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Reprodução de livros (obras intelectuais) no ambiente acadêmico.

A necessária limitação dos direitos autorais para a preservação de direitos fundamentais

Reprodução de livros (obras intelectuais) no ambiente acadêmico. A necessária limitação dos direitos autorais para a preservação de direitos fundamentais

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Numa ordem constitucional regida por valores solidários, não é mais aceitável a noção antiga de um direito autoral puramente egoístico.

SUMÁRIO: 1. O CONFLITO. 2. AS HIPÓTESES DE REPRODUÇÃO NO AMBIENTE ACADÊMICO. 3. A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AUTORAL: UM DIREITO DE EXCLUSIVO. 4. A FACULDADE DE REPRODUÇÃO E A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. 5. A MITIGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR – CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE DIREITOS AUTORAIS. 6. LIMITAÇÕES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR E A APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO CONCRETO. 6.1. Os limites ao direito subjetivo do autor. 6.2. A interpretação conforme a Constituição. 6.3. A argumentação jurídica e a aplicação do direito. 7. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E A REGRA DOS 3 PASSOS. 8. CONCLUSÃO.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Autoral. Reprodução. Instituições de Ensino. Direitos Fundamentais. Regra dos 3 Passos. Interpretação Conforme a Constituição.


1. O CONFLITO

Já é notório o conflito instaurado entre os estudantes que realizam reprodução de obra intelectual no meio acadêmico e as empresas editoriais que buscam coibir tal prática ao argumento de pirataria.

O ápice da discórdia se deu em 2005, no momento em que, após uma série de vitórias judiciais (cíveis e criminais) dos titulares de direitos autorais, que implicou diversas buscas e apreensões [01], as principais universidades do país, como USP [02], PUC-SP, Universidade Mackenzie e UnB, baixaram resoluções limitando a reprodução de obras intelectuais de seus acervos a pequenos trechos, em obediência à Lei de Direitos Autorais (LDA) [03].

Toda esta controvérsia movimentou uma série de discussões entre diversos setores da sociedade, o que gerou uma infinidade de anteprojetos que postulam reformas na LDA para compor adequadamente os interesses em causa.

Em sua maioria, os anteprojetos apresentam reformas ao art. 46 da LDA (que versa sobre os limites ao direito de autor) no sentido de se criar maior espaço de atuação aos usuários das obras intelectuais.

A jurisprudência do país, no que concerne ao tema, revela que as decisões prolatadas, em sua maioria, tendem a acolher irrestritamente a pretensão dos autores (ou melhor dizendo, dos titulares de direitos autorais), vedando qualquer reprodução integral de obra no ambiente acadêmico. Tais decisões, regra geral, baseiam-se na concepção de um direito autoral com vestes de direito real sui generis e partem do pressuposto de que as limitações aos direitos autorais são numerus clausus e estariam todas previstas no art. 46 da LDA [04].

O posicionamento adotado nos tribunais, contudo, demonstra que o Brasil ainda segue os traços de uma doutrina conservadora e um tanto quanto ultrapassada no que respeita ao direito autoral.

Em que pese haja divergências quanto à sua natureza jurídica, é certo que o direito autoral está hoje inserido numa ordem constitucional regida por valores solidários, possuindo, assim como todos os demais direitos subjetivos, uma função social. Isso significa dizer, portanto, que neste novo enquadramento jurídico-social não é mais aceitável a noção antiga de um direito autoral puramente egoístico, em que se concedia um direito subjetivo quase que irrestrito ao autor.

Justamente por verificarmos uma equivocada interpretação dos institutos do direito autoral, em especial nas decisões emanadas pelos tribunais, é que se pretende, com este artigo, demonstrar que a tutela autoral não abarca apenas interesses do autor, mas também daqueles que, de alguma forma, almejam acesso à obra intelectual como meio de instrução educacional. E, especificamente, no que concerne às reproduções de obras no ambiente acadêmico, demonstrar que é possível, mesmo na ausência de dispositivo legal expresso, garantir a proteção dos interesses científico-educacionais [05] por meio de limitação de direitos subjetivos, sem que isso implique concreta ofensa ao direito patrimonial do autor.


2. AS HIPÓTESES DE REPRODUÇÃO NO AMBIENTE ACADÊMICO

Para que se analise corretamente a questão da reprodução de obras intelectuais, é preciso, antes de tudo, distinguir as diversas situações em que ela pode ocorrer no âmbito acadêmico.

Ao contrário do alardeado pelos titulares de direitos autorais, nem toda reprodução integral de obra no meio acadêmico pode ser tachada de pirataria. Aliás, diga-se, o termo "pirataria", que em verdade não passa de uma expressão marqueteira cunhada pelas grandes empresas do setor, nem sequer poderia ser associado às atividades estudantis, pois os piratas, na origem de suas atividades marítimas, sempre atuaram no ramo da concorrência desleal (afeita ao comércio, portanto), nunca sendo motivados por princípios científico-educacionais!

Poderíamos, então, registrar quatro possibilidades de reprodução de obra intelectual no âmbito acadêmico, as quais podem ser subdivididas em 2 grupos principais, da seguinte forma:

a) reproduções que visam à exploração direta da obra, sem autorização do autor, em manifesta concorrência desleal aos interesses comerciais do autor;

b) reproduções motivadas pela finalidade educacional;

b.1) reproduções de obra pelos alunos e pesquisadores por meio de máquinas fornecidas pelas instituições de ensino;

b.2) reproduções de obra por permissionário que presta o serviço de reprodução de obra ao corpo discente da instituição educacional;

b.3) reproduções de obra por comerciante, fora das dependências da instituição de ensino, motivadas por interesses didático-educacionais.

A hipótese "a" é o que se poderia chamar de pirataria. Tal atividade é realizada por verdadeiras organizações que reproduzem as obras intelectuais, sem autorização, em grande escala, para comercializar e até mesmo distribuir os exemplares [06]. Trata-se, como se vê, de prática comercial – e não estudantil – a qual, além de lesar direito patrimonial do autor, constitui concorrência desleal às empresas editoriais e deve certamente ser coibida [07].

Descartada a hipótese das reproduções que visam ao comércio ilegal de exemplares, todas as demais, por envolverem interesse público – isto é, envolvem interesses didático-educacionais por parte dos destinatários das cópias -, devem ser analisadas caso a caso, pois que só com a apreciação das peculiaridades fáticas é que se poderá atestar a legitimidade das reproduções.

A hipótese "b.1", não muito freqüente no Brasil, mas bastante utilizada nos países desenvolvidos é, a nosso ver, a melhor solução para a maioria dos problemas que envolvem as reproduções dentro das dependências das instituições de ensino e que motivaram a conduta drástica das universidades brasileiras de vetar as cópias integrais de obras intelectuais em suas dependências.

