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O direito humano a um meio ambiente equilibrado

O direito humano a um meio ambiente equilibrado

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Índice: 1. Considerações iniciais - 2. Gênese do direito ambiental em âmbito internacional: de Estocolmo a Rio - 3. Noção conceitual de meio ambiente e de direito ambiental - 4. A proteção jurídica internacional dos direitos humanos e sua classificação - 5. A relação entre direitos interdependentes - 6. Aproximação ao ´reconhecimento´ do direito humano ao meio ambiente: 6.1. O ´reconhecimento´ internacional e regional: uma síntese cronológica dos instrumentos mais relevantes; 6.2. Positivação constitucional; 6.3. O artigo 225 da Constituição do Brasil - 7. A situação do Direito humano a um meio ambiente no contexto europeu: 7.1. O Conselho Europeu e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos - 8. Considerações finais.


Resumo: Este artigo analisa brevemente a consideração de um ´novo´ direito humano: o direito a um meio ambiente equilibrado, classificado como um direito de terceira geração ou direito de solidariedade. Se a proteção ambiental tem como objetivos garantir a manutenção ou geração de condições necessárias a um entorno ambiental saudável em si mesmo e ao desenvolvimento da espécie humana, podemos arguir que o direito ao ambiente é um direito humano por excelência, mesmo não estando reconhecido em nenhum instrumento jurídico de âmbito internacional sobre direitos humanos.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Atualmente presenciamos uma mudança no sistema ecológico planetário capaz de comprometer os sistemas ambientais elementais - água, ar, solo, de erosionar e também exterminar centenas de milhares de espécies viventes e de ecosistemas que mantém, mediante sua função interativa e interdependente, o equilíbrio da biosfera. Este transtorno influi diretamente no gozo de direitos humanos, tais como o direito a vida e a saúde, direitos estes garantidos há muito tempo como direitos humanos. Este aspecto nos levaria a pensar que o direito a um meio ambiente adequado já deveria fazer parte da lista de direitos humanos declarados nos diversos instrumentos jurídicos internacionais sobre a matéria. Mas como veremos nestas páginas, esta lógica indução não se pode explicar, pelo menos no setor do Direito internacional dos direitos humanos.

O errôneo valor dado a natureza de interesse puramente utilitário, mecanicista, ao serviço do homem e fundado em uma concepção antropocêntrica lhe está fazendo gritar. No consciente coletivo contemporâneo a natureza está a disposição do homem e existe como mera satisfação de suas cada vez mais elaboradas necessidades. Não se questionam ou se esclarecem o seu intrínseco valor ecológico, social, educativo, estético, espiritual, etc., e tão-somente se apreciam as propiedades econômicas que ela nos oferece. Tampouco se tem plena consciência que é bem e morada coletivos de diferentes espécies e que necessita de cuidados nobres e urgentes.

As preocupações com o meio ambiente adquiriram suprema importância nas últimas três décadas do século XX e a cada a dia se apresenta ocupando um espaço cada vez mais relevante nas reflexões dos fóruns internacionais, nos meios de comunicação e nas inquietudes da sociedade civil em virtude ao perigo eminente de destruição da biosfera, afetada principalmente pela exploração descontrolada de recursos naturais. A pior crise é a dos recursos renováveis. Em todo o planeta, as espécies marinhas, terrestres e aéreas, as florestas tropicais e sua incomensurável reserva genética, a camada superior do solo, a água potável, etc., estão em um movimento acelerado de diminuição, já que a exploração é maior e mais veloz que a renovação. Esta crise, acrescida da mudança climática e da destruição da atmosfera afetam a vida humana e de todos os seres vivos de forma alarmante e talvez irreversível.


