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Sistemas eleitorais

Sistemas eleitorais

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Sumário: 1. Introdução – 2. Importância da escolha do sistema – 3. Tipos de sistemas eleitorais – 3.1 Sistemas de Pluralidade ou Maioria – 3.1.1 Maioria Simples – 3.1.2 Sistema Segunda Votação – 3.1.3 Sistema do Voto em Bloco – 3.1.4 Sistema do Voto em Bloco Partidário – 3.1.5 Sistema do Voto Único Não Transferível – 3.1.6 Sistema do Voto Alternativo – 3.2 Sistemas de Representação Proporcional – 3.2.1 Sistema do Voto Único Transferível – 3.2.2 Sistema Representação Proporcional de Lista – 3.3 Sistemas Mistos – 3.4 Outros Sistemas – 4. Breve Histórico Constitucional e Considerações sobre o Federalismo – 5. Sistema Majoritário Brasileiro – 6. Sistema Proporcional Brasileiro – 7. Coligações no Mundo e no Brasil – 8. Distorções no Sistema Brasileiro – 9. Matemática, Teoria dos Jogos e Sistemas Eleitorais – 10. Bibliografia


1. Introdução

Por sistema eleitoral devemos entender o conjunto de regras necessárias à computação dos votos e sua conseqüente transformação em mandatos.

Na esteira das lições do professor Jairo Marcone Nicolau, temos que os sistemas eleitorais são os mecanismos responsáveis pela transformação do voto dado pelos eleitores no dia das eleições e mandatos. [01]

O sistema eleitoral é uma realidade institucional que se propõe a viabilizar a representação política através de uma estratégia de composição das escolhas e opções políticas da sociedade.

Algumas variáveis se destacam como presentes nos diversos estilos de sistemas eleitorais: a) fórmula eleitoral (pluralidade ou maioria; proporcional; misto ou outro); b) estrutura da cédula de votação (se é facultada ao cidadão a opção de votar em candidato ou em partido, se é uma escolha única ou uma ordenação de preferências); e c) o tamanho do distrito eleitoral (a quantidade de representantes que este determinado distrito, que pode coincidir ou não com a divisão administrativa, pode eleger).


2. Importância da escolha do sistema

Tendo em vista que cada sistema eleitoral condiciona as condutas dos agentes políticos, é de grande importância o estudo de cada sistema, exatamente porque cada um vai apresentar distorções e peculiaridades próprias que podem ser exploradas para uma maior representatividade de determinando partido e o alcance mais célere do poder.

Saliente-se que as preocupações imediatistas dos interesses políticos podem frequentemente ocultar as conseqüências de longo prazo de um sistema eleitoral em particular e o eventual comprometimento das instituições sociais.

O sistema eleitoral influencia a tomada de decisões dos diversos agentes políticos envolvidos. O sistema eleitoral funciona quase como a regra do jogo político, porque em última análise cada partido ou político individualizado deseja obter o maior número de votos ou a melhor forma de um conjunto de votos para se eleger.

Assim, podemos indagar: de que maneira o sistema eleitoral escolhido facilita ou dificulta a resolução de conflitos entre líderes de partidos? Qual a efetiva influência do partido sobre os indivíduos eleitos por este mesmo partido? O sistema estimula o individualismo ou a vinculação aos ideais partidários? Qual a influência que determinado sistema tem sobre a fidelidade partidária?

Tais considerações devem ser partes da equação tanto quando da escolha como quando da reforma de um determinado sistema eleitoral. Essa ponderação determinará quão estável será o sistema e sua legitimidade popular a longo prazo.

Dentro dessa busca de legitimidade social, verificamos que um sistema eleitoral pode ser concebido como um instrumento para favorecer a representação geográfica local e para promover proporcionalidade. É possível ainda fomentar o desenvolvimento de partidos políticos nacionais fortes e duradouros.

Quanto aos partidos, é inegável perceber que o sistema eleitoral acaba por condicionar quesitos como a quantidade de partidos e as dimensões de cada um. O sistema pode encorajar uma multiplicidade de facções internas ou favorecer a centralização do controle e das pautas políticas.

Por fim, o sistema eleitoral acaba por ter efeito sobre a própria sociedade, podendo agravar ou moderar tensões e conflitos. Se o sistema eleitoral não for considerado justo e capaz de permitir uma verdadeira identificação da sociedade com os representantes, ou o sistema político inviabilizar que a oposição sinta a possibilidade de vencer as próximas eleições, os derrotados, ou outros grupos sociais podem sentir-se compelidos a trabalhar fora do sistema, usando tácticas não democráticas, até mesmo violentas.


3. Tipos de sistemas eleitorais

Há uma imensidade de variações nos sistemas eleitorais de acordo com a evolução histórica de cada país. É possível, porém dividi-los em doze sistemas principais, em três amplas famílias:

a) sistemas de pluralidade ou maioria,

b) sistemas proporcionais e

c) sistemas mistos.

São mais frequentemente usados: a maioria simples e o sistema de segunda votação (pluralidade ou maioria); lista de representação proporcional (sistemas proporcionais); e representação proporcional personalizada e paralela (sistemas mistos).

         3.1 Sistemas de Pluralidade ou Maioria

O princípio dos sistemas de pluralidade ou maioria é simples e evoca a noção básica de maioria. Trata-se da percepção intuitiva de que, se a maioria das pessoas querem algo, esse desejo deve prevalecer sobre a minoria.

Realizada a votação e os votos contabilizados, os candidatos ou partidos com mais votos são declarados vencedores. Seguem algumas sub-divisões desta família.

3.1.1 Maioria Simples

A maioria simples é a forma mais tradicional e simples, internacionalmente conhecida como first past the post. O candidato vencedor é aquele que obtém mais votos, mesmo se não obtiver uma maioria absoluta de votos válidos.