Isso porque na medida em que a instituição de ensino disponibiliza as máquinas fotocopiadoras, a reprodução realizada pelo próprio estudante se dá sem intuito de lucro e em âmbito privado (ainda que operada em local público), para o fim único de obter o gozo do conteúdo intelectual. Eventual ilegalidade poderia ocorrer, posteriormente, com a comercialização do exemplar, mas isto já nada tem a ver com o ato de reprodução.

As outras três situações, além de contemplarem o gozo intelectual da obra pelo destinatário da reprodução, implicam exploração econômica da obra por um intermediário. Mesmo assim, há entre elas diferenças relevantes.

A hipótese "b.2", de reprodução de obra por permissionário/concessionário ou mesmo um funcionário, constitui a gama de atividades que a instituição de ensino põe à disposição dos alunos para fomentar o estudo e a produção científica. Por meio deste expediente pode a entidade disponibilizar o conteúdo intelectual de seu acervo a um maior número de indivíduos. A retribuição pecuniária que ali ocorre, em especial no caso do permissionário/concessionário, é secundária e se justifica pela impossibilidade de enriquecimento ilícito por parte da instituição de ensino. O labor do intermediário, portanto, embora possa implicar o lucro, é conseqüência de uma prestação de serviço educacional maior desenvolvida pela instituição de ensino e fica restrito ao corpo discente e ao acervo bibliográfico ali existente. Não há dúvidas de que a finalidade científico-educacional aqui se sobrepõe ao interesse patrimonial do autor e deve preponderar na análise do caso concreto.

Já a hipótese "b.3" diz respeito à pura exploração comercial da obra. A regra é a de que a reprodução integral da obra ocorra somente com a prévia autorização. Todavia, pode a regra ser excepcionada nos casos em que se verifique um manifesto interesse científico-educacional que mereça ser resguardado. Deve o magistrado também, nas situações de exploração econômica da obra, analisar com parcimônia a letra da lei e as peculiaridades da lide sub judice.

Tais questões serão melhor desenvolvidas nos itens seguintes. Basta para o momento perceber que as reproduções no ambiente acadêmico não podem ser tratadas de uma única maneira porque há uma evidente gradação de interesses envolvidos em cada situação. Daí que ao se apreciar a questão da reprodução da obra intelectual no âmbito acadêmico, não se deve partir da prerrogativa da prévia autorização do autor, mas do prisma da finalidade científico-educacional que motiva a reprodução.


3. A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AUTORAL: UM DIREITO DE EXCLUSIVO

Predomina no Brasil ainda o entendimento de que o direito autoral possuiria natureza jurídica de um direito real sui generis.

Tal doutrina foi defendida, no início do século XX, por doutrinadores de grande vulto, como Gama Cerqueira [08] e Clóvis Beviláqua, que, reconhecendo a inadequação das doutrinas daquela época, que inseriam o direito autoral como um direito de propriedade, tentaram construir uma categoria à parte para os direitos advindos da obra intelectual, relacionando esta não exatamente aos bens corpóreos, mas ainda sim em classificação dentro dos direitos reais [09].

A noção do direito autoral como direito real é ainda reforçada atualmente pela maciça publicidade que as empresas multinacionais americanas realizam contra a pirataria em todos os setores da criação intelectual. Esquece-se, todavia, que o copyright anglo-saxão parte de princípios completamente diversos do direito autoral brasileiro, não podendo este se equiparar àquele! [10]

Doutrinas mais contemporâneas, contudo, no Brasil capitaneadas pelo professor português José de Oliveira Ascensão, afastam-se completamente da noção do direito autoral como direito real, pois entendem que, apesar de os direitos autorais possuírem característica de disponibilidade, absolutividade e oponibilidade erga omnes, a sua tutela não recairia sobre a coisa, mas sobre as atividades que se realizam sobre a coisa [11].

A obra, diversamente do objeto dos direitos reais, não é um bem corpóreo, passível de apropriação, mas a expressão da criação de espírito que, para ser apreendida pelos sentidos, encarna em um suporte – esse sim apropriável. A obra, todavia, não se confunde com o seu suporte. Não podendo, portanto, ser apropriada, não há como a tutela jurídica de direito real proteger o bem.

É preciso compreender que a obra intelectual, antes de ser um bem que integra a "propriedade" do seu autor, é um bem que constitui o patrimônio cultural da sociedade. Tem, portanto, um interesse público e não poderia sofrer o que se chama de direito exclusivo de caráter positivo, que é característica advinda do ato da apropriação [12], em que o titular do direito possui a totalidade das utilizações sobre o bem.

A obra intelectual, ao nascer, vem inserida num universo de liberdades e não de direitos! E nisso não há nada de estranho, pois como bem lembra José de Oliveira Ascensão, "a ordem jurídica em que nos integramos é caracterizada por ser uma ordem de coisas apropriadas; mas é caracterizada também por ser uma ordem de atividades livres, visto que a domina o princípio da liberdade" [13].

O direito autoral se concretiza somente como exceção às liberdades que se realizam sobre a obra – daí a sua natureza de monopólio: em razão da criação, o ordenamento jurídico concede ao autor algumas atividades exclusivas sobre a obra (monopólio), as quais, em princípio, seriam livres.

Deve ser observado, aliás, que nem toda obra possui proteção do direito autoral, mas somente aquelas que preencham os requisitos da novidade e individualidade [14]. Não há sentido em conferir exclusividade ao autor se a obra não se distingue das demais existentes e não guarda qualquer traço da personalidade do autor [15].

Para as obras que merecem a proteção, o ordenamento jurídico confere ao autor um direito de exclusivo de caráter negativo (e não positivo), consubstanciado apenas no poder de impedir que terceiros, sem sua autorização, realizem utilizações que lhe são exclusivas.

Não há necessidade de adentrar nas questões da estrutura do direto subjetivo, mas apenas destacar que este se consubstancia na concessão de um feixe de faculdades, pessoais e patrimoniais, que o autor poderá exercer sobre a obra. As faculdades pessoais, dizem respeito à pessoa do criador da obra; e as patrimoniais, à possibilidade de auferir lucro com a obra.

A reprodução, como se pode deduzir, é uma das formas de utilização patrimonial da obra – deve, pois, sempre ser vista pela perspectiva da exploração econômica. Impõe-se, atentar, no entanto, que as faculdades patrimoniais que o autor possui sobre a obra não são perpétuas – como costuma acontecer com as faculdades de direito real -, pois se encerram após certo tempo, caindo a obra em domínio público, momento em que retorna ao seu berço de liberdade.

Assim é que, ao se apreciar a questão da reprodução é imprescindível tal entendimento da matéria, sob pena de se desvirtuar as finalidades da tutela autoral.


