo pela coisa julgada material. O interesse em recorrer é, pois, um fenômeno endoprocessual" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 20).
  5. "[...] a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma protecção judicial em tempoadequado, não significa necessariamente "justiça acelerada". A "aceleração" da protecção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias excessiva) pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta" (CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 493).
  6. Conforme expusemos em outra oportunidade, "Organizar o sistema jurídico implica dar condições de aparelhamento ao Poder Judiciário, repassando-lhe a parte devida no orçamento, garantindo, assim a sua autonomia financeira, pois com quireras não será possível reverter a anacrônica organização judiciária, tampouco fornecer justiça rápida e eficiente" (ZANFERDINI. Flávia de Almeida Montingelli. O processo civil no 3º milênio e os principais obstáculos ao alcance de sua efetividade: morosidade da justiça, insuficiência de poderes de imperium do magistrado e as deficiências da execução civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 12).
  7. Em consonância com a ideia que defendemos, "É poder-dever do Estado garantir aos jurisdicionados adequada, efetiva e tempestiva tutela jurisdicional, sob pena de não o fazendo responder pelas perdas e danos que decorram da demora" (Ibid., p. 43).
  8. Tais requisitos são extraídos do art. 105, III, da Constituição Federal, a saber: decisão proferida por tribunal em última ou única instância, alegação de violação a tratado ou lei federal, alegação de invalidade de ato de governo local contestado em face de lei federal, comprovação da existência de dissídio pretoriano acerca da interpretação da norma infraconstitucional invocada e, por fim, prévio enfrentamento, pelo Tribunal a quo, da quaestio juris ventilada no apelo extremo
  9. Em outras palavras, o escopo do juízo de admissibilidade é impedir a excessiva e desnecessária recorribilidade, de forma a assegurar o profícuo funcionamento dos Tribunais. Por outro lado, a constitucionalidade do juízo de admissibilidade, que não desrespeitará a garantia ao devido processo legal, está na exigência incondicional de que a decisão de admissão ou inadmissão seja seriamente fundamentada, sob pena de, em não sendo assim, estarmos diante de pura arbitrariedade.
  10. A mais conhecida das exceções são os embargos de declaração, que são julgados pelo mesmo órgão que proferiu a decisão embargada.
  11. Diz-se precário porque compete ao Juízo ad quem, definitivamente, proferir o juízo de admissibilidade. Prova maior disso é o art. 557, do Código de Processo Civil, segundo o qual o relator deverá negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível. Outrossim, o apontado caráter precário decorre do fato de que o juízo de admissibilidade é passível de reconsideração, como se verifica, por exemplo, no § 2º do art. 518, daquele mesmo diploma legal, que autoriza o juiz a reexaminar o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da apelação após a apresentação das contrarrazões.
  12. "O STJ não está vinculado ao juízo de admissibilidade desenvolvido pelo Tribunal de origem" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.147.745/AM, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julg. 24.11.2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200901298130&dt_publicacao=02/12/2009>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  13. Na doutrina argentina, há quem entenda que o juízo de admissibilidade deve ser feito exclusivamente pelo Tribunal competente para julgar o recurso. Nesse sentido: "Deberá tenderse a que sobre todo en materia de recursos extraordinarios (federales o locales) se lleve a cabo un solo examen y decisión sobre admisión, que deberá estar a cargo del tribunal que deberá decidir sobre el fondo del recurso" (KAMINKER, Mario E. El derecho a recurrir y restricciones a este derecho. In ARAZI, Roland et al. Debido proceso. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2003, p. 227).
  14. Vista sob outro ângulo, a premissa de que o recurso especial só tem lugar diante de efetiva contrariedade ao ordenamento infraconstitucional induz ao reconhecimento de que, uma vez admitido, aquele apelo extremo haverá de ser, inexoravelmente, provido.