Normalmente a opção para o eleitor é única, com distritos de magnitude um – ou seja, para aquele distrito eleitoral só há um representante – e os eleitores votam em candidatos em vez de em partidos políticos.

Nesse sistema interessante é notar uma tendência de formação de um bipartidarismo se aplicado a todos os cargos e funcionar por muito tempo (Lei de Durverger). A aglutinação de tendências opostas tende a ocorrer de modo que minorias próximas se fundem na busca de uma maioria. Forma-se uma polarização dos pontos principais da sociedade levando a existência como acorre em vários países de dois macro-partidos.

No Brasil temos este sistema na forma mais simples para o caso dos Senadores, havendo uma alternância na magnitude do distrito em cada eleição – alternância entre um e dois representantes em cada eleição.

3.1.2 Sistema Segunda Votação

O sistema de segunda votação é um sistema de pluralidade no qual ocorre uma segunda eleição se nenhum candidato alcança uma determinada porcentagem sobre o total de votos, mais frequentemente esse patamar é o da maioria absoluta na primeira votação, que se trata do caso brasileiro.

Podemos indicar como exemplo as eleições do parlamento de Mali e da França. Na França, caso exista segundo turno, todos os candidatos com mais de 12,5% (doze e meio por cento) dos votos poderiam concorrer novamente. Existem variações, como é o caso da Costa Rica, onde o candidato estará eleito se alcançar quarenta por cento dos votos e, no Uruguai, o candidato deverá conseguir quarenta por cento dos votos somada a uma diferença de dez por cento para o próximo colocado.

3.1.3 Sistema do Voto em Bloco

Normalmente é aplicado em distritos com mais de um representante. O eleitor terá a possibilidade de votar em tantos candidatos quantas forem as vagas em disputa, sendo eleitos os mais votados.

Apesar da complexidade de na contabilização dos votos, essa forma é interessante, pois permite uma maior contribuição da vontade social. Permite a cada cidadão ofertar um grupo de candidatos que em conjunto agiriam, pelo menos idealmente, consoante as diversas opções e interesses do eleitor.

Essa pluralidade de votos vai ao sentido de que cada eleitor é uma pluralidade de interesses e não deve estar limitado a escolher um só ícone, um só indivíduo através de seu poder democrático que é o voto.

Podendo dispor de mais de um voto o eleitor oferece a sua opinião sobre uma composição ideal do parlamento, que por sua vez é uma participação muito mais democrática, influente e expressiva no jogo democrático.

3.1.4 Sistema do Voto em Bloco Partidário

Os partidos apresentam a lista de candidatos e o eleitor vota uma única vez em uma das listas. O partido mais votado elege todos os representantes do distrito. Esse sistema por sua vez favorece uma identificação do eleitor com um partido, ou seja, com uma pauta política.

Existem considerações sobre a este sistema que, apesar de favorecer a formação de partidos fortes, quebra a identificação pessoal ou carismática do indivíduo com seu representante. Outra crítica possível seria a necessária subsunção da escolha de um indivíduo à pauta partidária, sem a possibilidade de composição de uma representação plural. Há o perigo de uma anulação do indivíduo e das lideranças que terão que se inserir na estrutura partidária.

Paradoxalmente, é possível o contrário, dado um líder carismático muito forte, a pauta do partido será ofuscada e este líder tenderá a ter sempre sua "corte partidária" ao seu lado em todas as eleições. Há o perigo do surgimento de uma figura autoritária e quebra da democracia.

3.1.5 Sistema do Voto Único Não Transferível

Cada partido apresenta tantos candidatos quanto às vagas. O eleitor, por sua vez, vota em apenas um, sendo os mais votados eleitos. Este sistema guarda relação com o sistema passado, porém o foco deixa de ser o partido e passa a ser o candidato.

As críticas que podem ser feitas é o favorecimento de partidos fracos, já que o elemento que determina a eleição é o carisma individual de cada candidato. Por outro lado o sistema permite uma composição plural com os "melhores" de cada partido.

3.1.6 Sistema do Voto Alternativo

Nesse sistema o eleitor recebe uma cédula onde terá de preencher em ordem a sua opção de candidato. Caso ninguém tenha alcançado cinqüenta por cento dos votos, eliminar-se-á o candidato com menor número de primeiras opções, sendo seus votos redistribuídos pela segunda opção, em processo sucessivo, até que alguém alcance aquele patamar.

Esse sistema já incorpora a concepção de uma representação matemática. A organização dos escolhidos em ordem de preferência já é um mecanismo de organização dos diversos interesses sociais, que não são univocamente representados por este ou aquele indivíduo. A crítica gira em torno da maior complexidade do sistema e maior dificuldade de assimilação por parte dos eleitores.

         3.2 Sistemas de Representação Proporcional

Os sistemas de representação proporcional são concebidos para gerar uma proporcionalidade correspondente entre os votos de determinado partido e a quantidade de vagas parlamentares.

Quanto maior o número de representantes a eleger em determinado distrito eleitoral e quanto menor o patamar requerido para representação na legislatura, mais proporcional será o sistema eleitoral e maiores as probabilidades de pequenos partidos minoritários obterem representação.

Na bela lição de Pinto Ferreira,

A representação proporcional é assim a conseqüência de uma justiça na representação política. Diversas objeções são trazidas contra tal representação, entre elas se salientando as dificuldades técnicas e complicações do sistema, a restrição à liberdade de escolha dos eleitores e os obstáculos que traria à formação de uma maioria parlamentar sólida. Entretanto, tais dificuldades podem ser superadas, pois as complicações técnicas são resolvidas pela ciência, a liberdade de escolha dos eleitores pode ser parcialmente concedida através do voto preferencial, a estabilidade governamental amparada por uma proteção aos maiores partidos políticos. [02]

A representação proporcional é muito utilizada na atualidade e apresenta duas variantes: a) sistema do voto único transferível; e b) sistema de representação proporcional de lista.