4. A FACULDADE DE REPRODUÇÃO E A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR

A reprodução, como já se disse, é uma das formas de utilização patrimonial da obra. Todavia, dentre as utilizações patrimoniais que podem ser realizadas sobre a obra, existem aquelas que diretamente implicam a exploração econômica da obra, e aquelas cuja exploração só ocorre de forma indireta.

A reprodução enquadra-se nesta última categoria, por se tratar de um ato preparatório [16] de exploração econômica da obra: a efetiva exploração irá ocorrer somente após a reprodução, com a comercialização do exemplar reproduzido. De modo que a lesão ao direito do autor só ocorrerá se o ato de reprodução for indício de posterior exploração econômica da obra.

Tal raciocínio, aliás, é bastante intuitivo, pois ninguém ousaria admitir que aquele que escreve um poema em uma carta, apesar de reproduzir a obra, estaria a lesar direito de autor [17].

Assim é que a análise do art. 28 e 29, I, da LDA deve ser feita com muita parcimônia. Tais dispositivos prevêem que é exclusiva do autor a utilização, a fruição e a disposição da obra literária, artística ou científica, devendo haver sua prévia autorização para as utilizações de terceiros que impliquem a reprodução da obra.

É muito comum os tribunais interpretarem tais dispositivos no sentido de o autor possuir a exclusividade de todas as utilizações sobre a obra, já que possuiria um direito de propriedade sobre ela [18].

Tendo em vista, contudo, que o exclusivo que o autor possui não é um exclusivo de caráter positivo, mas apenas de caráter negativo, resta evidente que o autor tem o poder apenas de excluir, por meio da exigência de sua autorização, somente as reproduções da obra que impliquem a exploração econômica da obra.

Com isso, já é possível chegar-se a duas conclusões: 1) é lícita a atividade que acima indicamos no item "b.1", do indivíduo que realiza cópia integral para si, pois a mera reprodução não é capaz de atingir a exclusividade do autor, e a reprodução em ambiente privado não implica exploração econômica; 2) e é ilícita a utilização descrita no item "a", em que se reproduz objetivando a comercialização de exemplares reproduzidos, sem que haja a autorização do autor.

Quanto à hipótese da exploração da obra pelo comerciante fora das instituições de ensino, só devem ser admitidas, em princípio, se o comerciante possuir autorização do autor para realizar reprodução integral. No entanto, seria possível admitir a licitude da reprodução integral sem autorização, se, ao se apreciar as peculiaridades do caso, for observado que existem interesses científico-educacionais a serem protegidos.

De modo que, a partir deste momento, toda a análise que se fizer neste artigo – no que tange aos direitos fundamentais e aos limites ao direito subjetivo do autor - será voltada à situação das reproduções integrais por intermediário, realizadas no âmbito das instituições de ensino, sem autorização do autor, e que motivaram as sanções administrativas das universidades e bibliotecas em geral. Tal raciocínio poderá ser estendido aos casos dos comerciantes regulares que também exploram obras intelectuais destinadas ao universo acadêmico.


5. A MITIGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR - CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE DIREITOS AUTORAIS

A autorização do autor é, atualmente, uma exigência em dissonância com a tutela autoral. Diante da complexidade das relações sociais é praticamente impossível exigir que toda utilização da obra por terceiro venha a ser autorizada pelo autor ou pelos titulares de direitos autorais.

Na origem do direito autoral, esta era a forma mais eficiente de controle da utilização: todos aqueles que desejassem explorar a obra deveriam vir ao autor. Hoje não só a exigência de autorização emperra o normal desenvolvimento das obras intelectuais, como as tecnologias disponíveis podem garantir formas muito mais eficientes da exploração da obra sem que isso implique lesão ao direito de autor.

Primeiro, porque a visão romântica da figura do autor acabou. A parcela de contribuição do criador intelectual num mundo dominado por grandes corporações editoriais, fonográficas e digitais é realmente diminuta. Em sua grande maioria, a publicação e toda a divulgação da obra ficam a cargo destas empresas, que buscam coibir as utilizações que possam implicar perda de ganhos. De modo que toda a questão dos direitos patrimoniais não está exatamente no desejo de proibir a utilização, mas no de garantir a sua devida remuneração. Isso porque, em última análise, tanto o autor, quanto o titular de direitos autorais, o que mais querem é que suas obras sejam utilizadas e consumidas – desde que, é claro, se pague a devida remuneração!

Por trás de acusações de piratarias estudantis e ilicitudes de toda ordem o que os titulares de direitos autorais escondem é o fato de, neste período todo de evoluções técnicas – do mimeógrafo ao scanner -, não terem ainda conseguido encontrar uma forma adequada de controle e de gestão das utilizações de obras no ambiente acadêmico e comercial. Constatar esta realidade é de fundamental importância, pois o interesse público que existe na utilização das obras intelectuais não pode se tornar refém da ineficiência da iniciativa privada!

A solução para a controvérsia, nesta perspectiva, parece simples e clara: bastaria exigir-se daqueles que exploram a obra intelectual no âmbito acadêmico e comercial o pagamento de uma contribuição pecuniária adequada em razão das cópias que efetuam, e não simplesmente impedir-se as reproduções por meio de métodos arcaicos de controle de utilização. Assim, estariam satisfeitos o autor, o comerciante, e o acadêmico.

A cobrança desta remuneração só não ocorre porque as empresas editoriais nunca se aparelharam para isso, ao contrário das empresas fonográficas que já há muito fiscalizam os direitos autorais junto aos estabelecimentos comerciais.

Os tribunais precisam atentar para o fato de que ao aplicarem a LDA atual e, por conseqüência, impedirem o desenvolvimento científico-educacional, não estão a conferir o direito a quem tem razão, mas a prejudicar manifestamente o interesse público de um lado, por meio de legitimação das condutas inoperantes do outro.


6. LIMITAÇÕES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR E A APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO CONCRETO

6.1. OS LIMITES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR

A controvérsia entre estudantes e editoras é, em essência, um problema de limites ao direito subjetivo do autor. Ao se analisar a jurisprudência brasileira, observa-se que o entendimento corrente sobre a matéria é o de que só seria possível afastar a regra que exige a prévia autorização do autor nas hipóteses dos limites previstos pela LDA em seu Capítulo IV. Há certo consenso jurisprudencial, portanto, de que o rol ali previsto seria exaustivo e não exemplificativo [19].

Tal compreensão sobre os limites do direito do autor, contudo, é bastante equivocada.

Basta um rápido passar de olhos nos artigos e incisos do capítulo IV para se verificar que nem de longe a LDA contempla todas as possibilidades em que o direito subjetivo do autor deveria ceder para se proteger interesses de terceiros. Como se pode verificar, o rol versa quase que apenas das hipóteses de reprodução, pouco tratando das demais faculdades patrimoniais.