  15. Exemplo emblemático dessa afirmação é colhido da jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça: "Recurso especial previsto na alínea "a" do art. 105-III da Constituição. Julgamento. "No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie" (Regimento, art. 257). Na hipótese da alínea "a", o STJ só conhece do recurso se for para provê-lo, caso em que a decisão recorrida tenha contrariado tratado ou lei federal, ou lhe tenha negado vigência. Se não for para dar provimento, o STJ deixa de conhecer do recurso, simplesmente. Nessa última hipótese, não se justifica conhecer (juízo de admissibilidade) e não prover (juízo de mérito), pois a técnica de julgamento do recurso extraordinário lato sensu (extraordinário e especial) é diversa da do recurso ordinário" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Embargos de declaração no Recurso Especial n. 45.672/MG, rel. Min. Nilson Naves, 3ª Turma, julg. 24.04.1995. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199400079249&dt_publicacao=13-03-1995&cod_tipo_documento=>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  16. De fato, em termos práticos, pouco importa se o Superior Tribunal de Justiça, a despeito de "deixar de conhecer", acaba por analisar o mérito do recurso especial. O que não se concebe, com o devido respeito, é o tratamento indistinto dos juízos de admissibilidade e de mérito, como se representassem o mesmo fenômeno, se o próprio Superior Tribunal de Justiça tem pleno conhecimento de que, juridicamente, não o são. Tanto é verdade que, no art. 257, do Regimento Interno daquela Corte - invocado pelo Min. Nilson Naves no aresto colacionado na nota anterior - foi feita clara e indiscutível distinção entre o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito, circunstância que reforça a criação de restrições ao direito de interpor recurso especial.
  17. "No juízo de admissibilidade exercido pela instância a quo, é cabível proceder-se ao exame das questões que dizem com o mérito da controvérsia" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de declaração no Agravo de Instrumento n. 905.307/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, julg. 20.05.2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200700967625&dt_publicacao=09/06/2008>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  18. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 35.315/PE, rel. Min. César Asfor Rocha, 1ª Turma, julg. 06.10.2003. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199300073826&dt_publicacao=08-11-1993&cod_tipo_documento=>. Acesso em: 06 fev. 2010.
  19. "Se o texto constitucional, querendo indicar hipótese de cabimento, usou, por impropriedade técnica, expressão que já desenha hipótese de procedência, isso não é razão para que se deixe de atender à distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Por outro lado, já que a ocorrência efetiva do esquema consagrado no texto constitucional constitui requisito de procedência, seria absurdo exigi-la para declarar admissível o recurso: não se pode condicionar a admissibilidade à procedência, pois esta pressupõe aquela, e para chegar-se à conclusão de que um recurso merece provimento é logicamente necessário que, antes, se haja transposto a preliminar. Requisito de admissibilidade será, então, a mera ocorrência hipotética (isto é, alegada) do esquema constitucional: não se há de querer, para admitir o recurso extraordinário pela letra "a", que o recorrente prove desde logo a contradição real entre a decisão impugnada e a Constituição da República; bastará que ele a argua" (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006., p. 592). No mesmo sentido, Nelson Nery Junior: "Ao Tribunal a quo cabe tão-somente verificar se estão presentes os requisitos formais do RE e do REsp. A efetiva violação da CF ou a efetiva negativa de vigência da lei federal são o mérito do recurso, cuja competência para decidir é dos tribunais federais superiores (STF e STJ). É vedado ao tribunal de origem dizer que não houve violação da CF ou que não existiu negativa de vigência da lei federal" (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 914).
  20. De acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier, o vocábulo "viabilidade" é utilizado por Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol como indicativo da necessidade de o juízo de admissibilidade não se limitar à fiscalização pura e simples da presença dos pressupostos genéricos e específicos do recurso especial (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 137).
  21. PINTO, Nelson Luiz. Op. cit., p. 165.
  22. A título de ilustração, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mais precisamente nos feitos de competência da Seção de Direito Privado, consolidou o entendimento de que "Quanto à alegada vulneração aos dispositivos arrolados, observe-se não ter sido demonstrada a sua ocorrência, eis que as exigências legais na solução das questões de fato e de direito da lide foram atendidas pelo acórdão ao declinar as premissas nas quais assentada a decisão". Tal argumento foi utilizado, ipsis litteris, nos despachos que denegaram seguimento aos seguintes recursos especiais: 7.036.502-9/01, 7.207.456-1/01, 7.261.177-9/02, 1.212.668-1/7, 895.861-6/01, 209.053.4/1-01, 7.287.991-9/01 e 7.289.458-7/01.