3.2.1 Sistema do Voto Único Transferível

No sistema de voto único transferível – internacionalmente conhecido como single transferable vote – concebido pelo jurista Thomas Hare em 1859, os eleitores em pequenos distritos ordenam sua preferência na cédula, independente do partido de cada candidato. São eleitos os candidatos que cumprirem uma quota determinada para cada distrito.

Após este primeiro momento transfere-se os votos recebidos além da quota proporcionalmente à segunda preferência dos eleitos. Se ainda assim essa transferência não for suficiente para outros candidatos atingirem a quota, os menos votados transferem todos os seus votos, proporcionalmente, para os demais – e assim sucessivamente, até que se preencha todas as cadeiras.

3.2.2 Sistema Representação Proporcional de Lista

Das diversas críticas aos sistemas majoritários, surgiram propostas que culminaram com a idéia de uma representação proporcional, como forma de melhor equacionar os diversos interesses sociais.

Nesse sentido,

A Bélgica foi o primeiro País, em 1899, a adotar o sistema de listas - e foi seguida pela Finlândia, Suécia, Holanda, Suíça, Itália, Alemanha, Noruega, Dinamarca e Áustria. Por esse sistema, cada partido apresenta uma lista de candidatos; as cadeiras no Parlamento são distribuídas entre os partidos de acordo com o porcentual recebido por cada um deles. Essa é a forma geral. Mas algumas regras particulares podem tornar o sistema mais complexo, como a fórmula para a distribuição de cadeiras, a de exclusão, regras para a seleção de candidatos da lista e a possibilidade de os partidos fazerem coligações. [03]

Convém perceber os três tipos de listas possíveis reconhecidas na doutrina: a) listas abertas; b) listas livres; c) listas fechadas e d) listas flexíveis.

Por lista aberta devemos entender aquelas nas quais o eleitor pode votar em qualquer dos candidatos apresentados por qualquer dos partidos, que não poderão estabelecer ordem de preferência para seus próprios candidatos. Serão eleitos aqueles mais votados. Podemos indicar como exemplos de paises que optaram por este sistema: Brasil, Chile, Finlândia, Peru e Polônia.

Saliente que a lista aberta privilegia o carisma pessoal em detrimento da pauta do partido. O voto tenderá a ser personalizado, ficando a preocupação dos candidatos muito mais centrada em sua imagem pessoal que na de seu partido.

Assim, favorece-se a criação de tensões muitas vezes intra-partido. Certos candidatos podem achar mais fácil tentar obter votos de pessoas que anteriormente votariam num colega partidário exatamente por serem um grupo populacional sobre o qual o partido tem influência.

No sistema de lista livre a ordem dos candidatos eleitos será definida pelos eleitores. O eleitor tem por opção votar em diversos candidatos, tantos quantas foram as vagas em disputa ou poderá votar no partido e desta forma esta á automaticamente destinando todos os seus votos aos candidatos apresentados pelo partido.

Já há uma melhora no tocante a representatividade e a possibilidade de influência do eleitor na conformação final do parlamento. Há uma maior possibilidade de o eleitor equacionar seus interesses na formulação de seu voto.

Nas listas fechadas, o partido irá previamente ditar a ordem dos candidatos e o voto do eleitor é direcionado ao partido. Essa ordem será a utilizada para preencher as cadeiras de acordo com a votação de legenda que for obtida por aquele partido. Se após a aplicação o quociente eleitoral se verificar que o partido preencheu três cadeiras, estas serão ocupadas pelos três primeiros candidatos da lista.

Trata-se do sistema dominante nos países que optaram pela representação proporcional. Tal sistema desperta interesse pois é como se o eleitor tivesse por opção não um candidato, mas uma proposta de formulação do parlamento apresentada por um partido.

Esse tipo de listas favorece a solidez partidária e o pensamento estratégico do partido de, por exemplo, não colocar o candidato mais carismático na primeira opção para estimular aqueles eleitores que querem esse candidato em particular a votarem no partido, garantindo outros candidatos em posição superior na lista.

Atenção deve ser dada ao jogo político intra-partidário bem como à imagem do partido, pois o carisma individual de um candidato pode ficar ofuscado por uma lista permeada de outros candidatos que desgostam a opção popular.

Por fim, temos as listas flexíveis que, na verdade, são uma conciliação entre as listas abertas e as fechadas. Nas listas flexíveis, pode ser facultado ao eleitor, por exemplo, efetuar dois votos. Um voto na legenda a ser apurado como lista fechada e um voto em candidato, a ser apurado como uma lista aberta.

Assim, tenta-se uma conciliação dos problemas entre os tipos de listas. Na verdade, esse sistema ira requerer uma estratégia mais complexa do partido, pois deverá conciliar uma lista forte com nomes carismáticos.

         3.3 Sistemas Mistos

Os sistemas mistos têm por intuito combinar algumas das possíveis famílias de sistemas eleitorais, para que o sistema proporcional assegure a parte majoritária, enquanto a parte majoritária aumente a capacidade dos eleitores monitorarem os seus representantes.

Nesse sentido,

Nicolau divide o sistema misto em dois tipos: de combinação e de correção. No sistema de combinação, uma parte das cadeiras é preenchida pelo voto proporcional, a outra pelo majoritário. Em alguns países, como o Japão, o eleitor tem direito a dois votos, um no candidato distrital e outro no partido. O voto partidário é utilizado para divisão das cadeiras preenchidas pelo critério de proporcionalidade. Em outros, o eleitor dá um único voto, ao candidato que concorre no distrito. Nesse caso, as cadeiras proporcionais são distribuídas de acordo com o total de votos dados ao partido.