Aliás, o art. 46, que trata da reprodução, é tão deficiente que aborda de maneira idêntica as hipóteses em que a utilização seria uma limitação ao direito, e as hipóteses em que utilizações, por não comporem o exclusivo do autor, seriam verdadeiras liberdades.

Deve-se atentar que a limitação é uma previsão normativa que, motivada por outros interesses além dos conferidos ao titular do direito, retrai, estanca, atrofia certa faculdade a ele garantida, permitindo que outros também a exerçam. No caso do direito autoral, é exatamente isso o que faz, por exemplo, o inciso VII do art. 46, quando permite a reprodução de obra intelectual como prova judicial ou administrativa.

Se terceiro, no entanto, realiza utilização da obra que não constitui uma das faculdades exclusivas conferidas ao autor, não há que se falar em limites, mas em exercício de liberdade, justamente por ser uma utilização fora da tutela e permitida a todos [20].

De maneira que, afastada a hipótese do aluno que reproduz obra para si, toda a discussão que envolva um ente intermediário que venha a auferir lucro para satisfazer o interesse acadêmico de alguém passa por uma apreciação dos limites impostos (ou a serem impostos) ao direito subjetivo do autor.

As limitações ao direito de autor, contudo, como já se disse, não se restringem às hipóteses da LDA: primeiro, porque as limitações não necessitam estar previamente previstas no texto da lei (como seria o caso das exceções, que excepcionam eventual regra firmada); segundo, porque existe uma infinidade de situações em que se impõe a preservação de outros interesses além do autor e que não foram previstas no texto legal. Não se pode esquecer que o direito subjetivo do autor sofre as limitações internas naturais da tutela autoral, mas, por estar inserido no ordenamento jurídico brasileiro, se submete também à incidência de normas limitadoras externas, advindas de preceitos legislativos nacionais e internacionais, se estes forem devidamente internalizados no país.

6.2. A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

Já vai longe o período em que o magistrado era um mero aplicador da norma geral ao caso concreto, sem que em sua decisão houvesse qualquer consideração de cunho subjetivo.

Após a Constituição Federal de 1988, que instaurou um Estado social baseado em princípios solidários, o ordenamento jurídico brasileiro passou por uma drástica reforma no que diz respeito às técnicas de decisão.

Se é verdade que o melhor seria uma LDA ajustada à realidade social, fato é que o magistrado não pode se furtar de bem julgar o caso concreto ao argumento de que, na falta de melhor norma, deve ser aplicado o texto legal existente, ainda que tecnicamente inadequado à lide.

É preciso compreender que toda aplicação de norma infraconstitucional ao caso concreto exige do magistrado uma interpretação conforme a Constituição, de modo que, se necessário, deverá excluir possível sentido inconstitucional da norma, sob pena de aplicar comando manifestamente contrário aos valores constitucionais do ordenamento jurídico [21].

A interpretação conforme é técnica de controle de constitucionalidade e de preservação do princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição [22], uma vez que os princípios constitucionais são vetores de orientação para uma aplicação do Direito harmônica aos interesses ou valores que se contraponham.

Luís Roberto Barroso bem leciona que:

"A eficácia interpretativa significa, muito singelamente, que se pode exigir do Judiciário que as normas de hierarquia inferior sejam interpretadas de acordo com as de hierarquia superior a que estão vinculadas. (...) A eficácia dos princípios constitucionais, nessa acepção, consiste em orientar a interpretação das regras em geral (constitucionais e infraconstitucionais), para que o intérprete faça a opção, dentre as possíveis exegeses para o caso, por aquela que realiza melhor o efeito pretendido pelo princípio constitucional pertinente". [23]

Assim é que a ausência do cotejo dos princípios constitucionais aplicáveis ao conflito entre editoras e estudantes, pressupondo-se a inexistência de outros interesses além do exclusivo de exploração da obra intelectual – como se o autor possuísse absoluto domínio das utilizações sobre a obra – implica má apreciação da lide e insuficiência de efetividade na prestação jurisdicional.

José de Oliveira Ascensão leciona que o direito subjetivo do autor não implica apenas a concessão de poderes – a situação jurídica do direito autoral compreende um complexo de posições positivas e negativas (poderes e deveres), e, por tal razão, o interesse do autor pode ser restringido (por meio de limites) quando, na relação jurídica, houver interesse público que clame maior proteção [24]. Tal concepção é efeito direto do princípio do solidarismo [25], encartado no art. 3º, I, da Constituição Federal, como objetivo fundamental da República.

No caso das reproduções de obra em âmbito acadêmico, parece evidente que a aplicação direta dos art. 28 e 29, I da LDA fulmina – ou prejudica em sua quase totalidade – o núcleo existencial dos interesses científico-educacionais que justificam a funcionalidade do direito subjetivo do autor.

Não há dúvidas de que, no conflito entre as editoras e os estudantes, há manifesta necessidade de se resguardar as utilizações das obras que, em última análise, impliquem o exercício de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito de acesso aos bens culturais, o direito à educação, e o direito ao conhecimento. A interpretação da LDA conforme a Constituição é um dos principais instrumentos que o magistrado deve se valer para relativizar o preceito de que toda reprodução no ambiente acadêmico, seja ela com ou sem intuito de lucro, exige a prévia autorização do autor.

Nunca é demais lembrar, com bem leciona Marçal Justen Filho, que o fundamento maior que sustenta o chamado "interesse público" reside na dignidade da pessoa humana! [26] Em tempos em que a sofisticação do arcabouço jurídico já admite falar-se em reconhecimento de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, relativas aos direitos do Conhecimento [27], parece evidente que a formação educacional é o vetor imprescindível para a evolução dos espíritos, a fim de que o indivíduo possa conhecer melhor a si mesmo e compreender melhor o mundo em que vive.

6.3. A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A APLICAÇÃO DO DIREITO

É preciso observar que, ainda que a LDA não preveja explicitamente, por meio de limites internos da tutela autoral as limitações necessárias ao direito patrimonial do autor, é possível ao magistrado, valendo-se de argumentação jurídica embasada no princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição, aplicar limitações externas ao direito subjetivo do autor e assim assegurar o exercício de direitos fundamentais de terceiros que utilizem a obra intelectual.

A evolução dos conceitos da metodologia do Direito e da argumentação jurídica conferem hoje não apenas o poder de o magistrado, diante do caso concreto, conformar as previsões normativas a fim de melhor compor os interesses em causa, como garante ao julgador o poder de sustentar sua decisão com base não apenas no comando concreto da lei, mas também em princípios ou valores constitucionais.

Robert Alexy demonstra que o caráter aberto, abstrato e até mesmo ideologizado dos princípios e direitos fundamentais não impede o magistrado de construir fundamentação racional de sua decisão, se ancorado em um processo argumentativo que sustente e controle a racionalidade de seus argumentos [28].