  23. SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. O juízo de inadmissibilidade do recurso especial. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=57829>. Acesso em: 06 fev. 2010.
  24. Referida alegação foi invocada nos despachos que denegaram seguimento aos seguintes recursos especiais: 7.036.502-9/01, 7.207.456-1/01, 7.261.177-9/02 e 209.053.4/1-01.
  25. NEGRÃO, Theotonio. O novo recurso extraordinário: perspectivas na Constituição de 1988. Revista do Advogado nº 81, da Associação dos Advogados de São Paulo, 2005, p. 17.
  26. Teresa Arruda Alvim Wambier dá a entender que a distinção realmente é impossível: "Parece-nos que a questão será predominantemente fática, do ponto de vista técnico, se, para que se redecida a matéria, "houver necessidade de se reexaminarem provas", ou seja, "de se reavaliar como os fatos teriam ocorrido, em função da análise do material probatório produzido"." (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de cabimento de recurso especial. Ajuris 74, p. 266).
  27. É o que ocorre, por exemplo, nos recursos especiais fundados na alegação de contrariedade ao § 4º do art. 20, do Código de Processo Civil: "Administrativo – Recurso especial – Anulação de ato administrativo – Indenização – Lucros cessantes – Súmula 7 – Honorários – Art. 20, § 4º, do CPC – Valor irrisório ou exorbitante – Possibilidade – 1- O Tribunal de origem entendeu, com base nas provas, não-comprovados os lucros cessantes. Rever tal entendimento seria desafiar a Súmula 7. 2- É possível a revisão da verba sucumbencial fixada de forma irrisória ou exorbitante pelas instâncias ordinárias, de forma a remunerar os procuradores por seu labor e dedicação" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 674.900, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julg. 19.12.2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400974094&dt_publicacao=19/12/2008>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  28. Rodolfo de Camargo Mancuso fornece ilustrativo exemplo das conseqüências advindas da indistinta invocação da Súmula nº 7, do Superior Tribunal de Justiça: "No campo das expressões plurívocas ou polissêmicas, avulta, agora, a "repercussão geral das questões constitucionais" – CF, § 3º do art. 102 – EC 45/2004; CPC, arts. 543-A e 543-B, cf. Lei 11.418/2006. Por exemplo, uma controvérsia envolvendo organismo geneticamente modificado, em princípio, se caracteriza como matéria de fato, assim passível de elucidação mediante prova técnica, nas instâncias ordinárias; mas como negar que uma lide envolvendo tema de tal magnitude, atualidade e relevância para o País possa ter acesso negado ao STF ou ao STJ ao argumento de não configurar questão de estrito direito?" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 165-166).
  29. Tal argumento foi utilizado nos despachos que denegaram seguimento aos recursos especiais nº 1.212.668-1/7 e 7.287.991-9/01.
  30. "Para o conhecimento do apelo nos moldes da alínea "c" do permissivo constitucional, exige-se que os acórdãos em confronto guardem estrita coincidência e sejam analiticamente demonstradas as dessemelhanças e as similitudes dos julgados comparados" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 940.834/RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, julg. 10.12.2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200700752106&dt_publicacao=10/12/2007>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  31. "No dissídio jurisprudencial, as exigências de natureza formal são mitigadas quando verificada a notoriedade da divergência, pois, em casos tais, são evidentes a similitude fática e a discrepância de interpretação normativa entre os acórdãos confrontados" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 848.072/MS, rel. Min. Vasco Della Giustina, 3ª Turma, julg. 09.06.2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200600980870&dt_publicacao=18/06/2009>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  32. "Processual civil. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu de agravo de instrumento. Número de referência da GRU. Documento comprovante de recolhimento de porte e remessa extraído da internet. Inidoneidade. Agravo improvido" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 998.285/SP, rel. Min. Luís Felipe Salomão, 3ª Turma, julg. 17.02.2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200703041972&dt_publicacao=02/03/2009>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  33. "Processual civil. Agravo regimental interposto em face de decisão que negou seguimento ao recurso especial. Documento extraído da internet. Ausência de fé pública. Impossibilidade de oposição contra o STJ. Decorrência da Medida Provisória nº 2.200/01. Juntada de documento em sede de agravo regimental. Inadmissibilidade. Preclusão consumativa. Incidência do art. 511, caput, do CPC. Multa do art. 557, § 2º, do CPC. Recurso improvido" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.103.021/DF, rel. Min. Luís Felipe Salomão, 3ª Turma, julg. 26.05.2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200802506508&dt_publicacao=08/06/2009>. Acesso em: 06 fev. 2010).