A Alemanha foi o primeiro país a adotar o sistema misto de correção, em 1949. O eleitor tem direito a dois votos: um no candidato do distrito, outro na lista partidária. O voto dado na lista é a base para cálculo do número de cadeiras obtidas pelos partidos no sistema proporcional. [04]

As vantagens de utilizar um sistema misto deverão ser ponderadas de acordo com as peculiaridades políticas de cada povo. Sistemas eleitorais podem se tornar uma forma de afastar de forma concreta uma ditadura recente, bem como podem se tornar um fator de recrudescimento dos conflitos entre os grupos sociais levando a possível guerra civil.

         3.4 Outros Sistemas [05]

Existem sistemas ainda que apresentam peculiaridades especiais.

Temos o sistema do voto único não transferível – single non-tranferable vote. O eleitor vota uma única vez em um único candidato em um pleito com mais de uma cadeira a ser preenchida. Os candidatos com os maiores números de votos conseguem as cadeiras. O sistema centra na figura do candidato e tende a desestimular uma identidade partidária. Usado no Afeganistão e na Jordânia.

Similar ao voto alternativo, temos o sistema de votos limitados, onde os eleitores votam menos que o número de candidatos e os lugares são ocupados pelos mais votados. Usado em Gibraltar e para o senado da Espanha.

Por fim, um sistema eleitoral que incorpora a noção de uma proporcionalidade matemática entre o valor dos votos é a contagem modificada de Borda. Trata-se de um sistema de preferência onde os eleitores votam em uma ordem de preferência e os candidatos recebem pontuação de acordo com a ordem de preferência. Os mais pontuados recebem o cargo. Utilizado somente em Nauru.


4. Breve Histórico Constitucional e Considerações sobre o Federalismo

Como já dito, para que se possa entender corretamente a escolha de um sistema eleitoral por parte de um determinado Estado, deve-se voltar os olhos para a história política. As feições do sistema, na maioria das vezes são resultado dos choques entre os grupos de poder social na formatação de um sistema que lhes há de favorecer num pleito eleitoral.

Na história brasileira, as constituições delinearam os sistemas eleitorais de várias formas. Na concisa lição do professor Jairo Nicolau,

O primeiro passo é analisar as regras estabelecidas para a alocação das cadeiras da Câmara dos Deputados entre os estados ao longo da história parlamentar do país. A Constituição de 1824, que vigorou ao longo de todo o Império, não criou normas para a representação das bancadas das províncias na Câmara; assim, elas foram instituídas por intermédio de legislação ordinária (leis, decretos e resoluções).

Todas as Constituições do período republicano estipularam regras para a alocação das cadeiras da Câmara dos Deputados entre as unidades da Federação. Cinco especificações aparecem nos textos constitucionais: a) o número mínimo de representantes dos estados; b) número de representantes dos territórios; c) número máximo de representantes dos estados; d) número máximo de representantes na Câmara; e) estabelecimento de um número de habitantes (ou eleitores) em milhares para que os estados obtenham uma cadeira na Câmara.

As regras definidas pela Constituição de 1891 foram utilizadas para o cálculo do número de representantes de cada unidade da Federação na Câmara dos Deputados de todas as legislaturas eleitas na República Velha e da Constituinte eleita em 1933. As regras da Constituição de 1934 serviram para definir as cadeiras da legislatura eleita em 1934 e da Constituinte eleita em 1945. As bancadas estaduais das legislaturas eleitas no período 1950-66 foram preenchidas segundo as regras definidas pela Constituição de 1946. Durante o período autoritário houve uma grande instabilidade nas regras de alocação das cadeiras da Câmara dos Deputados, todas elas derivadas de emendas à Constituição de 1967 [06].

A Constituição Federal de 1988, dita cidadã, apresentou um novo sistema adotando tanto sistemas majoritários como proporcionais. Porém, na adoção desses sistemas convém perguntar qual o "móvel" do sistema escolhido?

Trata-se de uma Constituição de ruptura com um período democrático, onde o povo estava sedento de garantias. Porém, é inegável a influência dos estados em desejar que houvesse coincidência entre os âmbitos dos distritos eleitorais e a circunscrição dos próprios estados.

Nesse ponto, acredito que a CF/88 estruturou um sistema que desprivilegiou o federalismo. Num federalismo teórico, o Senado é a casa de representação dos estados e a Câmara dos Deputados é a casa de representação do povo.

Havendo uma identidade entre distrito e estado para as eleições de deputado federal, por exemplo, temos uma confusão com o papel das casas. Atualmente os Deputados Federais se vêem muito mais como representantes de determinado estado do que representantes de cidadão brasileiros desvinculados de qualquer estado específico.

Num federalismo ideal, a quantidade de cadeiras por distrito deve levar em conta a proporção da população para o número de parlamentares. No Brasil, a distorção é gritante. Há uma desproporção de votos necessários para a eleição de um deputado federal entre os estados.

Essa desproporção pode ser vislumbrada como decorrente da história constitucional brasileira e formação centrífuga da federação com a existência de um estado unitário que outorga parte de seu poder aos estados membros.

Assim, os deputados federais eleitos encarnam esse papel de representantes do estado de origem. Num mundo ideal os deputados iriam batalhar pela melhoria da parcela da população de cidadão brasileiros, no panorama atual, grande parte dos esforços destes parlamentares está na inclusão de emendas no orçamento para aumentar o repasse de verbas.

Consubstanciando o entendimento acima,

Outro aspecto a considerar é que as circunscrições eleitorais que elegem os deputados nacionais correspondem aos estados. Esta seria, segundo alguns analistas, uma das causas principais da "estadualização" da Câmara: o peso excessivo da política estadual sobre os parlamentares, que acaba por subverter o bicameralismo brasileiro: o Senado não desempenha a função que deveria desempenhar enquanto órgão federativo por excelência, que é o de representar os interesses das diferentes subunidades federativas na política nacional, e a Câmara dos Deputados, que deveria representar interesses mais gerais do que aqueles relacionados aos estados, encontra-se impregnada pelo "estadualismo". Se isto de fato procede, então temos mais uma razão para defender que a igualdade na representação dos estados esteja em algum grau assegurada nesta Casa Legislativa. [07]

Trata-se de uma questão não apenas eleitoral, mas de uma questão que vulnera profundamente o princípio da igualdade, essencial para a manutenção e uma ordem democrática.