Significa dizer: se por um lado a decisão parte de uma base em que se ancora em valores abstratos, o processo argumentativo que lhe segue é capaz de suficientemente controlar a racionalidade da decisão de modo a afastar hipóteses de arbitrariedade e mero decisionismo [29].

Deve ser ressaltado que, no que concerne ao direito autoral, dificilmente seria sustentável a tese de que terceiros possuiriam algum direito subjetivo à reprodução da obra que submetesse o autor a lhes tolerar a conduta de utilização. Esta posição de exigir prestação ou não-prestação por meio de direitos fundamentais melhor se enquadra na relação vertical "indivíduo / Estado" do que na relação horizontal "indivíduo / indivíduo".

Mas os direitos fundamentais não implicam só a constituição de direitos subjetivos. Podem, neste sentido, revestirem-se de meros interesses que exijam a necessária proteção – o que seria suficiente para que o autor se abstivesse de coibir utilização de obra intelectual que, em tese, seria exclusiva.

Daniel Sarmento, de maneira bastante clara, ao discorrer sobre a eficácia direta dos direitos fundamentais sobre as relações privadas assim afirma:

"Parece-nos que não é possível resumir todas as hipóteses de aplicação direta dos direitos individuais nas relação privadas à moldura, por vezes estreita, do direito subjetivo (...). Os direitos individuais podem e devem ser utilizados como pautas exegéticas, ou, em casos patológicos, como limites externos para a regulação jurídica emanada de fontes não estatais do Direito (...). / Neste Particular, o operador do direito não deve ser podado na sua criatividade, reconhecendo-lhe a possibilidade de, através dos mecanismos ou instrumentos que a situação concreta revelar como os mais apropriados, proteger os bens jurídicos tutelados pelas normas garantidoras dos direitos fundamentais" [30].

Há ainda que considerar que a norma de direito autoral que exige a autorização prévia do autor não é, em si, inconstitucional – pois, o autor de fato possui exclusividade de utilizações sobre a obra. Todavia, nem sempre a genérica previsão normativa acaba por ter efetiva penetração em determinadas situações fáticas, como ocorre com as reproduções motivadas por interesses científico-educacionais e culturais, em especial, aquelas que se realizam nas instituições de ensino por meio de um intermediário que venha a auferir lucro na prestação educacional.

No caso das reproduções de obras intelectuais que se realizam no âmbito acadêmico, além da necessária interpretação conforme a Constituição – que afaste interpretações inconstitucionais do texto legal – pode o magistrado, inclusive, ao aplicar o Direito, impor o que Karl Larenz chama de Desenvolvimento do Direito Superador da Lei de Acordo com a Natureza das Coisas.

Tal instituto é um instrumento que o julgador possui para, diante de um arcabouço legal não condizente com a "natureza das coisas" que a norma jurídica visa a proteger, superar o texto legal e prestar a tutela jurisdicional adequada ao caso concreto.

Como bem destaca Karl Larenz:

"A natureza das coisas é um critério teleológico-objetivo de interpretação, sempre que não se possa supor que o legislador tenha querido desatendê-la (...). Onde a regulação legal falseie de modo grosseiro a natureza das coisas, a jurisprudência corrigiu-a aqui e ali, mediante um desenvolvimento do Direito superador da lei".

E citando Heinrich Stoll, o doutrinador alemão conclui:

"se o legislador passa por alto ou deprecia a natureza das coisas e crê poder configurar o mundo segundo os seus desejos, em breve terá que experimentar a verdade da máxima horaciana: naturam expellas furca tamen usque recurret [31]" [32]

No que respeita ao direito autoral, o magistrado deve, pois, assegurar a possibilidade de reprodução de obra intelectual sempre que esta se justifique pela finalidade científico-educacional – em especial nos casos em que a reprodução se dá como extensão da prestação educacional pelas instituições de ensino –, ainda que para isso necessite afastar o expresso comando legal que determina a prévia autorização do autor para a utilização da obra por terceiro.

Tal medida, se bem observada, nada tem de radical, uma vez que a LDA, como instrumento de efetivação da norma autoral, por meio do seu art. 46, ainda que de modo bastante tímido, sempre teve o intuito de garantir interesses científico-educacionais.

Deve ser reconhecido, ademais, que a noção de reprodução de obras intelectuais motivadas por finalidades científico-educacionais não se restringem aos meios analógicos, estendendo-se também para o ambiente digital, pois que o resultado da conduta do terceiro acaba por ser o mesmo: a constituição de um exemplar por meio da reprodução, ainda que digital [33].


7. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E A REGRA DOS 3 PASSOS

Fato sempre esquecido na abordagem das limitações ao direito subjetivo do autor é que o Brasil é signatário da Convenção de Berna (primeiro tratado que disciplinou o direito autoral no âmbito internacional), assim como dos demais tratados subseqüentes, em especial, o TRIPS [34] e WCT [35].

Em todos estes tratados, a questão das limitações ao direito de autor é regulada por meio de um sistema de princípios gerais, que veio a ser denominado de Regra dos 3 Passos. Tal expediente surgiu como meio de integrar os diferentes regimes jurídicos dos países signatários em um sistema harmônico disciplinador dos direitos autorais.

Inicialmente, por meio da Conferência de Paris, em 1971, a regra dos 3 passos, ao ser introduzida no texto original da Convenção de Berna, destinava-se apenas à faculdade de reprodução. Atualmente, contudo, tal regra é prevista em todos os tratados de direito autoral e se estendeu a todas as faculdades patrimoniais do autor [36].

O art. 9/ 1 e 9/2 da Convenção de Berna vem assim disposto:

Artigo 9

1) Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo ou sob qualquer forma que seja.

2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor. – (grifos nossos).

De acordo com a Regra dos 3 Passos, portanto, será admissível limitar o direito de exclusivo do autor:

a)quando se estiver diante de certos casos especiais;

b)quando a utilização não prejudicar a exploração normal da obra;

c)quando a utilização não causar prejuízo injustificada aos legítimos interesses do autor.

Como se pode inferir, os três passos são cláusulas abertas com conceitos indeterminados – são, neste sentido, princípios, diretrizes de atuação.

José de Oliveira Ascensão, ao analisar a maneira como a regra dos três passos veio a ser instituída nos tratados internacionais, destaca que houve nestes diplomas manifesto favoritismo aos interesses do autor, o que poderia causar sérios problemas de aplicação pelo direito interno de cada país signatário.