  34. Dada a forma contundente com que expressou seu convencimento, a tese defendida pelo Ministro João Otávio de Noronha, ainda que extensa, merece ser parcialmente transcrita: "Pedi vista para melhor refletir, pois, num primeiro momento, vislumbrei haver excesso de rigor acerca da questão relativa à comprovação do recolhimento das custas efetuadas via internet , no site disponibilizado pelo banco. Após analisar os autos, concluo por discordar dos demais membros desta Turma. Com efeito, os documentos juntados às fls. 990/991 demonstram que as GRUs foram recolhidas via internet , no site do Banco do Brasil S.A., e é certo que não há como aferir a autenticidade dos referidos documentos. Por outro lado, há de se perquirir: este Tribunal tem possibilidade de conferir a autenticidade das guias recolhidas em agências bancárias, que, na verdade, constituem meros impressos a tinta? Ocorre que este Tribunal costumeiramente presume a autenticidade dos documentos pela forma que eles apresentam, mas a comprovação do recolhimento não é feita. Alguns órgãos públicos dispõem de convênios com os bancos de modo que os pagamentos efetuados em seu favor são disponibilizados em seus sistemas eletrônicos alguns minutos após o recolhimento. Cito como exemplo disso o Detran/DF. Contudo, não é o caso deste Tribunal, que, inclusive, não é o favorecido direto, pois as custas são creditadas à União Federal. Por ocasião da Lei n. 11.636/07, quando este Tribunal passou a cobrar custas judiciais em processos originários e também recursais, foi editada a Resolução n. 1/STJ, segundo a qual as custas deverão ser recolhidas mediante GRU disponível no site deste Tribunal. Nesse site, utilizando-se o método de perguntas e respostas, foi informado o seguinte aos usuários: "7 - Como devo realizar o pagamento das custas e do porte e remessa e retorno dos autos? Basta acessar a Sala de Serviços Judiciais na página inicial do STJ, clicar em Guia de Recolhimento da União – GRU, selecionar o código apropriado, conforme o caso, preencher o formulário com o valor das custas, imprimir a GRU e pagá-la no ''Banco do Brasil''." Como se vê, a resolução indica que o pagamento deve ser realizado no Banco do Brasil, mas não faz nenhuma restrição quanto a que seja feito via internet. Não se pode descartar que a utilização do meio eletrônico para pagamento de quaisquer débitos/contas que necessitem de intermediação bancária avança freneticamente. Trata-se de uma realidade e pode-se dizer que a sociedade está passando por uma espécie de desmaterialização de documentos. Isso é fato e não pode ser olvidado pelo julgador. Nesse contexto, não creio que possa ser contestada a validade jurídica dos documentos de fls. 990/991 tão-somente porque foram impressos pelo contribuinte, que preferiu a utilização da internet para recolhimento das custas. Soma-se a isso mais um fator: o de que as relações sociais partem do pressuposto de que há boa-fé entre seus co-partícipes. Nas mais diversas áreas das relações humanas, esse princípio vigora. Ele vai desde as relações íntimas pessoais, tal como a confiança que se deposita em parentes e amigos, cujos compromissos são selados por um mero aperto de mãos, estendendo-se às relações obrigacionais reguladas pelo direito. Na esfera jurídica, passando pelas relações contratuais, chega-se ao direito processual de forma geral, o qual não constitui exceção à regra de que as partes, em princípio, agem de boa-fé. Tanto é assim que a exceção é prevista expressamente nos artigos 14 e seguintes do Código de Processo Civil, outorgando-se poderes ao julgador para penalizar aquele que foge à regra geral, ou seja, aquele que age de má-fé. Assim, não vejo motivo algum para presumir que os comprovantes de recolhimentos, quando efetuados via internet , sejam tidos por ineficazes para comprovar o efetivo recolhimento das custas, mormente porque, além da presunção da veracidade ante o fato de se presumir a ação de boa-fé como afirmei anteriormente, essa forma documental é parte rotineira das relações negociais. Encontra-se disponibilizada na internet (http://books.google.com.br) doutrina de Aldemiro Rezendo