Verifica-se que essa disparidade quanto "...a alocação desproporcional das cadeiras da Câmara é uma marca da história institucional brasileira, estando presente em todas as legislaturas eleitas no Império e na República" [08].

A idéia clássica e tradicional de uma igualdade política constitucional traduzida na expressão "um homem, um voto" – one man, one vote – é totalmente desrespeitada na medida em que o voto de um cidadão de um estado menos populoso – Roraima, por exemplo – vale muitas vezes o de São Paulo.

Na medida em que um voto de um cidadão tem um poder político desigual sobre a colocação ou não de um representante no congresso nacional, está delineada uma ordem jurídica desigual que não poderá ser verdadeiramente democrática.

Ressalte-se que se pode argüir que os estados mais populosos são exatamente os mais ricos e já influentes na política nacional. Mais ainda, que essa disparidade corrige exatamente esse poder excessivo que estados como São Paulo e Minas teriam sobre o Congresso caso fosse realizada uma representação proporcional.

Sobre esses argumentos, podemos efetuar duas ponderações. Primeiramente, não se pode justificar um erro para corrigir outro. Segundo, os argumentos esquecem que o mal central está na identificação do distrito de eleição de um deputado federal com o território estadual. A Câmara deveria ser a casa dos deputados verdadeiramente federais e não um agremiado de deputados estaduais somente em um nível federal.


5. Sistema Majoritário Brasileiro

É o sistema adotado pelo Art. 77, §§ 2º e 3º, da CF/88, para a eleição do Presidente da República. Em virtude da simetria federativa é adotado ainda nas eleições para Governador e Prefeito. No legislativo é utilizado na eleição do Senado.

Pode-se dizer que o Brasil adota o sistema de segunda votação para a presidência, para os governos estaduais e para os municípios com mais de 200.000 (duzentos mil habitantes), tendo em vista a necessidade de maioria absoluta em primeira eleição.

O acesso a segunda votação não é do formato de percentual de votos atingidos, como em exemplos anteriormente citados. No Brasil o critério é o número de candidatos, somente os dois mais votados no primeiro turno vão a segunda votação.

No caso do Senado e no caso das prefeituras dos municípios com menos de 200.000 (duzentos mil habitantes), um sistema majoritário puro, ou um sistema first past the post puro. Não há segundo turno.

Apesar das vantagens já apontadas de um sistema majoritário, o mesmo está sujeito a diversas distorções, especialmente num sistema onde a preferência dos eleitores se concentra na pessoa dos candidatos como é o caso brasileiro.

Neste sentido, apresentamos um exemplo proposto por Paulo Bonavides:

Concorrem numa circunscrição três candidatos que serão votados por um total de 50.000 eleitores. Feita a apuração, constata-se que o candidato A obteve 17.500 votos, o candidato B 17.000 votos e o candidato C 15.500 votos. Será considerado eleito, portanto, o candidato A, com pouco mais de um terço dos votos, ficando à margem da participação política nada menos do que 2-3 do eleitorado! [09]

Apesar das distorções, o voto em dois turnos é uma evolução importante. Esse sistema permite um maior debate democrático e já propicia uma reorganização de opções da sociedade.

É possível pensar num exemplo guiado pelas preferências pessoais dos eleitores. Imagine-se três candidatos A, B e C, cada um representando a primeira opção de 30% (trinta por cento) da população idealmente considerada. Suponha-se que A e B são antagônicos e C é visto como "aceitável" por ambos os grupos.

No primeiro turno, dependendo dos 10% (dez por cento) indecisos, pode ser que C vá contra A ou B no segundo turno, ganhando com "aceitabilidade" de 60% (sessenta por cento) da população, o que vai favorecer a governabilidade e a estabilidade democrática.

Os sistemas eleitorais mais complexos podem ser difíceis de assimilação, porém permitem uma reorganização matemática de prioridades e dos interesses da sociedade o que permite uma representação mais adequada e um parlamento e administração que melhor reflete o corpo social.


6. Sistema Proporcional Brasileiro

O sistema proporcional é adotado nas eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador. Está disciplinado nos arts. 105 a 113 do Código Eleitoral.

A primeira vista vale mais a votação do partido que a do candidato, pois é o partido que tem que atingir o quociente eleitoral. Entretanto, o sistema brasileiro é marcado por líderes políticos muito carismáticos que por sua vez conseguem arrebatar para si números de votos muito superiores ao necessário para atingir o quociente eleitoral.

Dessa forma, o indivíduo ganha relevo superior ao partido. O partido se torna o partido do fulano ou sicrano e não um partido com uma ideologia própria e pautas concretas. Trataremos mais adiante das distorções no sistema brasileiro.

O sistema proporcional brasileiro adota um procedimental simples:

1) inicialmente se somam os votos válidos dados para os partidos e seus candidatos;

2) divide-se o total pelo número de cadeiras a preencher, obtendo-se assim o quociente eleitoral;

3) divide-se os votos de cada partido ou coligação pelo quociente eleitoral, obtendo-se assim o número de cadeiras a que terá direito o partido;

4) as cadeiras serão preenchidas pelos candidatos em ordem de sua maior votação dentro de cada partido.

Antes de descrever o procedimento para ocupação das cadeiras ainda vagas, convém salientar que o art. 5.º da Lei n. 9.504/97 alterando o art. 106 do Código Eleitoral, excluiu do conceito de votos válidos os votos brancos e os votos nulos.

Além disso, caso nenhum partido venha a atingir o quociente eleitoral, as vagas serão preenchidas pelos candidatos mais votados independentemente do partido.

Havendo sobra de cadeiras, numa primeira divisão do quociente eleitoral estas serão preenchidas pelo sistema de maiores médias.