Como se pode verificar do texto da Convenção de Berna, as normas que dispõem sobre os direitos exclusivos do autor seriam positivas (isto é, implementariam as faculdades ao autor) e injuntivas (ou seja, obrigatórias). Já as limitações ao exclusivo, seriam naturalmente negativas (restringiriam os poderes concedidos), porém facultativas (não haveria obrigatoriedade de os Estados em adotá-las) [37]. O fato de os textos internacionais previrem os três passos para a validação dos limites ao direito do autor levou alguns países a tornar injuntivos os limites dos limites: uma vez adotados os limites ao direito de autor pelo Estado, estes não poderiam ultrapassar o âmbito do teste dos três passos.

Em face desta interpretação extremamente restritiva que se construiu acerca das possibilidades de se limitar os limites ao direito exclusivo do autor, bem como da constatação de que, em diversos casos, o Poder Judiciário dos países signatários vinham aplicando a regra dos 3 passos de modo a inviabilizar situações de manifesto interesse de terceiros usuários de obras intelectuais, o INSTITUTO MAX PLANCK DE MUNIQUE, um dos mais prestigiados centros de propriedade intelectual do mundo, publicou a Declaração "Uma Interpretação Equilibrada para o Teste dos Três Passos" [38], subscrita por Cristophe Geiger, Reto M. Hilty e uma plêiade de doutrinadores internacionais de grande envergadura, em que busca dar o real sentido jurídico para o sistema principiológico encartado nos tratados internacionais, de modo a compor os interesses em causa.

A Declaração vem redigida nos seguintes termos (com grifos nossos):

1. O Teste dos Três Passos constitui um todo indivisível. Os três passos do teste devem ser considerados conjuntamente, em uma avaliação geral e abrangente.

2. O Teste dos Três Passos não exige que as limitações e exceções sejam interpretadas restritivamente, devendo ser interpretadas em consonância com seus objetivos e propósitos.

3. A restrição do Teste às limitações e exceções dos direitos de exclusivo a certos casos especiais não impede, quando possível dentro do sistema legal a que se vinculam:

(a) os legisladores de introduzirem limitações e exceções abertas, desde que seu escopo seja razoavelmente previsível; ou

(b) os tribunais de,

- aplicar limitações e exceções enunciadas em lei mutatis mutandis a circunstâncias factuais similares, ou

- estabelecer novas limitações ou exceções.

4. Limitações e exceções não conflitam com a exploração normal da matéria protegida, se - forem fundadas em interesses concorrentes importantes ou

- tiverem o efeito de se contrapor a restrições não-razoáveis à concorrência, notadamente em mercados secundários, particularmente quando compensação adequada for assegurada, seja ou

não por meios contratuais.

5. Ao se aplicar o Teste dos Três Passos, devem-se tomar em consideração os interesses dos titulares originários de direitos, assim como os dos titulares subseqüentes de direitos.

6. O Teste dos Três Passos deve ser interpretado de maneira a respeitar os interesses legítimos de terceiras partes, inclusive:

- interesses derivados de direitos humanos e liberdades fundamentais;

- interesses sobre competição, notadamente em mercados secundários; e

- outros interesses públicos, sobretudo aqueles concernentes ao progresso científico, cultural, social ou ao desenvolvimento econômico.

Deve ser reconhecido que o destinatário da implementação das regras autorais previstas em tratados é o Poder Legislativo do Estado e não o Judiciário, a quem incumbe, por meio da lei, conformar as relações sociais. Daí que, como ressalta José de Oliveira Ascensão, "se o legislador transpuser inadequadamente este comando entram em acção [para o aplicador do direito] os meios gerais de tutela das regras internacionais" [39].

E, nesta medida, a regra dos 3 passos, como se observa, é um sistema principiológico que, além de assegurar o direito patrimonial do autor, busca assegurar interesses legítimos de terceiros que se utilizam da obra intelectual. É, pois, um instrumento de auxílio ao julgador quando da aplicação da LDA.

A previsão da regra dos três passos no Brasil como limitador dos limites ao direito subjetivo do autor não tem força injuntiva, porque o legislador brasileiro não previu nenhuma regra nesse sentido. O Judiciário, portanto, tem amplo poder de conformar os interesses envolvidos nos casos de reprodução ocorridas no ambiente acadêmico, podendo, inclusive, estabelecer outras limitações ao direito do autor, além das previstas na LDA.

A reprodução integral de obra motivada por interesses didático-científicos é facilmente classificável nos parâmetros previstos na regra dos 3 passos.

Analisada separadamente (como poderiam ser interpretados os textos internacionais), a reprodução integral, a nosso ver, seria enquadrável nas hipóteses em que não se atinge a normal exploração da obra [40]. Isso porque o fato de o acadêmico solicitar a cópia não significa que, sendo ele proibido de o fazer, viria a adquirir a obra original. Não há aqui relação direta entre a reprodução acadêmica e eventual abalo ao patrimônio do autor – razão pela qual, diversamente do que alegam os titulares de direitos autorais, é incorreto afirmar-se que haveria prejuízo ao autor e a necessidade de, por isso, coibir-se a ação estudantil.

Por sua vez, visto em conjunto os termos da regra dos 3 passos, é facilmente perceptível que a reprodução integral atende aos três critérios, pois sua realização - ainda que, em última análise, seja vista como um caso especial - não emperraria a normal exploração da obra e se justificaria, ainda que causasse prejuízo aos legítimos interesses do autor, por haver manifesta necessidade de proteção aos direitos fundamentais envolvidos.

O professor Pedro Cordeiro, da Universidade de Lisboa, aliás, em estudo em que analisa a possibilidade de a regra dos três passos ser aplicada tanto ao meio analógico quanto ao digital, é categórico em afirmar a aplicação do sistema às reproduções em âmbito acadêmico:

"Estão nesse caso limites de interesse público, excepções de carácter pedagógico e humanitário entre outras. Assim, por exemplo, reproduções feitas por bibliotecas ou estabelecimentos de ensino sem fins comerciais, reproduções ou comunicações realizadas em hospitais ou em prisões, as utilizações para efeitos de processos judiciais ou administrativos, citações para fins de crítica ou análise caiem nesta categoria de limitações e excepções" [41].

Nunca é demais lembrar que, nos conflitos entre tratados e norma interna infraconstitucional, vige no Brasil o sistema monista, em que o comando internacional prevalece sobre a lei interna [42]. Assim, ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não regule adequadamente a matéria dos limites ao direito autoral, não pode o Judiciário se eximir de cotejar as normas internacionais válidas internamente.

Fica claro, portanto, que diante da existência de manifestos interesses científico-educacionais que motivam a reprodução de obras no ambiente acadêmico, se revelam totalmente anacrônicas as decisões que vetam a possibilidade de reprodução integral da obra intelectual nas instituições de ensino (e, em alguns casos, no próprio âmbito comercial) sob o argumento de preservação das faculdades patrimoniais exclusivas do autor – como se ainda estivéssemos a viver sob os valores de um Estado puramente liberal em que o direito subjetivo não era outra coisa se não a encarnação da liberdade individual e egoísta de cada um.