2. GÊNESE DO DIREITO AMBIENTAL EM ÂMBITO INTERNACIONAL: DE ESTOCOLMO A RIO

Em primeiro lugar, cabe observar que a formação de uma conciencia ambiental e as ´oportunas´ respostas e atidudes políticas e jurídicas surgiram depois da Segunda Guerra Mundial, quando vários instrumentos para a proteção de águas doces e do mar, foram ratificados. No referente a espaços marinhos, por exemplo, a Covenção de Londres para a prevenção da contaminação do mar (12 de maio de 1954) é o primeiro instrumento jurídico internacional que passou a regular as contaminações causadas pelo transporte marítimo.

Entre tanto, as bases sólidas do Direito ambiental emergeram há pouco mais de trinta anos, em alguns países industrializados onde a ´liberdade mercadomaníaca´ edificada em uma intensa industrialização e a consequente contaminação da água, do solo e do ar ´tornaram-se´ problemas, não somente no interior destes mas também em otros países limítrofes que sofriam as consecuencias da contaminação além fronteiras. Neste curto período de tempo esta nova faceta jurídica alcançou um desenvolvimento vertiginoso em nível interno e internacional.

Na década dos setenta a Organização das Nações Unidas (ONU) promove a primeira grande reunião internacional sobre o meio ambiente: a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, mais conhecida como Conferência de Estocolmo. O resultado imediato desta Conferência foi a aprovação de uma Declaração de princípios sobre o meio humano, denominada Declaração de Estocolmo; em seu texto, um preâmbulo e 26 princípios, abordaram-se as principais questões que assolavam o planeta naquela época, recomendando critérios programáticos para sua salvaguarda. Este instrumento, de caráter meramente declarativo o de soft law, instituiu os princípios básicos do Direito ambiental, constituindo o pilar orientativo dos inumeráveis tratados ambientais sobre as mais distintas materias que surgiram posteriormente; depois de Estocolmo, vários tratados multilaterais e bilaterais sobre o meio ambiente foram firmados e paralelamente grande parte das Constituições passaram a contemplar aspectos ambientais. Efetivamente, a referida Declaração pode ser considerada como uma autêntica Carta Magna do ´ecologismo jurídico internacional´, que influenciou decisivamente no ´ecologismo jurídico interno´ dos Estados.

Os progressos surgidos depois desta Conferência para uma melhor proteção do meio ambiente foram indubitáveis. Entretanto ao terminar a década dos oitenta, a humanidade encontrou-se diante de uma situação ambiental agravada, mais complexa e globalizada; as recomendações da Declaração de Estocolmo se dispersavam e a crise ambiental do Planeta se maximizava. Urgia a necessidade de construir uma nova ordem ecológica1 que garantisse a preservação do patrimônio ambiental planetário a partir de um objetivo difícil mas necessário: o desenvolvimento sustentável2 ou ecodesenvolvimento. Neste contexto, nasce em 1987, o Informe Brundtland (Nosso Futuro Comum), "inspirado na idéia de conciliar o desenvolvimento econômico dos povos com a salvaguarda dos valores ambientais"3.

Uma vez apresentado este Informe, a ONU convocou a Conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento que celebrou-se no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992. Desta conferência surgiu a Declaração de Rio sobre o meio ambiente e o desenvolvimento que ratifica e se apoia na necessidade de adotar um modelo econômico, social e político fundado no desenvolvimento sustentável. Também se adotaram outros instrumentos tais como a Agenda 21, a Declaração autorizada de princípios sobre os bosques e dois convênios de caráter jurídico obrigatório: o Convênio sobre a diversidade biológica e a Convenção sobre a mudança climática.

Certamente as Declarações emanadas das Conferências de Estocolmo e Rio estabelecem diretrizes fundadas em condutas devidas pelos Estados, criadas dentro de uma ordem jurídica ambiental flexible e sem caráter estritamente obrigatório e um ´dever ser´ éticamente idôneo a ser observado de boa-fé e com espírito de solidariedade por todos os Estados e indivíduos.

A proteção jurídica do meio ambiente é uma exigência já reconhecida. A evolução normativa que continua e intensamente se desenvolve vem delimitada por um imperativo fundamental de sobrevivência e de solidariedade: a responsabilidade pela preservação da natureza, e consecuentemente da vida, para as presentes e futuras gerações.