A determinação da maior média segue o seguinte procedimental:

1) os votos do partido ou coligação são divididos pelo número de cadeiras por ele até então obtidas mais um;

2) verificado essa cálculo, o partido que tiver a maior média terá direito sobre a cadeira vaga.

3) repete-se o procedimental para as outras cadeiras vagas até o fim.

Finalmente com a certeza da quantidade de cadeiras para cada partido, estas serão preenchidas de acordo com as maiores votações dos candidatos dentro de suas respectivas listas partidárias.

Obtido o número final de cadeiras de cada partido, estarão eleitos os candidatos mais votados de cada partido ou coligação, em número capaz de preencher as vagas destinadas à agremiação.


7. Coligações no Mundo e no Brasil

A questão das coligações está intimamente ligada aos sistemas proporcionais. Em verdade, o interesse em se realizar coligações é exatamente para que pequenos partidos em grupo possam coletar votos suficientes para ultrapassar o quociente eleitoral.

As coligações são interessantes para a estabilidade da democracia no sentido de que consubstanciam a possibilidade de partidos diversos terem objetivos e pautas comuns dentro de um determinado contexto fático e possam efetivamente promover esse ideal ou interesse comum num pleito democrático.

Entretanto, as coligações podem ser utilizadas como meio de distorção e perversão dos sistemas eleitorais. Trata-se da questão dos "partidos de aluguel".

Tais partidos são pequenos partidos, reunidos normalmente em torno de apenas uma liderança influente e com candidatos que mesmo em conjunto não conseguiriam chegar ao quociente eleitoral.

Esse partido, por sua vez, "se vende" para uma determinada coligação para favorecer um aumento de votos, que na verdade irão beneficiar ao partido coligado maior, que terá mais cadeiras, e aos candidatos do partido maior que individualmente superam em votos os candidatos do "partido de aluguel".

Esse partido de aluguel ira receber em troca favores ou cargos para seus dirigentes. Essa distorção é favorecida pelo fato de que não existem regras que determinem uma proporcionalidade interna à própria coligação.

Dessa forma com uma redistribuição proporcional haveria uma maior ponderação e cautela na formação de coligações. Podemos indicar alguns exemplos de países em que as cadeiras obtidas pela coligação são redistribuídas proporcionalmente à votação de cada partido da coligação: Bélgica, Bulgária, Chile, Dinamarca, Israel, Polônia e Suécia. [10]

No Brasil, a não existência de uma proporcionalidade na distribuição das cadeiras para a coligação tem contribuído para aumentar a fragmentação partidária e a infidelidade.


8. Distorções no Sistema Brasileiro

Ressalte-se mais uma vez a importância de se estudar os sistemas eleitorais tendo em vista a sua repercussão sobre o comportamento dos candidatos e dos eleitores. O sistema eleitoral influencia fortemente pontos críticos como a fidelidade partidária e o personalismo dos partidos.

Do ponto de vista dos políticos o poder político será atingido mais rapidamente com uma estratégia que torne o sistema um fator favorável. Do ponto de vista da democracia o sistema deve ser tal que favorece o embate constante uma rotatividade dentro do poder e uma seleção plural das forças políticas que representam os interesses plurais da sociedade.

Nesse sentido,

Carey e Shugart (1995) escreveram o mais influente trabalho sobre os possíveis efeitos dos sistemas eleitorais sobre a estratégia eleitoral dos candidatos. A preocupação central é saber se os sistemas eleitorais oferecem incentivos para que os candidatos ao Legislativo cultivem a reputação personalizada ou a partidária. A definição dos autores sobre a reputação personalizada é a seguinte: "if a politician’s electoral prospects improve as a result of being personally well known and liked by voters, then personal reputation matters. The more this matters, the more valuable personal reputation is." (p.419). A definição de reputação partidária é mais sucinta: "party reputation, then, refers to the information that party label conveys to voters in a given electoral district" (p.419). Os autores montaram uma classificação que levou em conta três atributos: o controle partidário para selecionar os candidatos; se os candidatos são eleitos individualmente, independente dos colegas de partidos; se o voto é único intra-partidário, múltiplo, ou partidário. [11]

Como já referenciado acima, o nosso sistema tende a valorizar o indivíduo e ser centrado na reputação personalizada, a reputação partidária muitas vezes se torna mero acessório do carisma individual do candidato.

O problema chega a ser grave até mesmo dentro da estrutura partidária, havendo choques entre candidatos do mesmo partido. Nesse sentido,

Sucede que, pelo sistema nacional, paradoxalmente, é no interior das agremiações que o sistema causa verdadeira autofagia justamente em função da corrida dos candidatos pelos eleitores do próprio partido. Isso porque, uma vez atingida a quota Hare pela agremiação (repita-se, obtida pela soma dos votos dados a todos os candidatos inscritos pelo partido, acrescida daqueles dados à legenda propriamente), a disputa ocorre entre candidatos, sendo que somente os mais votados da lista é que são eleitos. Nessa medida, como já salientado, a disputa maior se verifica, para os candidatos do partido, na busca pelo voto do eleitor simpatizante do partido, já que somente os mais votados é que se aproveitarão da universalidade dos votos recebidos. [12]

Essa disputa interna desfavorece a coesão partidária, bem como favorece a criação de facções e cisões internas que tendem a fragilizar ainda mais as estruturas partidárias.

A democracia é favorecida mediante a existência de partidos coesos, com pautas serias e com responsabilidade para com essas pautas. O individualismo enfraquece a coesão partidária, o que leva a cisão e a criação de diversos partidos para atender muitas vezes ao capricho de um determinado líder.

Consubstanciando essas considerações,

Existem vários incentivos ao individualismo no sistema eleitoral brasileiro, além dos já descritos acima.

[...]