Ressalte-se, por fim, que a necessidade de resguardo dos interesses científico-educacionais é um princípio que deve permear o agir não apenas dos tribunais, mas também de todas as instituições de ensino, as quais, diante de sua autonomia didático-científica, não deveriam ceder às pressões sociais (e econômicas), mas sustentar, ao mais que pudessem, os instrumentos do desenvolvimento educacional do país.


8. CONCLUSÃO

I - Este artigo clama por uma análise equilibrada da relação que envolve o interesse público e os interesses dos titulares de direitos autorais nas práticas de reprodução de obras intelectuais no ambiente acadêmico.

II – A correta compreensão do objeto da tutela autoral leva-nos à compreensão do direito autoral como um direito de exclusivo ou de monopólio e não de um direito real sui generis, como ainda predomina no Brasil.

III – Isso implica a noção de que a proteção jurídica recai sobre as atividades que se realiza sobre a obra e não sobre ela mesma.

IV – A reprodução de obra intelectual em ambiente acadêmico não pode mais ser vista apenas sobre a ótica do direito subjetivo do autor, mas também sob a perspectiva da realização de direitos fundamentais de terceiros interessados.

V – Em se tratando de reprodução de obra intelectual em ambiente acadêmico – em especial aquelas que se desenvolvem como extensão da prestação educacional das instituições de ensino - ao juiz cabe a interpretação dos dispositivos legais conforme a Constituição, sem perder de vista a natureza do objeto da tutela autoral, sob pena de se fulminar o núcleo existencial de outros interesses em causa, quais sejam, dentre outros, o direito ao conhecimento e o direito de acesso aos bens culturais.

VI – Além dos instrumentos interpretativos que o magistrado possui para a aplicação do Direito, não se deve esquecer que a limitação do direito subjetivo do autor – e afastamento do texto de lei para a preservação de direitos fundamentais e interesses juridicamente protegidos nas relações autorais - é medida cogente advinda de norma internacional devidamente internalizada no direito brasileiro.


9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

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BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009.

CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946.

CORDEIRO, Pedro. Limitações e excepções sob a "regra dos três passos" e nas legislações nacionais - diferenças entre o meio analógico e digital. In: DIREITO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. Vol. III. Coimbra, 2002.

GRAU, Eros Roberto. Prefácio. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.); NETO MARQUES, Agostinho Ramalho et al. (participantes). CANOTILHO E A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

JUSTEN FILHO, Marçal. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2006

TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A PARTE GERAL DO NOVO CÓDIGO CIVIL: ESTUDOS NA PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL. 2ª ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.


Notas

  1. A Gazeta Mercantil, de 04.05.2009, informa que a cópia não autorizada estaria causando prejuízo de mais de 400 milhões de reais às editoras. Em seu site (www.abdr.com.br), a ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) acumula notícias do sucesso de suas ações judiciais de busca e apreensão de obras que seriam fruto do que chama "pirataria universitária". Como reação à investida da ABDR, informa o Jornal Folha de S. Paulo de 22.02.2006, que estudantes criaram o movimento "copiar livro é direito", cujo intuito é garantir o acesso à informação e à instrução educacional (www.culturalivre.org.br).
  2. A Resolução USP nº 5213/2005, por exemplo, garante reprodução integral apenas das obras esgotadas sem publicação há 10 anos; das estrangeiras indisponíveis no mercado nacional; de domínio público; e das que possuam autorização expressa do autor (art. 3º).
  3. O fenômeno se alastra, inclusive, para as bibliotecas de órgãos públicos, cujos próprios funcionários operam as máquinas de reprodução.
  4. Poucas são as decisões de segunda instância relacionadas especificamente à questão da reprodução de obras intelectuais no ambiente acadêmico. Mas a concepção do direito autoral como um direito real ainda é majoritária, em que pese já exista decisões do STJ que afastem a possibilidade de utilização de interditos proibitórios para os direitos autorais. Neste sentido: "Não cabe a utilização dos interditos possessórios para a defesa dos direitos autorais" (REsp 89.171/MS, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 09/09/1996, DJ 08/09/1997 p. 42.508). O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, possui decisão atual – e, diga-se, data venia, de todo despropositada - em que se admitiu a cobrança de direitos autorais em festa de carnaval pública e gratuita promovida pela Prefeitura, ao argumento de que o evento estava sendo realizado em ambiente público: "A utilização de obras musicais em espetáculos carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a cobrança de direitos autorais à luz da novel Lei n. 9.610/98, que não mais está condicionada à aferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor. O período anterior à mencionada data não possibilita a cobrança de direitos autorais envolvendo eventos públicos e gratuitos. Apelo do autor provido em parte" (AP. Civ 3822054800.Rel. Des. Nathan Zelinschi de Arruda. Orig. Comarca de São Paulo. 7ª Cam. Dto. Privado. Julg. 12.11.2008)
  5. Optou-se pelo termo "científico-educacional" como forma de atentar para o fato de que, além dos interesses de instrução educacional do estudante, estão em causa também a gama de atividades relativas à pesquisa e à aplicação científica do conhecimento disponível.
  6. Mais comumente ligadas às atividades de reprodução de cd’s e dvd’s.
  7. É o caso, por exemplo do comércio do "Livro do Professor", exemplar de livro didático que, por conter respostas e ser destinado ao professor que leciona a matéria, tem sua venda expressamente proibida.
  8. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de propriedade industrial. p. 121.
  9. Clóvis Beviláqua era influenciado pela doutrina de Piola Caseli, para quem o direito autoral seria um direito de propriedade com estrutura pessoal e patrimonial. Ao realizar o anteprojeto do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, embora tenha inserido o direito autoral no capítulo dos direitos reais, assim se justificou: "Abstendo-se de dar à creação juridica a denominação de propriedade, claramente deixa ver que a distingue do dominio; collocando-a entre os direitos reaes, quiz indicar que, por algum modo, havia similaridade entre essas manifestações jurídicas e o direito autoral. É um direito sui generis, que, ou entraria na Parte Geral, ou havia de ser intercalado no livro dedicado ao direito das coisas; que aqui são tomados numa accepção mais estensa do que se dissesse: - coisas corpóeas".BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. p. 273.
  10. O copyright anglo-saxão é o direito da cópia. É somente um direito patrimonial de exploração da obra (hoje contemplando outras utilizações além da reprodução), em que todos os direitos sobre a obra compõem o patrimônio do autor e são eles disponíveis. Tal concepção deriva dos valores pragmáticos da cultura anglo-saxã, que se opõem às matrizes teóricas romano-germânicas que originaram o direito brasileiro.
  11. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 610
  12. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 615.
  13. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 615.
  14. No caso do acórdão da Ap. Civ. 159.742-4/6-00 (Editora Atlas S/A x Sucopi Serviço Universitário de Cópias S/C Ltda. Publ. 11.02.2009. Rel. Des. Gilberto de Souza Moreira TJ/SP) foi garantido o direito autoral à editora, em que pese o conteúdo do livro fosse mera lei seca. A LDA, de fato, confere direitos autorais aquele que realiza coletâneas ou compilações (art. 7º, XIII, LDA). A compilação, por ser extremamente criativa, ganha status de obra. Mas a proteção é justamente da forma criativa de reunião de conteúdo, e não do conteúdo em si. São exemplos: 100 Melhores Poesias Brasileiras, Contos Consagrados de Machado de Assis, etc. Na lide, era de rigor apreciar o grau de criatividade da compilação, organização ou sistematização da lei seca, não bastando verificar-se o simples emprego de uma metodologia de disposição da matéria! De qualquer modo, é certo que o conteúdo da compilação não confere direitos autorais ao compilador (neste caso, art. 8º, IV, LDA). Aquele que reúne informações em base de dados, por exemplo, não se apodera do conteúdo organizado – do contrário, se chegaria ao cúmulo de impedir um jornal de publicar notícia só porque outro a formatou e a disponibilizou primeiro!
  15. Conforme, mais pormenorizadamente, ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. p. 62.
  16. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral, p. 165.
  17. Em sentido contrário, vale citar a decisão do acórdão do Agravo de Instrumento nº 238.322-4/5-00 TJ/SP (publ. 21.05.2006), em que o Des. Rel. Flávio Pinheiro, entende ser suficiente para a caracterização da ilegalidade a mera realização do ato de reprodução: "Se a reprodução por reprografia de obras intelectuais constitui violação a direitos autorais, é óbvio que, quem se utiliza dessa prática ilícita, não pode se queixar da ordem judicial que objetiva reprimi-la".
  18. Somente por esta imprecisão do art. 28 justificaria a afirmação do referido acórdão paulista em que o magistrado afirma que a LDA não mais levaria em consideração o aspecto lucrativo da utilização da obra intelectual. Esta interpretação, contudo, é equivocada, data venia.
  19. Capítulo IV - Das Limitações aos Direitos Autorais
  20. Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