3. NOÇÃO CONCEITUAL DE MEIO AMBIENTE E DE DIREITO AMBIENTAL

Inicialmente, podemos definir meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem físico, químico e biológico que permite e dirige a vida em todas as suas formas. Contudo, a idéia que a expressão meio ambiente contem é bastante complexa, pois expresa uma série de realidades tanto físicas como sociais que permitem diferentes definições, isto é, o ambiente é uma realidade e não uma mera construção de caráter teórico e, como uma realidade, se configura como um bem indefinido ou difuso integrado por numerosos fatores. Consequentemente, a definição dependerá da perspectiva desde onde se pretende definir o termo (jurídica, sociológica, ecológica...) que, em nosso caso, é a jurídica. Neste sentido, "a definição comprenderia os elementos que o formam: terra, água, ar, flora e fauna. Portanto, a definição se reconduz ao conjunto de elementos naturais objeto de proteção jurídica específica"4.

Como disciplina jurídica podemos definir Direito ambiental conforme o conceito de Michael Prieur: "O direito do meio ambiente, constituído por um conjunto de regras jurídicas relativas à proteção da natureza e à luta contra as poluições. Ele se define, portanto, em primeiro lugar pelo seu objeto. Mas é um direito tendo uma finalidade, um objetivo: nosso ambiente está ameaçado, o Direito deve poder vir em seu socorro, imaginando sistemas de prevenção ou de reparação adaptados a uma melhor defesa contra as agressões da sociedade moderna. Então o direito do meio ambiente mais que a descrição de Direito existente é um direito portador de uma mensagem, um Direito do futuro e da antecipação, graças ao qual o homem e a natureza encontrarão um relacionamento harmonioso e equilibrado"5.

De certo modo, este emergente ramo do Direito poderia renovar o sistema jurídico tradicional - em não poucas ocasiões equivocado, obsoleto e inoperante - cuja proteção de interesses e direitos individuais, os quais se multiplicam no regime suicida de mercado, se sobrepõe aos interesses e direitos coletivos, próprios do Direito ambiental que exige uma visão mais abstrata e comprometida com o todo, além de uma permanente intervenção popular sustentada por uma democracia ambiental: estar informado, participar e corresponsabilizar-se.


4. A PROTEÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E SUA CLASSIFICAÇÃO

A promoção e proteção dos direitos humanos ou direitos do homem constituíram um dos fundamentos ideológicos de organização mundial após a Segunda Guerra Mundial.

Em sua globalidade, estão comtemplados na Carta Internacional de Direitos Humanos formada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e enriquecida pelos Pactos Internacionais de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (direitos coletivos) e de Direitos Civis e Políticos de 1966 (direitos individuais) e os Protocolos Facultativos a este último. Contudo, outros regimes jurídicos de proteção especial configuram o sistema de proteção dos direitos humanos, tal como a Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1965.

Aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, é o texto base ou ponto de partida na proclamação e reconhecimento internacional dos direitos humanos. Nela segue o objetivo de assegurar a dignidade inerente a todos os membros da espécie humana mediante uma afirmação de direitos iguais e inalienáveis.

Para ordenar os direitos humanos a doutrina oferece uma classificação que foi o resultado de um proceso evolutivo destes direitos ao longo do tempo e de acordo com as necesidades da sociedade. Esta classificação os divide em direitos de primeira geração (direitos civis e políticos), de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) e de terceira geração ou de solidariedade onde se incluiria o direito a um meio ambiente. Atualmente se reflexiona sobre uma possível quarta geração de direitos, a dos direitos ambientais.

A corrente doutrinária maioritária entende como direitos de solidaridade, ou de terceira geração, os direitos ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, à paz e ao meio ambiente, os quais estão orientados pelos princípios de indivisibilidade, interdependência e solidariedade. Existem propostas de realização de um terceiro Pacto Internacional que deveria somar-se aos outros Pactos supracitados: o "Pacto sobre Direitos da Solidariedade" que formularia com mais precisão tais direitos.