Ainda que o número de representantes seja determinado pelos votos partidários, a eleição ou não de um candidato depende de sua capacidade de angariar votos individuais. Tal sistema incentiva fortemente o indivíduo nas campanhas, especialmente porque o prestígio e o poder de um candidato são robustamente fortalecidos por um total de votos massivo.

[...]

Essa combinação de representação proporcional e sistema de lista aberta talvez possa ser a medida mais importante para garantir aos políticos tantã autonomia em relação a seus partidos. [13]

Podemos indicar que esta autonomia é consubstanciada por uma série de fatores e peculiaridades do sistema,

1) Características altamente incomum do sistema eleitoral brasileiro é o candidato nato, regra pela qual deputados federais e estaduais e vereadores têm automaticamente o direito de figurar na cédula para o mesmo cargo nas eleições seguintes.

[...]

2) a legislação eleitoral autoriza cada partido a apresentar número elevado de candidatos a cargos proporcionais.(...) O fato mais importante é que esse número incomumente alto de candidatos reduz o controle partidário sobre os eleitos e aumenta a importância dos esforços individuais na campanha. Na maioria dos países, os partidos apresentam um candidato por cadeira, o que lhe dá um controle um pouco maior sobre os eleitos.

[...]

3) O atual sistema eleitoral não contem nenhuma medida que proíba os representantes eleitos de mudar de partido. Em muitos sistemas de representação proporcional, os representantes devem seu mandato ao partido e espera-se ou obriga-se a que eles renunciem se quiserem mudar de partido. No Brasil, os políticos percebem os partidos como veículos para se elegerem, mas geralmente não têm com eles vínculos profundos. [14]

Esses fatores consubstanciam a percepção empírica do sistema eleitoral brasileiro do nosso tempo. As campanhas são individualistas, centradas em pessoas, não só as campanhas, a política gira em torno de indivíduos determinados.

Essa personalização reflete a forma do voto brasileiro, trata-se de um voto personalizado, centrado tão somente na figura do líder carismático. Nesse contexto, os partidos são vistos como simples siglas pela população em geral e como meras formalidade necessárias para os candidatos.

Essa generalização é grosseira, porém reflete o pensamento usual. Apesar disso estamos vivendo um momento de conscientização popular não mais em torno de pessoas específicas, mas em torno de idéias ou de ideologias.

O professor Jairo Nicolau [15] possui um estudo interessante onde verifica uma elevação dos votos na legenda, votos no partidário exatamente naqueles partidos onde vigora uma concepção organicista centrada em pautas ideológicas mais concretas. Nesse mesmo estudo, os partidos mais tradicionais ou de orientação mais liberal são os que menos possuem votos especificamente no partido.

Forma-se um círculo vicioso. O sistema eleitoral favorece uma independência e autonomia extremada ao parlamentar individual. Os partidos ficam enfraquecidos com a mudança constante de membros. Essa fluidez nos membros do partido enfraquece ainda mais que os partidos representem ideologias e pautas concretas para o país. Assim, a população desacredita na organização e na instituição partidária e se volta ainda mais para a figura pessoal do candidato, o que fomenta ainda mais seu individualismo.

É necessária uma perspectiva estratégia. O sistema eleitoral não deve ser escolhido de qualquer forma ou em virtude da tradição. Desde a organização partidária, a facultatividade ou não do voto, a forma de votação, a forma de contagem dos votos, enfim, tudo deve ser meticulosamente elaborado com que numa engenharia constitucional do sistema eleitoral.

Um exemplo hipotético: se no Brasil fosse modificado o sistema para a lista fechada. Pode-se prever que haveria uma retomada da importância partidária, pois seria necessário o partido para organizar a lista. Como o voto seria para os partidos, estes teriam que primar pela lisura de seus membros sob pena de membros corruptos afastarem os votos de toda a lista.

Assim, apesar dos líderes carismáticos atraírem votos para a lista, aos poucos se firmaria uma cultura de verificar o partido e se aquele partido possui pessoas probas ou não. Acredito que aos poucos essa noção de votar no partido iria fortalecer a fidelidade partidária, pois os políticos estariam interessados em crescer dentro do partido para figurar nas primeiras posições da lista. Para crescer dentro do partido, teriam que se adequar as pautas do partido ou então firmar suas pautas dentro do partido. Esses embates internos aos poucos solidificariam a posição da agremiação.

Apesar de serem simples especulações, é possível verificar que uma re-engenharia no sistema eleitoral pode ser muito proveitosa a democracia. Nessa perspectiva a ciência política tem evoluído no seu instrumental teórico, utilizando métodos matemáticos, como a teoria dos jogos, para efetuar o design dos sistemas eleitorais.


9. Matemática, Teoria dos Jogos e Sistemas Eleitorais

O matemático francês Jean-Charles Borda (1733-1799) foi um dos pioneiros no estudo sistemático das distorções que o sistema de contagem de votos pode efetuar nas preferências populares. Percebendo o sistema eleitoral como um método de agregar opiniões para encontrar uma escolha coletiva, notou que métodos diferentes conduzem a resultados diferentes. Assim, esse problema ficou conhecido como o paradoxo de Borda, apresentado à Academia Real Francesa em 16 de Junho de 1770.

Como resposta Borda apresentou um método chamado contagem modificada de Borda. Trata-se de um sistema de eleição, mais precisamente um método de contagem de votos no qual o eleitor organiza os candidatos mediante a sua ordem de preferência.

Em seguida é atribuído um valor a cada posição. Por exemplo, numa eleição de três cargos, a primeira opção vale três pontos, a segunda opção vale dois e a última opção vale um ponto. Não necessariamente o valor equivale à posição, podem-se estabelecer outras fórmulas para diferenciar os valores de cada posição, porém a idéia básica é que as primeiras posições carregam. Os votos são contados somando esse valor atribuído a determinada posição.