Dantas Júnior, que, apesar de referir-se sobre a boa-fé normativa e tecer comentários acerca das disposições do art. 113 do Código Civil, apresenta lição que serve como paradigma à presente hipótese. Observe-se: "Na realidade, há uma ligação indissolúvel entre a boa-fé e os usos, sendo estes um modo de concretização daquela, uma vez que esses usos do lugar se apresentam como elemento fundamental para o surgimento da confiança (cuja tutela, em última análise, se constitui em objeto da boa-fé, como veremos adiante), ou seja, é bastante razoável que cada uma das partes envolvidas no negócio jurídico crie a justa expectativa que a outra irá se comportar de acordo com o que se mostra usual no lugar, para os negócios daquela mesma espécie, sendo certo que ''a expectativa...tem relevância jurídica. ''" (Teoria dos Atos Próprios no Princípio da Boa-fé, pág. 117). Com base nos elementos acima indicados, creio que corrobora os interesses do recorrente a lição trazida no voto do Ministro Relator quanto às observações de Renato M. S. Opice Blum, no sentido de que "só é possível atribuir um manto de eficácia jurídica plena aos documentos, em meios tradicionais ou eletrônicos, se esses possuírem determinadas características que tornem possíveis não só a identificação de sua autoria, mas também a certeza de sua não modificação ou indícios de tal". Não vejo indícios de falsificação nos documentos apresentados às fls. 990/991. Há o número da autenticação bancária, o código de recolhimento: 10825-1; UG/Gestão n. 050001/00001; a identificação do contribuinte e estão eles formatados de modo idêntico aos disponibilizados pelo Banco do Brasil aos usuários de seu sistema eletrônico" (BRASIL. Op. cit.).
  35. Tal permissão está expressamente positivada no § 9º do art. 543-C, do Código de Processo Civil, que versa sobre os recursos especiais repetitivos.
  36. Esse é o mesmo mecanismo adotado pela Lei nº 1.060/50, que regula a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Como cediço, para fazer jus à benesse, basta que a parte declare, sob as penas da lei, que "não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família" (art. 4º), cabendo à parte contrária, se o caso, "em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão" (art. 7º).
  37. A bem da verdade, não é apenas o recorrente, ou o Superior Tribunal de Justiça, que se aproveita das vantagens geradas pelo pagamento pela via eletrônica. De fato, em recente estudo, o Banco Central do Brasil informou que as transações realizadas por meio de papel chegam a custar três vezes mais do que aquelas efetuadas por meios eletrônicos. Dado o interesse que o tema desperta, vale a pena transcrever o seguinte excerto do referido estudo: "Como em Humphrey et al., uma das principais questões que surgem com a análise da utilização dos vários instrumentos de pagamento é a possível economia gerada pela transição do uso de instrumentos em papel para instrumentos eletrônicos. Os trabalhos de Wells e Humphrey e Berger, por exemplo, indicam que dentre os instrumentos de pagamento exceto papel-moeda, o custo dos instrumentos em papel se mostra de duas a três vezes maior do que o dos eletrônicos. Ainda a esse respeito, Humphrey et al. também mostram que, durante os anos 90, os custos associados a pagamentos na Europa caíram cerca de 45% devido, principalmente, à redução do uso de instrumentos em papel; aos ganhos com economia de escala no uso de instrumentos eletrônicos de pagamentos; à redução dos custos de telecomunicação, à desregulamentação e ao aumento de concorrência" (BRASIL. Banco Central do Brasil. Custo e eficiência na utilização de instrumentos de pagamento de varejo. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/htms/novaPaginaSPB/Nota%20T%E9cnica%20-%20Custo%20Eficiencia.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2010).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli; RABELO, João Paulo Mont' Alvão Veloso. Juízo de admissibilidade do recurso especial. Um obstáculo ao acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2536, 11 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15012. Acesso em: 19 maio 2024.