5. A RELAÇÃO ENTRE DIREITOS INTERDEPENDENTES

A relação entre os direitos humanos e os direitos ambientais se centra principalmente em dois aspectos. Em primeiro lugar, a proteção do meio ambiente pode ser concebida como um meio para conseguir o cumprimento dos direitos humanos, tomando-se em conta que um entorno ambiental destruído contribui diretamente a violação dos direitos humanos à vida, à saúde, ao bem estar... Como analiza Mercedes Franco del Pozo, "o direito a vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se não há vida, não há existência, e portanto, não se tem nem direitos nem obrigações, nem nada. Neste sentido, o direito à vida poderia ser condiderado como um pré-requisito, não somente para o direito ao meio ambiente, mas também para todos os demais direitos garantidos e garantizáveis. (...) se poderia dizer que o direito à vida é dependente do direito humano ao meio ambiente"6.

Em segundo lugar, os direitos ambientais dependem do exercício dos direitos humanos para terem eficácia. Através do direito à informação, à liberdade de expressão, à tutela judicial, à participação política no Estado que vive, os indivíduos poderão reivindicar e possuir direitos ambientais.

Contudo, o processo positivo e jurisprudencial para reconhecer-se a interdependência entre estes direitos ainda não está concluído. Por outra parte, a doutrina especializada mais relevante há algum tempo vem claramente fundamentando que o direito ao meio ambiente é um direito humano e simultaneamente propõe seu reconhecimento formal, ou seja, a positivização nos ámbitos internacional e nacional como forma de ´fazer valer´. Mas esta postura não parece ser maioritária, o que presume que tanto a teórica, assim como o reconhecimento formal em convênios internacionais e ordenamentos jurídicos internos tem um longo caminho a ser percorrido.

Inerentemente ao que possa significar o "direito a um meio ambiente adequado e equilibrado ecologicamente" há uma implícita existência de uma forte ligação entre direitos humanos e meio ambiente que nos conduz à pergunta: quando se viola o direito ao meio ambiente, também se violam direitos humanos? Até o presente momento esta indagação não tem uma resposta apesar da existência de tendências e proposições.

Sem lugar a dúvidas, são direitos intimamente ligados e dependem um do outro para serem efetivos. Uma violação de qualquer um destes direitos invade o terreno do outro, constituindo um duplo desequilíbrio: ambiental e humano. O desequilíbrio ambiental é sempre o suficientemente grave para constituir uma violação de direitos humanos.


6. APROXIMAÇÃO AO ´RECONHECIMENTO´ DO DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE

6.1. O ´Reconhecimento´ Internacional e Regional: Uma Síntese Cronológica dos Instrumentos mais Relevantes

O direito humano a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como veremos nesta epígrafe, ainda não está acolhido de forma expressa nos tratados internacionais sobre direitos humanos. Não obstante, está introduzido em muitos convênios regionais e de forma mais categórica nos instrumentos internacionais programáticos sobre meio ambiente.

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 encontramos uma primeira base, muito embora está longe de constituir uma menção expressa de que o direito a um meio ambiente adequado é um direito huamano, decorrente de uma completa falta de conciência naquele dado momento da importância de proteger a natureza e todos os seres vivos dos nefastos impactos humanos sobre a vida na Terra. Os artigos 3º e 251 estabelecem respetivamente: "Toda pessoa têm direito à vida(...)"; "Toda pessoa têm o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família, a saúde e o bem estar(...)".

Na Declaração de Estocolmo, o Princípio 1 proporciona uma idéia mais clara e parece reconhecer de maneira explícita e por primeira vez, o direito humano ao meio ambiente adequado. O citado Principio reza: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e a disfrutar de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita ter uma vida digna e gozar de bem estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio para as presentes e futuras gerações (...)".