Esse sistema é de longe mais democráticos e representativos que os sistemas normalmente utilizados. Primeiro porque todos votam em todos. Segundo, porque ao ordenar os candidatos em preferência o eleitor esta a indicar suas preferências e prioridades de pautas defendidas pelos diversos candidatos.

Após a contabilização dos votos, há uma tendência de composição. Há uma fuga dos extremos. Candidatos que são queridos por muitos e odiados por vários matematicamente tendem a somar menos pontos que candidatos conciliadores, ou seja, aqueles que apesar de não serem a primeira escolha da maioria da população figuram como opções aceitáveis.

A contagem de Borda é, portanto, vista muito mais como um sistema baseado em consenso do que um sistema baseado em maioria.

Esse sistema tende a promover uma governabilidade e estabilidade das instituições. Embora seja quase inexistente em governos, nas grandes corporações e conselhos de acionistas de grandes multinacionais é amplamente utilizado.

Outra forma de contagem famosa originou-se dos estudos do matemático e filósofo Marie Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês de Condorcet (1743-94), conhecido como contagem de Condorcet ou critério Condorcet.

Nesse critério não há um contabilização de valores para cada posição, mas na verdade há um sistema que efetua comparações de pares de candidatos para determinar o vencedor da maioria das combinações dois a dois de acordo com a preferência dos candidatos.

O sistema eleitoral cria uma matriz de disputas entre todos os candidatos e essas disputas são decididas pelo eleitor. Somadas todas essas matrizes, será possível obter um melhor retrato das preferências da sociedade em milhares, milhões de disputas hipotéticas entre cada candidato. Contabilizadas todas essa vitórias seria possível elaborar uma ordem mais adequada das reais preferências da sociedade.

Infelizmente, diversos matemáticos já provaram que até mesmo no sistema condocert, há possibilidade de deturpações em particular pela não linearidade de preferências humanas. A coletividade pode preferir A a B, preferir B a C e, no entanto, preferir C a A, quando poderia se esperar que A fosse preferível à C, por transitividade.

Donald Saari, matemático da Universidade de Califórnia demonstrou que pequenas mudanças em qualquer sistema eleitoral podem trazer grandes alterações nos resultados das eleições [16]. Outro grande matemático e economista Kenneth J. Arrow, (Nobel em 1972) demonstrou que não há nenhum sistema eleitoral democrático que possa compensar a não-linearidade humana de forma absoluta.

Tais métodos vão crescendo em complexidade cada um afirmando superioridade sobre os demais métodos na obtenção de um retrato fiel das preferências da sociedade.

Aparentemente, a complexidade de tais sistemas seria um fator de impossibilidade de aplicação, porém a revolução tecnológica já apresenta mecanismos e maquinário suficientemente avançado para efetuar a captação e contabilização dos votos.

Acredito que o problema não é encontrar o método correto. Cada método é um critério em si e chegará ao seu próprio resultado correto. Acredito que o verdadeiro problema é encontrar o critério de consenso. Não precisa ser um critério perfeito, mas sim um critério ou fórmula matemática inteligível pela população e que tenha passado por um amplo debate na esfera pública.

Não adiante discutir sobre quem votar se não se souber qual é o mecanismo de transformação de votos em parlamento. O voto é o veículo do poder democrático que conferimos ao representante. Nada mais justo e importante do que ampliar e democratizar o debate sobre o voto e seus procedimentos correlatos.


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Notas

  1. NICOLAU, Jairo. Sistemas Eleitorais. 5ª. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004.
  2. FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. 3. São Paulo: Saraiva, 1991. Pg. 159.
  3. LOPES, Ana Maria. Democracia: aspectos relevantes da reforma política . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/63>. Acesso em: 15 ago. 2006.
  4. LOPES, Ana Maria. Democracia: aspectos relevantes da reforma política . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/63>. Acesso em: 15 ago. 2006
  5. REYNOLDS, ANDREW and BEN REILLY. The International IDEA Handbook of Electoral System Design. Stockholm, Sweden: International Institute for Democracy and Electoral Assistance, 1997.
  6. NICOLAU, Jairo. As Distorções na Representação dos Estados na Câmara dos Deputados Brasileira. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, p. 441-464, 1997. p. 444.
  7. SOARES, Márcia Miranda e LOURENÇO, Luiz Cláudio. A Representação Política dos Estados na Federação Brasileira: algumas notas críticas. Paper apresentado no 3º Encontro do ABCP, 28-31 julho 2002 – UFF – Niterói. Disponível em: <www.cienciapolitica.org.br/encontro/reppol4.3.doc>. Último acesso: 05 ago/2006.
  8. NICOLAU, Jairo . As Distorções na Representação dos Estados na Câmara dos Deputados Brasileira. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, p. 441-464, 1997. p. 444.
  9. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 295.
  10. REYNOLDS, ANDREW and BEN REILLY. The International IDEA Handbook of Electoral System Design. Stockholm, Sweden: International Institute for Democracy and Electoral Assistance, 1997.
  11. NICOLAU, Jairo. O Sistema Eleitoral de Lista Aberta no Brasil. Working Paper CBS-70-06. Centre for Brazilian Studies. University of Oxford. p. 11.
  12. BÚRIGO, Vandré Augusto. Sistema eleitoral brasileiro: breves apontamentos Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 39 n. 154 abr./jun. 2002. p. 181.
  13. REINER, Lúcio. Fidelidade Partidária. Estudos da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados Brasília: Câmara dos Deputados. p. 8.
  14. REINER, Lúcio. Fidelidade Partidária. Estudos da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados Brasília: Câmara dos Deputados. p. 8.
  15. NICOLAU, Jairo. O Sistema Eleitoral de Lista Aberta no Brasil. Working Paper CBS-70-06. Centre for Brazilian Studies. University of Oxford.
  16. SAARI, D. Basic Geometry of Voting. New York: Springer-Verlag. 1995.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. Sistemas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2560, 5 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16930. Acesso em: 29 mar. 2024.