    I - a reprodução:

    a)na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

    b)em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

    c)de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;

    d)de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;

    II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

    III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;

    IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

    V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

    VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

    VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;

    VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

    Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.

    Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.

  21. Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral.p.248/249.
  22. E aqui deve ser reforçado o aspecto de que a interpretação da Constituição é algo que sempre se renova, pois como afirma o Ministro Eros Grau "Podemos dizer que em verdade não existe a Constituição, do Brasil, de 1988. Pois o que realmente hoje existe, aqui e agora, é a Constituição do Brasil, tal como hoje, aqui e agora está sendo interpretada/aplicada". GRAU, Eros Roberto. In: Canotilho e a Constituição Dirigente. p.13".
  23. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. p. 373.
  24. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. p. 373.
  25. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor e as limitações legais. p.85.
  26. É já bem difundido no Brasil o pensamento de Luigi Perlingieri sobre a função social existente em todo direito subjetivo e, por conseqüência, toda situação e relação jurídica na dinâmica social. (Cf. PERLINGEIRI, Pietro. Perfis de direito civil. p. 105 e ss).Gustavo Tepedino em pertinente artigo, discorre que "Em que pese, pois, a extraordinária importância das construções doutrinarias que engendraram os direitos de personalidade, a proteção constitucional da pessoa humana supera a setorização da tutela jurídica (a partir da distinção entre direitos humanos, no âmbito do direito público e direitos de personalidade na órbita do direito privado) bem como a tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o ordenamento". TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. p.XXIV.
  27. JUSTEN Filho, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 46/47.
  28. Paulo Bonavides assim leciona: "são direitos de quarta geração o direito á democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta ao futuro, e sua dimensão de máxima universalidade. (...). / A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável, graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta já das contaminações da mídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder – gn. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 571.
  29. ALEXY. Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p.559/560
  30. Nesse sentido, afirma Robert Alexy: "a abertura do sistema jurídico, provocada pelos direitos fundamentais, é inevitável. Mas ela é uma abertura qualificada. Ela diz respeito não a uma abertura no sentido de arbitrariedade ou de mero decisionismo. A base aqui apresentada fornece argumentação no âmbito dos direitos fundamentais uma certa estabilidade e, por meio de regras e formas de argumentação prática geral e da argumentação jurídica, a argumentação no âmbito dos direitos fundamentais que ocorre sobre essa base é racionalmente estruturada".ALEXY. Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p.573/574.
  31. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. p. 257
  32. Em tradução livre, "a natureza (ou o estado natural), ainda que rechaçado pela força, sempre retorna".
  33. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. p. 509.
  34. Devendo ser ressaltado aqui que todas as demais circunstâncias de eventual difusão da obra por meio de redes digitais já nada têm a ver com a reprodução das obras, mas sim com outra faculdade patrimonial exclusiva do autor que é a faculdade de colocar a obra à disposição (art.14, WPPT) ou, por outros, da comunicação ao púbico.
  35. TRIPS - Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual, assinado em 28.10.
  36. WCT - World Intellectual Property Organization Copyright Treaty – Tratado de Direitos Autorais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, de 28.10.2006.
  37. Cf. CORDEIRO, Pedro. Limitações e excepções sob a "regra dos três passos" e nas legislações nacionais - diferenças entre o meio analógico e digital. p. 212.
  38. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor e as limitações legais. p.100/101
  39. Disponível em: http://www.ip.mpg.de/shared/data/pdf/declaration_three_step_test_final_portuguese.pdf
  40. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor e as limitações legais. p.97.
  41. José de Oliveira Ascensão corretamente afirma que a classificação como "casos especiais" só poderia ocorrer por exclusão, quando não satisfeitos um dos dois outros critérios. Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. A função social do direito autor e as limitações legais. p. 98.
  42. Cf. CORDEIRO, Pedro. Limitações e excepções sob a "regra dos três passos" e nas legislações nacionais - diferenças entre o meio analógico e digital. p. 217.
  43. Luís Roberto Barroso bem leciona que "no que diz respeito ao conflito entre tratado internacional e norma interna infraconstitucional, a doutrina de direito internacional, como assinalamos pouco arás, é amplamente majoritária no sentido do monismo jurídico, com primazia para o direito internacional. Por tal postulado, o tratado prevalece sobre o direito interno, de forma a alterar a lei anterior, mas não pode ser alterado por lei superveniente". BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. p. 17/18.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TESSLER, Leonardo Gonçalves. Reprodução de livros (obras intelectuais) no ambiente acadêmico. A necessária limitação dos direitos autorais para a preservação de direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2653, 6 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17542. Acesso em: 18 maio 2024.