A Seção V (Direito ao meio ambiente e aos recursos comuns) da Declaração Universal dos Direitos dos Povos de Argel de 1976 estabelece em seu artigo 16 que "todo povo têm o direito à conservação, à proteção e ao melhoramento de seu meio ambiente".

Entrando na década dos oitenta, é de destacar-se que a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981, institui expresamente o direito humano ao meio ambiente ao proclamar no artigo 22 que "todos os povos têm o direito a um meio ambiente satisfatório e global, favorável a seu desenvolvimento". Cabe observar que nesta Carta, o meio ambiente se encontra conectado com o desenvolvimento, o que pressupõe que as medidas de proteção ambiental - por exemplo prevenção de erosões, contaminação da água, extinção de espécies, etc. Têm por objetivo permitir o desenvolvimento econômico e humano coletivos.

Tomando em conta o conceito de desenvolvimento sustentável proposto pelo Informe Brundtland de 1987 - "o desenvolvimento que satisfaz as necesidades da presente geração sem comprometer a capacidade das futuras gerações para satisfacer suas próprias necessidades"7 - podemos concluir, seguindo a análise de Mercedes Franco Del Pozo que "este conceito representa o enlace que une, em íntima conexão, o meio ambiente e o desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito ao desenvolvimento, estabelecendo uma ponte entre a doutrina ambiental e a doutrina dos direitos humanos"8.

No âmbito do continente americano, o artigo 11 do Protocolo adicional (1988) à Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) estabelece que "toda pessoa têm o direito a viver em um meio ambiente sadio e ter acesso aos serviços públicos, incumbindo aos Estados parte ou dever de promover, proteger e melhorar o meio ambiente". Como observa Alberto Herrero De La Fuente "é a primeira vez que um tratado internacional reconhece um direito de caráter individual a um meio ambiente sadio"9.

Na Declaração de Rio de 1992, e entre os elementos nucleares que a compõe, devemos mencionar a insistência relativa a um modelo de desenvolvimento sustentable, enunciado nos Princípios 1 e 4 como um direito fundamental dos seres humanos, desenvolvendo uma vinculação com a teoria dos direitos humanos que está relevantemente clara e plasmada no Princípio 1: "Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm o direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza". Este Princípio, vêm confirmar o Princípio 13 da Declaração de Estocolmo de 1972 que estabelece: "Com a finalidade de obter uma racional ordenação dos recursos e melhorar as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planificação de seu desenvolvimento com a necesidade de proteger e melhorar o meio ambiente em benefício de sua população".

Não obstante, os Estados que participaram em sua redação perderam a oportunidade e cometeram uma falha ao não equiparar explicitamente o direito a um meio ambiente como um direito humano.

Finalmente, é de enfatizar-se que a intenção de um reconhecimento internacional explícito está proclamada na Declaração de Viscaia, fruto do Seminário Internacional sobre Direito Ambiental, celebrado em Bilbao - Espanha de 10 a 13 de fevereiro de 1999, sobre os auspícios da UNESCO e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Esta declaração propõe à comunidade internacional o reconhecimento do direito humano ao meio ambiente, em um instrumento de alcance universal. O artigo 13 da referida Declaração reza: "O direito ao meio ambiente deverá ser exercido de forma compatível com os demais direitos humanos, incluído o direito ao desenvolvimento".

6.2. Positivação Constitucional

Muitos estados, de uma maneira ou outra, reconhecem o direito ao meio ambiente ainda que não o equiparam rotundamente a um direito humano.

Na Constituição Italiana de 1948, não existe nenhum artigo que expressamente se refere ao direito ao meio ambiente, sendo que o mesmo foi reconhecido por via jurisprudencial ao ser relacionado com os artigos 9º, 32 e 41, que se referem, respetivamente, à proteção do patrimônio histórico e artístico da nação, à proteção da saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade e à inciciativa econômica dentro de um marco que só se contraponha com sua utilidade social sem que prejudique a seguridade, a liberdade e a dignidade humana.

Na Constituição do Chile de 1981, o art. 198, assegura a todas as pessoas "o direito a viver em um meio ambiente livre de contaminação".

Segundo o artigo 45 da Constituição española: "Todos têm o direito de disfrutar de um meio ambiente adequado para o desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de conservá-lo". É de ressaltar-se que o Parlamento da Catalunha - Comunidade Autônoma española - em 19 de maio de 1999, aprovou por unamimidade a Declaração de Princípios sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente. Com esta Declaração, o referido Parlamento é pioneiro em reconhecer o direito humano a um meio ambiente ainda que, cabe lembrar, que uma declaração não constitui um instrumento jurídico vinculante ou obrigatório e por conseguinte não tem força de lei.

6.3. O artigo 225 da Constituição do Brasil

A Constituição Brasileira de 1988 é eminentemente ambientalista e podemos afrimar que é uma das mais ambientais do mundo; anteriormente a sua promulgação, o tema estava abordado somente de forma indireta, mas mencionado em normas hierarquicamente inferiores. Nos diz o artigo 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações".

Efetivamente, este artigo e a imensa legislação ambiental existente, pretende de uma forma ou outra proteger "a qualidade do meio ambiente em função da qualidade da vida humana"10 ainda que não reconheçam o direito ao meio ambiente como um direito humano em um nível além do implícito.

Cabe destacar a obrigatoriedade que o artigo 225 estabelece à coletividade: defendê-lo para as presentes e futuras gerações, extendendo desta maneira o carácter aplicativo que regra geral está imputado ao Poder Público.


7. A SITUAÇÃO DO DIREITO HUMANO A UM MEIO AMBIENTE NO CONTEXTO EUROPEU

Neste apartado, se realiza um exame da problemática estudada desde o ponto de vista da União Européia - e suas instituições-, protagonista no âmbito dos direitos humanos e no estímulo dado ao Direito ambiental.

O diretor do Meio Ambiente e dos Poderes Locais do Conselho Europeu reconheceu que "se está afiançando cada vez mais, não somente entre o público em geral, como também nos âmbitos onde há um interesse pela proteção do meio ambiente, à convicção de que, frente a agravação da situação de nossa biosfera, o melhor meio de defesa seria reconhecer-se como um direito humano o direito ao meio ambiente"11.

Entretanto, a questão de ser ou não um direito humano, encontra opiniões divididas além de requerer certas reflexões que iniciamos com uma breve análise comparada nas concepções européias e fora desta.

Não é nenhuma novidade que os continentes africano e latino-americano sofrem uma severa crise econômica e ambiental. Nem que esta crise tem origens no inadequado desenvolvimento, no descontrolado crescimento da população, na já afiançada globalização da economia e que se remota a época colonial que desenvolveu os colonizadores mediante a substração masiva dos recursos naturais dos colonizados.

Por estas e outras razões, a consciência ´terceiromundista´ de certa forma atuou, inserindo o direito a um entorno ambiental sadio em suas Declarações sobre direitos humanos. É o caso, como vimos, da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e seu artigo 22. Contudo, esta atitude é vista por muitos países desenvolvidos como uma simples expressão do processo descolonizador e de sua plasmação no direito de auto-determinação.

No entanto, não podemos ser extremistas e afirmar que os organismos institucionais europeus se encontram em franca oposição a positivação do direito a um meio ambiente equilibrado como um direito humano, visto que emerge uma crescente preocupação e proteção à qualidade de vida neste continente, nos âmbitos ambiental e humano, o que inevitavelmente produz um efeito de contágio determinante em nível internacional. Todavia, nem o Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais de 1950 nem a Carta Social Européia de 1961 incluem aspectos meio ambientais em sus textos.

Existe um concenso geral no campo de ação europeu de uma nova perspectiva ou visão ambiental. Uma mostra deste crescente interesse é o fato de que a União Européia, que carecia de conotações ambientais no momento de sua constituição, agora integra o tema como elemento de essencial importância em seu contexto legislativo e institucional. Sobretudo apartir de 1972 - por influência da Declaração de Estocolmo- esta organização internacional de âmbito regional adotou várias diretrizes relativas ao meio ambiente que dotam de padrões mínimos de conduta que devem ser observados en esta zona, que a pesar de ser desenvolvida industrial e tecnologicamente, convive com uma taxa elevadíssima de contaminação sonora, do ar e da água e de erosão de espécies da fauna e flora e de ecosistemas vitales.

7.1. O Conselho Europeu e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Apesar do direito ao meio ambiente não haver sido incorporado à lista de direitos do Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos - mecanismo de aplicação do Convênio- submeteu esta possibilidade a estudo em várias ocasiões. As razões pelas quais ainda não se há incorporado tal direito são as seguintes: a) temor de esfumar e mascarar o Convênio através da incorporação de ´novos´ direitos humanos; b) o fato de que a maioria dos Estados membros possuem sérios problemas ambientais que poderiam supor constantes demandas ao Tribunal ao ser tal direito incorporado en el Convênio.

Não obstante, o Tribunal acabou por considerar o direito ao meio ambiente como um direito humano através do que se adjetiva como ´proteção de rebote´ (protection par ricochet)13. O Tribunal permitiu que um atentado contra o meio ambiente fosse submetido a este órgão não por si mesmo, mas como causa de violação de outros direitos protegidos pelo Convênio. O caso mais interessante é o assunto López Ostra que derivou-se de uma demanda contra o Estado español. Neste assunto, o Tribunal admitiu de maneira clara que uma grave contaminação do meio ambiente pode afetar o bem estar do indivíduo e impedir-lo de disfrutar de seu lar, atacando sua vida privada e familiar14.

Se trata de uma matéria em pleno desenvolvimento e os resultados nem sempre adotam um destaque à importância do direito a um meio ambiente sadio. É o caso, por exemplo, do assunto McGinley v. Egan (sentença de 09.06.1998), demanda realizada por militares depois de haverem participado em várias campanhas britânicas no Pacífico com explosões nucleares e de aparecerem diferentes sintomas em seus organismos aparentemente ocasionados por tais operações. Os demandantes não puderam naquele momento ver satisfeita sua petição ante os tribunais britânicos por se tratar de temas submetidos a segredo militar. Por sua parte, o Tribunal, remetendo-se aos artigos 6º e 8º do Convênio, apenas afirmou que ao ser ignorada tal situação pelas autoridades britânicas, estas não atuaram de maneira proporcional ao interesse legítimo dos demandantes, havendo um incumprimento de sua obrigação positiva em relação com o respeito à vida, ao devido processo legal e a um juízo justo.


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos humanos não são atribuidos arbitrariamente. Tampouco constituem um conceito estático ou inalterável. Frequentemente reflexam valores sociais emergentes, tal como o direito de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ideologicamente, estes direitos além de interdependentes, são supranacionais, suprapositivos, não carecem de este ou aquele ato de recognição.

Na prática jurídica atual se percebe uma série de problemas na consagração de um direito humano a um meio ambiente, derivados de uma consciência eminentemente antropocêntrica e utilitarista.

Problemas que emergem da falta de consenso internacional, dos interesses da elite governamental (países ´desenvolvidos´) e dos blocos de poder transnacionais, configuram alguns obstáculos que se apresentam diante do reconhecimento de um direito como parte do outro. Além disso nos encontramos frente a um obstáculo: como concretar a responsabilidade de um Estado frente à uma demanda particular ou coletiva com base em um dano ambiental? Poderia um determinado Estado ser responsabilizado pelos efeitos da mudança climática que constitui um problema ambiental global?

Por outra parte, assim como as antigas, as atuais relações Norte/Sul, estão baseadas na exaustiva dominação e exploração dos recursos naturais abundantes do hemisfério Sul e cada vez mais escassos no Norte. O desenvolvimento progressivo dos direitos humanos e ambientais, tanto doutrinária como normativamente, é propiciado principalmente pelo trabalho de juristas, acadêmicos e instituições do Norte. Consequentemente, este trabalho é realizado de acordo com interesses fundados no ecocolonialismo, ou seja, o controle do Norte sobre os recursos naturais do Sul.

Ao perguntar-nos se o direito a um meio ambiente adequado e suficientemente importante para ser elevado a categoria de um direito humano, podemos tomar em conta o papel transcedental que desempenha o meio no desenvolvimento humano. Aquele direito é um dos pilares do reconhecimento de outros como o direito à vida e à saúde.

A consideração do direito a um meio ambiente como um direito humano poderia estimular ainda mais o ativismo político e civil em matérias relativas à saúde planetária e levar a criação de órgãos especializados mais enérgicos de proteção e aplicação destes direitos em nível local, nacional e internacional.

De certo, é um processo - ainda que em transição - que demarca substancialmente uma posição crescente no cenário jurídico, econômico, político e social internacional. Seu reconhecimento poderia aprimorar a Declaração de 1948. Um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é um ávido valor social a ser reclamado porque determina um desejo unânime e prioritário da humanidade e demais espécies: a vida.


NOTAS

1 Ou seja, um novo paradígma, que pode ser denominado de visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado e não como uma coleção de partes dissociadas. Também pode ser denominada como visão ecológica, a qual reconhece a interdependencia fundamental de todos os fenómenos. Ver CAPRA, F: A teia da vida, Cultrix, São Paulo, 1996.

2 O desenvolvimento sustentável persegue o logro de três objetivos essenciais: um objetivo puramente econômico, a utilização dos recursos e o crescimento quantitativo; um objetivo social e cultural, a limitação da pobreza, a manutenção dos diversos sistemas sociais e culturais e a equidade social e um objetivo ecológico, a preservação dos sistemas físicos e biológicos (recursos naturais latu sensu) que servem de suporte a vida dos seres humanos (JUSTE RUIZ, J: Derecho Internacional del Medio Ambiente, MacGraw-Hill, Madrid, 1999, pág. 33).

3 Ídem, pág. 21.

4 ACOSTA, ESTÉVEZ, J: "La dimensión jurídico-internacional del medio ambiente", en ANNALES XIV - Anuario del Centro de la Universidad Nacional de Educación a Distancia, Barbastro, 2001, pág. 57.

5 Citado em MACHADO, P: Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 1998, pág 91.

6 FRANCO DEL POZO, M: El derecho humano a un medio ambiente adecuado, Universidad de deusto, Bilbao, 2000, págs. 48-49.

7 COMISIÓN MUNDIAL DEL MEDIO AMBIENTE Y DEL DESARROLLO: Nuestro Futuro Común, Alianza Editorial, Madrid, 1992, pág. 67.

8 FRANCO DEL POZO, M: El derecho..., cit., pág. 37.

9 HERRERO DE LA FUENTE, A: "La protección internacional del derecho a un medio ambiente sano", en BLANC, A: La protección de los derechos humanos a los 50 años de la Declaración Universal, Tecnos, Madrid, 2001., pág. 93.

10 SILVA, J: Direito Urbanístico Brasileiro, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981, pág. 438.

11 ALBANESE, F: "¿Un nuevo derecho del hombre?", en Natura Europa, núm. 70, 1992, pág. 20.

13 SUDRE,F: "La protection du droit a l´ environnement", Colloque d´ Angers, dirigido por Jean Claude Masclet, La Documentation française, Paris, 1997, págs. 211-212.

          14 Sentença de 09.12.1994. A demanda teve origem na instalação e funcionamento sem licença na localidade de Lorca (Murcia), em julho de 1988, de uma empresa de tratamentos de resíduos sólidos e líquidos. Devido a um defeituoso processo de operação, tal empresa espelia gases e maus olores, ocasionando problemas de saúde a população cercana.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERTOLDI, Marcia Rodrigues. O direito humano a um meio ambiente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1685. Acesso em: 28 mar. 2024.